O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 62
Capítulo Sessenta e Dois




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Sessenta e Dois

David fez seu caminho de volta à sala de espera com discrição. A ideia de se parecer com um psicopata diante daquele trágico acidente agradava-o mais do que deveria, e não era difícil fingir indiferença quando sempre detestara hospitais normais.

Eram espaçosos, claros, bem iluminados, cheios de pessoas atarefadas (em branco ou naquele odioso tom de verde) correndo para salvar vidas. O que o esperava na sala de espera seria ainda pior: pessoas absolutamente normais soluçando, chorando, honestamente e com toda a razão se desesperando e sendo dignas de pena.

David não era um grande fã de choro e de pessoas compreensíveis e sãs. Não por acaso, preferia os corredores vigiados dos hospitais psiquiátricos, onde as luzes eram sempre frias e havia sussurros por todos os cantos (a loucura murmurando palavras doces?). Os pacientes eram ainda melhores, ora sem se mexer, ora arrancando pedaços do próprio corpo com os dentes, ora ainda colocando o rosto de encontro às grades, sibilando como cobras para quem quer que passasse.

Eram desafios, verdadeiras aberrações para o resto do mundo, incompreensíveis para pequenas mentes normais – exceto para David. Era satisfatório sentir-se capaz de compreendê-los, nem que fosse apenas um pouco, mesmo que às vezes por trás das grades de segurança.

Contudo, parte de sua inexpressividade sumiu quando ele encontrou Artemis exatamente onde a havia deixado. Do outro lado da sala de espera, a garota tinha o cabelo preso em um rabo de cavalo baixo e vestia calça de malha cinzenta, na maior deselegância em que David já a havia visto. Contra os lábios mantinha a mão, o cotovelo apoiado nas pernas cruzadas, os olhos azuis perdidos no revestimento branco do chão.

Pela primeira vez ele a achou realmente bonita. Havia preocupação em seus olhos, e angústia também, mas apenas para um observador atento. Seus lábios cheios tremiam de vez em quando, e, andando até ela com interessada curiosidade, David apostaria sua melhor garrafa de burgundy que era de medo. Suas maças do rosto eram altas, mas sua pele estava tão pálida que era como se estivesse doente.

Dobrou um joelho para poder encará-la nos olhos, algo que usualmente não faria, e teria apoiado uma mão em seu ombro para chamar sua atenção se a garota não houvesse o encarado com determinada lucidez. David apostaria outra garrafa que aquilo era desespero, mesmo que pudesse estar enganado (mas quem poderia despistar por completo o melhor psiquiatra da Costa Leste?).

– Ele vai ficar bem – disse, com firmeza, e uma súbita calmaria tomou conta daqueles olhos claros.

– E Apolo? – sua voz era quieta e macia, sem nada da altivez que ele viera a conhecer tão bem, mas fez com que David juntasse as sobrancelhas.

– Eu estava falando dele – respondeu, tentando entender como Artemis se preocuparia mais com Gabriel do que com Apolo; seria isso ou certeza de que... um instante, o que era aquela expressão aberta de incredulidade?

– David? – Alguém tocou seu ombro, e o tom de voz era urgente. – Como ele está?

Havia se esquecido por completo dos pais de Apolo. Preparando-se para aquelas sensações desconfortáveis que odiava tanto, David pôs-se de pé para encarar Charles Wright, transtornado por baixo de sua melhor compostura de correspondente de guerra.

Como ele está? Deitado na maca e cercado de enfermeiros, Apolo mal respirava, tinha a têmpora coberta de sangue e o corpo cheio de hematomas. Sua camiseta originalmente vermelha tinha agora um tom profundo de escuro, mas não havia como David dizer a um pai nada daquilo.

– Não pude vê-lo – mentiu suavemente. – Graham não me deixou entrar.

Charles assentiu e engoliu em seco, abaixando a cabeça antes de voltar para junto de Lena, que chorava com o rosto afundado nas mãos. Ela era uma das mulheres mais belas que David já havia visto, mas ver seu cabelo dourado só fazia com que ele se lembrasse de Apolo. Desviou os olhos de volta para Artemis, descobrindo que ela o encarava com firmeza.

– Gabriel?

(Gabriel tinha os cachos castanhos cobertos de cacos de vidro, cortes no rosto e um sangramento preocupante na altura da clavícula, mas isso sequer era o pior.)

– Está indo para o centro cirúrgico.

Artemis desviou o olhar como se houvesse descoberto que ele iria para o necrotério, e, por um instante, pareceu tão preocupada que foi até uma surpresa quando voltou a falar.

– Como sabe que Apolo vai ficar bem?

(Ela havia ouvido a mentira contada a Charles?) David sentou-se ao seu lado, escolhendo as melhores palavras.

– Cumpri residência em hospitais cirúrgicos – contou, com cautela. – Pelo quadro dele, posso dizer que vai sobreviver.

Impossível garantir mais do que isso, era o que a recusa de Artemis em encarar seus olhos pareceu entender.

– Vai poder tocar?

– Não sei.

David não podia ver os olhos da garota direito, mas sua honestidade pareceu tê-los enchido de água. Ainda se recusando a encará-lo, Artemis engoliu em seco antes de falar de novo.

– Gabriel tem uma audiência amanhã.

Seria muito cruel fazê-la formular a pergunta. David balançou a cabeça, e, quando estendeu a mão para apoiá-la em seu ombro, foi seu primeiro gesto de conforto em anos.

– Não sei se ele vai poder voltar a dançar.

Como era de se esperar, Artemis fechou os olhos para conter as lágrimas, e David a sentiu encolher o corpo. Do outro lado da sala, a violinista loira encarava muito quieta as próprias mãos, o braço do primo de Apolo passado ao redor dos seus ombros. Charles e Lena trocavam sussurros, o rosto dos dois muito vermelho. Eram todas reações únicas, mas David teria morrido de tédio não fosse por Artemis.

Afinal, ao abrir os olhos e virar-se para ele, tudo o que ela lhe mostrou foi culpa. David não tinha dúvida quanto a isso, não quando – talvez pela primeira vez – ela lhe era tão sincera.

– Você não deve ficar aqui – aconselhou, tentando entender como Artemis poderia se sentir responsável por algo que não havia passado de um acidente. – Eles não vão poder receber ninguém pelas próximas horas.

Mas a garota sequer pareceu tê-lo ouvido. Engoliu em seco e abaixou o olhar, as pernas cruzadas e uma das mãos fechada sobre elas em todos os sinais de retraimento que David conhecia. Ele então tomou uma decisão com cuidado, pondo-se de pé e estendendo uma mão para que ela fizesse o mesmo.

Artemis estava fria, e sua mão era menor do que a dele, mesmo que com dedos igualmente compridos. Ela o encarava com suspeita, e era alta para as garotas da sua idade, talvez um pouco menor do que Apolo – mas David a olhava de cima, mesmo que com pena.

– Venha – pediu. – Vou te levar para a Academia.

– Não vou poder entrar – Artemis contrapôs. – Já passa do toque de recolher.

É claro, David não poderia esperar que fosse ela a dar a notícia a mais alguém.

– Te levo para a minha casa – propôs, com suavidade. – Voltamos assim que pudermos vê-los.

Artemis ainda parecia relutante, e teria dado um passo para trás se David não houvesse falado de novo.

– Você precisa ficar sozinha.

{...}

Só voltou a ouvir sua voz quando a garota lhe agradeceu, muito quieta na poltrona mais próxima da lareira apagada. Abraçava os joelhos e evitava encará-lo, e David teve o cuidado de não dizer nada ao subir as escadas.

Na quietude do próprio quarto, retirou o sobretudo e afrouxou a gravata. Descalçou os sapatos só para que não fizesse barulho ao andar por sobre o assoalho escuro de madeira, e correu a mão pela cômoda sem ao menos perceber o que fazia.

Como vocês dizem emmanché?, havia perguntado. Armani, Chanel, Guerlain, Cartier. Puto, vadio, sem-vergonha. Cachos de anjo sujos de sangue e cheios de cacos de vidro, lábios outrora espertos completamente sem cor.

Não podemos ter certeza de nada, Chamberlain.

Se Artemis ouviu algum barulho do andar de baixo, não subiu para ver o que era.

{...}


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Notas finais do capítulo

Eu talvez devesse começar pedindo desculpas, mas acho que é melhor esperar um pouquinho e postar algo que valha a pena do que atualizar loucamente postando apenas rascunhos empolgados e insanos. E está do agrado de vocês, meus amores? É isso que importa. Mil beijinhos da Maeve.