O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 32
Capítulo Trinta e Dois




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Trinta e Dois

Havia uma estrutura na sala de ensaio que funcionava como um pequeno palco, um modelo reduzido da grandiosidade do anfiteatro. Naquela noite, Artemis deixou a mochila em uma das cadeiras vazias e prendeu o cabelo em um coque apertado. Respirou fundo antes de correr até lá, ansiosa para começar.

A coreografia havia sido passada aos alunos pela manhã, e eles haviam conseguido ensaiar a abertura pelo menos quinze vezes. Artemis só desanimou-se um pouco quando se lembrou de que a professora Victoria havia agendado a audiência de Gabriel e Andrew apenas para o fim de setembro, achando melhor testá-los do papel.

Gabriel era um excelente bailarino, mas Andrew não ficava exatamente atrás. Artemis não gostava de dançar com parceiros, mas, se tivesse que escolher um, com certeza ficaria com Gabriel – se lembrando do modo como Andrew bagunçava o cabelo ao olhar para ela, Artemis tinha uma boa ideia de quem não iria gostar nadinha dos dois dançando juntos.

{...}

Ao dançar com sapatilhas de ponta, Artemis sabia que o segredo era erguer o corpo de forma correta. Ao flexionar os joelhos e se erguer de forma errônea, havia noventa e cinco por cento de chances de se machucar. A maioria de seus colegas considerava bobagem praticar esse movimento tão simples, mas Artemis não arriscaria nunca perder o seu papel na peça por um erro bobo que acabasse fraturando seu pé.

Ela apoiou bem a sola dos pés no chão antes de se alçar para a ponta, em um movimento preciso e suave. Se hesitasse por um segundo, poderia torcer o tornozelo, e, se inclinasse o pé um milímetro para o lado, torceria o tornozelo também.

Esse tipo de prática era o lado do balé que exigia uma musculatura forte, precisão e força. Artemis sabia que não existiam bailarinas frágeis, moles e feitas apenas de graciosidade – era preciso que houvesse rigidez por baixo.

Mesmo porque as bailarinas precisavam parecer graciosas e frágeis, saltando como se os pés nem estivessem estourando dentro da plataforma, rodopiando como se os músculos da coxa não estivessem rígidos como aço.

Além de, é claro, não demonstrar o mínimo traço de dor. Bailarinas ou sorriam ou se mostravam indiferentes, qualquer mero franzir de lábios, se notado, podendo arruinar toda uma grande apresentação.

Talvez seja essa a parte mais difícil, Artemis pensou, em meio a um grand-jete. Ainda assim, era um dos motivos dela ter sempre amado o balé. No palco, ninguém via o lado ruim. Ninguém via a dor, ninguém via o suor. Só graça, só beleza, o esvoaçar das saias.

Ninguém sabia que nos banheiros do backstage as bailarinas choravam, se encolhiam e tentavam estancar o eventual sangramento das unhas, por mais curtas que as houvessem deixado antes do show.

A verdade sobre o balé era que os fracos, simplesmente, não tinham chance. E Artemis adorava se lembrar de que não era um deles.

{…}

Mais de uma hora e meia depois, ela se sentou no chão com um pequeno salto. Apoiando as palmas das mãos no assoalho de madeira, inclinou a cabeça para trás e respirou fundo. Sua nuca estava molhada de suor, e seu coque havia se afrouxado até que algumas mechas mais curtas se soltassem.

Estava exausta. Era a coreografia mais intensa e rápida que já havia visto, e teria que treinar muito até dezembro se não quisesse sair carregada do anfiteatro em uma cadeira de rodas, incapaz de se mexer.

Seus pés latejavam dentro das sapatilhas Capezio cor de rosa, e Artemis abaixou o olhar para elas. Perguntou-se, sem realmente se importar, o porquê de ainda comprar sapatilhas rosa, quando nem gostava mais da cor.

(A primeira escola de balé que frequentara, quando criança, só permitia sapatilhas brancas – mas a pequena Artemis não sabia, e chegara para a primeira aula toda feliz em suas sapatilhas cor de rosa. Por dez anos fora impedida de usá-las, mas, quando mudou de escola, a primeira coisa que fez foi comprar um par cor de rosa.)

Talvez devesse parar com aquela tradição. Era boba, de qualquer forma. E rosa não era uma cor muito clichê, muito feminina para balé? Artemis estava pensando se não deveria comprar um par azul ou prateado quando ouviu o bater de palmas.

Ergueu os olhos para o fundo do auditório, chocada. Nunca havia se sentido tão pequena como quando viu Apolo se aproximando, em toda a sua glória, com uma camiseta do Journey e um andar satisfeito.

Oh, não. Artemis estava uma bagunça, vermelha, suada e descomposta, o completo oposto da beleza casual do garoto. Eu não acredito. Esplêndido. Passei o dia inteiro o evitando e então ele simplesmente me encontra na pior hora possível.

– O que está fazendo aqui? – perguntou, ouvindo na própria voz que ainda estava sem fôlego.

– Gabriel me contou que você marcou os seus ensaios para a noite – Apolo respondeu, com pouco caso, apoiando as mãos no palco para se impulsionar e subir.

O garoto se sentou se pernas cruzadas ao seu lado, e Artemis estava cansada demais para se afastar. Frustrada, percebeu que suas esperanças de que a última noite houvesse sido um acontecimento único e irracional eram completamente infundadas. Apolo continuava lindo e imprevisível, e vê-lo de novo só lhe dava vontade de beijá-lo novamente.

– Eu não gosto que me vejam ensaiar – avisou, tentando mandar todos aqueles pensamentos para longe. – Não faça isso de novo.

– Por quê? – As sobrancelhas dele subiram, como se Artemis houvesse dito um absurdo.

Porque é algo particular.

– Porque não. Não sei como não te vi entrando – acrescentou, incomodada.

– Você estava de costas. E não ia conseguir ver daqui, ia? – ele olhou o lugar onde outrora estivera sentado. – Não com a luz apagada assim. Falando nisso... – ele se virou para ela, em um tom deliberado de voz. – Não te vi hoje o dia inteiro.

Artemis definitivamente precisava sair de perto dele. De onde estava vindo aquela vontade de chegar mais perto? Ela detestava ficar perto de pessoas. Calor humano fazia sua pele coçar, e pessoas a vendo de perto demais a deixava muito consciente de qualquer coisa.

Ainda assim, queria se aproximar mais dele. Era frustrante.

– Posso ter tido alguma culpa nisso – acabou respondendo, insatisfeita.

Apolo não pareceu surpreso.

– Imaginei que estivesse me evitando. – O garoto fez uma pequena pausa, parecendo desconfortável. – Não contou mesmo nada de ontem à noite para o Gabriel?

Artemis arregalou os olhos, chocada.

– Não acredito que ele foi mesmo falar com você.

– Foi. E ainda está bravo com a história do travesseiro – Apolo a informou, parecendo achar graça.

Artemis revirou os olhos.

– Ele está fazendo um grande drama sobre isso. Não foi nada demais.

– Um abajur poderia tê-lo matado – Apolo replicou, no que pareciam ser palavras do próprio Gabriel. – Mas sério, não contou nada mesmo para ele?

Artemis revirou os olhos de novo.

– Eu sei que a inclusão de Gabriel na categoria “pessoas” pode ser totalmente questionável, mas ainda assim nós concordamos. Ninguém precisa saber. – Acabou suavizando um pouco a voz ao tomar nota da expressão dele. – Lembra?

Pelo pouco que podia deduzir de Apolo, o garoto parecia um tipo expressivo de pessoa. Falava em voz alta tudo o que pensava, não tinha problema algum com tópicos pessoais e deixava todas as suas paixões claras, desde suas bandas de rock a carros antigos. Era o tipo barulhento, apaixonado de pessoa. Artemis não se surpreenderia nenhum pouco se...

– Hum, eu contei para alguém.

Ela teve que revirar os olhos. (Talvez eles caíssem de suas órbitas ainda naquela noite. O que Artemis poderia fazer, Apolo era exasperante.)

– Eu imaginei. David?

– Não vai arremessar alguma coisa em mim primeiro e fazer perguntas depois?

– Se eu te agredisse sempre que você fizesse algo estúpido, acabaria te matando – Artemis retrucou, com impaciência, o que só fez o garoto rir em descrença.

– Oh, é sério? Como o quê?

– Como ontem à noite. – Quando Apolo continuou a olhando, esperando por uma elaboração, a garota teve que suspirar, frustrada que ele não houvesse entendido. – Eu não posso ficar com você, Apolo.

O loiro mal piscou.

– Para quem não gosta de clichês, você dá margem para muitos – foi como ele a respondeu, em um tom leve de voz. Estaria se divertindo? – Realmente espera que eu não diga“não pode ou não quer?” Eu já estou até ouvindo a minha voz falando isso.

– É porque você não é nada criativo – Artemis revidou, se impacientando de novo. – Eu estou falando sério.

– Eu também – Apolo insistiu. – Por que você não pode ficar comigo? Não tem nenhum namorado em Nova York, tem? – Quando Artemis lhe lançou seu olhar mortal, passou rápido para a próxima pergunta. – Hum, não quer ferir os sentimentos do Gabriel? – arriscou.

– Ele já superou você – Artemis o informou. – David é realmente seu único alvo agora.

– Bom saber – Apolo comentou, aliviado. – Bom, então... você só namora gente como você? – Voltou a falar antes que Artemis respondesse, parecendo arrependido de ter sequer feito a pergunta. – Posso ter contado para o David, mas ele pode manter um segredo. O resto do mundo não precisa saber.

Artemis juntou as sobrancelhas, sem saber se havia entendido direito.

– O que quer dizer com isso?

– Namorar escondido, só para adicionar mais um clichê à nossa longa lista? – Apolo transformou a sugestão em um pedido, encolhendo os ombros.

– Estamos cercados de gente aqui na Academia – Artemis argumentou, sentindo o coração bater um pouco mais rápido à perspectiva do perigo. – Descobririam logo.

– Contamos para as pessoas certas. David, Gabriel, Anna, por exemplo. – A incerteza de Artemis parecia ter motivado o garoto, de alguma forma insana. – Vai dar certo.

Todo mundo merece ser feliz, seu pai uma vez havia dito a Artemis. Alguns mais do que outros, acrescentara, parafraseando George Orwell com ar divertido. A garota mordeu o lábio inferior, pesando a decisão.

– Promete que é segredo? – acabou perguntando, a voz cheia de nervosismo.

Para seu desespero, o garoto demorou a respondê-la. E então se aproximou, ajoelhando-se com as pernas dela entre as suas e as mãos apoiadas ao lado de seu corpo. Artemis queria se sentir encurralada ou pressionada, mas a sensação era confortável.

– Prometo – ele finalmente respondeu, a expressão séria. Não levou meio segundo para que abrisse um sorriso. – Então você é minha namorada agora?

– E eu que achei que você houvesse saído da quinta série – Artemis ergueu os olhos para o teto, mas desfez a pose debochada logo que Apolo beijou seu pescoço, se encolhendo. Mesmo que ela houvesse ensaiado por quase duas horas, era o garoto que estava quente. – Pare com isso – pediu, ignorando o arrepio e a súbita onda de calor.

Tentou se afastar, mas ele a manteve ali, dando uma risadinha breve antes de correr o nariz por seu pescoço uma segunda vez. Artemis gemeu, enojada.

– Eu estou toda suada.

O garoto a beijou de novo, dessa vez mordendo de leve de um jeito que a fez estremecer.

– Eu não ligo – o ouviu murmurar, e então Apolo ergueu o rosto para encará-la. – Você fica linda assim. É lindo te ver dançando.

Deus, Apolo. Seus olhos castanhos estavam apaixonados, mas Artemis não chamaria aquilo de amor. Não ainda, ou talvez nunca um dia. Ela não entendia muito de amor. Desceu o olhar, e se encantou pelo v de seu lábio superior, tão certinho. Ergueu uma mão para tocá-lo, o percorrendo com a ponta do dedo.

Voltou a olhá-lo nos olhos, e percebeu que nunca teria conseguido ficar afastada. Seu cabelo loiro era tão macio quanto parecia, seu nariz reto e bem desenhado, olhos castanhos protegidos por cílios claros, as sobrancelhas no mesmo tom. Algumas sardas, respiração morna.

– Você é lindo – se viu confessando, antes que pudesse se conter.

Qualquer coisa na expressão de Apolo se suavizou, mas logo o garoto estava sorrindo de novo, tão satisfeito quanto possível.

– Bom, me diga algo que eu não sei.

Artemis mordeu o lábio inferior, e então quase sorriu de volta.

– A Via Láctea tem mais de duzentos bilhões de estrelas – e o beijou antes que Apolo pudesse rir.

Dedos entrelaçados em seu cabelo e tentando se encolher dentro das sapatilhas de ponta (sem sucesso), Artemis não se sentia tão bem fazia muito, muito tempo – Apolo era simplesmente bom demais naquilo, Deus. Fazia com que ela se sentisse viva, uma sensação antes totalmente voltada para suas grandes apresentações de balé.

Uma mão dele estava em sua cintura, morna por cima do collant justo. Seu coração parecia acelerado, mas talvez fosse o dela; com os dois tão próximos, era realmente difícil dizer a diferença.

Quando se separaram, o garoto finalmente riu baixinho, ainda ligeiramente sem ar. Com a testa junto à dela, fez Artemis pensar se todos os namoros eram daquele jeito. Como pessoas poderiam ficar sozinhas quando ter alguém por perto era tão bom? Ou talvez fosse apenas Apolo, considerou, gostando de tê-lo tão perto, pele morna contra a sua.

– Falei sério – acabou murmurando, preocupada com o rumo que seus pensamentos estavam seguindo. – Preciso de um banho. A gente pode se beijar outra hora, tenho certeza.

Apolo se afastou, a olhando como se nunca a houvesse visto antes.

– Tenho certeza de que sim. – Quando conteve o sorriso, pareceu, também, estar deixando de dizer alguma coisa. Artemis se perguntou se um dia aprenderia todas as suas manias, se um dia o entenderia sem que ele precisasse dizer alguma coisa.

– Licença? – acabou pedindo, apoiando uma mão em seu peito para mantê-lo distante. – Eu realmente preciso subir.

Apolo se pôs de pé, e então lhe estendeu a mão. Artemis não precisava de ajuda para se levantar, mas aceitou a mão dele ainda assim, secretamente feliz quando o garoto continuou a segurando enquanto os dois desciam do palco e faziam o caminho até a saída (Artemis pegando sua mochila no caminho).

– Eu vou primeiro – avisou, quando pararam à porta. – Vai ser estranho se nos virem saindo juntos.

Apolo hesitou.

– Não acha que isso é um pouco paranoico?

– Eu estou sendo cuidadosa.

– Não acha que é um pouco de exagero achar que qualquer um vai pensar que estávamos ficando? Não é porque um garoto e uma garota estão sozinhos que é claro que eles estão se amassando.

Por algum motivo, aquilo fez Artemis pensar em Apolo e uma garota aleatória no backstage de alguma apresentação, ou em uma sala vazia. Sem chance que ele havia ficado tão bom sem prática alguma, e a mera ideia daquilo a fazia rosnar por dentro.

Sem, é claro, saber de nada disso, Apolo passou um braço ao redor de sua cintura e beijou o topo de sua cabeça.

– Nós vamos por caminhos diferentes, de qualquer forma. Fica tranquila.

Artemis não o afastou de imediato, pela primeira vez gostando da diferença de altura entre os dois. Ele era tão quente que ela achou que talvez pudesse derreter naquele abraço, e levou um tempo até que se afastasse. Para uma camiseta de banda popular, a dele era bem macia.

– Boa noite.

Apolo abriu um sorriso pequeno.

– Eu quero que você leia um livro – pediu. – Você provavelmente vai revirar os olhos quando eu te entregar. Mas não é porque é um best-seller que é ruim, eu prometo.

Artemis juntou as sobrancelhas, confusa.

– Por que se lembrou disso agora?

– Boa noite.

Artemis estreitou os olhos, ainda sem entender. Talvez fosse algo a ver com a palavra. Boa noite? Se lembrou de todas as vezes em que havia dito isso a ele, e suavizou a expressão quando achou ter compreendido.

Assentiu, se afastando para abrir a porta.

– Boa noite – confirmou, ganhando o sorriso discreto mais lindo do mundo em resposta.

{...}


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Notas finais do capítulo

Eu sempre brinco que UA é Universo Alternativo, não Universo Aleatório. Gosto de manter algumas coisas em comum com a ideia original, e não consigo conceber um mundo crível em que a convicta deusa Artemis passaria a namorar Apolo do nada, sem se preocupar com o impacto que isso teria em sua vida e na de suas Caçadoras. Então, um namoro às escondidas é simplesmente lógico. O que acharam, amores? Beijinhos.