O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 60
Capítulo Sessenta




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Sessenta

Artemis fechou a porta atrás de si com cuidado, quase como se estivesse fazendo algo de errado (e não estava?). A Academia estava deserta, os corredores mal iluminados por luzes claras e pela falta de Lua. A garota andou em passos lentos de volta para o dormitório, não fazendo barulho e procurando não encontrar ninguém.

(O que era uma preocupação boba, se ela parasse para pensar. Aparentemente, não havia viva alma no prédio, o ar tão quieto que fazia Artemis desviar os olhos para o lado de vez em quando, à procura de alguma coisa que não sabia o que era.)

Sentia a consciência pesada, mas era uma sensação tão desconfortável que buscava sufocá-la condensando o silêncio em sua mente, esforçando-se para não pensar em nada – principalmente em Apolo; a quilômetros de distância, tocando para uma multidão de pessoas que não a incluía.

(E depois?)

Fiz a coisa certa, disse a si mesma, quando já estava mordiscando o lábio inferior. (Um hábito horrível, que achara ter abandonado fazia alguns anos. Ledo engano, ou então apenas uma recaída, daquelas provocadas por Apolo.) Fiz o que deveria fazer.

Já estava chegando ao pátio sem nem ao menos perceber o caminho que seus pés faziam quando viu que não era a única a habitar aquela calmaria. Recostado em um dos bancos, David tinha um cigarro aceso e olhava para a noite escura, absorto demais no que quer que estivesse pensando.

Artemis poderia seguir seu caminho – que incluía a passarela bem atrás do professor – ou adiantar-se ao passar pelo pátio, o que também chamaria a atenção de David para a sua presença. Enquanto pesava suas opções, os olhos do professor voltaram-se diretamente para ela. Eram tão escuros que Artemis não teve que escolha que não dar-se por vencida, andando até o banco com as mesmas passadas lentas com que havia deixado a sala de ensaio.

David foi o primeiro a falar.

– Boa noite – ele lhe disse, com estranha cortesia. – Hora curiosa para se ensaiar.

O homem vestia uma camisa social ligeiramente amassada, calças escuras e sapatos engraxados; os dedos que seguravam o cigarro eram estranhamente elegantes. Fazia dois ou três dias que não fazia a barba, e a luz mais próxima – a talvez cinco metros dos dois – deixava suas olheiras visíveis.

Artemis tirou a mochila de cima do ombro, apoiando-a no chão.

– Também é uma hora estranha para se estar aqui.

David inclinou a cabeça em concordância e com o menor dos movimentos a convidou a se sentar. Artemis o fez, e David fez um gesto qualquer com o cigarro.

– Incomoda-se que eu fume?

– Fique à vontade – Artemis disse, porque, com um coração daqueles, seus pulmões não eram exatamente uma preocupação. Apolo já teria notado sua ausência?

– Como médico – começou David (e, não olhando-a nos olhos, era como se estivesse falando com o céu) – eu devo te alertar que a prática intensa de atividades físicas antes do sono pode comprometer a qualidade das suas noites e da sua saúde. – Prendeu o cigarro entre os lábios, soltou a fumaça logo depois. – Mas honestamente, quem se importa?

Artemis não tinha o que responder àquilo, então se pôs a observar a macieira de um dos canteiros do jardim. Não queria pensar em Apolo, mas como não? Sentia a garganta arder ao imaginá-lo esperando por ela, uma mistura de embaraço e arrependimento, mas agora já não era tarde demais? A garota engoliu em seco e sufocou a indagação, virando-se para David para não afogar-se em si mesma.

O professor virou-se para ela em resposta, inexpressivo. Encararam-se por um tempo, até que o homem suspirou e, soprando a fumaça para o alto uma última vez, recostou-se melhor no banco.

– Não deveria estar em outro lugar?

– Não – Artemis respondeu, ou porque era boa mentirosa ou porque aquilo era realmente verdade; o que separava uma coisa da outra? – E você, o que faz aqui?

– Não há muito o que se fazer por aqui – David respondeu, deitando um olhar lânguido por sobre o pátio, os lábios curvos em ligeiro desagrado. – Só resolvi aproveitar a feliz distância que me separa dos meus alunos. Não esperava encontrar ninguém.

– Eu também não.

E esse próximo silêncio foi mais suave, um tanto mais cúmplice. Artemis se permitiu observar a noite pela primeira vez, erguendo os olhos para o céu e se deixando invadir pela falta de estrelas.

– Não deveria estar no Festival? – perguntou, quase que com timidez, e o que veio de David foi quase uma risada baixa.

– Eu poderia perguntar o mesmo de você. – O homem uma batidinha no cigarro para que as cinzas caíssem no canto do assento. – Ou já não o fiz?

– Perguntou se eu não deveria estar em outro lugar. – Era para ser uma correção, mas, quando David não respondeu, Artemis notou que ele reduzia as duas coisas a uma só. Empertigou-se um pouco, acuada. – Você é o professor responsável, não é?

– Da sua apresentação. Não desse Festival. – David encarou o cigarro entre seus dedos por um tempo até tornar a se virar para ela, soando tão genuinamente curioso que era como se estivesse deixando a pergunta escapar: – Apolo sabia que você não iria?

Artemis conteve-se para não morder o lábio inferior.

– Não.

David não disse nada, mas seu silêncio disse tanto à mente angustiada de Artemis que a garota não pôde evitar erguer uma sobrancelha.

– Gabriel me contou de vocês dois.

Mas a reação de David foi decepcionante. Ele soprou fumaça e depositou mais cinzas no seu lado do banco, soltando um pequeno suspiro.

– Imaginei que fosse – murmurou, erguendo então os olhos para observar longamente o pátio.

Artemis estreitou os olhos, incomodada.

– Ainda não te perdoei pelo que fez a ele.

– Eu me surpreenderia se tivesse – e aquilo era um pequeno sorriso? – Para o meu azar, entretanto, o garoto não guarda mágoa – e ele suspirou de novo, deitando a cabeça meio milímetro para examinar melhor o céu escuro. – Ninguém pode dizer que não tentei – tornou a murmurar.

Artemis observou seu perfil, notando pela primeira vez o quão aristocrático era. Juntou as mãos no próprio colo, inclinando a cabeça para o lado em curiosidade.

– Não o quer tanto assim?

David a olhou de soslaio.

– Isso não esteve bem claro desde o princípio?

Artemis entreabriu os lábios, juntando as sobrancelhas em compreensão.

– Excepcionalmente claro. A convicção de um mentiroso? – sugeriu, sobressaltando-se quando aquilo fez o homem gargalhar, sua risada rouca e espontânea alta demais naquele silêncio.

David lhe lançou um olhar oblíquo e divertido quando terminou de rir, ainda sorrindo.

– Porque disso você entende, não é? – Apreciou o emudecimento de Artemis por alguns minutos, e então (ainda sorrindo) tornou a erguer os olhos para o céu. – Ainda se recusa a namorar Apolo publicamente, e essa é só a ponta do iceberg – acrescentou, deliciado, mas Artemis se recusou a respondê-lo. O homem acabou balançando a cabeça. – Somos parecidos, você sabe.

A suavidade daquela risada e daquela fala tão macia, estranhamente, fez com que Artemis se sentisse mais à vontade, a noite parecendo menos quieta.

– Mas ele realmente gosta de você – teve que dizer, porque Gabriel ficaria feliz com isso.

David desviou o olhar.

– É uma paixão platônica que nem sentido faz – disse, prendendo o cigarro entre os lábios. Artemis observou seus olhos, contudo, e era o movimento quase imperceptível deles o reflexo de um rumo vertiginoso de pensamento? – Os interesses de Gabriel existem, não vou negar, mas são hormonais e físicos – outro suspiro. – Não enfrentarei todos os problemas legais e sociais pela curiosidade sexual de uma criança.

– Ele não é uma criança – Artemis se ouviu dizer, mais teimosa do que gostaria. – E está dentro da Lei de Consentimento.

– Esse não é o único problema, você sabe – David disse, com uma maciez irônica.

– Ele seria bom para você – Artemis disse de repente, vendo algo com clareza pela primeira vez. David revirou os olhos.

– E eu faria um bem absoluto àquela coisinha saltitante, não faria? Depressivo, alcoólatra e fumante – soltou uma risada baixa. – Não há problema em confiar em você, há, Artemis?

Não havia, mas, de qualquer forma, ele já havia lhe dito tudo, mesmo.

– Você deveria dar uma chance ao Gabriel – Artemis arriscou dizer, então, hesitando apenas um pouco. – Ele é uma boa pessoa. – Carente, cheio de vida, de ânimo, propenso e disposto a agradar. – A não ser que você tenha medo da opinião da sociedade, é claro, mas eu te considero acima disso.

David a olhou por um bom tempo, o bastante para que Artemis se perguntasse se teria feito algo de muito errado, mas então acabou sorrindo de lado.

– Não é muito difícil ver porque Apolo se atrai tanto por você.

E com isso ele ergueu os olhos para o céu e deu o assunto por encerrado. A lembrança de Apolo, contudo, fez com que Artemis voltasse a sentir aquele desconforto cheio de culpa, e ela desviou o olhar para o jardim já o sentindo vidrado. Não é nada, havia dito, mas era tanta coisa... Fechou os olhos por breves segundos, e, quando os reabriu, olhou de soslaio para David. Não chegou a ser uma surpresa que ele já estivesse a encarando.

– Tem alguma coisa que você queira me contar?

E seu tom de voz estava tão mais humano, tão mais suave, que Artemis perguntou-se se Gabriel já o teria ouvido soar assim antes. Foi com dificuldade que se pôs de pé.

– Não. – Pegou sua mochila do chão, colocando-a por cima do ombro. – Não para você – acrescentou, pensando de novo em Apolo (quando havia parado?)

Estudando-a com cautela, David assentiu devagar.

– É claro.

– Pense no que eu disse – Artemis tentou, esperando não soar muito audaciosa.

David abriu o que era quase um sorriso.

– Eu vou. – Inclinou a cabeça. – Tenha uma boa noite, Artemis.

E ele havia acertado seu nome durante toda a noite, a garota notou, de súbito. Deu um passo para trás, sem saber o que pensar dos efeitos de noites estranhas e quietas sobre as pessoas.

– Boa noite, David.

E estava quase lhe dando as costas quando o professor tornou a falar.

– Artemis, se me permite... – virou-se para ele, e David parecia pensativo. – O Festival ainda não acabou, você sabe.

– Eu sei – Artemis disse, mas sem a menor intenção de ir para lá.

Quando, afinal, fora boa em assumir riscos?

{...}


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Notas finais do capítulo

E aqui vem uma música para vocês: let it gay, let it gay... can't hold it back any more! Let it gay, let it gay, go on and write some fucking porn. We don't care what they're going to say... Let the yaoi fics come - most are non-canon anyway! (Insiram aqui o sorrisinho sexy da Elsa e estamos feitos). É isso, meus amores, gostaram?