O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep
O Lado Escuro da Lua – Capítulo Vinte e Quatro
O restaurante era... diferente. Pequeno, em uma rua estreita, com mesas de madeira postas em um terraço aberto e uma decoração rústica, era o tipo de lugar pelo qual Artemis teria passado direto, ela pensou, subindo as escadinhas atrás de Apolo.
O lugar era pouco movimentado, mas, também, pouca gente caberia ali. As mesas eram sete ou oito, bem espaçadas umas das outras, e um garçom veio em passos rápidos do lado de dentro. Enquanto Apolo conversava com ele, os dois sentando-se de frente um para o outro, Artemis deu uma olhada discreta para a rua. Passavam alguns carros em intervalos compridos.
Quando se virou para frente, o garçom já havia ido embora.
— Já pediu? – perguntou, levantando uma sobrancelha.
— Você vai ter que confiar no meu bom-gosto – Apolo provocou. – Que, até então, não tem decepcionado – acrescentou, fazendo Artemis revirar os olhos.
— Não sei o que te faz assumir que eu estou gostando tanto de sair com você. Não tem sido um desperdício completo de tempo, é verdade, mas está longe de ser essa experiência maravilhosa que você faz parecer.
— Quantas palavras tinha essa última frase? – ele perguntou, educadamente.
— Eu gosto de períodos longos.
— Fazem você parecer pernóstica. E eu sei que você está adorando sair comigo.
Artemis sorriu, incrédula.
— Estou?
— Está escrito no seu rosto – Apolo disse, o que Artemis sabia que era uma mentira. Ela sempre fora excelente em ser inexpressiva. – Você não é alérgica a camarão, é? – ele perguntou de repente, como se a ideia houvesse acabado de lhe ocorrer.
— Pediu camarão sem nem saber se eu era alérgica? – Artemis achou graça, depreciativa. – E se eu fosse?
— Eu teria que correr com você para o hospital. Pelo lado bom, passaríamos mais tempo juntos – ele acrescentou, e então riu da expressão de ultraje de Artemis. – Gabriel disse a mesma coisa para mim outro dia. Foi horrível – acrescentou, um pouco mais sério.
— Consigo imaginá-lo fazendo isso – Artemis sorriu. – Honestamente, não sei o que ele viu em você.
— Agora você está sendo excepcionalmente cega. Nossa, isso não é algo que você diria? – ele rapidamente emendou, parecendo surpreso consigo mesmo. – Artemis, você é uma má influência.
— E você é um convencido – Artemis replicou, erguendo uma sobrancelha. Ela iria dizer mais, mas então o garçom retornou com uma garrafa de vinho e duas taças. – Não muito cheia – pediu, com cautela. – Por favor.
Quando o garçom se afastou, ela lançou um olhar desconfiado para o garoto.
— Não temos idade legal para beber – sussurrou, quase como se o garçom pudesse ouvir do lado de dentro.
Apolo não pareceu nenhum pouco preocupado por infringir a lei.
— Como sabe quantos anos eu tenho?
— Não mais do que vinte e um.
Ele deu de ombros.
— Ninguém realmente liga para isso. Os garçons viram quando a gente bebeu naquele bistrô daquela vez – argumentou. – Não tem problema nenhum. Em Nova York não é assim?
Eu não saía em Nova York.
— Aquele vinho era horrível – Artemis o respondeu, em tom de confissão. – Forte demais.
— Esse aqui é mais doce – Apolo disse, em tom de cumplicidade. Virou então a garrafa para que ela pudesse ver o rótulo. Estava escrito em grego, e Artemis não entendeu nada, mas identificou um perfil (talvez Dionísio?) em dourado na parte de cima, vinhas ao seu redor.
— Você entende de vinhos?
— David entende. Ele é formado em enologia... alguma coisa assim – Apolo franziu o cenho, tentando se lembrar. – Eu o chamei de sommelier uma vez e ele quase bateu em mim.
— Enólogo é a forma correta – Artemis o lembrou. – Sommeliers são os dos restaurantes.
— Isso.
Artemis o observou. A iluminação do lugar eram apenas algumas lâmpadas amareladas aqui e ali. (Criava um ar íntimo, e ela se perguntou se não deveria se sentir incomodada com aquilo.) Seu cabelo ficava dourado, seu rosto, ainda mais bonito.
— David é insuportável – acabou dizendo. – Como você consegue se dar bem com ele?
— Anna diz que eu tenho um dom para lidar com pessoas irritantes... mas isso diz mais sobre ela do que sobre mim, já que é minha amiga há tanto tempo – contou, sorrindo.
Artemis se perguntou se os dois já haviam tido alguma coisa.
— Ela é estranha. Não de uma forma ruim. Só... – pausou, sem saber como prosseguir. – Diferente.
Apolo riu.
— Eu sei. – Fez uma pausa, e então acrescentou, num tom meio carinhoso: – Acho que tem um pouco a ver com o que ela pinta.
Artemis juntou as sobrancelhas, curiosa.
— Ela pinta?
— É uma artista incrível – Apolo contou, com um sorriso orgulhoso. Parecia não ser a primeira vez que dizia aquilo para alguém, e Artemis achou que se vangloriar das pessoas das quais gostava combinava com ele. – Tem uns quadros esquisitos, mas seus retratos são impressionantes. Ela costuma associar pessoas a cores, músicas... é uma loucura, mas o resultado é sempre inacreditável.
— Parece interessante. – Artemis provou do vinho pela primeira vez, e se perguntou como Apolo poderia ser tão bom em agradar as pessoas. – Ela tem pintado na Academia?
A tinta poderia manchar o chão, ou as paredes, e o cheiro poderia se impregnar, também.
— Não, ela divide um ateliê com outras pessoas – Apolo não pareceu tão satisfeito com aquilo. – Vai para lá nas folgas. Tem trabalhado num retrato do David. Mal posso esperar para ver.
Artemis riu.
— Gabriel compraria.
Apolo sorriu de volta.
— Anna diz que a cor dele é roxo.
— A cor de Gabriel? – Artemis perguntou, confusa.
— David – Apolo a corrigiu. – A minha é vermelha, seja lá o que isso signifique. Vou perguntar a ela sobre a sua.
— A do Gabriel deve ser um arco-íris – Artemis disse, só um pouco maldosa.
Apolo riu, e ia dizer alguma coisa quando uma buzina alta ecoou pela rua. Artemis se virou para ver o que era, mas não passava de uma mulher andando na calçada. Furiosa, virou-se para frente, indignada.
— Eu odeio isso.
Apolo pareceu ter sido pego de surpresa.
— O quê?
— Esse assédio – ela olhou de novo para a mulher que se afastava, notando que ela tinha a cabeça baixa. Desejou que o motorista batesse o carro. – É um absurdo.
— Oh. – Apolo fez, compreendendo.
— É repugnante – Artemis continuou dizendo, sem se conter. – E as pessoas sequer entendem. Acham que é completamente normal, que não tem nada a ver com violência, assédio ou estupro.
— E tem? – Apolo perguntou, um pouco hesitante. – Eu compreendo, é rude – concedeu. – Eu jamais faria isso com alguém. Mas não ligo a estupro. Parece... diferente.
— Não é – Artemis balançou a cabeça, entristecida. – É tudo parte da mesma cultura machista nojenta. Não é normal ter medo de voltar sozinha para casa, sabe.
Apolo ficou em silêncio por um tempo, e então disse:
— Entendi.
“Entendi”, ele disse, como se realmente entendesse. Artemis se flagrou surpresa pela sinceridade naquela palavra, e por uns segundos não soube o que dizer.
Olhando para ela, Apolo brincava com a taça de vinho, demorando a voltar a falar.
— O que você estudava em Nova York? – perguntou por fim. – Direito?
Artemis foi sincera, sem nem saber porquê.
— Filosofia.
— Jura? – Apolo sorriu, parecendo estar se divertindo.
— Por que a surpresa? – Artemis levantou uma sobrancelha, incomodada.
Apolo encolheu os ombros, sorrindo.
— Eu não esperava isso de você. Algo fora da linha medicina-direito-economia – ele elaborou, soando muito sincero.
Artemis se perguntou se realmente passava uma imagem tão ruim assim.
— Eu faço balé, é artístico – se defendeu. – E você não sabe nada sobre mim.
— Talvez eu saiba – Apolo replicou, sem se incomodar com o tom dela. – Gabriel me conta tudo, você sabe.
Artemis teve vontade de rir.
— E o que Gabriel sabe?
Apolo sorriu, parecendo embaraçado por ter sido pego no flagra pela mentira.
— Coisas.
O garçom se aproximou de novo, dessa vez com os pratos pedidos por Apolo. Artemis se satisfez ao ver que o garoto havia escolhido comidas relativamente leves, com camarões grelhados, queijo e salada do mediterrâneo.
— Mas e então – Apolo continuou, pegando um guardanapo – você é de Nova York ou só foi para lá para estudar?
Houve uma época em que Artemis fora ótima em evitar perguntas pessoais.
— Nasci lá. Você é daqui?
— Nunca morei em outro lugar – Apolo concordou. – Conheço a cidade toda. Tenho cara de estrangeiro? – perguntou, notando a expressão dela.
— Eu não me surpreenderia se fosse da Califórnia.
Apolo sorriu.
— Já me disseram isso. Você não come azeitonas?
— Não. Acho esquisito. Meio nojento tirar o caroço da boca depois.
Apolo pareceu tentar conter uma risada.
— Você morava com os seus pais?
— Não. – Não planejava dizer mais nada, mas a expressão dele era a de quem esperava por mais. Provou um pedacinho de camarão antes de, rendendo-se, voltar a falar. – Meu pai viaja muito.
— E a sua mãe?
Artemis abaixou o olhar.
— Ela já faleceu.
— Eu sinto muito.
— Foi há muito tempo. E os seus pais?
Apolo teve a decência de terminar de engolir antes de responder.
— Minha mãe tem uma livraria do outro lado da cidade, eu já te disse. O meu pai é jornalista.
— Os dois trabalham com letras – Artemis comentou, imaginando facilmente como haviam se conhecido. Faculdade, talvez?
— É. Meu pai escreve para um jornal de Nova York – Apolo acrescentou, o canto dos lábios tremendo.
Artemis juntou as sobrancelhas.
— Um jornal conhecido?
— Pode-se dizer que sim.
— Meu pai só lia o The New York Times – ela contou, em tom de quem pede desculpas.
Mas Apolo inclinou a cabeça, e ela teve que pousar as mãos na mesa, chocada.
— O quê? Espera, o seu sobrenome... – Artemis boquiabriu-se. – Charles Wright é o seu pai? O nome dele está sempre na primeira página. Ele é o editor. E o TNY é o jornal mais importante do país!
— Tem o The Washington Post – Apolo a corrigiu, inalterado. – Por que o seu pai viaja muito?
Artemis se perguntou se surpreendê-la era algum hobby dele.
— Ele é diplomata – conseguiu responder. – Está em Canberra agora.
— Eu passei uns treze anos achando que a capital da Austrália era Sidney – Apolo contou, partindo um camarão em dois.
Artemis pensou em um comentário mordaz, mas acabou sorrindo.
— Eu só descobri que era Canberra no ano passado.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
O Nyah! lindo quase me processa por não colocar minhas notas da autora no campo indicado. Quando eu coloco, o sistema as corta pela metade. Tentei sete vezes, amores, desisti. Resumindo tudo, amo vocês, sou uma apaixonada por Filosofia, principalmente por Existencialismo e Metafísica, e esses dois são uns amores. Beijinhos