O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 65
Capítulo Sessenta e Cinco


Notas iniciais do capítulo

Um pouquinho de Daviel, como prometido. Antes disso, duas coisinhas: no último capítulo, a Júlia (JujuNoffs, minha parceira no crime) deixou um review sobre a relação entre o Apolo e a Artemis que chegou muito perto de como eu estou trabalhando a história. Acho que as coisas ficariam mais claras se vocês lessem, ou posso estar sendo doida. Essa história tem me deixado assim. A outra coisa é uma imagem de David e Gabriel como montanhas, que a lizzie me mostrou: https://38.media.tumblr.com/c5524af73d6c83dfbc6eabc6ad6d8702/tumblr_nfu43e5oFY1tp1rvqo1_1280.jpg
Tudo bem, podem ir para o capítulo agora *-*



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/472294/chapter/65

O Lado Escuro da Lua – Capítulo Sessenta e Cinco

E de todos os lugares, ele havia lhe pedido para ir à igreja. David havia proposto levá-lo do hospital aonde ele quisesse ir, mas isso por educação, não como alguma forma absurda de reparo. (Até porque Gabriel não dirigia, e voltar para a escola poderia lhe trazer lembranças do amigo falecido. David havia apenas feito uma generosa oferta, sem qualquer motivo oculto de pedido de desculpas.)

Mas então o garoto lhe pedira para ir à igreja. E não só qualquer igreja, mas a Catedral da Cruz Sagrada, o mais glorioso centro de congregação católica de Boston. David nunca havia entrado ali, e o motivo nem era por ser ateu, e sim por detestar casamentos e batizados. No entanto, ali estava, seguindo pela Washington St. a caminho do tipo de lugar que tentava sempre evitar.

Ao seu lado, Gabriel observava o interior do carro sem discrição, chegando a virar a cabeça para trás para dar uma olhada no que pudesse estar no outro banco. (Era uma criança, honestamente.) O garoto então se virou para frente, lançando um olhar de lado para David ao juntar as mãos sobre o colo.

– Você já foi lá?

– Sou ateu.

Talvez não fosse a melhor forma de continuar uma conversa, mas David ainda estava ocupado tentando imaginar porque um homossexual desavergonhado gostaria de ir à igreja. Gabriel continuou falando ainda assim.

– Eu costumava ir, quando era criança. Frequentava a que era mais perto da minha casa, mas tudo o que acontecia de importante era na Catedral. É bem bonito, lá dentro – acrescentou, como que com saudade.

– Por que parou de ir?

– Minha mãe me levou para benzer umas três vezes, e acho que só porque o padre tinha se recusado a me exorcizar – Gabriel contou, encolhendo os ombros. – Aí todo mundo começou a me olhar de um jeito estranho, e eu já estava quase esperando encontrar dentro da minha Bíblia um daqueles bilhetes que costumavam deixar no meu armário da escola, sabe? Morra, veado e sugestões anatomicamente impossíveis. Daí deixei de ir.

Ele usava muito as mãos para falar, e seu olhar só se distraiu um pouco ao ver a antiga construção cinzenta se aproximando. Era um lugar antigo, de ar romano, e David estimou que datasse de não menos do que o século XIX. Estava mais atento ao garoto, de qualquer forma, que dissera tudo aquilo com uma tranquilidade que merecia futuras investigações.

Estacionou próximo à entrada, e desceu do carro enquanto Gabriel ainda desatava o cinto de segurança. Guardou as chaves no bolso enquanto dava a volta, e lhe abriu a porta com naturalidade.

– Desça com cuidado – pediu, estendendo um abraço para que o garoto se apoiasse.

David ainda esperava que ele se jogasse em seu colo, mas, desde que o ajudara a sair do hospital, Gabriel mostrara-se estranhamente cauteloso. Era uma mudança inquietante, mas de certa forma bem-vinda. Distraía a David ficar imaginando se aquele seria um Gabriel maduro e chateado ou apenas a versão mais quieta do garoto, que tomava banho sozinha e ficava em silêncio quando não havia ninguém por perto.

Chegaram à igreja e, logo na entrada, David teve de parar e contemplá-la. Gabriel se desvencilhou como se encantado, mas o homem não buscou impedi-lo enquanto ele andava devagar até os primeiros bancos. A catedral estava deserta, mas o sol do fim de tarde entrava pelos vitrais e enchia o ar de cores.

Lembrava a David uma basílica a que ia quando criança na França, mesmo que bem menor do que ela. Tinha pilares altos que formavam arcos em branco e marfim, e mais de cinquenta bancos compridos de madeira escura. Lembrou-se de que deveria agradecer a Deus sempre que entrasse em um local sagrado, mas não conseguiu. Ergueu os olhos procurando por Gabriel, e o encontrou na primeira fileira. Estava andando até ele – o som oco dos seus sapatos sociais contra o piso muito alto naquela quietude – quando parou, achando melhor não interrompê-lo.

{...}

Quando Gabriel o procurou, David já havia visto de perto todos os vitrais, descoberto que aquele era o centro da Arquidiocese de Boston e até contribuído com uma doação. O garoto não chegou a dizer nada, apenas inclinou a cabeça como se já pudessem ir embora, mas havia um sorriso pequeno em seus lábios. David descobriu que gostava daquilo, e, ao levá-lo para fora, hesitou meio segundo antes de estreitar os olhos para o sol que se punha e chamá-lo para sair.

– Quer tomar um café?

Não era sair como os adolescentes e casais saíam, era apenas sair. Ir até a cafeteria preferida de David e tomar um café italiano forte, observar o rio Charles da janela e ler um jornal. Mas Gabriel o olhou como se o homem o houvesse chamado para tomar banho em hipotéticas crateras de águas termais na Lua.

– Um café? – chegou a repetir, olhos castanhos arregalados.

– Você não gosta? Eles têm chocolate quente também.

Gabriel considerou aquilo por um segundo ou dois.

– Com creme e canela?

– Nunca pedi um chocolate quente – David respondeu, com tom de obviedade desdenhosa. Mas quando Gabriel ficou quieto, abriu um quase sorriso. – Você não quer descobrir?

Alguma coisa naquilo deixou o rosto do garoto vermelho, e suas covinhas saíram ainda mais encantadoras.

– Eu quero. Quero sim.

E aquilo quase pareceu a resposta de uma pergunta nunca feita, mas David estava bem com isso. Guiou-o até seu carro e o ajudou a entrar, fechando sua porta e se sentindo observado enquanto dava a volta para fazer o mesmo. Não se surpreendeu quando o garoto ligou seu aparelho de som sem pedir permissão, e imaginou que Gabriel não tivesse igualmente se surpreendido quando o desligou cinco segundos depois. (Que culpa tinha? Não iria realmente passar dez ou quinze minutos ouvindo a rádio.)

Em cerca de cinco ou seis minutos, teve a certeza de que Gabriel poderia ficar quieto, mas que, melhor do que isso, poderia conversar como uma pessoa normal. Talvez não chegasse a tanto, é verdade, mas poderia ser engraçado e não irromper em uma cantoria de Cats a cada deixa oferecida.

– ... o que tem 98 dentes e está contendo o Incrível Hulk?

Mas nem tudo poderia ser perfeito, é claro.

– O seu zíper. E, no seu lugar, eu me assustaria se o meu pênis fosse verde.

Gabriel fez biquinho, como uma criança de quatro anos.

– Você já conhecia essa? Okay, outra – ele então vasculhou seu cérebro, com uma expressiva cara de concentração. – Você sabia que temos 265 ossos no corpo? – perguntou por fim, triunfante. – Quer descobrir como adicionar mais um?

David revirou os olhos, virando uma esquina e ignorando um sinal de pare.

– O pênis é um músculo, não um osso. Mais alguma?

– Hummm... você sabe o que pisca e é um deus na cama?

– Não – David admitiu dessa vez, estacionando e virando-se para Gabriel.

Que piscou, todo feliz.

Ouviu sua risada antes de que pudesse contê-la, e pôde ver na expressão de Gabriel o quanto ele não esperava por aquilo. Balançou a cabeça, ainda sorrindo, e desceu do carro ainda vendo o olhar maravilhado do garoto.

– Eu não sabia que você ria – foi a primeira coisa que Gabriel lhe disse, enquanto o ajudava a descer. – Assim, rir de verdade. A risadinha do mal não conta.

– Não conta? – David perguntou, decepcionado, e sem perceber abriu a porta do pequeno café para que o garoto entrasse. – É a minha preferida.

– Onde você quer se sentar? – Gabriel perguntou, olhando ao seu redor.

Era um lugar pequeno, David admitia, mas caro e de qualidade. Havia poucas mesas, um balcão, revistas e jornais e um cheiro permanente de grãos de café recentemente moídos no ar. Levou o garoto à sua mesa preferida, de onde podiam ver o rio, e sentou-se de frente para ele.

– Posso te fazer uma pergunta? – Gabriel não esperou resposta, brincando com o porta-guardanapos. – Você gosta de garotos?

David não usaria a palavra garotos. Implicava pessoas mais novas, e a expressão toda parecia adolescente e boba. “Gostar de garotos”, honestamente. Olhou Gabriel por cima dos óculos, sem saber onde ele queria chegar.

– Não acha que já é um pouco tarde para me perguntar isso?

Gabriel continuou brincando com o porta-guardanapos, sem encará-lo.

– Eu costumava ter certeza. Eu tenho um gaydar, você sabe – acrescentou, porque aquele tipo de casualidade vencia qualquer timidez. – Mas tenho pensado nisso esses dias. Você nunca foi gay, foi?

Bom, David já havia sido um bebê.

– Isso depende muito no que você acredita – acabou dizendo, pensativo. – Podemos nascer homossexuais, nos tornarmos em algum momento, simplesmente fingirmos. Ou sermos possuídos pelo demônio. – Encolheu os ombros, com um leve sorriso diante do emudecimento do garoto. – Eu sou gay, Gabriel, mas não entendo por que andou pensando nisso esses dias.

O que era mais ou menos uma mentira. Gabriel vinha dando sinais claros de que pensava muito na possível homossexualidade de David – ou, honestamente, em qualquer sinal de sexualidade –, mas o que o levaria a pensar mais nisso nos últimos dias, ou ainda a ficar em dúvida, era um verdadeiro mistério.

Mas Gabriel só encolheu os ombros, parecendo quase embaraçado. O garçom apareceu, e David pediu o de sempre e um chocolate quente, incomodado com o silêncio do garoto. Tornou a olhar para ele, esperando que dissesse alguma coisa, mas o bailarino parecia muito concentrado em montar uma pilha de guardanapos por cima da mesa.

– Por que isso tem te incomodado?

– Você foi meio cruel. Aquela vez que eu te liguei.

David sentiu um pouco de culpa, mas afastou a sensação para longe.

– Foi há muito tempo.

– Não foi tanto assim. – Gabriel ergueu os olhos para ele, mas como se estivesse se forçando a isso. – Eu achei que você fosse alguma espécie de homofóbico, ou então que tivesse alguém, ou então que só não gostasse mesmo de mim. Mas esses dias comecei a pensar que talvez você gostasse de mulheres.

David buscou pelo que dizer, mas não soube como começar. Por que havia sido tão rude? Sua frustração não fora culpa do garoto. Ele era o responsável por todo o resto, é claro, insinuando-se daquela forma para um homem mais velho, agindo quase como um garoto de programa gratuito. Mas não fizera por merecer o que tinha ouvido naquela manhã. Viu-se agradecido pelo retorno do garçom, e pela curta pausa para que provassem as bebidas.

Café italiano forte e quente, como ele gostava. Cheiro intenso e sem açúcar, absolutamente perfeito. Pousou a xícara na mesa, voltando a encarar Gabriel. Ele tinha a cabeça baixa, dissolvendo o creme claro no chocolate com o canudo, pensativo demais.

David não tinha como justificar em voz alta o porquê do que havia feito, então só se inclinou para frente, apoiando os braços na toalha branca.

– Gabriel? – quando o garoto ele lhe ergueu a cabeça, seu olhar pedia por favor. – Eu sinto muito.

{...}


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mas ssh, se acalmem, eu posto o próximo rapidinho.