O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 43
Capítulo Quarenta e Três


Notas iniciais do capítulo

E, como prometido, aqui vem o segundo capítulo do fim de semana.



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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Quarenta e Três

Enquanto eles começavam a comer, Apolo lhe explicou que não havia roubado as flores, não tecnicamente. Eram do jardim de sua mãe, portanto, dele também, certo?

– Mas roubar flores tem um certo impacto dramático – foi sua conclusão, abrindo uma garrafa de Coca Cola.

– Eu não tomo refrigerante – Artemis achou importante informá-lo. – E sua mãe não ficará nada feliz com isso.

– Ela não vai ligar. – Apolo se levantou, abrindo a geladeira e tirando de lá uma caixa de suco. – Uva serve? – perguntou, a olhando por cima do ombro.

– Claro – Artemis anuiu, agradecida. – Obrigada.

– Faz parte de ser bailarina? – ele perguntou, abrindo a caixa no caminho de volta para a mesa. Serviu Artemis ao se sentar, natural o bastante para que nenhum dos gestos parecesse ensaiado. – Alimentação saudável e perfeita é um pré-requisito?

– Não, não exatamente – Artemis balançou a cabeça, erguendo a mão quando ele encheu seu copo demais. – Assim está bom. Obrigada – agradeceu de novo. Não se lembrava de ter sido tão gentil com alguém fazia muito tempo. – Forma física é cobrada, é claro, mas nem todo mundo precisa viver de salada e água por ela. Veja o Gabriel – exemplificou. – Ele não come nada cujo peso não tenha no mínimo um terço composto de açúcar.

O canto dos lábios de Apolo se curvou por um segundo, mas ele não pareceu interessado em continuar falando de Gabriel.

– Há quanto tempo você dança?

Artemis tentou se lembrar.

– Eu devia ter quatro anos quando comecei, não tenho certeza. Parece que é algo que eu faço desde sempre – explicou, só um pouco embaraçada.

– Eu sei – Apolo assentiu. – Foi a minha mãe quem me ensinou piano, não conseguiria me lembrar de quantos anos eu tinha nem se passasse horas tentando.

– Minha mãe também tocava – Artemis comentou, percebendo, com um susto, que havia se esquecido por completo daquele fato. – Mas ela não chegou a me ensinar.

– Minha mãe tinha que me pôr no colo dela para que eu alcançasse as teclas – Apolo olhou, talvez sem perceber, para as próprias mãos. – Depois eu fiz algumas aulas. Aprendi violão com um amigo do meu pai, e depois foi fácil pegar o jeito com a guitarra.

Artemis juntou as sobrancelhas, sem saber se havia entendido direito.

– Aprendeu a tocar guitarra sozinho?

– É mais fácil depois que se aprende violão – Apolo explicou, enrolando o queijo derretido da pizza ao redor do garfo. – Um amigo me ensinou o básico, e depois foi fácil.

Artemis sempre achara instrumentos complicadíssimos. O piano parecia ter teclas demais, e segurar as cordas certas do violão para que reverberassem da forma exata parecia requerer uma técnica absurda. A dança lhe vinha mais fluida, mais natural, mesmo que obedecesse a regras perfeitas e rígidas.

– Não deve ter sido tão fácil assim. – Mexeu o suco um pouquinho, observando Apolo com atenção. – Sempre gostou de música?

O garoto franziu o cenho por um momento.

– Acho que sim. Não sei. Sei que sempre estive envolvido com ela, de alguma forma – tentou explicar. – Fiz parte do coral da igreja, me inscrevi nas aulas extras de música da escola, comecei na livraria cuidando da parte de discos... é algo que sempre veio fácil para mim.

Artemis inclinou a cabeça para o lado, estreitando os olhos.

Por que a Berklee?

Apolo deu uma risada incrédula, erguendo os olhos para o teto.

– De novo isso? – Voltou a encará-la, cético. – Não vai deixar minha faculdade em paz?

– Foi só uma pergunta – Artemis se defendeu, disfarçando seu incômodo. Pelo visto, haviam atingido um nível de intimidade que permitia a Apolo ser um pouquinho menos indulgente com ela, mais particular com suas coisas. – Você poderia ter ido estudar fora. É bom o bastante para isso.

A expressão do garoto se suavizou, e ele voltou a comer antes de respondê-la.

– Era o que o meu pai queria. – Seu tom era ligeiramente mais baixo, ou talvez fosse impressão de Artemis. – Ele não exatamente deu pulos de alegria quando eu disse que queria estudar música. – Apolo então balançou a cabeça, correndo a língua pelo lábio superior. – Não posso culpá-lo. Eu também não sabia muito bem o que queria.

Aquilo fisgou a atenção de Artemis por completo, e ela estreitou os olhos.

– Não?

– Isso te surpreende tanto?

– Não consigo te ver fazendo qualquer outra coisa – confessou. – Qual era sua outra opção?

Mas Apolo tornou a balançar a cabeça.

– Música nem era uma opção. Como você, meu pai não achava que isso serviria de carreira para alguém. – Alguma coisa doeu no estômago de Artemis, e ela tentou não demonstrar. – Minha mãe achava que eu iria desistir da ideia com o tempo. – Apolo quase sorriu. – Mas, também como você, eu não conseguia me ver fazendo qualquer outra coisa. Deu trabalho convencê-los – admitiu. – Meu pai queria que eu ao menos fosse para fora, para uma universidade de renome, mas--

Apolo parou de falar, e Artemis pediu, com os olhos, para que ele continuasse. O loiro levou seu tempo, comendo antes de voltar a falar.

– Essas grandes universidades não são muito amplas. Formam bons músicos para boas orquestras. Pianistas, intérpretes, alguns poucos compositores. Excelentes violinistas. Exportam para boas orquestras – deixou claro, usando um tom não muito elogioso – e é tudo. Quero mais do que isso.

Apolo havia levado a mão ao cabelo, correndo os dedos pelos fios dourados. Artemis não poderia ter certeza, mas ele não parecia tocar naquele assunto com frequência. Procurou pelas palavras certas, perguntando-se se não estava prestes a ver um lado mais íntimo do garoto.

– Ser um bom músico em uma orquestra de renome parece ser bom o bastante para mim. – É bem semelhante a ser uma bailarina profissional no Bolshoi. – O que você poderia preferir a isso?

Achou que Apolo não fosse respondê-la, mas o garoto só se serviu de mais pizza antes de dizer alguma coisa.

– Quero ensinar música.

Artemis juntou as sobrancelhas. Ensinar música? Aquilo era intrigante para dizer o mínimo. E o que era aquele tom mais adulto que ele havia usado? Era quase o mesmo de quando dissera no Observatório que--

– Não vai comer mais?

– Não – Artemis o respondeu, surpresa. – E como assim, ensinar música? - instigou. – Por favor, me diga que não está se inspirando no David – lembrou-se, ganhando uma risada em resposta.

– Não, não estou. Deus. – Apolo balançou a cabeça, rindo baixinho. As aulas do amor da vida do Gabriel deviam ser mesmo horríveis. – É só que... – hesitou. – Anna é a única pessoa que já me ouviu falar disso – disse, quase como se pedisse desculpas.

Artemis adotou sua melhor expressão de vítima, indignada.

– Não acredito que não vai me contar.

– Você não entenderia. – Apolo esticou o garfo e pegou uma azeitona do prato da garota. – Certeza de que não vai ficar com fome depois?

Artemis estreitou os olhos para toda aquela inocência loira.

– Apolo, se você quer que eu pare de implicar com a sua faculdade, precisa ao menos me convencer de que teve um bom motivo para ter ido para lá – deixou claro, em tom sério. – E é claro que eu entenderia.

Havia três justificativas possíveis para o aconteceu em seguida: ou Artemis era muito persuasiva, ou Apolo só estivera fazendo suspense ou, realmente, ele não via a hora dela parar de implicar com a Berklee. De qualquer forma, o garoto não tardou a tentar lhe explicar.

– Acredito no potencial da Arte como uma forma de melhorar as pessoas – começou. – Não algo que venha de fora, mas algo individual que saia de cada um, como forma de expressão. Algo que melhore o mundo todo.

"Quero dizer, a vida é cansativa. Deprimente na maioria das vezes. É curta, cercada de coisas ruins. Não que não haja bondade no mundo, porque há, mas parece que, todo o tempo, lutamos com qualquer coisa que tenta nos empurrar para baixo. Às vezes, tudo parece ser cruel demais. As pessoas, principalmente."

– Eu sei – Artemis assentiu. – Continue.

– Acho que a Arte suaviza isso. Uma criança acostumada aos livros, à música, ao teatro, à dança... ela vê mais do mundo. Entende mais das pessoas, do melhor e do pior lado de estar viva. Quero dizer, a Arte é sobre estar vivo. Todas as músicas, os livros, os quadros... são cheios e carregados de sentimentos, de história, de humanidade.

Artemis mordeu o lábio inferior, estreitando os olhos em sua direção.

– Gosto disso – admitiu, afastando seu prato vazio para o lado para que pudesse apoiar os braços na mesa. – Conhece Schopenhauer?

Apolo não pareceu entender até onde ela queria chegar com a interrupção.

– Acho que sim.

– Ele é um dos meus filósofos preferidos – Artemis explicou. – Perguntou uma vez quem é que havia dito que era melhor existir do que não existir, e às vezes eu concordo. Parece que uma parcela ínfima da humanidade é feliz, e isso nem sempre. A maioria está passando fome, medo, sede, desespero... A situação das mulheres, por exemplo, nos países radicalmente islâmicos do Oriente Médio. Ou naquela porção da África em que é comum serem mutiladas para não sentirem prazer quando... bom, você sabe – terminou, embaraçada, e Apolo assentiu com delicadeza. – Elas são crianças quando isso acontece. A única palavra para isso é crueldade.

– Então você acha que é melhor não existir do que existir? – Apolo perguntou, soando não menos do que chocado.

– Eu só não sei se vale a pena estar vivo quando se é completamente infeliz. Mas estou te desviando do assunto – Artemis decidiu, impaciente consigo mesma. – O mundo não é mesmo a Fábrica de Chocolates Wonka, e eu sei como a Arte pode melhorar as pessoas – recapitulou. – Mas o que isso tem a ver com ensinar música?

– Bom, uma garota não precisa ter o clitóris mutilado para sofrer. Se for ignorada pelos pais, não souber lidar com uma eventual atração por outras garotas ou não souber o que quer da vida, precisa de ajuda. E crianças assim estão por toda parte, muito mais ao alcance de auxílio do que... como você disse? As mulheres oprimidas no Oriente Médio radicalmente Islâmico? – ele tentou se lembrar, parecendo achar só um pouquinho de graça.

– Algo assim – Artemis foi vaga, ainda um pouco embaraçada por aquela pequena demonstração de conhecimento da anatomia feminina. – Acho que entendo o que quis dizer – disse, finalmente, antes de fazer uma pequena pausa. – Um projeto que ensine música a crianças?

– Arte – Apolo a corrigiu. – A ideia é ambiciosa – admitiu, com naturalidade – mas engloba música, dança, teatro, pintura e tudo o mais.

Artemis mordeu o cantinho da unha do seu polegar, um hábito que achava ter perdido fazia algum tempo. Observou Apolo, contendo a vontade de não se maravilhar ao imaginá-lo ensinando outros garotinhos a como segurar o violão da forma correta.

– Por onde você começaria?

– Não faço ideia – ele admitiu. – Anna disse que é preciso reunir pessoas interessadas primeiro. Isso não vai ser muito fácil, já que a ideia é que o trabalho seja praticamente voluntário. A parte boa é que acabará conquistando apenas pessoas realmente interessadas – acrescentou, encolhendo os ombros.

– Ou afastando pessoas talentosas que não possam se dar ao luxo de trabalhar de graça – Artemis contrapôs. – Mas essa é só a primeira parte, um lugar ainda tem que ser escolhido – acrescentou, impaciente. – Com uma boa planta física, bem localizado. E com projetos para o verão e para as férias, porque isso abriria espaço para alunos de outros lugares. E, já que vai ser praticamente uma ONG, será preciso um pouco de patrocínio ou alguma forma de arrecadar lucro para que possam ser comprados instrumentos, tintas, vestes, pincéis... talvez com concertos anuais? – perguntou, mais para si mesma.

– Vamos ver isso com o tempo.

Bom, ou Apolo estava escondendo sua preocupação ou realmente achava que aquele tipo de coisa se organizaria sozinha. Artemis suspirou.

– Pretende me convidar para isso?

As sobrancelhas do garoto subiram de um jeito que poderia ter sido cômico.

– Há alguma chance de você dizer sim?

Artemis revirou os olhos.

– Eu não estou me comprometendo. Mas você vai precisar de alguém responsável e com mais noção de realidade nessa empreitada. Sua cabeça é sonhadora e idealista demais – criticou. – Além do mais, considerando que eu sou, provavelmente, uma das melhores bailarinas com menos de vinte e cinco anos do mundo, acredito que posso ser útil.

Apolo afastou o próprio prato para o lado, apoiando os braços na mesa e encarando Artemis com algo que misturava incredulidade e arrebatamento.

– É claro que a sua ajuda é bem-vinda – deixou claro, naquele tom sério que era como ar gelado na pele de Artemis. – Vai ser incrível.

Ela abriu a boca para lhe dizer que não tinha jeito com crianças e que era bom Apolo não ensinar músicas com palavrões aos seus futuros alunos, mas então percebeu que tudo aquilo estava muito distante. Tinha esperanças de ir para o Bolshoi no ano seguinte, o que significava, em outras palavras, Rússia.

Quais as chances daquilo realmente acontecer? Estavam namorando escondido, ainda por cima. Artemis não cogitava a ideia de um dia assumir, se recusando a pensar nas consequências, então como aqueles planos poderiam sequer se harmonizar um dia?

Começando a lhe explicar, sem que ela ouvisse, como era cientificamente comprovado que crianças acostumadas à música aprendiam mais, Apolo não parecia pensar em nada daquilo. Artemis o observou, perguntando-se como seria acreditar tão fácil em sonhos, em um mundo bonito, na Arte pela Arte mudando a vida das pessoas, em ideias se realizando eventualmente com o tempo.

Não fazia ideia do quanto os dois durariam, mas foi com atraso que percebeu que não queria perder nenhum minuto.

– Apolo?

O garoto pareceu surpreso pela interrupção, mas lhe respondeu com toda a educação de sempre.

– Sim?

Eu acho que estou me apaixonando por você.

– Se eu te pedir, você toca para mim?

{...}


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Notas finais do capítulo

E é com isso que eu deixo vocês (((: Assim, ao relento (((: ah, vai, até sexta eu posto de novo. Sssh, para quê essas caras feias? Amo vocês, muitíssimo.