O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 22
Capítulo Vinte e Dois




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Vinte e Dois

As palavras de Apolo já a haviam impressionado, mas foi só quando as portas do elevador se abriram que Artemis compreendeu exatamente o que o garoto quisera dizer com “ver a cidade toda”.

Estavam no meio de uma sala enorme, com cadeiras confortáveis voltadas na direção das paredes de vidro, com a vista incrível que só se podia ter a duzentos metros do chão. Dando alguns passos adiante, Artemis ergueu as sobrancelhas, encantada, ao ver Boston se desdobrando à sua frente como se houvesse desenrolado um mapa tridimensional e pulado para dentro dele.

O céu estava lindo. De baixo, mais cedo, parecera sem graça e distante, mas dali ela só conseguia ver uma magia enorme, azul, lilás e cor de rosa em um prenúncio de pôr-do-sol com nuvens coloridas. Soltou a respiração, extasiada, reparando sem prestar muita atenção que Apolo havia parado ao seu lado.

— É lindo, não é? – o garoto perguntou, com um sorriso satisfeito. – Costumava ficar aberto a noite toda, mas agora fecha às nove porque construíram o planetário do outro lado da cidade.

Havia poucas pessoas ali, e turistas eram a maioria, se você julgasse pelos cliques das máquinas fotográficas e pela altura das conversas. Artemis desejou que todo aquele barulho fosse embora, antecipando seu primeiro gosto pelo pôr-do-sol.

Isso porque Artemis detestava clichês. E o que poderia ser mais clichê do que um pôr-do-sol? Ainda assim, ela podia dizer que alguma coisa seria diferente daquela vez. Talvez por Apolo ao seu lado (se ela pudesse mandar todas as outras pessoas embora dali, deixaria que Apolo ficasse?), ou pela visão da cidade. Talvez por ela mesma ter estado se achando diferente nos últimos dias.

(Se bem que isso, talvez, levasse a questão a Apolo de novo.)

— Vamos sentar – ele convidou. – Alguma preferência de lado? Dá para ver o Mississippi dali – ele apontou, e Artemis viu o rio que, já sabia, passava pela cidade. – E ali fica o estádio.

Ela se aproximou um pouco mais do vidro, tentando absorver toda a cidade abaixo deles. Boston era mesmo linda, ou pelo menos assim o parecia vista de cima.

— Não sei. – Acabou dizendo, e então se virou para Apolo. – Eu nunca gostei de ver o pôr-do-sol, então considere essa a sua chance de me fazer mudar de ideia.

— E o que eu ganho se eu conseguir, um segundo encontro?

Artemis revirou os olhos, mais para desviar sua atenção daquele sorriso perfeito.

— Não foi você quem disse que isso não era um encontro?

— Eu só achei graça de você estar chamando assim, nunca disse que não era – Apolo a corrigiu. – Vamos sentar ali, e então você pode me contar sobre o porquê de nunca ter gostado de ver o pôr-do-sol – propôs, enquanto ela o acompanhava até uma fileira de cadeiras desocupadas.

Artemis se sentou e cruzou as pernas, Apolo se largou na cadeira e dobrou uma perna sobre a outra. Duas garotas orientais com máquinas instantâneas nas mãos estavam tentando disfarçar enquanto o encaravam sem vergonha alguma, e Artemis deu graças a Deus por nunca ter sido tão boba.

— Todo mundo gosta do pôr-do-sol – foi como o respondeu, como se aquilo explicasse tudo.

Apolo falhou em conter o sorriso, desviando o rosto, e Artemis juntou as sobrancelhas, confusa.

— O que foi?

— É esse o seu raciocínio para mim também?

— Não acha que está sendo meio prepotente ao assumir que todo mundo gosta de você? – propôs, incrédula com tamanha petulância.

— Não acha que está sendo muito pernóstica ao não gostar de alguma coisa só porque todo mundo gosta? – ele devolveu a pergunta. – Isso é bobagem sua. Iria acabar sozinha e amargurada em uma casa cheia de gatos se não tivesse me conhecido, então pode começar a me agradecer desde agora.

Artemis deu uma risadinha de escárnio.

— Como chegou a essa conclusão? Primeiro, eu não iria acabar, abre aspas, amargurada em uma casa cheia de gatos se não tivesse te conhecido. Fecha aspas. Segundo, se eu fosse, onde estaria o seu poder em mudar isso?

— Você vai saber responder a essa pergunta quando não acabar amargurada em uma casa cheia de gatos – Apolo disse, em tom de aviso, e então sorriu. – Você fala de um jeito engraçado.

— É feio fazer comentários pessoais – Artemis o repreendeu, incomodada.

— Agora você parece a Alice.

Artemis piscou. Inclinou a cabeça para o lado, observando com mais atenção toda aquela irritação ambulante embalada em carne e cabelo loiro.

— A Alice, de Alice no País das Maravilhas? – perguntou, tentando se lembrar. Havia lido o livro na infância, mas se lembrava vagamente de ter algo assim. – Isso aparece no livro? Espera, você leu o livro?

— E eu que achei que conviver com a Anna já fosse insulto demais à minha inteligência – Apolo balançou a cabeça. – Sim, Artemis, como qualquer criança normal, eu li o livro. Bom – ele fez uma pausa, reconsiderando. – A minha mãe leu para mim, mas tanto faz.

(Artemis podia perfeitamente ver uma socialite loira e esplendorosa mimando aquele garotinho que tivera a sorte de nascer lindo.)

— Eu me lembro de algo assim – acabou dizendo, desviando o olhar brevemente para o céu. – Nunca gostei da Alice, de qualquer forma.

— Não? – Apolo ergueu as sobrancelhas, e o tom de surpresa fez com que Artemis se virasse para ele. – Você se parece com ela.

Artemis se sentou direito na cadeira, ofendida.

— A Alice é insuportável.

Apolo tentou conter o riso de novo, desviando o olhar.

Artemis entreabriu os lábios, incrédula.

— Você é pior do que o Gabriel, sabia disso? – disse, o que não era exatamente verdade. – E eu não me pareço com a Alice. Ela é intrometida, abusada e irritante.

— O Peter Pan também é – Apolo contrapôs. – E todo mundo adora o Peter Pan.

Artemis levantou uma sobrancelha, desconfiada.

— Essa é uma forma sutil de dizer que eu sou adorada?

Apolo pareceu achar graça.

— Claro que não. Tirando o Gabriel, todo mundo na sua escola te odeia.

Artemis levantou uma sobrancelha.

— Então, o que está fazendo aqui comigo? Quero dizer, qualquer pessoa com metade de um cérebro manteria distância de alguém que todo mundo odeia. Não passou pela sua cabeça que deve haver um bom motivo para isso?

— Ah, eu conheço todos os motivos – Apolo assentiu. – Você é arrogante, orgulhosa, mal-educada e trata as pessoas como se fosse algum tipo de rainha. – Ele então deu de ombros. – Você não gosta do que todo mundo gosta, talvez eu goste do que todo mundo não gosta? – sugeriu. – Eu só não acho que você seja tão ruim assim.

Artemis olhou para aquele garoto sentado tão casual e tão lindamente ao seu lado, e perguntou-se como sequer poderia acreditar em Deus.

— Espero que lide melhor com decepção do que com rejeição – acabou dizendo, ganhando um sorriso em resposta. – Você sorri demais. É algum TOC?

Apolo riu, como se nunca houvesse escutado algo assim antes. Era charmoso como qualquer sorriso e qualquer risada levavam ruguinhas ao canto dos seus olhos, e Artemis podia prever que, com mais vinte anos, elas estariam ali permanentemente.

— Não, não é. Só acontece de nem todas as pessoas serem como você.

— Eu não conheço ninguém que sorria tanto quanto você – Artemis se defendeu.

Apolo a encarou.

— Artemis, você já olhou para os seus colegas? Vocês são o grupo de pessoas mais sérias e mais sem senso de humor da história. Menos o Gabriel, é claro, mas ainda assim ele não é plenamente normal. E ainda andam na ponta dos pés, o que é super esquisito. Você não – corrigiu-se, e Artemis suavizou a linha que havia aparecido em sua testa. Sempre se orgulhara de sua postura perfeita.

— Gabriel é um caso à parte – comentou. – E eu tenho senso de humor, só não saio sorrindo para qualquer um.

— Sorria para mim.

— O quê? – Artemis juntou as sobrancelhas, incrédula. – É claro que não, que pedido idiota.

— E essa foi a resposta de alguém com senso de humor? – Apolo retrucou, parecendo divertido. – Sinto muito se te ofendi dizendo que havia alguma coisa socada aí dentro, mas sério, tem que ter uma explicação para você ser tão assim.

— Eu usualmente fico assim quando pessoas me irritam – Artemis estreitou os olhos em sua direção.

— Você é sempre assim – Apolo a corrigiu, inalterado. – As pessoas te irritam o tempo todo? Deve ser porque você é ruiva – concluiu, com um sorriso.

Artemis revirou os olhos, e se virou para o céu.

— Você está fazendo um péssimo trabalho em me mostrar a beleza do pôr-do-sol. Não vai ter segundo encontro assim – alfinetou.

— Ah, eu só vou ter que arrumar outro instrumento de gente metida para tocar. O David pode me ensinar violino – Apolo provocou de volta. – Sério, eu esperava mais de você.

Artemis não ficava vermelha com facilidade, não mesmo, mas era por pura vergonha que sentia o próprio rosto arder. Eu nunca fui esse tipo de pessoa, Apolo. Detesto gente superficial assim.

— David te ensinando violino? – acabou respondendo. – Seria divertido ver quem enlouqueceria primeiro.

Apolo se virou para olhar para o céu, deixando Artemis observando seu perfil.

— Eu, provavelmente. David está acostumado com pessoas loucas, acho até que gosta delas. Ele saiu do hospital, você sabe, não é? – ele não se virou para ver a resposta de Artemis. – Deu um jeito de deixar celulares com seus pacientes, volta e meia tem alguém ligando para ele. Ele morre de rir depois, mas os responde com a voz mais séria. As histórias são engraçadas – contou, observando o próprio tênis.

— De onde você o conhece? – Artemis perguntou, porque ninguém em sã consciência sentiria afeição assim por um professor mal-humorado.

— Ele é amigo dos meus pais – Apolo finalmente se voltou para ela. – Eles se conheceram logo que ele veio de Versalhes e reconstruiu o hospital. Minha mãe o acha um amor.

— Um amor – Artemis repetiu, sem qualquer inflexão especial na voz. – E como assim, reconstruiu o hospital?

— Parece que teve uma reforma há algum tempo que envolvia fechar manicômios, para os loucos se reintegrarem na sociedade, essas coisas. O David e mais alguns colegas achavam que isso não era válido para todos os casos, então compraram um antigo hospital, o reconstruíram e o puseram de volta em funcionamento. É meio que uma referência aqui na região. Mas ele também tem o escritório particular, só é raro atender alguém.

Artemis assentiu, se perguntando no que o pai de Apolo trabalhava para ter conhecido David. Talvez fosse médico também?

— Gabriel ainda está apaixonado por ele.

— Antes estivesse – Apolo balançou a cabeça. – Ainda dá em cima de mim sempre que me vê.

Você é um caso à parte, Apolo.

— Ele te adora – Artemis admitiu. – Por razões alheias ao meu conhecimento.

Havia um quase sorriso nos lábios de Apolo, mas o garoto não a respondeu, observando o céu. Artemis decidiu seguir seu exemplo, e observou as nuvens abrirem passagem para um mar de cor de rosa, laranja, amarelo e todo tipo de nuance entre essas cores. Havia até roxo, e ela se perguntou como nunca havia notado aquilo antes.

O barulho no lugar estava diminuindo, os turistas ou já tendo indo embora, para ver o máximo da cidade antes que o dia acabasse, ou finalmente calando a boca mesmo. Ela notou que Apolo estava balançando o pé que estava no ar, talvez no ritmo de alguma música em que estivesse pensando.

— De onde veio o seu nome? – acabou perguntando, o olhando de lado.

Apolo pareceu estranhar a pergunta.

— Como assim?

— É o Apolo da mitologia grega ou uma homenagem à NASA? Missão Apollo 11 e tudo mais?

— Você é a primeira pessoa que me pergunta isso – ele comentou, ainda parecendo um pouco surpreso. – É o grego mesmo. Minha mãe adora história antiga.

Uma socialite que mimava o filho perfeito e adorava história antiga não se encaixava muito bem na cabeça de Artemis, então ela tentou uma abordagem diferente.

— Ela gosta de livros? Você disse que ela lia para você.

Aquilo fez Apolo rir.

— Ela tem uma livraria – contou, como se fosse óbvio. Como Artemis adivinharia aquilo? – Sempre foi louca por histórias.

Para seu crédito, Apolo não disse mais nada, então Artemis supôs que havia conseguido disfarçar bem a surpresa, riscando da sua mente a teoria da socialite loira superficial.

— E os seus pais? – Apolo voltou a falar. – Também devem gostar, considerando o seu nome.

— Sim – Artemis disse, o que era uma meia-mentira, sem vontade de continuar no assunto.

O sol já estava quase indo embora. O céu estava mais colorido do que Artemis jamais havia visto, e um bando de andorinhas cruzando o ar só deixou o cenário mais perfeito – se Artemis houvesse visto uma foto daquilo, teria chamado de uma boa edição.

Os últimos raios de sol tocavam seu rosto através do vidro como uma última carícia morna, e Artemis sentiu o olhar de Apolo voltado completamente para ela. Desconfortável, quis correr os dedos pelo cabelo, mas ele estava preso. Com um suspirou, o soltou, o arrumando com descuido e se sentindo mais segura com as ondas ruivas emoldurando seu rosto e caindo por seus ombros.

O olhar de Apolo não se desviou dela.

— Você ouve elogios com frequência?

Artemis se virou para ele, notando que os raios dourados se emaranhavam em seu cabelo loiro. Seus olhos castanhos estavam mais claros, focados nela com adoração o bastante para deixá-la encantada e embaraçada ao mesmo tempo.

— Não tanto quanto você, provavelmente. Por quê?

Ele balançou a cabeça, com um ligeiro sorriso.

— Por nada.

Para um apaixonado pelo pôr-do-sol, Apolo não estava fazendo esforço algum para vê-lo. Artemis tentou conter o próprio sorriso, se sentindo a garota mais linda do mundo.

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Notas finais do capítulo

Desafio qualquer um a dizer que não os quer em um pote sobre a cômoda.
Tenho uma prova enorme de biologia amanhã, sobre sistemas nervoso, endócrino, tegumentar, muscular e ósseo, e sei tanto sobre isso quanto uma criança de quatro anos. Terei que apelar para minha capacidade de embromação, ou rezar para Atena.
O que estão achando, meus amores? Seria ma-ra-vi-lho-so se todo mundo que está acompanhando comentasse, não acham? É uma ideia brilhante, e nem digo isso só porque foi minha.
Mil beijinhos