O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 57
Capítulo Cinquenta e Sete




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Cinquenta e Sete

Não estava nos planos de Apolo realmente dever servidão eterna a Gabriel, mas, subindo de dois em dois degraus as escadas para o telhado, o garoto até considerou agradecer àquela criatura pervertida no futuro.

Artemis estava sentada exatamente no banco onde os dois haviam se beijado pela primeira vez, a cabeça inclinada para trás enquanto observava as estrelas. Seu cabelo ruivo estava solto, com qualquer coisa de prateado na luz branca da única lâmpada do lugar.

Aproximando-se devagarzinho, Apolo pôs as mãos sobre seus ombros. A garota não se sobressaltou, muito pelo contrário. Deitou mais o rosto para trás, como se soubesse da sua presença no minuto em que ele cerrara a porta, e abriu um sorriso, daqueles verdadeiros que erguiam suas maçãs do rosto.

– Sentiu minha falta?

E Apolo era bom com palavras, mesmo que não rimassem, mas naquele momento não conseguiu dizer nada. Deixou escapar um sorriso de verdadeiro alívio, e balançou a cabeça para si mesmo. O melhor foi que Artemis continuou sorrindo, como se compreendesse a complexidade daquele silêncio.

– Foi só uma semana – ela o lembrou, gentil. – Não vai se sentar?

Apolo se inclinou para beijar sua testa antes, só para vê-la fechar os olhos, e então se fez confortável ao seu lado no banco. O braço por cima do encosto, Artemis ao seu lado, a noite quieta. Era como pisar no chão de novo, como segurar-se na amurada do barco após um enjoo.

Olhando para as estrelas, Artemis não parecia ter pressa alguma de falar com ele. Talvez aquilo significasse que os dois fossem ter bastante tempo, mas Apolo não queria perder nenhum segundo.

– Foi Gabriel quem arquitetou tudo isso?

Artemis considerou a pergunta.

– Eu não usaria a palavra “arquitetou” – disse, devagar. – É muito elegante. Ele basicamente ficou me seguindo pelo dormitório com uma cara de cachorro sem dono, garantindo que era assim que você estava. – Então virou-se para ele, os olhos azuis avaliativos, antes de sorrir de novo, tão linda como Apolo se lembrava. – Sinto admitir que concordei com isso mais pela insistência dele do que por compaixão.

– Eu não estava com cara de cachorro sem dono – Apolo achou importante esclarecer, já conhecendo o bastante de Artemis para relevar sua dificuldade em expressar sentimentos. – E me lembre de agradecer ao Gabriel depois. – Hesitou. – Senti sua falta – admitiu por fim, porque não era bom em guardar coisas.

E então Artemis se inclinou para beijar sua bochecha. Apolo não se mexeu, porque aquilo era tão não Artemis que talvez merecesse ser estudado, analisado e compreendido por pessoas mais capazes do que ele, talvez com dois ou três doutorados. Tirou, contudo, o braço de cima do encosto do banco, preferindo passá-lo ao redor de seus ombros. Artemis encolheu-se um pouco, o rosto mais corado.

O que era tudo aquilo, o efeito de uma semana de distância? Apolo a trouxe para mais perto, como se por medo de que aquela ternura se esvaísse, e procurou em seu rosto por qualquer pista do que estava acontecendo.

Pela primeira vez, os olhos azuis de Artemis o impressionaram por completo. Não pela cor, mas sim pelo que diziam. Lembravam-no dos de Zoe, algo como confio em você e não vai me deixar, vai? Encaixava-se bem para uma garotinha assustada acolhida em uma família nova, mas não para a mulher mais independente que Apolo conhecia.

– Eu quero te pedir uma coisa.

A voz de Artemis era baixa, talvez tímida, mas já havia ali a determinação a que Apolo havia tido o prazer de se acostumar. Aliviado, o garoto assentiu, mesmo que com a sensação de que não compreendia por completo o que está acontecendo.

– Eu mudei a coreografia do meu solo – ela contou, sem nenhum pouco de remorso, porque pessoas como Artemis não sentiam remorso. – A do Phil estava okay, mas eu queria algo mais difícil.

Naquela pausa, Apolo procurou pelo que dizer.

– Mostrou a ele?

– Ainda não. É que a música já estava pronta, mas eu não sabia – Artemis contou, frustrada. – Ouvi por acaso a professora Victoria comentando com o David. Se ele já entregou as partituras e já tocou para ela, deve ser muito boa, mas não vai se encaixar com a minha nova coreografia.

Apolo sentia que Artemis já havia dito o que queria, mas não poderia ser aquilo que ele havia entendido. Ela queria realmente...?

– Quer uma nova música?

Artemis balançou a cabeça.

– Quero uma música sua.

E era um daqueles raros momentos em que Artemis o atingia por inteiro, como uma avalanche ou um furacão. Apolo a observou, perguntando-se se ela tinha sequer consciência do que fazia quando agia daquela forma.

– Uma música minha?

– Me disseram que você ficou responsável pelo começo, mas eu não me importo. É a apresentação mais importante da minha vida – Artemis disse, com qualquer coisa de desespero. – E eu não confio em mais ninguém para isso.

Dessa vez não foram as palavras de Artemis, mas o que veio por trás delas. Apolo pôde ouvir tão claramente que era como se houvessem sido ditas em voz alta, e teve que respondê-la com todo o cuidado que conseguiu.

– Vai ser um prazer. – Tinha o começo da apresentação para compor, e também seu próprio show dali a duas semanas, mas quem se importava? – Mas vou precisar ler a coreografia e ter uma estimativa do tempo...

Foi interrompido por Artemis se levantando, balançando a cabeça com um sorriso cheio de segredo nos lábios. Não entendeu até descer os olhos até seus pés, calçados com sapatilhas em um tom claro de rosa – sapatilhas de ponta.

– No momento, eu estou ensaiando com aquela música que você tocou... – ela quase pareceu embaraçada. – What if the storm ends. Precisa de vários ajustes, mas tem essas quebras de velocidade, digo, de ritmo... – correu os dedos pelo cabelo. – Você entende disso mais do que eu.

A garota estava subindo e descendo na ponta dos pés, e era aquilo nervosismo? Apolo se deu conta de que nunca antes havia a visto dançar, e perguntou-se se era algo tão particular quanto parecia.

– Você trouxe a música?

Artemis assentiu, parecendo satisfeita por ter algo para fazer que não fosse ficar parada à frente dele. Inclinou-se para um aparelho de som portátil que estava sobre o banco, com uma identificação da Academia de Balé de Boston na lateral prateada.

– Só fique quieto – lhe disse, não que Apolo planejasse fazer outra coisa. A música começou a tocar, e ela se afastou três ou quatro passos. O olhou diretamente, e então abriu um sorriso subitamente esperto. – E assista.

E, com a cabeça inclinada para o lado, Apolo assistiu. Tomou nota da graciosidade, da força, da delicadeza e de toda a beleza do mundo – dos saltos pequenos, das pernas firmes, dos movimentos milimetricamente perfeitos. Mas nem os rodopios no ar o impressionaram tanto quanto a expressão no rosto de Artemis – os olhos às vezes fechados, a volatilidade de um movimento desperta pela música, pelo ritmo, a garota dizendo tanto com o corpo que era quase como se falasse.

E, mesmo não entendendo nada de balé, Apolo sabia que aquilo era excepcional. Não era uma boa coreografia com uma bailarina bem treinada, era um talento instintivo canalizado para a perfeição. Apolo tinha um ouvido maravilhoso para música, mas, com Artemis dançando, não a ouvia – era mais como se a sentisse, o plano de fundo para o que realmente importava: sua namorada rodopiando no lugar até ir ao chão, as mãos apoiadas no piso e o rosto abaixado. Apenas os olhos erguidos, azuis, cheios de desafio e certeza; olhos de anjo.

A música acabou, a dança também, e Apolo ainda não sabia o que dizer. O silêncio parecia completo, como se carro algum passasse lá embaixo, como se não houvesse alma viva naquela Academia enorme – à exceção dos dois, porque Artemis parecia mais viva do que nunca, e Apolo tinha certeza do quão acelerado seu coração batia.

Esticou o braço para desligar o aparelho de som na esperança de ter segundos a mais para pensar no que dizer, mas sua mente parecia estar completamente em branco. Ouviu Artemis se levantar e se aproximar, mas, quando ergueu os olhos para ela, percebeu que as palavras certas já estavam na ponta da sua língua.

Ergueu-se, apoiando as mãos em sua cintura mais por medo de que Artemis fugisse do que por qualquer outra coisa. Sabia que ela não literalmente sairia correndo – era possível correr com aquelas sapatilhas? – , mas também sabia que ela não lidava bem com proximidade.

Artemis Lancaster era incapaz de sentir insegurança – então por que parecia tão incerta? Apolo conhecia bem sua autoconfiança, e o pensamento de que fosse ele a deixá-la nervosa o fez afastar uma mecha ruiva para trás de sua orelha, terminando por acariciar sua nuca. Artemis engoliu em seco, e Apolo teria a beijado se não tivesse algo tão importante para dizer.

– Eu amo você.

Saiu tão fácil que era como se já houvesse dito aquilo um milhão de vezes, mas os olhos de Artemis estavam arregalados em susto. Apolo percebeu que havia feito a coisa certa quando ela tentou se afastar e as mãos dele a mantiveram onde estava; seus lábios avermelhados se abriam e fechavam, incapazes de dizer alguma coisa, e Apolo não pôde evitar considerar se aquele seria o momento certo para beijá-la.

Bom, por que não?

As mãos dela foram para seus ombros como já haviam ido um milhão de vezes, e Artemis ainda parecia encaixar-se perfeitamente a ele como antes, mas havia qualquer coisa de diferente – qualquer coisa que o fez ir mais devagar, como se fosse o primeiro beijo dos dois.

E logo os dedos de Artemis se encolhiam, a garota trêmula e tão adoravelmente perfeita que o próprio Apolo sentiu algo se agitar em seu estômago – mas não eram borboletas, porque borboletas eram para meninas. Separaram-se quando a intensidade pesou demais, e Artemis pareceu demorar uma eternidade para abrir os olhos.

Estavam úmidos. Apolo se afastou um pouco de susto, porque os olhos azuis de Artemis estavam cheios de água. A garota tinha o rosto vermelho e não demorou a morder o lábio, dando um passo para trás; e Apolo estava tão surpreso que a deixou ir dessa vez, sem conseguir entender o que estava acontecendo.

Sabia, em algum canto da sua mente, que as pessoas também derramavam lágrimas por bons motivos – então por que tinha aquela sensação horrível de que não era o caso?

– Artemis?

A garota comprimiu os lábios, enxugando os olhos com as mãos. Sua expressão chorosa não era bela – é humanamente impossível chorar lindamente, ao contrário do que dizem os romancistas – , mas Apolo a achava a garota mais linda do mundo ainda assim.

– Não é nada – ela acabou por dizer, balançando a cabeça.

– Nada? – Apolo deu um passo a frente, mas a garota recuou dois.

– Nada.

Apolo queria abraçá-la, mas pela primeira vez não sabia como se aproximar. Artemis não se parecia com uma garotinha, ou com uma mulher frágil – tinha aquele mesmo ar de importância no rosto, a expressão de quem conhecia todos os segredos do Universo; Apolo não pôde evitar se lembrar de que ela era sua irmã mais velha, e não o contrário. Ainda assim, parecia arrasada, e a culpa já estava se acumulando no estômago de Apolo quando a garota voltou a falar.

– Eu posso ficar sozinha?

Aquilo não era o que ele esperava. Havia dito pela primeira vez que a amava, a visto dançar em toda a importância do seu solo, e então ela queria ficar sozinha. Quanto tempo até se falarem de novo? Quanto tempo até ela remoer tudo aquilo e decidir terminar tudo?

– Não – ele pediu, tentando não soar desesperado, mas Artemis lhe lançou um olhar que não era em nada choroso.

– Eu preciso ficar sozinha.

Não era sua voz petulante, nem a cheia de arrogância. Tampouco o murmúrio baixo que guardava só para ele, ou o tom cheio de riso de quando estava se divertindo. Era a declaração mais séria que Apolo já havia ouvido, e se sentir subitamente menor e imaturo poderia tê-lo enchido de raiva se fosse só um pouquinho mais impulsivo.

Voltou, então, alguns passos, perguntando-se como seria maravilhoso se pudesse voltar no tempo. A expressão de Artemis se suavizou, e Apolo respirou fundo, porque não tinha preparo emocional para aquilo. Balançou a cabeça, ergueu os olhos para o céu e então suspirou.

Desceu as escadas como se houvesse perdido toda a esperança; foi dormir pensando se não teria sido melhor sequer ter ido vê-la.

{...}


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Notas finais do capítulo

A culpa de tudo isso recai sobre aquela canção Garotos II do Leoni, que, vale dizer, ocupa o digníssimo terceiro lugar na minha lista de músicas preferidas. (Porque Wonderwall e Codinome Beija-Flor têm preferência.) Se bem que tudo o que o Leoni canta é perfeito, então a lista é meio que inválida. E tem o Zeca Baleiro, ainda, mas não insistam no assunto ou essa nota vai ficar gigantesca; mas, ah, O Segundo Sol do Nando Reis totalmente divide o terceiro lugar com ela. Eu tenho esse headcannon, aliás, de que se Apolo fosse brasileiro ele adoraria Nando Reis. Quero dizer, como não? Mas estou mantendo vocês tempo demais por aqui! Gostando? Beijinhos da Maeve.