O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 63
Capítulo Sessenta e Três




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Sessenta e Três

Gabriel acreditava em um monte de coisas, mas não na possibilidade de ter sido transportado para Grey’s Anatomy de uma hora para outra. Ele também nunca havia achado que respirar pudesse doer tanto – era o tipo de coisa suposta a ser feita natural e lindamente.

Então o que era aquela dor aguda na altura das suas costelas, aquela sensação estranha de que haviam confinado seus pulmões num espaço menor? E, mais urgente ainda, quem era o homem de cabelo escuro sentado na poltrona, lendo um livro cujo título ele não conseguia ver daquela maca desconfortável? (Podia ser ou o Patrick Dempsey ou David, mas a) onde estava o charme arrumadinho do Patrick e b) por que, em nome de Deus, David estaria ali?)

E, espera, estava de dia? Gabriel piscou, confuso; não era noite fazia cinco minutos? Fez um esforço fraco para se sentar, mas deixou escapar um ofego de dor e se deixou cair, os olhos fechados pela dor lancinante.

– Você precisa respirar fundo – uma voz séria ordenou, calma. – Abra os olhos. – Aquilo só podia ser uma mão em seu ombro, e Gabriel não teve escolha que não obedecer. Era mesmo David, Deus, muito sério o olhando por trás dos óculos, a camisa social amarrotada e a barba por fazer. – Vai doer bastante, mas ajuda.

Gabriel sentia a garganta seca e mais um monte de incômodos, mas não tinha realmente escolha. Mordeu a parte interna da bochecha antes de obedecer; seu pulmão mal havia chegado à capacidade máxima quando a dor se tornou insuportável, aguda, forte, constante. Soltou o ar quase que com desespero pelos lábios, sentindo-os machucados de alguma forma.

Acima dele, David assentiu com ligeiro sorriso, a mão apertando seu ombro de leve.

– Isso. Quer água?

Gabriel assentiu, sem poder falar nada, e David saiu do quarto por alguns minutos. Era um espaço pequeno, mas confortável, de paredes claras e alguns aparelhos reluzentes. Não era preciso um segundo olhar para dizer que se tratava de um bom hospital particular, e Gabriel teria um milhão de perguntas a fazer para David quando o homem retornasse.

Mas ele não voltou sozinho. Em seus calcanhares estava um médico franzino, de prancheta na mão e cabelo castanho grisalho. Ele não disse palavra enquanto David ajustava a maca para que Gabriel ficasse mais ereto e lhe estendia um copo da água, seus olhos claros apenas correndo pelo rosto e corpo de garoto em cuidadosa análise.

– Bom, bom – ele finalmente disse, e sua voz era surpreendente calma. – Muito bom. Como se sente, Walden?

– Respirar dói. – Gabriel respondeu, prestando mais atenção em David tão perto do que no médico. – E alguma coisa aqui também – pôs a mão na altura do peito. – E a garganta...

O médico balançou a cabeça.

– Você passou muito tempo em repouso. Tem alguma noção de em qual dia estamos?

Gabriel juntou as sobrancelhas.

– Não faço ideia.

– Terça-feira. – Foi David quem disse, atrás dele, e Gabriel demorou a entender seu tom cuidadoso. Quando o fez, levou a mão aos lábios entreabertos.

– A audição. – Arregalou os olhos. – Eu perdi minha audição. Estou aqui desde o... – as memórias do acidente voltaram como um impacto, e, quando ele engoliu em seco, sua garganta só ardeu mais. – E Apolo? Andrew? – olhou com desespero para o médico, que, por algum motivo, relanceou o olhar para David antes de respondê-lo.

– O doutor Chamberlain vai te manter a par de tudo – disse por fim, ainda em seu tom tranquilizante. – Uma enfermeira virá mais tarde preencher sua ficha completa, não conseguimos contatar seus pais.

Gabriel imaginou que a Academia estivesse com o endereço e o telefone desatualizado fazia anos; nem se surpreenderia se seu pai houvesse propositalmente passado dados equivocados de propósito. Apenas assentiu, mal dando tempo do homem sair antes de se virar para David de novo.

– Como eles estão?

David juntou os lábios antes de respondê-lo, parecendo escolher a resposta.

– Os pais do seu colega o levaram para outro hospital, não tenho notícias. O quadro de Apolo é estável.

– Estável bom ou estável ruim?

– Sem perspectiva para nenhum dos lados – David pegou o copo de plástico por sobre a cômoda e o jogou no lixo. – Mas eu acredito que vá ficar bem.

Tentando aparentar mais curiosidade do que desconfiança, Gabriel arriscou outra pergunta:

– Por que você está aqui?

David foi indiferente.

– Tirei a sorte com Artemis – respondeu, sentando-se de novo na poltrona com pouco caso.

Gabriel estudou-o então com crescente nervosismo, acometido de repente pela realidade de que não dançaria no final do ano, de que seus pais sequer sabiam que ele estava ali. E, no entanto, David estava; sentado quase que ao seu lado, tão charmoso quanto sempre fora.

– O que aconteceu comigo?

David desceu o olhar para seu peito quase que sem querer, mas sua voz tinha o ligeiro tom de tédio de sempre.

– Você chegou aqui com um quadro de pneumotórax, porque duas de suas costelas se se partiram e danificaram seus pulmões. Por isso é tão difícil respirar. – Ergueu os olhos para seu rosto. – Passou por uma torascopia delicada, e há cinquenta por cento de chances de que o quadro se repita espontaneamente dentro de alguns anos.

Gabriel não tinha certeza se havia entendido tudo.

– Vou ter que ficar internado?

– Depois da cirurgia o tratamento é simples – David respondeu, balançando a cabeça. – Graham vai te dar alta daqui a dois dias, acredito. E então serão necessários analgésicos, anti-inflamatórios e muito repouso. Vai precisar de bastante ajuda.

– Vou ficar bem?

Sua voz soou medrosa até para os próprios ouvidos, mas David pareceu ter achado aquilo doce, a julgar pelo seu quase sorriso.

– Faço questão de que sim.

– Que bom, porque a dor é tanta que parece que fui esfaqueado – Gabriel disse, sem evitar matraquear diante do súbito nervosismo.

– Você não poderia esperar outra coisa como consequência de uma insanidade como... como era mesmo? – David perguntou, sua expressão nada doce. – “Arcanjos não precisam de cinto de segurança”? – lembrou-se por fim, e Gabriel se encolheu um pouquinho.

– Posso ter dito isso – admitiu, receoso. – Como soube?

– Apolo estava murmurando isso, no mínimo se sentindo culpado – o tom de David era o de quem achava aquilo um absurdo. – Garoto idiota. – Soltou um suspiro baixo. – Você foi um péssimo paciente, também – acrescentou, erguendo os olhos. – O nível de álcool no seu sangue atrasou o efeito da medicação.

– Era só terem me dado açúcar – Gabriel argumentou. – Cupcakes.

– Injetamos glicose na sua corrente sanguínea.

– Parece bom. Você trabalha aqui?

David lhe lançou um olhar que dizia, com todas as letras, você sabe a resposta porque é um stalker infalível e está perguntando isso por motivos ocultos. Felizmente, o homem parecia ser bom com motivos ocultos.

– Graham me ligou porque Apolo estava consciente o bastante para pedir por mim, deveria saber que eu avisaria seus pais. Como estava na Academia, achei que Artemis se interessaria pela notícia, e a trouxe comigo.

Gabriel ainda não estava convencido.

– Por que você está aqui? – perguntou de novo. – De verdade.

David o observou por uma fração de segundo antes de erguer-se, pondo-se de pé e guardando o livro que estivera lendo por sobre uma mesinha.

– Eu não disse que você precisaria de toda ajuda que pudesse conseguir? Aconteço de ter um bom coração – e sorriu, a possível mentira o divertindo. – Terei uma proposta para você daqui a alguns dias. Gostaria de ver Artemis?

Gabriel ignorou a pergunta, encarando David com os olhos arregalados.

– Qual é a proposta?

David mantinha vestígios de um sorriso ao passar pela maca a caminho da porta.

– Vou buscá-la na Academia, não demoro.

{...}

Quando ele voltou, meia hora depois, lhe trouxe não uma proposta romântica e sexy, e sim sua melhor amiga, mas Gabriel não realmente se importou. O olhar de Artemis ao vê-lo – ainda da porta – era de puro alívio, e o sorriso que ela abriu ao andar até ele quase que lhe deu vontade de ser hétero.

(Quase. Porque David estava ali atrás e, bem, prioridades.)

– Você está bem? – ela lhe perguntou, colocando seus cachos castanhos no lugar com a preocupação de uma irmã mais velha. – Dói muito?

Havia olheiras debaixo de seus olhos, e uma ruga de preocupação em sua testa que nem o sorriso havia desanuviado. Gabriel estendeu a mão para segurar a dela, sentindo-se quase que culpado.

– Acho que estou morrendo, mas tudo bem. – Sorriu diante do revirar de olhos que esperara. – Como está Apolito?

Artemis pareceu ter envelhecido dez anos.

– Está no quarto ao lado. Seus pais estão sempre com ele. – Mordiscou o lábio inferior por uma fração de segundo, e então abriu um sorriso. – Vai ficar bem.

Gabriel juntou as sobrancelhas.

– Então por que você está assim?

Os olhos de Artemis reluziram, e ela se afastou como se pudesse bater nele se ficasse próxima demais.

Por quê? Eu mal tenho dormido de preocupação com você! – exclamou, indignada. – Acharam que você também houvesse fraturado a medula, e que nunca mais iria poder dançar. A apresentação está suspensa, Isabella não para de chorar, eu não--

As palavras morreram e Artemis engoliu em seco. Gabriel achou que tivesse entendido errado, por que a apresentação seria suspensa e Isabella...?

– Sou tão importante assim? – tentou brincar, mas, mais do que os olhos cheios de água de Artemis, foi a expressão pesarosa de David que o fez entender tudo. Piscou, mortificado. – Andrew.

Artemis virou-se para David como se só precisasse desviar o rosto.

– Achei que tivesse contado a ele.

– Enquanto ele ainda poderia desenvolver estresse pós-traumático? – O homem perguntou, com escárnio. –Teria sido uma ideia brilhante.

Artemis pareceu culpada ao tornar a se virar para Gabriel, mas ele não lhe deu atenção. Andrew havia realmente morrido? Abaixou os olhos para a mão que tinha sob a de Artemis, sem conseguir entender, as lágrimas aflorando sem que ele sequer soubesse o porquê. Andrew não poderia ter morrido, estava de cinto, no banco da frente, tinha uma audiência na segunda e uma queda ridícula pela Artemis. (E a história dele ter mudado de hospital; David havia mentido?) Não poderia ter morrido.

Mas Artemis apertou sua mão e inclinou-se para beijar sua testa, e, mais do que tudo, a súbita gentileza daqueles lábios– usualmente tão cínicos, tão espertos – o fez fechar os olhos e chorar.

{...}

Quando a noite chegou, lhe deram medicação para dormir. Não poderia ter certeza de nada com o raciocínio embaçado daquele jeito e o quarto escuro, mas a pessoa que chegou pouco depois e passou a noite na poltrona, definitivamente, não era Artemis.

Ao adormecer sorrindo, com medo de fazer o menor barulho, Gabriel percebeu que talvez não houvesse superado em nada sua queda por David. Mas como, honestamente? Faço questão de que sim... aquela maca era muito pequena, e, no entanto, lhe parecia cheia de espaços vazios.

{...}


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Notas finais do capítulo

Duas coisas para vocês antes de surtarmos com Daviel: Primeiro, eu iria ler o Halloween Special da JujuNoffs se fosse vocês. Hades e Perséfone escritos lindamente, com uma pontinha do Apolo e da Artemis! E, segundo, atualizações a cada dez ou quinze dias serão nosso novo ritmo a partir de agora. Muita coisa acontecendo, como todo fim de ano ): Reviews são amor, sempre.