O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 61
Capítulo Sessenta e Um




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Sessenta e Um

Apolo estava tão de saco cheio quanto poderia estar, a cabeça deitada para trás e uma perna dobrada lhe dando apoio na parede. Encarava o teto escuro do backstage sem prestar atenção, barulho demais a sua volta. Geralmente, era o último a se incomodar com barulho, ainda mais quando vinha de instrumentos bem afinados e boas caixas de som, mas tudo o que queria era ir embora.

Se odiava, tanto quanto poderia. Passara quase uma hora procurando por Artemis na multidão, e tudo havia o irritado: pessoas que paravam para cumprimentá-lo, pessoas que pisavam em seu pé, pessoas que o acotovelavam – mas nada o irritou mais do que não encontrar a garota.

A palavra lhe saía estranhamente doce. Saía bem, dita com a boca cheia. Vadia. Com todas as letras, dizendo exatamente o que significava. Vadia de cabelo vermelho e olhos azuis, vadia de pernas longas e cintura estreita. Vadia de sorriso secreto charmoso, de sobrancelhas irônicas. Vadia por não ter tido coragem de procurá-lo por duas semanas depois de sua confissão, vadia por não ter vindo ao seu show, vadia por não tê-lo visto quase chorar no palco por sua causa.

Vadia, vadia, vadia. Ia murmurando a palavra para si mesmo, quase que só movendo os lábios. O backstage era suposto a ser um lugar mais reservado, mas isso nunca dera certo nos shows da Berklee, e o espaço estava quase tão cheio quanto o estádio. Felizmente, estava em um canto escuro e afastado onde ninguém iria reconhecê-lo e perturbá-lo.

Honestamente, queria ter vontade de erguer uma garrafa de Johnny Walker no ar – exatamente como James fazia – e beber até se sentir capaz de suportar tudo, aproveitando a noite até muito além da madrugada. Poderia misturar sua raiva com a euforia e se divertir, mas sequer tinha vontade de andar até seus colegas.

Queria socar uma parede, gritar com Artemis, sussurrar Wicked Game até que a música acabasse com ele e então gritar com Artemis de novo. De novo, de novo e de novo, até que a maldita garota chorasse ou pelo menos lhe dissesse porquê. (E era um vasto porquê, não era? Quantas coisas ele já não tinha deixado passar até então?)

– Esses punhos cerrados são para bater em alguém?

Anna estava parada à sua frente. Vestia uma boina vermelha de tricô e um vestido escuro, azul ou preto, não dava para ter certeza naquela luz. Tinha as mãos atrás do corpo, mas não havia timidez em seu rosto.

– Não – respondeu, mas Anna entendeu tudo.

– Ela perdeu um show maravilhoso – foi o que lhe disse, sem inflexão especial na voz. – Foi a melhor música que você já tocou. Mas será que esperam que eu fique para ver os outros? – perguntou, com falsa preocupação. – Mais um cover de Arctic Monkeys e eu talvez vomite. – Suspirou em enfado, e então gesticulou como quem não quer nada. – Logan me chamou para aquele bistrô japonês perto do ateliê, e eu pensei que você talvez gostasse de ir.

Apolo estudou o convite sem interesse.

– Não. A não ser que você não queira ir sozinha com ele.

Mas Anna revirou os olhos.

– Se eu não quisesse sair com ele, teria lhe dito isso. – E quando foi que aquela mudança tinha acontecido? Antes que Apolo ponderasse a questão, sua amiga já estava falando de novo. – Você vai passar o resto da noite aí?

Apolo queria dizer que sim, mas seria infantil e nem de todo sincero. O que realmente queria? Balançou a cabeça, dispensando a companhia da garota.

– Eu me viro. Divirtam-se vocês dois.

Anna tornou a revirar os olhos, dando um passo para trás.

– Ela não merece tudo isso – disse, depreciativa, antes de se afastar.

Apolo fingiu não tê-la ouvido, mas merecia? Desencostou-se da parede antes que pudesse levar a pergunta a sério, esperando não chamar a atenção de ninguém enquanto pegava seu casaco de cima de uma poltrona e saía pelos fundos. O estacionamento geralmente ficava caótico e cheio de pessoas se amassando e fumando, e Apolo havia aprendido há tempos que o melhor a fazer era estacionar a poucas quadras dali.

Seguiu para lá sentindo na garganta o amargor de estar indo embora tão cedo, vendo como era irônico que, poucas semanas antes, aquela fosse suposta a ser uma das melhores noites da sua vida. Era patético que houvesse esperado tanto por ter Artemis no backstage, ridículo que tivesse passado tanto tempo desejando que ela o visse tocar e que o beijasse depois.

Envolto naquilo, demorou a notar que conhecia a pessoa parada a poucos metros do seu carro. Gabriel estava acompanhado de – Apolo estreitou os olhos – Andrew, que, aliás, parecia meio irritadiço enquanto dizia alguma coisa.

Apolo aproximou-se sentindo estranha apatia, e destrancou o carro sem que os dois sequer se virassem. Estava abrindo a porta do motorista quando a sensação de culpa aflorou, e foi resignado que tomou sua decisão.

– Oi – disse, em voz alta, como se houvesse acabado de notá-los.

Ambos viraram-se para ele, Andrew surpreso e Gabriel abrindo um largo sorriso.

– Appy!

– Oi – foi a cautelosa resposta de Andrew, enquanto Gabriel vinha na ponta dos pés até o outro lado do conversível vermelho, movimentando os braços em cômica graciosidade.

– Olá – ele lhe disse, ainda sorrindo, os braços apoiados sobre o teto removível. – Canta um dueto comigo?

Seu rosto estava corado, suor na têmpora e no pescoço, a camiseta colada em seu corpo magro. O cheiro da vodca patrocinadora do Festival era sutil, e Apolo inclinou a cabeça para o lado para manter contato visual com Andrew, movendo os lábios para perguntar bêbado? Recebeu um desgostoso aceno confirmativo.

Decidindo que aquilo era mais do que podia lidar, manteve sua ideia original.

– Quer uma carona até a Academia? – foi só o que perguntou, sem respondê-lo.

O garoto fez um biquinho, sem notar que sua proposta havia sido posta de lado.

– Mas já? Eu estou me divertindo tanto! Você vai tocar de novo? Achei que tivesse superado minha queda por você, mas devo ter me apaixonado de novo em algum momento durante aquela música – assumiu uma expressão pensativa. – Pena que Artie não quis vir.

Sem se importar com o que Andrew pudesse pensar do comentário, Apolo apenas se concentrou em ignorar qualquer menção a Artemis.

– Não, eu já estou indo para casa. Mas posso te deixar na Academia, o Festival já vai acabar mesmo – mentiu. Lembrou-se então do outro garoto, e ergueu os olhos para ele. – Você também, se já quiser ir embora.

Mas as sobrancelhas de Andrew saltaram.

– Você já vai? – A surpresa foi contida rapidamente pela educação palaciana que todos os dançarinos da Academia pareciam ter tido (à exceção de Gabriel), e o garoto voltou a parecer desconfortável. – Não é da minha conta, claro. – Hesitou por meio segundo. – Aceito a carona, não vim de carro. Achei que fosse ser difícil de estacionar.

– E é – Apolo concordou, apreciando o assunto prático. – O estacionamento sempre fica caótico. Mas vamos, então? – Abriu a porta. –Tudo bem para você, Gabriel?

– Pode ser, acho que estou precisando de glicose no meu sangue – o garoto comentou, por algum motivo pondo as mãos na barriga. – Dá para fazer um cupcake lá no dormitório. Você quer um?

– Não, obrigado – Apolo respondeu, entrando.

Gabriel se fez confortável no banco de trás, e Andrew tomou a liberdade de sentar-se na frente, ao lado de Apolo.

– Avante! – Gabriel exclamou, as mãos apoiadas no encosto do branco deles como uma criança.

(Apolo chegou a lhe lançar um olhar preocupado pelo retrovisor e pedir para que se sentasse direito e pusesse o cinto, mas Gabriel respondeu que arcanjos não precisavam de cintos de segurança. Sem paciência para discutir com aquela falta de bom-senso, Apolo manobrou para sair.)

Andrew passou dois minutos imóvel e calado, mas Apolo não se importou. Atrás deles, Gabriel falava sozinho, e precisou que fizesse um comentário sobre a beleza dos dois para que Andrew se manifestasse.

– Você mora longe da Academia?

– Sim – Apolo respondeu, pensando pouco. – Meio longe do centro, também. Você é daqui?

– Sou.

O silêncio foi breve, e Apolo imaginou se deveria dizer alguma coisa.

– Você dança há muito tempo? – perguntou, fazendo uma curva com cuidado.

– Desde pequeno. – Aquela parecia ser a resposta padrão de qualquer bailarino da Academia, mas havia um quê defensivo no tom de Andrew. – Achei que o encerramento do show fosse seu.

Alguma coisa naquilo o lembrou de Artemis.

– Kurt vai me cobrir.

– Aconteceu alguma coisa?

– Não disse que não era da sua conta?

Ouviu Andrew se mover no banco, mas não recebeu resposta.

– Não quis dizer isso assim. – No banco de trás, Gabriel fazia um biquinho de peixe para seu reflexo no espelho retrovisor. – Mas você também está indo embora cedo. Não gostou do show?

– Não foi bem como eu esperava. Você foi bem, é claro. – O elogio sequer teve algum significado. – Mas também tenho uma audiência de segunda.

Artemis havia lhe dito sobre a audiência, e também sobre o ódio de seus colegas por fazê-los treinar aos fins de semana. Havia exposto toda a sua arrogância e todo o seu amor por mitologia em uma mesma noite, e as juntas dos dedos de Apolo estavam de repente brancas ao redor do volante.

– Muita competição pelo papel?

– Sete ao todo, se não contar os amadores. Eu não conto.

Artemis de novo, e seu pé escorregou só um pouquinho no acelerador.

– A audiência é só na segunda – Gabriel disse de repente, espreguiçando-se. – Eu não estou muito preocupado, vou descansar amanhã.

– Só se você faltar ao treino – Andrew retrucou. – Não se lembra da nova regra da Artemis?

Havia rancor em sua voz, mas não o bastante para abafar aquele nome. (Apolo lembrou-se, de súbito, de como o cabelo vermelho dela fazia cócegas em seu braço quando a puxava para perto.)

– Achei que não treinassem nos fins de semana.

Andrew curvou os lábios em desagrado.

– Artemis é insana. Você não a conhece direito, ela é ainda pior do que parece.

(E a sua arrogância fica charmosa com o tempo; mas ficava mesmo?)

– Você não achava isso quando ela chegou, Andy-Andy – Gabriel disse de repente, divertindo-se. – Estava beijando os pés do pai dela ainda esses dias.

– Antes de ver como ela era – Andrew retrucou, mal-humorado. – Se achando muito boa para qualquer um de nós...

E a ideia de que Andrew houvesse realmente a chamado para sair mais de uma vez fez Apolo acelerar ainda mais, incapaz de dizer qualquer coisa. E daí se ela havia recusado? Não havia lhe dito que era porque estava com outra pessoa, havia? Não contara sobre Apolo, e por quê? Por que, honestamente? O que havia de tão errado com ele? Lembrou-se da ruidosa salva de palmas que havia recebido, e cerrou o maxilar. O que havia de tão errado com ela?

– Vadia.

Mas foi Andrew quem o disse, e não ele, e isso Apolo não perdoaria. Freou abruptamente, e Gabriel exclamou um “ei!” ao ser trazido para frente, assustado. Andrew tinha uma mão espalmada no painel por apoio, encarando Apolo em susto, e o garoto estava procurando pelo que dizer quando a luz do carro atrás deles pareceu se aproximar muito mais rápido do que deveria.

Com a visão ofuscada, completamente confuso, Apolo virou-se para trás, sem entender. Estavam a uma boa distância, o motorista devia ter visto que haviam parado; seria impossível frear também, a rua completamente deserta?

Mas a grande carroceria prateada não o fez. Apolo ouviu Andrew gritar para que acelerasse, mas o farol amarelado já havia inundado todo o carro.

{...}


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Notas finais do capítulo

What a wicked thing to say, to make me feel this way... what a wicked thing to do, to make me dream of you... A música Wicked Game, que o Apolo menciona, é do Stone Sour. Indo em frente, vocês sabem que eu adoro ouvir teorias e suposições. Façam-me feliz *u*