O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 11
Capítulo Onze




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Onze

— Eu e Artemis continuamos treinando como condenados, mas e vocês? – Gabriel perguntou, animado, depois que o garçom anotou os pedidos e recolheu os cardápios. – Como é estar de férias adiantadas?

— Férias? – Apolo repetiu, sem entender.

— Vocês não estão fazendo nada, enquanto que eu quase torci meu tornozelo ontem treinando – Gabriel explicou, com naturalidade.

— Eu queria estar de férias – Apolo o respondeu, soando um pouco incomodado com a ideia de que alguém (mesmo que Gabriel) achasse que ele estivesse completamente à toa. – Mas ainda estamos tendo aulas, começando os ensaios e tendo de trazer os instrumentos. – Ele deu uma olhada de lado para o professor. – Só o David que não está fazendo nada.

— Ooh – Gabriel fez, feliz. – Então eu presumo que você esteja com bastante tempo livre.

A insinuação do garoto fez David erguer as sobrancelhas.

— Cuidado com o seu tom – mas mesmo com a voz séria havia um sorriso ligeiro em seu rosto, meio de lado, charmoso o bastante para criar esperanças. – Meu desgosto pela Berklee não vai longe o bastante para que eu prefira ser encarcerado.

— Eu sou maior de idade.

— Mesmo? – David o olhou através dos óculos. – E desse tamanho?

— Eu não sou tão mais baixo do que você – Gabriel defendeu-se, o que era mentira, porque ele era, sim, ao menos vinte centímetros menor. – E isso é bom, certo? Para algumas coisas, quero dizer.

— Okay – Apolo interrompeu o assunto. – Já ouvimos o bastante.

— Vocês estão treinando com seus próprios instrumentos? – Artemis perguntou a ele, grata pela mudança de tópico. – A Academia possui instrumentos.

Provavelmente melhores, era o que gostaria de acrescentar, mas não o fez.

— Hmm, não, não possui – Apolo discordou, parecendo achar a ideia estranha. – Os instrumentos eram da Orquestra. Podiam ficar na Academia, imagino, mas não eram propriedade dela. Então estamos trazendo os da Berklee.

— Vocês têm todos eles?

Apolo riu.

— É uma escola de música. Claro que temos todos eles. Alguns têm seus próprios instrumentos, mas estamos usando a maioria da Berklee.

— E vocês que estão trazendo? – Gabriel perguntou. – Como?

— Os menores conseguimos trazer, para outros a Berklee conseguiu transporte. Mas os caminhões não chegam até o anfiteatro, então temos de carregá-los até lá.

— Gosto de ver isso – David disse de repente. – Vejo todos aqueles alunos irritantes tendo de carregar peso para conseguirem tocar, é quase como se o universo os punisse de alguma forma.

— Punisse por quê? – Artemis perguntou, confusa.

— Por não terem talento e insistirem mesmo assim – David sorriu.

— Isso certamente renova minha fé na Berklee – Artemis comentou, secamente.

— E em nome dos meus colegas, estou ofendido.

— Em nome deles mesmo – David sequer olhou para Apolo. – Não é de você que estou falando e sabe disso.

— E os seus instrumentos? – Gabriel perguntou, olhando para David com interesse. – O que você toca?

— Você, você, você – David suspirou. – Sou mais velho e professor, não deveriam mostrar algum tipo de respeito? – Não esperou resposta. – Piano e violino.

Artemis desviou o olhar, sem interesse de assistir a Gabriel se atirando para cima do homem de novo. Apolo havia apoiado os antebraços na mesa, sem educação alguma, ainda mais considerando-se o local em que estavam. (Era um dos restaurantes mais lindos a que Artemis já havia ido.) Bronzeado daquele jeito, talvez Apolo houvesse passado as férias de verão na praia.

Erguendo os olhos, Artemis constrangeu-se ao ver que ele havia flagrado seu olhar. Desviou o rosto para David, esperando não estar interrompendo um flerte muito importante.

— O senhor vai tocar na apresentação?

— Vê? – David disse a Gabriel, como se ignorasse a pergunta. – É uma questão de educação.

Então eles ainda estavam no dilema você/senhor.

— Eu já te chamo pelo primeiro nome – Gabriel insistiu. – Que diferença faz se uso você ou senhor? Acho que isso é fetiche seu – concluiu, com um sorriso que mostrava suas covinhas.

Artemis suspirou, com vontade de enterrar o rosto nas mãos. Apenas Gabriel usaria a palavra fetiche num jantar constrangedor com dois desconhecidos.

Felizmente o vinho que David havia pedido chegou, e todos foram poupados de posteriores embaraços. Artemis percebeu quando David sorriu de lado da expressão preocupada de Apolo (por quê?), pausando por segundos para cheirar o vinho antes de prová-lo.

Ela examinou a taça que havia lhe sido servida, sem muita vontade de beber. Bailarinos não combinavam realmente com álcool, cigarro ou qualquer coisa nociva. Mas um pouquinho talvez não fizesse mal.

— E você? – perguntou a Apolo, apenas para distrair-se, até porque o vinho havia deixado um gosto horrível em sua boca. Detestava vinho tinto seco. – O que você toca?

— Guitarra – Apolo sorriu, talvez pela resposta que havia lhe dado, talvez por Artemis ter lhe dirigido a palavra. – Violão e baixo, também; uma coisa acaba puxando a outra.

Artemis se perguntou de onde saía toda aquela tranquilidade ao dizer aquilo, ainda mais depois dela ter deixado bem claro que achava que ser um guitarrista o transformava em um vagabundo inútil.

— Fui ao concerto do ano passado – Gabriel contou de repente, entusiasmado. – O festival de outono. Você foi fantástico. O cara depois de você também foi incrível.

— O Krist – Apolo respondeu, sem tecer comentário ao elogio. – Ele estava na nossa mesa ontem, mas acho que vocês não se falaram. Sabe aquela garota que fez o cover da Joan Jett?

— A versão doida de Do you wanna touch me? Com um chapéu estranho?

A conversa se desenrolou a respeito do concerto, e Artemis percebeu que tanto ela quanto David estavam profundamente entediados. David, porque esse era o seu estado de espírito natural, e Artemis, porque não estava interessada em incentivar Gabriel babando em cima de Apolo.

Os dois se olharam por cima da mesa, mas não disseram nada. Artemis apreciou o silêncio, desviando então o olhar para as pessoas ao seu redor. Os pratos não demoraram a chegar, e Artemis provou da melhor massa que já havia comido fora da Itália.

Gabriel, para sua surpresa, inclusive demonstrou boas maneiras à mesa, usando guardanapo e não falando de boca cheia. Artemis perguntou-se quem seriam seus pais, e que tipo de criação ele tivera.

Apolo e David entraram em uma conversa sobre uma garota chamada Anna, que Artemis não conhecia, mas por quem David nutria uma mistura de interesse e desprezo, e, observando os dois, Artemis tentou imaginar que tipo de relação teriam. Não eram apenas aluno e professor, até porque – com o consenso dele, ao contrário de Gabriel – Apolo o chamava com naturalidade pelo primeiro nome.

Foi quando a mesa caiu em um silêncio confortável que Apolo se virou para observá-la, mantendo, sem vergonha alguma, os olhos castanhos focados em seu rosto. Decidida a não mais se render, Artemis resistiu à vontade de manter os olhos abaixados e ergueu o rosto para ele. Pôde ver a surpresa de Apolo, mas logo o garoto estava sorrindo.

Ela não sabia o que era suposta a fazer; encará-lo até que um dos dois risse, como naquela brincadeira infantil? Apolo parecia satisfeito, até com um pequeno sorriso nos lábios; o pensamento absurdo de que talvez ele estivesse feliz por tê-la ali chegou inclusive a cruzar sua mente.

— Achei que houvéssemos vindo para cá por algum motivo – comentou, apoiando os talheres sobre o prato e dobrando o guardanapo sobre a mesa.

— E não viemos? – David tinha a taça bem próxima dos lábios enquanto falava. – O encontro de vocês dois está acontecendo. – Ele deu um rápido olhar para Apolo antes de beber, o canto de seus lábios num quase sorriso.

— Ignore-o – Apolo a aconselhou, e Artemis encolheu os dedos quando sentiu a perna dele roçar a sua debaixo da mesa, jeans contra o tecido macio de suas calças escuras. – Eu não traria esses dois para o nosso primeiro encontro.

— Por que não fazer da oportunidade um encontro duplo? – Gabriel sugeriu, lançando um olhar esperançoso para David, que pousou sua taça quase vazia na mesa com um ar de desalento.

— Eu teria de estar completamente bêbado para isso.

— Nada que não possa ser resolvido. Posso assoviar para chamar o garçom ou isso não se faz em lugares como este?

David balançava a cabeça, mas Artemis tinha a nítida impressão de que ele estava se divertindo.

— Eu não te mereço.

— Awn – Gabriel riu. – Assim eu vou ficar vermelho.

— Gabriel, pare com isso – Artemis o reprimiu, constrangida em nome de todos os bailarinos da Academia. – Você está em um lugar público.

— Pelo menos aqui eu teria testemunhas para o processo de assédio sexual que poderia mover contra você – David disse a Gabriel, mas não em tom de ameaça.

— Advogados de terno são gostosos.

— Você é nojento – Artemis constatou, virando-se para Apolo ao sentir a perna dele se movendo um pouquinho uma segunda vez.

Aquilo poderia ter passado por um movimento casual se Apolo não estivesse com aquele sorrisinho nos lábios; era íntimo e confortável, fazendo Artemis franzir os lábios.

— Vocês pensaram em mais alguma coisa para a apresentação? – David perguntou, virando-se para ela com um súbito interesse profissional.

— Só em detalhes – Artemis contou, sem saber se ele estava interessado de verdade. – Estamos trabalhando com o figurino agora, é difícil explorar a ideia de asas numa roupa que permita movimento.

— Não podemos ter um anjo sem asas – Apolo disse, como se a ideia fosse o cúmulo do absurdo.

— Aposto que você estava animado para ver Artemis de anjo – Gabriel se meteu na conversa. – Seria tipo Victoria’s Secrets.

— Você não poderia ser mais gay, não é? – Artemis revirou os olhos para Gabriel, decidindo que era melhor não manter contato visual com Apolo depois daquela.

— Conheço uma boa estilista – David retomou a conversa com Artemis. – Vou pedir a ela para entrar em contato com a diretora Lee. Quanto à desculpa esfarrapada que Apolo usou para trazer vocês aqui, não precisamos de ajuda nenhuma com música.

— Precisamos da opinião deles – Apolo o contradisse, em uma inesperada demonstração de humildade.

Que, é claro, faltava a David.

— Eu não preciso. Eles dançam, nós tocamos; no caso, vocês, sob a minha supervisão. Estamos colaborando, não trabalhando para eles.

— Claro – Artemis disse, sabendo que deveria ter percebido desde o início que aquele encontro não tinha cabimento. – Vou passar tudo para a professora Victoria, ela e o Phil vão escrever o repertório e preparar a coreografia. – Pelo menos o macarrão havia sido gostoso. – Acho que até quarta-feira vai estar tudo pronto. Vocês vão querer ler?

Ela queria ter feito a pergunta olhando para David, mas, como ele estava muito ocupado sendo alvo de Gabriel se oferecendo para se vestir de anjo, teve que voltar-se para Apolo.

— Seria ótimo – o garoto quase sorriu. – A gente pode assistir aos ensaios?

— Aos ensaios? – Artemis se recusou a imaginar a cena.

— Vai ajudar a compor.

— Eu não ligo – Gabriel comentou, animado, escolhendo aquele momento para entrar na conversa. – Você está convidado também – acrescentou para David, que o ignorou.

Artemis decidiu que iria mesmo ensaiar sozinha, de qualquer forma, e manteve a expressão indiferente enquanto observava Apolo.

— Suponho que vá ajudar a compor.

— Na verdade, não vai – David a corrigiu, parecendo feliz pela chance de desviar os olhos de Gabriel. – Mas vamos permitir que Apolo seja feliz, por que não? – Ele suspirou. – Podemos ir embora agora? Estou com uma dor de cabeça horrível.

— O seu quarto ou o meu? – Gabriel mostrou suas covinhas no sorriso mais doce.

David levou um ou dois segundos o observando.

— Você não precisa muito das asas desse jeito – disse, lentamente, ao se levantar. – Mas é melhor crescer antes.

{...}

Enquanto David acertava a conta e trocava duas palavras com o chef, Gabriel ficou para perturbá-lo, e Apolo e Artemis se viram na saída, olhando em silêncio para o estacionamento iluminado. Estava ventando, e Artemis observou, de soslaio, como o cabelo dele se mexia.

Parecia fino, provavelmente macio.

Felizmente, Apolo havia se mantido a um ou dois passos dela, suas mãos bem guardadas dentro dos bolsos. Artemis estava com os braços atrás das costas, segurando seu pulso direito enquanto desviava o olhar para a noite escura.

— Se arrepende muito de ter vindo? – ele perguntou, casualmente.

Artemis encontrou o conversível vermelho do outro lado da rua, e considerou a pergunta.

— Apesar de ter sido atraída por um falso pretexto? Não.

— Então sair comigo não foi tão ruim assim? – Apolo conferiu, e Artemis teve a impressão de que ele havia se aproximado. Como, se ela nem o havia visto se mexer?

E então sua mão estava correndo por seu cabelo novamente, desde o topo de sua cabeça até as pontas, puxando os fios ruivos para trás enquanto, até onde a visão periférica de Artemis podia dizer, Apolo parecia simplesmente maravilhado.

Se ele notou o arrepio que correu pela coluna de Artemis, não disse nada.

Artemis balançou a cabeça, pondo os fios de volta no lugar. Nada daquilo havia sido para fazê-la se arrepender do que havia dito, percebeu, sem saber exatamente como.

Apolo havia sido apenas ele mesmo, e o único motivo pelo qual Artemis se sentia culpada era porque havia acabado de perceber que, por mais que ele fosse tudo aquilo o que ela havia falado mais cedo, talvez ainda houvesse algo bom sobre Apolo que ela não havia levado em conta.

Como o sorriso, o bom-humor, o gosto por Dire Straits e seu jeito de cantar baixinho para si mesmo enquanto dirigia; sem falar no olhar de apreciação que ele volta e meia lhe dava, e que fazia Artemis se sentir como a única garota do mundo.

Ela conhecia aquele tipo de charme bem demais, e sabia o quão perigoso era.

— Desculpe por ter dito aquilo.

Se Artemis houvesse falado um pouquinho mais baixo, teria sido um murmúrio. Ainda assim, Apolo correu os dedos por seu cabelo de novo, fazendo com que Artemis virasse o rosto para ele.

— Nós vamos ter um primeiro encontro de verdade – ele prometeu, o canto dos lábios se curvando para cima.

Artemis queria afastar a mecha loira da lateral do seu rosto, mas manteve as mãos atrás das costas.

— Não, não vamos.

Apolo continuou acariciando seu cabelo, como se ela houvesse dito sim.

{...}

 


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Notas finais do capítulo

Preciso de alguém desenhando isso para mim. E de Apolo cantando Kiss Me, do Ed Sheeran, enquanto o interior de Artemis se contorce de tanta fofura. (Eu tenho sérios problemas ouvindo Kiss Me, porque me afundo na cama ou no sofá como se fosse perfeição demais para mim, sei lá. Eu tenho essa vontade de me esconder quando estou lendo, vendo ou ouvindo algo romântico demais.)
O que estão achando, meus amores?
Mil beijinhos da Maeve.



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