O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 5
Capítulo Cinco




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Cinco

Apolo gostava de detalhes. Não um gostar de detalhes do tipo que o fazia levar horas escolhendo o que comprar, ou ainda sendo perfeccionista, mas um gostar de detalhes que o fazia notar o pequeno botão de flor encravado na moldura do espelho.

Estavam em um quarto projetado para meninos. Aquilo não era estranho? Ele sempre associara flores a mulheres. Eram tão delicadas, cheirosas e coloridas; o que aquilo poderia ter a ver com garotos? Mesmo que eles dançassem balé e fossem ricos e elegantes, não fazia muito sentido.

– Esse espelho tem uma flor no canto – comentou, terminando de arrumar a gola de sua camisa.

– Adorável.

Em respeito a Apolo, David Chamberlain ao menos chegou a erguer o rosto para respondê-lo. Conheciam-se mesmo antes do homem ter vindo cumprir sua nefasta missão (nome por ele escolhido), e, portanto, ele não o desprezava como o fazia com todos os seus amigos.

O que não queria dizer que era particularmente simpático.

– Você não vai mesmo para o jantar?

– Não sei – o homem respondeu, dando uma olhada pelo quarto por trás dos óculos. – Não me sinto muito sociável no momento.

Apolo sabia exatamente por que David estava ali, e quase podia ver o olhar de sua mãe lhe dizendo, com firmeza, que fizesse a coisa certa. No caso em questão, incentivá-lo a não ficar recluso e, portanto, tentado a uma taça ou duas de vinho.

– Você deveria ir – tentou, portanto. – Conversar com algumas pessoas, tentar causar uma boa impressão nossa. É praticamente o único adulto responsável por nós, agora que o diretor se foi.

– Não estou trabalhando para Howard – David o lembrou, como se não houvesse apreciado o comentário.

– Tem notícias do hospital?

David sorriu ao suspirar.

– Eu carregava aquela clínica nas costas. Hills e Morrison estão desesperados para que eu retorne.

– Eles... estão?

Porque David abominava seus dois colegas, assim como mal disfarçava seu desdém pelos diretores do hospital. Apolo já havia entendido fazia anos que o sentimento do outro lado da linha era ainda mais intenso.

– Não com essas palavras. Mas identifico serial killers com fotos de vítimas, laudos do legista e um ou dois fatos sobre seu passado; sei reconhecer desespero. – Ele fez uma pausa. – De psiquiatra consultado pelo FBI a professor de adolescentes imbecis cheios de vaidade – suspirou – como os grandes caíram...

Apolo já havia tido conversas demais com David para saber que aproximadamente um quinto do que o homem dizia eram realmente coisas ditas pelo simples propósito de serem ditas; todo o resto era apenas uma indução macia para que a outra pessoa abrisse a boca e David aprendesse mais sobre ela.

Um perigo no pôquer, um perigo do outro lado da mesa. Apolo tinha apenas vinte anos e era filho de grandes amigos seus, e ainda assim era meio enervante saber que deveria tomar cuidado com o que dissesse.

(Uma pena, ele era embaraçosamente falante.)

– Você poderia aproveitar seu tempo aqui se adotasse uma postura diferente – tentou, o observando através do espelho. – Anna já começou a falar em um processo administrativo contra você na faculdade, mas não tenha dúvidas de que ela recorreria ao homicídio se fosse preciso.

Porque Anna era um amorzinho.

– Sua vizinha loira dos chapéus esquisitos? – David refletiu. Quando Apolo confirmou, revirou os olhos com toda a classe que o gesto permitia. – Toda a prepotência americana em uma só pessoa, com o pior gosto para roupas que sua cultura permite. Uma pena, ela é realmente boa com o violino.

David então se pôs de pé com elegância, o jornal dobrado em uma de suas mãos. Haviam lhe dado um quarto na Academia, que – Apolo tinha certeza – ele apenas usaria em emergências. David era apegado demais à sua velha casa, com a escada de madeira escura e seus cheiros de azeite quente, vinho e temperos.

O pior era que ele estava dando indicações de ir embora, mas Apolo ainda tinha alguma coisa para lhe perguntar. Era uma pena que David não fosse exatamente o tipo receptivo e aberto de pessoa.

– Escuta... – Apolo tentou ainda assim, arrependendo-se logo do começo informal; mas já havia começado, então deveria terminar. – Já conhecia a Artemis?

Era gostoso chamá-la pelo primeiro nome, tanto quanto era embaraçoso ter de assistir ao levantar de sobrancelhas de David e ao sorrisinho que começava a se formar.

– Não – ele respondeu, após alguns segundos em que permitiu saborear a ansiedade do rapaz. – Mas você bem que gostaria, não é mesmo? Tão previsível... – suspirou. – Talvez eu apareça no jantar, nem que seja para criticar a cozinha.

E com isso ele inclinou a cabeça e saiu do quarto. Apolo estava se adiantando para sair também quando Anna entrou, olhando para trás com uma expressão feroz.

– O que ele estava fazendo aqui?

Ela era uma garota magra de rosto delicado, com cachos loiros e olhos acinzentados, tão fofinha por fora que só comprovava a teoria de Apolo de que não se deveria julgar uma pessoa pelas aparências. O essencial não só era invisível aos olhos, naquele caso, como também tinha um QI de 145 pontos e um conhecimento misterioso acerca de assassinatos e serial killers.

– Não era nada. Vamos descer?

{...}

O legal de Apolo ter uma amiga como Anna era que ela sempre o mantinha com os pés no chão, tal qual uma âncora segurando o navio no porto. De acordo com a metáfora, Anna, diga-se de passagem, seria uma âncora tão pesada que manteria sob a água até mesmo o navio flutuante do Capitão Gancho (com todo mundo da Terra do Nunca dentro.)

– Não me importo se ele é um violinista excelente, Howard só o contratou porque é amigo pessoal dele. E isso é errado. Ele não tem qualificações profissionais para nos ensaiar. Nossa – ela se interrompeu, quando uma garota desabotoou dois botões da camisa branca que vestia ao vê-los passar, os olhos escuros fingindo inocência. – Deve ser horrível ser você.

Apolo teve de rir.

– Acho que sua mãe perde até o sono com você dormindo fora de casa num lugar cheio de mocinhas saltitando de sainhas e roupas coladas – Anna prosseguiu. – Ela pediu para que eu ficasse olho em você, e deve ter dito a mesma coisa para o Hannibal. Isso não é terrível?

– Hannibal?

– Hannibal, o Canibal? – Anna testou. – É meu novo apelido para ele. Acho que lhe cai bem. Psiquiatra assustador e tudo mais.

– Ele te assusta?

– Não – Anna negou, empertigada. – Mas saiba você que já tenho meu complô contra ele.

– E por que não me chamou para o clube anti-David?

– Porque você gosta dele. – O tom de voz de Anna era de séria decepção. – Sério, eu não sei como seus pais podem chamá-lo para a sua casa por livre e espontânea vontade. Por que alguém se submeteria a esse tipo de coisa?

– Porque o David é legal, socialmente falando? – Apolo sugeriu. – Principalmente depois que bebe algumas, e você pode dizer o que quiser – acrescentou, quando Anna abriu a boca para chamá-lo de velho bebum. – A mesa de pôquer com ele é ótima.

Anna bufou, desviando os olhos para o salão. Apolo fez como ela, observando os alunos. Era fácil diferenciar os músicos dos bailarinos – os primeiros estavam de jeans e camisa social, como o próprio Apolo, as garotas de vestidos estampados e lenços chamativos. Já os bailarinos, vestidos como os pais de Apolo se vestiam quando iam a alguma mostra de arte, os vestidos mais curtos indo até os joelhos e os garotos de calças sociais e até gravatas.

– São um bando de esnobes, não são? – murmurou Anna, estreitando os olhos. – Olha como andam nas pontas dos pés.

Apolo tinha que admitir que muitos deles, realmente, estavam na ponta dos pés, e uma garota chegou a ir de um lado a outro do salão em rodopios.

– Exibicionistas – concordou, para melhorar o humor de Anna.

– Aquela monitora ruiva de quem você gostou, por exemplo – a loira continuou, e Apolo conteve a vontade de erguer os olhos para o teto. Maldito o momento em que perguntara a Anna quais eram as chances dele um dia encontrar uma garota com aquele nome. Anna não só se recusara a colocar seu cérebro matemático para funcionar, como também ficara revoltada. – Sério, quem ela pensa que é? Se eu fosse um pouquinho mais violenta, teria quebrado aquele narizinho empinado antes que ela pudesse dizer “Me dê um bom motivo?” – e Anna fez uma péssima imitação da voz de Artemis. – Estamos fazendo um favor a ela, em nome de Deus, ela deveria nos agradecer.

– Ela vai. – Apolo correu a língua pelo lábio inferior quando notou que a Artemis em questão estava, convenientemente, se aproximando da mesa de aperitivos para onde os dois estavam indo.

– Oh, e ela se aproxima – murmurou Anna, criticamente, como o narrador dos documentários do Discovery Channel ao falar sobre reprodução de pinguins. – Céus, garota. O que ela pensa que está fazendo, desfilando?

E ela parecia estar fazendo justamente isso, com a elegância de quem usa salto alto, mesmo que de sapatilhas baixas. O cabelo vermelho estava preso em um coque elaborado, mas frouxo, que deixava algumas mechas soltas. Apolo nunca havia visto um cabelo tão lindo antes, tão exótico e tão incrível. O vestido azul marinho realçava mais seus olhos do que seu corpo, seus cílios claros pintados bem forte de preto.

Aproximou-se quase que sem perceber, observando a curva do seu pescoço, seu queixo erguido, os ombros muito retos, a postura impecável; absorvendo tudo aquilo de uma só vez e quase entreabrindo os lábios ao perceber que a curva do seu lábio superior era quase uma meia lua sobre a qual alguém poderia se deitar.

– Você está encarando.

O tom inexpressivo na voz dela o trouxe de volta à realidade, e Apolo percebeu, tarde demais, que Anna havia dado um jeito de sumir dali.

– É difícil desviar o olhar – explicou-se, ainda um pouco bobo.

– Suponho que sim – Artemis disse, com um leve suspiro de resignação, virando-se para o lado e pegando um pequeno croissant da mesa.

Ao virar-se para ele – Apolo mal acreditando em sua sorte – ela estava quase lhe dizendo alguma coisa quando algo atrás de seu ombro a fez juntar as sobrancelhas. Apolo se virou, encontrando um grupinho de garotas dando risadinhas.

– Típico – não pôde evitar dizer. – Para pessoas com padrões tão altos, é impressionante que só hoje eu já tenha tido de dar três autógrafos para colegas seus. Muito para um guitarrista despretensioso, não é?

– Nunca garanti nada quanto ao padrão deles – e o canto de seus lábios se curvou, por mais séria que sua expressão fosse. – Os meus são altos.

– Artie!

Os dois viraram-se para Gabriel, que se aproximava com um sorriso grande no rosto. Ele não chegava a ter um metro e setenta, uma altura pequena no meio de todos aqueles bailarinos, e seu cabelo castanho era comprido o bastante para formar ondas e cachos saídas de um filme de época.

(Se bem que séculos atrás ninguém fosse usar uma calça tão justa.)

– Provou os canapés de atum? – ele estava falando com Artemis. – Não prove. Bella disse que estão horríveis, e devem dar um mau hálito do inferno. Apolo não iria gostar nadinha.

– Gabriel, o nome é Artemis.

– Artemis tem muitas sílabas – e então Gabriel se virou para Apolo. – Você não acha?

– É um nome bonito, mas não diga isso a ela.

Artemis abriu um pequeno sorriso, os olhos azuis percorrendo o rosto de Apolo com atenção.

– Não vai dizer que é um lindo nome para uma linda garota? Estou decepcionada.

Seus lábios pareciam cheios, espertos e cínicos, do tipo que se franziriam para conter um sorriso e ficariam inchados após um beijo. Eram esses detalhes que sempre deixavam a cabeça de Apolo nas nuvens.

– Artie, sempre fazendo amigos. Ela é um amor de pessoa no fundo – garantiu a Apolo. – Lá no fundo, bem fundo. Onde a luz do Sol não toca e aonde jamais deve ir, Simba – citou Rei Leão com naturalidade. – Mas talvez você possa ir, se tiver sorte – e piscou, com um sorrisinho desconcertante.

– Gabriel, eu tenho vergonha de você. – A voz de Artemis estalou como um chicote, nenhum traço de diversão em seu rosto.

Apolo agradeceu aos céus por não ter cedido à vontade de rir, e, sem nem um último olhar, Artemis se afastou em uma indignação fria.

– Não ligue para ela – Gabriel pediu, perdendo só um pouco do tom brincalhão. – No início foi assim com a gente também.

– Sério? – Apolo perguntou, surpreso. Buscou então um modo de pôr aquilo em palavras. – Mas vocês são como ela, só um pouco mais simpáticos.

Gabriel deu uma risadinha, compreensivo.

– Se parece que nós somos ruins – e ele acenou com a mão para os colegas ao seu redor, abrangendo suas roupas sociais e seus narizes empinados –, Artemis é dez vezes pior, até para a gente. Está aqui faz pouco mais de uma semana, e eu só consegui falar com ela direito antes de ontem. Fez questão de ficar com um quarto só para ela, e foi uma sorte termos um sobrando. Ainda bem que a Lily é toda dócil, Michael teria colocado ela na linha em dois tempos.

Nada menos charmoso do que uma garota mimada.

– Então ela é adorável assim com todo mundo?

– Yeap. Com vocês é pior, claro – Gabriel concordou, solidário. – Ela é obcecada e paranoica, está furiosa com vocês tocando na apresentação.

– Eu meio que já tinha reparado nisso. Ela veio de Nova York só por causa disso?

– Bom, para me conhecer é que não foi – Gabriel engoliu um canapé de uma vez só, e continuou falando enquanto mastigava um segundo. – A diretora da Royal Academy é conhecida da diretora Lee, e elas combinaram tudo. Ela é uma bailarina incrível – confessou, antes de engolir. – O pessoal do Bolshoi vai ficar de queixo caído.

– Bolshoi? – Apolo surpreendeu-se. – São eles os convidados especiais?

– Yeap. Dois diretores artísticos e mais uns dois sócios, não sei muito bem. Sei que é a chance dela de impressioná-los e entrar para o grupo, o tipo de coisa que não acontece sempre, se é que me entende.

Apolo pensou por alguns segundos.

– Eu gostaria de vê-la dançar.

– É bonito – Gabriel disse, encolhendo os ombros. Ele fez então uma pausa, olhando Apolo de alto a baixo antes de abrir um sorriso que mostrou suas covinhas. – A gente está em uma mesa do lado de lá, vem se sentar com a gente – chamou, pegando uma latinha de Coca Cola.

Apolo reconhecia as segundas intenções de Gabriel com aquele sorriso, mas o seguiu mesmo assim. Provavelmente estavam indo para onde Artemis havia seguido mais cedo, e ele certamente não faria objeção alguma a vê-la de novo.

{...}


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Notas finais do capítulo

(Aos interessados, eu pretendo, eventualmente, colocar um capítulo aqui e ali sob o ponto de vista do Apolo, só para mudar o ângulo de vez em quando *U*)
Gabriel citando Rei Leão, que amor; Artemis sendo a vadia má que é, Apolo tendo fãs e sendo lindo, Atena fazendo bico como um super gênio arrogante e David planejando o assassinato de seus alunos e colegas – e foi isso que vocês perderam em Glee –Q
‘tá, não.
Beijinhos.



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