O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 49
Capítulo Quarenta e Nove




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Quarenta e Nove

Os próximos dias correram com uma tranquilidade surpreendente, mas Artemis não baixava a guarda tão fácil assim. Apolo havia se mostrado um pouco mais sutil do que ela teria esperado, é verdade, mal falando com ela em público e deixando evidente que, quando o fazia, era sobre a apresentação, mas ainda assim.

Seu pai estava para chegar, e ela ainda não havia contado a ele.

Era com esse objetivo que se dirigia ao anfiteatro naquela quinta-feira ensolarada, quase três semanas depois do seu sequestro (e, sim, ela estava usando aquela palavra). Havia visto Apolo pela última vez na terça, quando o garoto lhe roubara um beijo de boa-noite. (Quanta audácia, honestamente! Kate poderia ter visto, se houvesse chegado meio minuto mais cedo...)

Alguns de seus colegas passaram por ela no corredor, mas não houve cumprimento de nenhum dos dois lados. Alguns dos músicos, contudo, acenaram com distração quando a viram, ao que Artemis respondeu com mal disfarçada surpresa e um aceno breve. Abrindo a porta do anfiteatro, estava se preparando para interrogar Apolo sobre aquilo quando percebeu que era provavelmente sua culpa.

Só naquela semana, já havia vindo ao anfiteatro quantas vezes? Três vezes na segunda. Duas na terça. Viera no dia anterior, mas para entregar uns papéis para David, e nem chegara a ver Apolo... e agora estava lá, antes mesmo das cinco da tarde. (Em sua defesa, seus ensaios haviam terminado mais cedo.)

Com um suspiro de resignação, Artemis estava procurando se conformar consigo mesma quando atinou com a música. Aquela não era a música da sua apresentação. Estreitou os olhos na direção do palco, sem entender.

Apolo já havia lhe apresentado o garoto que estava no microfone. Seu cabelo castanho era comprido, ele usava roupas folgadas e – isso era mera opinião de Artemis – provavelmente tinha pelo menos duas passagens pela polícia. E uma tatuagem no braço esquerdo.

De qualquer forma, por que Krist estaria tocando baixo naquele momento? No palco, com todos os seus colegas músicos assistindo, ao invés de estarem trabalhando no que realmente importava?

Artemis estava completamente insatisfeita enquanto descia até os assentos mais próximos do palco, recusando-se a se deixar envolver pela música. Era boa, contagiante, e a voz do garoto não era de todo má. Ainda assim, prioridades.

Não demorou a reconhecer o cabelo loiro do seu namorado, franzindo o nariz ao ver que ele tinha as pernas por cima da poltrona da frente. Marchou até lá e se sentou ao seu lado, satisfeita que pelo menos não houvesse ninguém por perto.

– O que estão fazendo? – cochichou, irritada.

Apolo a olhou de lado, e então pareceu minimamente culpado.

– Eu não te falei do Festival?

– Não. – Deus, ela havia sentido sua falta. Teve vontade de afastar seu cabelo para longe do seu rosto, uma desculpa qualquer apenas para encostar nele. – Que Festival?

– O da Berklee – Apolo lhe explicou, mas como se ela já devesse saber. – Acontece no começo de Outubro, todo ano, no Fenway Park.

Artemis juntou as sobrancelhas.

– Isso não é um estádio de baseball?

– Sim – Apolo aquiesceu, mas como se nunca houvesse pensado naquele detalhe antes. – E é onde sempre acontecem os melhores shows da cidade.

Artemis bufou.

– Então por que é que vocês vão se apresentar lá?

Apolo assoviou.

– Estamos afiados hoje. – Sorriu, lançando mão de sua invejável imunidade à rabugice de Artemis. – Por que está irritada? O que aconteceu?

Artemis apontou para o palco, mas sem desfazer o contato visual com o garoto.

Isso aconteceu. Vocês deveriam estar ensaiando. Por que ele está tocando... isso? – se repetiu, frustrada.

Smells like Teen Spirit – Apolo informou, com tranquilidade. – Essa até você deve conhecer, é a mais famosa do Nirvana. Mas o arranjo é meu – acrescentou.

Artemis não havia identificado o arranjo, porque nem conhecia a versão original nem entendia nada de música. Acabou respirando fundo.

– Então estão ensaiando para o Festival de vocês? – conferiu. – Agora?

– Estamos fazendo um intervalo – Apolo a corrigiu, com paciência. – Estivemos tocando a música da sua apresentação desde a hora do almoço. Ninguém aguenta mais – afundou-se no assento, deitando a cabeça para trás. Trocou suas pernas de posição por cima da poltrona, fazendo-se mais confortável. – Eu já poderia tocar sem a partitura.

Você – Artemis enfatizou. – Não confio nos outros.

Uma risadinha escapou dos lábios do garoto, e ele a olhou de lado.

– Isso nem soa como um elogio.

– Porque não é. É a sua obrigação ser bom. – Mas Artemis curvou o canto de seus lábios para cima, para que ele soubesse que ela não estava falando sério. Apolo assentiu, entendendo. Artemis então desviou o olhar para o palco, soltando um suspiro baixo. – Onde está o David? Se ele não suporta o ensaio normal, imagino que deva odiar isso aqui.

– Está nos fundos – Apolo apontou para a saída lateral que dava passagem ao backstage. – Como está o Gabriel? – perguntou, voltando a olhar para Artemis.

– O nome Matthew Abrams te diz alguma coisa?

– É um bom flautista. – Hesitou por meio segundo. – Não sabia que era gay.

– Gabriel tem um dom para identificar esse tipo de coisa. David continua irritado?

Artemis não havia lhe dito nada do que havia acontecido entre os dois, respeitando a pouca privacidade que Gabriel se permitia ter. Ainda assim, o loiro teria de ser excepcionalmente estúpido para notar que seu professor não era mais seguido por um elfo saltitante.

Artemis havia magistralmente fingido não saber de nada, e os dois apenas trocavam comentários eventuais sobre como David e Gabriel andavam estranhos um com o outro nos últimos dias. Não gostava da ideia de ocultar algo de Apolo, mas não poderia trair a confiança de Gabriel daquela forma.

Até onde Artemis sabia, as tendências safadas de Gabriel o haviam levado para cama com pelo menos outros três garotos desde o incidente. Ele evitava Apolo e David como podia, e parecia estar voltando ao normal aos poucos. David, contudo, tinha andado irascível e irritadiço a um ponto que beirava o “clamor por um assassinato”, como Anna havia chamado.

(A loira também não andava em seus melhores humores. Mas, honestamente, quando o fizera?)

– Ele tem andado mais quieto – Apolo finalmente disse, lentamente. Parecia pensativo. – Tem um tempo já.

– Bom para vocês – Artemis resmungou.

Mas Apolo balançou a cabeça, batendo distraidamente com a ponta do dedo indicador nos lábios.

– Não sei. Ele estava mesmo um saco irritado... mais exigente, mais imprevisível. Semana passada apostou que a peça não daria certo, disse que quebraria o próprio Stradivarius se conseguíssemos tocar direito – acrescentou, com certo bom-humor, sabendo que a crítica não lhe dizia respeito. – Mas tem uns dias que já... não sei. É como se não estivesse nem aí.

– Ele nunca realmente se importou, convenhamos – Artemis criticou, o nariz franzido, e nem mesmo Apolo pôde contra-argumentar. No palco, a música parecia estar chegando ao fim, Krist repetindo palavras estranhas como "mosquito" e "libido". Rock. Artemis respirou fundo. – Preciso te contar uma coisa.

Virado para o palco, Apolo a olhou apenas pelo canto dos olhos, o dedo ainda nos lábios. Não disse nada, esperando que a garota continuasse.

– Meu pai vai chegar de Washington na segunda - Artemis disse, com certa hesitação.

Seu namorado permaneceu inexpressivo.

– Só para você saber – acrescentou, incomodada. – Ele não pode saber de nada.

– Eu sei disso – Apolo voltou o olhar para o palco. Ao menos seu tom de voz era tranquilo. – Ele fica por quanto tempo?

– Uma semana.

O garoto assentiu. O dedo ainda estava em seus lábios. Era quase como se pedisse por silêncio, ou, na interpretação de Artemis, para ser beijado. É. Ele estava definitivamente pedindo.

– Você está encarando – Apolo murmurou, sem se virar para ela.

Artemis sentou-se melhor no assento, embaraçada. Discretamente olhou ao seu redor, mas os colegas de Apolo estavam muito ocupados aplaudindo Krist para dar a menor atenção aos dois.

– Senti sua falta – disse, tão baixinho que quase esperou que o garoto não a ouvisse.

Mas quando Apolo se virou para ela, não havia mais inexpressividade alguma em seu rosto – seus olhos tinham aquele tom morno de que ela tanto gostava, e um sorriso repuxava o canto de seus lábios.

– Te vi na terça.

Mas fora um encontro rápido, como todos os outros desde aquele fim de semana. Um toque premeditado para parecer um acidente aos olhos de quem quer que visse, beijos roubados e – quando vindos de Artemis – concedidos após muita insistência. Ela não o abraçava propriamente fazia séculos.

Seus olhos devem ter-lhe dito tudo isso, porque Apolo balançou a cabeça e riu.

– Vou dar um jeito. – Ele então bateu palmas, chamando a atenção dos seus colegas. – Ficou bem melhor do que Separate Ways. O que você acha, Krist? Pode abrir o show com ela.

– Abrir o show? – Krist riu, sua risada soando alta demais no microfone. – Eu? Cara, só vou chegar no fim. – Gesticulou vagamente, num tipo de linguagem primitiva que Artemis não compreendeu. – Mals aí. – Idem.

Músicos.

– Você sempre fica completamente bêbado no fim dos shows! – A voz de Anna estalou de algum lugar, e Artemis virou o rosto para procurar pela loira psicótica. – Por isso tem de ser o primeiro!

Alguns alunos exprimiram sua concordância, e então uma voz feminina perguntou se não seria Apolo o primeiro. Mas o loiro gentilmente evitou o tópico, insistindo com Krist para que fosse pelo menos um dos cinco a abrir o Festival.

– Sei não, sei não – o garoto balançava a cabeça, parecendo realmente em dúvida.

Se estivesse no comando, Artemis percebeu, ordenaria que ele o fizesse. E pronto. Mas Apolo apenas continuou conversando, insistindo quase que sem pretensão alguma. Até, é claro, Anna tomar a frente da discussão e usar algumas palavras compridas e ameaçadoras para conseguir o que queria.

– Ela é assustadora – Artemis teve que admitir, baixinho, pondo-se de pé ao lado de Apolo.

– Já está indo? – o garoto perguntou, surpreso.

– Só vim te ver – Artemis confessou, e então viu que havia pegado Apolo por completa surpresa. Conteve o sorriso. – Conversamos melhor outra hora.

– Já estou pensando em alguma coisa – Apolo lhe garantiu, em um murmúrio. – Falamos mais sobre o seu pai depois.

Artemis assentiu, verdadeiramente aliviada que ele houvesse entendido a importância da situação. Todo aquele silêncio havia a desconcertado.

– Claro. Bom ensaio – desejou, ganhando um sorriso irônico.

{...}

Foi chegando ao dormitório que percebeu que estava muito mais feliz do que quando havia saído do ensaio. Era algum tipo de efeito colateral de estar namorando Apolo? Talvez fosse. Quando abriu a porta, encontrar Gabriel e o dito flautista se agarrando no sofá diminuiu um pouco da sua alegria; mas nem tudo poderia ser perfeito, supunha.

(E qual seria a pior forma de lidar com traumas? Fornicação excessiva ou maltrato de adolescentes? Homens eram verdadeiras crianças... Artemis bufou, subindo as escadas indignada com David e Gabriel. Quebrar um violino de milhões de euros, honestamente... e ainda rogar praga para cima da sua apresentação!)

Moony enroscou-se em seus pés assim que ela abriu a porta, e Artemis acariciou a parte de trás de suas orelhas antes de trancar-se no quarto. Sobressaltou-se ao ver que seu celular tocava em cima da cômoda, e correu para lá apenas para ver que era uma chamada do seu pai. Hesitou, parando a meio caminho de estender a mão para o aparelho.

Antes, talvez houvesse atendido de imediato. Agora, contudo, com tantas coisas ocupando sua mente... foi com um pouquinho de culpa que deu um passo para trás. Retornaria depois. Então balançou a cabeça, tentando não se exasperar diante do fato de que agora havia dois loiros querendo sua atenção... como se um já não fosse um bastante.

{...}


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Notas finais do capítulo

Chamo toda e qualquer eventual doçura de Artemis de efeito colateral provocado por Apolo. E é claro que Gabriel se recuperaria de um trauma como aquele procurando colo em outros lugares, puf. Anna mais irritada a cada capítulo, uma consequência lógica da chegada de Logan ~pisca~ Esses dois terão um capítulo só deles, aguardem. Acho que por hoje é isso, pessoal *uuuu* Mil beijinhos.