O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 48
Capítulo Quarenta e Oito


Notas iniciais do capítulo

Estou devendo uma dedicatória a alguém, mas guardando para um capítulo especial *--* Com vocês, mais Daviel!



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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Quarenta e Oito

Artemis não estava preocupada com Gabriel. Imagine, por que se preocuparia com aquela coisa irritante? Havia acabado de voltar à Academia depois de uma noite com seu namorado secreto, e seu pai havia acabado de telefonar para contar, animado, que a visitaria em breve. Além do mais, precisava treinar para a maior apresentação da sua vida.

Por que perderia tempo preocupando-se com um pequeno elfo travesso e pervertido, quando tinha urgências muito maiores?

Ainda assim, quando Gabriel não apareceu em seu quarto até as cinco horas da tarde, ela se levantou para procurar por ele. Bateu em seu quarto, embaraçada ao ser recebida apenas por Andrew, que tentou convencê-la a entrar de todas as formas supostamente sutis que conhecia.

Desceu as escadas irracionalmente irritada com Gabriel por tê-la feito passar por aquilo, surpreendendo-se ao encontrar o garoto sentadinho em uma poltrona da sala. Parou no pé da escada, estreitando os olhos.

Isabella, Michael e Kate estavam conversando ali perto, e, para qualquer observador desatento, Gabriel pareceria incluído na conversa. Contudo, tinha o queixo apoiado em uma das mãos, olhando sem realmente ver para as próprias pernas esticadas. Artemis inclinou a cabeça para o lado, tendo a péssima sensação de que algo não estava bem.

Andou com cuidado até lá, ajoelhando-se ao lado de sua poltrona. Gabriel lhe lançou o olhar mais distante do mundo, como se soubesse que deveria reagir de outra forma, mas não soubesse como.

– Oi, Artie. Sentiu minha falta?

E era por isso que Artemis prezava sua capacidade de mentir. Aquela tentativa trêmula de fingir que estava tudo bem era precária em termos gentis, péssima e horrenda em uma análise sincera. Pessoas expressivas, Artemis pensou, lembrando-se também de Apolo, só se faziam mal.

– Senti. – Pôs-se de pé, percebendo que a situação era séria. – Posso conversar com você um instante?

As sobrancelhas de Gabriel não estavam se mexendo, seus lábios não se curvavam em um sorriso, não havia vestígio de que covinhas alguma vez houvessem aparecido em suas bochechas. Acima de tudo, seus olhos pareciam cansados.

Talvez não fossem cansados. Artemis estava tão habituada a vê-los reluzir de malícia infantil... eram aqueles os olhos normais do garoto, castanhos naquele tom, talvez até mesmo sérios, quando ele ficava acordado à noite, divagando antes de dormir? Era aquele olhar que ele tinha, quando não havia ninguém por perto para fazer rir?

A resposta de Gabriel pareceu demorar uma eternidade.

– Claro.

Enquanto ele a seguia até seu quarto, Artemis procurou se preparar para o que quer que fosse ouvir. Subiu as escadas fingindo não ver os olhares curiosos de seus colegas, e trancou a porta assim que entrou. Gabriel fez-se confortável em sua cama, sentando-se muito quietinho contra a cabeceira, um travesseiro em seu colo.

Sentando-se de pernas cruzadas na beirada do colchão, Artemis esperou, dando-lhe um pouco de espaço. Antes do almoço, quando o vira, Gabriel parecera bailar sobre o arco-íris, e agora dava a impressão de ser frágil como papel – aquilo simplesmente não lhe caía bem.

O garoto respirou fundo, o que soou terrivelmente como um suspiro, antes de começar a falar.

– Eu só vou me explicar para você, tudo bem? – passou as costas das mãos pelo nariz. – Eu não sou gay porque é divertido. Porque sendo gay eu posso usar roupa rosa e ver meninas de calcinha sem ficar estranho. Já te vi de calcinha? – Seguiu em frente quando Artemis não o respondeu. – Eu não tenho culpa de ser gay. Não tenho – assegurou. – Não é de propósito.

– Eu sei disso – Artemis deixou claro, sem entender até onde o garoto queria chegar.

– Minha família nunca soube. Eles nunca entenderam. – Artemis mordeu o lábio inferior em solidariedade, Gabriel adotando aquela expressão perdida de novo. – Passei a minha adolescência toda morrendo de medo. O sentimento de culpa era horrível, eu chorava quase todas as noites. Eles eram muito católicos, e eu parecia ser a encarnação do diabo. Você não tem ideia do medo que eu sentia. Na primeira vez em que tomei coragem para assistir a um filme pornô gay de verdade--

Gabriel.

O garoto a encarou, confuso. Artemis levantou as sobrancelhas, e então Gabriel compreendeu. Pôs a mão no peito, horrorizado.

– Eu estou abrindo o meu coração para você, tenha um pouco de compaixão!

Artemis bufou.

– Tenha um pouco de decência.

– Você está tendo a honra de ouvir como foi difícil a minha autodescoberta gay – Gabriel dramatizou, os olhos castanhos arregalados. – É uma história muito importante para mim. Você não conseguiria cooperar só um pouquinho?

Artemis teria protestado se a memória do garoto tão abatido não fosse tão recente. A discussão havia devolvido um pouco da cor ao seu rosto, mas Gabriel ainda não parecia cem por cento Gabriel (o que, em qualquer outra situação, teria sido uma dádiva).

Assim, de má vontade, ela respirou fundo.

– Desculpe. Vá em frente.

Gabriel assentiu.

– Obrigado. Retomando, eu estava vivendo um verdadeiro inferno. Eu me odiava, odiava aos meus pais e, secretamente, odiava a Deus também. Desculpe – pediu, erguendo os olhos para o teto por breves segundos. – Até que eu conheci o Jay, aqui na Academia. Eu tinha uns quinze anos, ele era um pouco mais velho e já tinha se assumido. Foi o meu primeiro, e foi realmente muito bom para mim. Me incentivou a falar com os meus pais, o que talvez tivesse dado certo se... – Ele fez uma pausa. – Bom, se não tivesse dado totalmente errado.

Artemis levantou uma sobrancelha, tentando não achar graça. Gabriel tinha um jeito de contar histórias que era ao mesmo tempo exasperante e divertido, mesmo quando sua expressão estava carregada de pesar.

– A briga foi tão feia que eu tive que sair de casa. Moro aqui desde então, e eu nem tinha terminado a escola na época. Apanhei, também. – Não deu atenção à mão que Artemis levou à boca. – Dos meus irmãos, de outras pessoas que eu conhecia. O Jay ajudou bastante. – Passou a língua pelos lábios, parecendo se lembrar de algo doloroso antes de voltar a falar. – E tiveram outros depois dele. Muitos. – Lançou a Artemis um olhar persuasivo. – Eu finalmente podia, sabe? Todos os que eu quisesse. Sem ter que esconder, sem que fosse algo sujo, errado, um verdadeiro pecado. Eu podia sair com a consciência tranquila, dando em cima das pessoas que quisesse. Flertar e acabar indo para a cama com alguém sem me odiar por isso.

Apesar das palavras leves, o tom de Gabriel era o de quem implorava. Entenda, estava por trás de cada sílaba. Entenda. Por favor, entenda. Não foi por mal, nunca foi.

Artemis não disse nada, simplesmente porque não sabia o que dizer. O rosto do garoto estava ficando realmente vermelho, e ela não tinha outro nome para aquilo que não fosse mau sinal.

– Eu só estou te contando isso porque eu não quero que você tenha uma imagem errada de mim – Gabriel finalmente disse, a voz ardida de vergonha. – Eu realmente não sou discreto. Eu falo muito, faço piadas sujas o tempo todo, dou em cima de todo mundo. Acabou se tornando uma brincadeira. É fácil ser assim, fingir que está tudo bem, que a minha vida é perfeita e que eu nasci da maternidade enrolado numa bandeira gay. Que minha mãe ainda gosta de mim e que meus irmãos perguntam como eu estou. – Ele engoliu em seco, ficando algum tempo em silêncio. – Eu perdi tudo isso, sabe.

Artemis assentiu, sem saber o que fazer consigo mesma. Queria dizer a Gabriel que aquilo não mudava o fato de que ele era amado na Academia inteira, de que todo mundo absolutamente o adorava. De que ele era uma pessoa divertida, animada, excelente companhia desde que a pessoa não se importasse de passar um pouquinho de vergonha.

Mas não soube como. Ficou em silêncio, desconfortável, observando Gabriel piscar rápido para que... Deus, aquilo eram lágrimas, não eram? Quando o garoto voltou a falar, sua voz saiu estrangulada, tamanho o nó em sua garganta.

– Ouvi umas coisas ruins hoje. – Engoliu em seco, olhando para baixo. – Eu não ouvia nada assim fazia um tempo.

Se continuasse comprimido assim, talvez o coração de Artemis se quebrasse. Ela procurou por toda a delicadeza que tinha, o que talvez nem fosse muita, enquanto engatinhava até o garoto.

Ajoelhou-se ao seu lado.

– Foi o David, não foi? – perguntou, baixinho.

Gabriel não precisou de mais nada para começar a chorar. Artemis achava horrível ver pessoas chorando, seus rostos avermelhados formando caretas, mas ver Gabriel daquele jeito era duplamente horrendo. Quando ela o abraçou, praticamente o puxando para o seu colo, sentiu pela primeira vez o quão pequeno ele era, o quão frágil, o oposto da criatura saltitante de sorriso enorme que usualmente a atormentava.

Fechou os olhos ao sentir seu corpo tremer com os soluços, desejando ter algo para dizer que fosse útil, que realmente pudesse fazê-lo parar com as lágrimas. Gabriel não fora feito para chorar, ainda mais daquele jeito, de coração completamente partido. Acariciou seu cabelo como faria a uma criança pequena, murmurando coisas sem sentido enquanto pedia aos céus para que aquilo parasse.

– Sssh, está tudo bem – murmurou, angustiada. – Tudo bem. Eu amo você, sabe disso, não sabe? – perguntou, em desespero, afastando-se para ver seu rosto. Gabriel pareceu achar graça, covinhas superficiais aparecendo em suas bochechas. Deus, Artemis daria o mundo para vê-las por completo naquele momento. – Me conte o que aconteceu.

Só pare de chorar por um instante, por favor. Gabriel secou as lágrimas, buscando se recompor o bastante para falar. Seus olhos estavam avermelhados, e talvez ele já houvesse chorado antes...

– A gente conversou ontem à noite – contou, a voz embargada, voltando a piscar mais devagar aos poucos. – Foi... foi legal. Foi sexy. – Fungou. – Ele parou de me responder de uma hora para a outra, e eu achei que tivesse ido dormir. Já era tarde. – Correu as costas da mão pelo nariz, ignorando por completos os lenços que Artemis mantinha sobre a cômoda. – Queria me encontrar com ele hoje, mas ele não estava aqui na Academia. Daí eu... – parou, os olhos castanhos cheios de arrependimento.

– Você ligou para ele?

– Resumindo uma chamada de cinco minutos – Gabriel anunciou, com um sorriso depreciativo – três deles só o David falando, ele estava caindo de bêbado ontem. Foi só por isso que escreveu tudo aquilo. – Balançou a cabeça, de repente chateado consigo mesmo. – Eu devia ter notado. Tinha umas palavras em francês no meio, e uns erros de digitação--

– Você não deveria ter notado – Artemis o interrompeu, indignada. – Se ele estava embriagado o bastante para perder o controle do que fazia, isso foi erro dele.

– Ele usou palavras piores do que erro – Gabriel contrapôs, a voz ainda encharcada de choro. Ergueu uma mão para contar nos dedos. – Disse que a culpa era minha. – abaixou o mindinho. – Que eu deveria parar de encher o saco. – Outro dedo. – Crescer e entender uma recusa. – Outro. – Que ele não tinha tempo para perder comigo.

Então Gabriel ficou realmente quieto, e Artemis percebeu que havia chegado ao motivo de todas as lágrimas. O garoto encolheu os dedos da mão que ainda estava no ar, parecendo tanto embaraçado quanto magoado. Abaixou o olhar, fungando e engolindo em seco.

– Eu apanhei bastante, principalmente do meu pai e dos meus irmãos. Mas passou, eu nem me lembro mais. Não ficaram marcas. – Balançou a cabeça. – Mas eu não me esqueço do que eles disseram. – O sorriso saiu pequeno e cheio de mágoa. – David foi ainda pior.

Artemis afagou os cachos castanhos, sem saber o que dizer. Gabriel ergueu os olhos para ela.

– Ele me chamou de puto em duas línguas. De vadio também. E então perguntou qual era a expressão em inglês para emmanché, porque ele não se lembrava. Quer dizer veado – explicou. Artemis tentou não rir. – Não esperou eu responder e já estava indo adiante com a lista. Aprendi um monte de palavras novas, mas não acho que vou poder usá-las em uma conversa civilizada.

– É? – Artemis perguntou, sorrindo de leve.

– É. O francês dele ainda é sexy – Gabriel teve que admitir. – Mas isso não muda o que ele disse. – Balançou a cabeça, enxugando os olhos. – Declaro minha paixão por ele encerrada. Não vou encostar nele nem se ele me aparecer pelado, só de gravata.

E Apolo podia se dar bem com pessoas difíceis, mas ninguém as entendia como Artemis. Embriagado, sem controle algum de suas ações, deveria ter sido difícil para David resistir à tentação de um Gabriel mais novo, safado e ávido. À luz do dia, contudo – e com uma ressaca horrível – , ele provavelmente havia ardido de raiva de si mesmo. E então Gabriel havia ligado, lhe dando a válvula de escape perfeita.

Fácil como somar um e um. Artemis poderia dizer aquilo tudo a Gabriel, é claro – mas que bem lhe traria? O garoto seria até capaz de ver naquilo uma prova de que David o amava secretamente, e a verdade não poderia passar mais longe disso. Artemis observou bem o rosto do seu melhor amigo, e então respirou fundo.

– Bom saber – acabou dizendo, com suavidade. – Você merece alguém melhor.

– Melhor do que o David? – A voz de Gabriel tinha uma pontada de desânimo. – Meio difícil.

– Gabriel!

– Essas paixões demoram a ir embora – ele explicou, como se a tranquilizasse. – E eu não tenho culpa, aquele homem é... – parou, sem saber como continuar. – Quer saber? – dirigiu a Artemis um ar determinado. – Eu preciso de outra pessoa. Vou dar uma pesquisada no mercado. Tem uns caras promissores na Berklee, o que você acha?

Normalmente, Artemis não incentivaria aquela promiscuidade, mas estava diante de uma situação especial.

– Qualquer um deles te tratará melhor do que o David – o assegurou, porque era provavelmente verdade.

Gabriel não pareceu completamente seguro daquilo, contudo, e ela teve que suspirar, parabenizando-se mentalmente por não ter dito nada.

– É – ele disse de repente, a surpreendendo. – Provavelmente.

Artemis sorriu. Awn, e ele está crescendo! Teria apertado suas bochechas se tivesse o mínimo de Gabrielcidade em seu código genético, mas, como não tinha, contentou-se em assentir. E, falando em código genético...

Apolo, meu pai não pode nem sonhar que você existe...

Deus, talvez sua vida rendesse um livro.

{...}


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Notas finais do capítulo

Ou uma fanfic *U*
O que acharam, meus amores? Gabriel é a criatura mais adorável desse mundo, eu sei, eu sei. Mil beijinhos *---*