O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 10
Capítulo Dez




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Dez

Gabriel havia feito a cortesia de esperá-la na sala. Para seu crédito, não estava usando uma de suas camisetas coloridas com frases vergonhosas e estampas de desenhos animados, e sim roupas normais. O garoto parecia até bonitinho, na opinião de Artemis, que desceu as escadas reparando que ele havia feito chocolate quente para Isabella. (Gabriel era ótimo na cozinha, desde que a receita levasse açúcar. Artemis não entendia como conseguia continuar magro.)

– Artemis, você está linda! – Isabella exclamou, assim que a viu. Isso, vindo de uma garota que passava o dia acessando sites de moda e lendo a VOGUE como se fosse a Bíblia, soou como um ótimo elogio à Artemis.

– Se eu gostasse de peitos, juro que te pegava – veio o comentário bem menos elogioso de Gabriel, que disse aquilo com uma piscadela convincente.

Artemis o ignorou. Não que ela houvesse se arrumado excepcionalmente, veja bem. Estava de calças escuras e um suéter cinza, com botas de camurça. A principal diferença, ela sabia, era o seu cabelo solto.

– E o seu cabelo, Artemis! – Isabella exclamou, quase como se soubesse o que Artemis estava pensando. – Eu mataria por essa cor – e ela suspirou, apoiando-se no balcão de forma sonhadora.

– Eu não – Gabriel inclinou a cabeça para o lado, examinando as ondas ruivas criticamente. Artemis o ignorou de novo.

– Obrigada, Bella. Vamos, Gabriel?

– Você vai me contar tudo quando voltar – Isabella pediu a Gabriel, enquanto o garoto saltava do banquinho.

– Sim, senhora – o garoto confirmou, solene. – Vou te dar todos os detalhes da gostosura ambulante que é Apolo.

Enquanto Isabella dava aquela risadinha irritante e brincava sobre “detalhes sobre a química entre (insira mais risadinhas aqui) Artemis e Apolo”, Artemis fez seu caminho até a porta, e já estava quase saindo quando Gabriel correu para alcançá-la.

– Você fica bravinha quando falamos no seu amor? – Artemis o encarou, mas Gabriel continuou falando enquanto a acompanhava, imune ao olhar letal. – Não precisa se preocupar, a Bella é completamente apaixonada pelo Andrew desde sempre.

– Sério? - Artemis levantou uma sobrancelha.

Andrew era razoavelmente bonito, com cabelo e olhos escuros, mas do tipo que postava fotos sem camiseta em redes sociais. Se fosse um pouco mais vazio, talvez saísse voando pela Academia ao invés de andar.

– Yeap. - Gabriel tomou nota do tom incrédulo de Artemis. - Tipo, o Andrew não é nenhum Apolo, mas até eu já estive a fim dele.

– Como assim, “até você?” – Artemis zombou. – Você já esteve a fim de todo mundo.

Gabriel suspirou dramaticamente.

– Artie e sua língua doce. Cuidado, Apolo pode cair duro no primeiro beijo de vocês, de tanto veneno.

Artemis conteve o sorriso, revirando os olhos.

– Desisto de te impedir de falar sobre Apolo. – Ela então hesitou, franzindo os lábios. – Falando nisso, o que ele disse? Você não me contou nada.

– Apolo não disse nada demais - Gabriel a informou, soando só um pouco chateado com a falta de graça da resposta. - Porque, é claro, você é perfeita, desde que mantenha a boca fechada.

– Ele disse isso de mim? – Artemis perguntou, escandalizada.

– Não, né? Apolo nunca diria isso – e Gabriel suspirou, invejoso. – Ele achou ótimo você ter concordado em vir, porque disse que sabia que eu seria inútil, e então eu disse para a gente ir para a cama e... bom, resumindo, ele disse que não dava a mínima para o que você tinha dito.

– Bom, então ele é tão arrogante que as críticas simplesmente não o afetam – Artemis concluiu. – Maravilhoso, de fato.

– O cara te perdoou por ter sido uma vadia grossa e você ainda dá um jeito de fazer isso parecer uma coisa ruim? – Gabriel perguntou, escandalizado. – Qual é o seu problema?

– Gabriel, assim que aquele garoto desceu as escadas seminu, eu tive a certeza de que ele não valia a pena. A primeira impressão não poderia ter sido tão ruim nem se ele tivesse tentado, e ele tem feito jus a ela desde então.

Como que Apolo sem camiseta é uma primeira impressão ruim? – Gabriel estava boquiaberto. – Como? É a melhor primeira impressão do mundo, você devia ter pulado nele e começado a lambê-lo! – ele gesticulou, exasperado.

– Lambê-lo?

– Eu o lamberia.

– Uma ótima imagem mental, obrigada. Sabe para qual restaurante nós vamos?

– Ah, é um bistrô italiano bem conhecido – Gabriel deu de ombros, com aquela sua facilidade peculiar de mudar de assunto. – Eu nunca fui, mas já ouvi falar bem de lá. Parece que o chef é amigo do David, ou alguma coisa assim. Sei lá.

– David – Artemis repetiu. – Desde quando ele é David para você?

– Não foi realmente uma escolha para ele – Gabriel encolheu os ombros, mas estava sorrindo. – É só que é um nome bonito. E ele é bonito. Então juntei as duas coisas.

– Ele não liga?

– Ele ignora.

Artemis bufou, sorrindo.

– Será que porque ele pode ir para a cadeia se encostar em você?

– Não – Gabriel replicou, dando um pulinho. – Em Boston a idade de consentimento é dezesseis. Eu conferi – explicou, muito satisfeito consigo mesmo.

Artemis o observou cuidadosamente, pensativa.

– Você está falando sério? Ele me parece um pouco... estranho demais.

Não o tipo de pessoa que se interessaria por um adolescente apaixonado por sexo como você.

– Bom, ele é francês – Gabriel começou. – Daí aquele sotaque gostoso. E é um psiquiatra super famoso também, o que adiciona inteligência à gostosura. Ele ama bebidas e cigarro e é ótimo em jogar pôquer – concluiu. – Não tenho do que reclamar.

– Ele fuma? – Artemis conferiu. – Que hábito horrível.

– Todos temos hábitos horríveis – Gabriel encolheu os ombros. – Fumar nem parece a parte muito ruim, o problema é mesmo a bebida. Apolo não foi muito claro, mas ouvi uma ou duas indiretas nesse sentido. Sabia que pesquisei o nome dele no Google? A família dele produz vinhos na França.

– Família de quem? De Apolo?

– Não consegue parar de pensar nele, não é? – Gabriel riu, fazendo Artemis revirar os olhos.

– Gabriel – ela disse por fim, com um suspiro, se sentindo extremamente caridosa. – Não é nada pessoal, eu nem gosto de você. Mas ainda assim, esse professor não... não é bem o tipo de pessoa que eu imagino te namorando, entende? Ele é vinte anos mais velho--

– Dezessete – Gabriel a corrigiu.

Artemis continuou como se não o houvesse escutado.

– Ele já tem seus próprios demônios – usou aquela expressão que amava tanto. – Não vai realmente se importar com você. Bobagem sua insistir nele.

(Queria que alguém dissesse isso a Apolo por ela.)

Pela expressão em branco de Gabriel, contudo, toda a bondade de Artemis havia sido em vão.

– Quem disse que eu quero um namorado sério?

(Artemis se perguntou se Apolo reagiria assim, e decidiu que não queria saber.)

– Não importa. Ele também não vai te levar para a cama.

Gabriel subiu e levantou as sobrancelhas.

– Não precisa ser na cama.

– Eu não quero continuar essa conversa.

O garoto deu uma risadinha, erguendo os olhos em antecipação ao chegarem à entrada.

Os portões ficavam abertos para os alunos que quisessem sair nas noites de sexta e sábado, e o toque de recolher era à meia-noite, embora Gabriel parecesse ter uma forma secreta de se esgueirar para dentro pelos portões dos fundos.

Apolo e David – poderia Artemis chamá-lo assim, ao menos em sua mente? – estavam esperando por eles, Apolo escorado no batente largo da porta de entrada como se a madeira branca perfeita fosse um muro de rua qualquer. Ele havia descruzado os braços para gesticular enquanto contava uma história, e sua camiseta era dos Rolling Stones.

(Ele ficava ainda melhor de vermelho, ou talvez fosse só a opinião pessoal de Artemis.)

David estava de costas para eles, com um sobretudo escuro e sapatos sociais; quando se virou, Artemis notou que ele havia feito a barba. Ao seu lado, Gabriel abriu um sorrisinho quase como se não pudesse contê-lo.

É um caso perdido.

– Hey. – Foi Apolo quem os cumprimentou, abrindo um sorriso todo dirigido a Artemis e se pondo em pé direito enquanto eles se aproximavam. – Você decidiu vir, então?

– Pelo bem da minha apresentação – ela o respondeu, tentando decidir se aquele sorriso era de verdade.

Parecia ser. Além disso, havia algo de diferente no olhar dele... Apolo quase parecia estar a apreciando, mas como poderia?

– Você prefere mesmo dirigir? – David perguntou para Apolo, antes que o garoto pudesse responder Artemis.

– Ah, seria legal se chegássemos vivos.

– Eu posso ir com você – Gabriel sugeriu para David, feliz – e Apolo vai com Artemis. Que tal?

– Nem sonhe com isso – Atemis o avisou, em tom de ameaça.

– Gabriel, você não sabe o que está dizendo. – Por algum motivo, Apolo concordou com ela, batendo no ombro de Gabriel enquanto descia as escadinhas da entrada. – Você não sabe o que é medo até entrar em um carro com David.

Artemis seguiu os dois, surpresa e um pouco ofendida com a recusa de Apolo de ficar sozinho com ela, o professor ao seu lado murmurando algo sobre estúpidos limites de velocidade.

O estacionamento costumava ficar bem mais vazio, mas, com a chegada dos músicos, havia pelo menos uns quarenta carros espalhados pelas vagas. Artemis não fazia ideia de que tipo de carro Apolo dirigiria, mas eles não tiveram que andar muito.

– Ah, não, cara! – Gabriel estava exclamando à sua frente, rindo. – Você dirige mesmo um desses? – perguntou, fazendo Apolo soar como uma lenda que havia se provado realidade.

Quando Artemis olhou para o carro, contudo, abriu um sorriso descrente. Era um conversível vermelho hollywoodiano antigo. Ela não entendia nada de carros, mas podia reconhecer um tipo daqueles quando via – um carro de pelo menos vinte anos atrás, preservado com cuidado, no qual haviam sido feitas várias alterações para modernizá-lo sem perder a classe. Era lindo, elegante e estiloso, a pintura impecável e, bem, perfeito, sob todos os aspectos.

– É – Apolo estava dizendo, orgulhoso, abrindo a porta do motorista sem entrar, apoiando os antebraços no teto do carro e olhando para Artemis. Seu cabelo estava dourado sob a luz do poste mais próximo, e ele abriu um sorriso. (Artemis amaria fazer o teto sumir naquele momento, só para ver Apolo caindo.) – As garotas adoram.

Ela o ignorou, aparentando indiferença enquanto entrava, Apolo fazendo o mesmo logo após uma breve risada.

O interior era de couro claro, confortável e agradável aos olhos. Era notável que o carro era muito bem-cuidado, um óbvio mimo do garoto. Artemis decidiu que nem estava realmente surpresa; o conversível era a cara de Apolo, e ela nem sabia como havia chegado àquela conclusão sem nem conhecê-lo direito.

Não, o que realmente a surpreendeu veio do aparelho de som – quando o loiro o ligou, Artemis não pôde evitar a subida de sobrancelhas quando o ritmo gostoso de Your Latest Trick começou a tocar, a música já na metade.

– Dire Straits? – perguntou, se recusando a acreditar.

Isso não é rock and roll barulhento e inútil, isso é música boa. Encarou o perfil de Apolo, sem entender.

– O que você esperava? – o garoto perguntou, lhe dando um breve olhar antes de manobrar para sair.

– Alguma banda inútil de rock, daquelas que você gosta tanto.

David deu uma risadinha baixa, mas Apolo, como sempre, ignorou seus insultos com facilidade.

– Você gosta de Dire Straits?

– Um pouco – Artemis mentiu. Eu adoro essa música.

– O que toca no seu carro? – Gabriel perguntou, encarando David com interesse.

– Música clássica, o que é algo bem normal de se ouvir – foi Apolo quem respondeu, soando só um pouco debochado.

– Musicais se encaixam nisso? – Gabriel perguntou, animado.

– O quê, aquelas pessoas gritando? – David conferiu. – É claro que não. Por quê?

Gabriel, então, dominou a conversa, falando animadamente de todos os seus musicais preferidos e de como Idina Menzel era uma mulher incrível. Artemis não prestou atenção, olhando a cidade pela janela e tendo certeza de que tudo era muito mais lindo à noite.

Ela estaria completamente à vontade se Apolo não houvesse começado a assoviar a música, fazendo-a se afundar no assento. Quando Artemis achou que talvez pudesse sobreviver, a parte instrumental acabou e Apolo começou a cantar a música baixinho. (Artemis fez o seu melhor para não se deixar levar pela voz macia, porque o clima ficaria muito mais íntimo do que deveria.)

Levou alguns minutos até que chegassem, e tudo o que ela entendeu da conversa foi que David não conhecia nenhum musical, Gabriel achava isso um absurdo e uma maratona de clássicos da Broadway havia sido proposta (e recusada).

Ainda assim, quando Apolo estacionou (e muito bem, Artemis tinha que admitir; ele era um ótimo motorista, aparentemente), Gabriel saltou para fora, dando a volta rapidamente para se plantar ao lado de David como se houvesse nascido ao lado do homem.

Revirando os olhos, Artemis fechou sua porta com cuidado, não querendo danificar o carro. Quando deu por si, Apolo estava bem ao seu lado, e ela percebeu, irritada, que David e Gabriel já haviam cruzado a rua (David provavelmente tendo tentado fugir do garoto), mas que os dois teriam que esperar alguns carros passarem.

Perfeito, simplesmente perfeito. Como se não bastasse, Apolo estava mais próximo do que ela teria gostado.

– Eu acho que você adora Dire Straits – ele disse, como se Artemis nunca houvesse lhe sido rude.

Ela olhou para seus lábios por um ou dois segundos antes de voltar sua atenção para os olhos castanhos.

– Por quê?

Apolo deu de ombros, obviamente tentando conter um sorriso. De perto, era ainda mais adorável ver o canto de seus lábios lutando para não se curvar para cima.

– É verdade, não é?

– Você gosta?

– Adoro. – Apolo deixou que a palavra ficasse no ar um tempo, Artemis o encarando sem querer acreditar, e então o garoto sorriu. – Vem, David vai nos matar se o deixarmos sozinho lá dentro com Gabriel por mais um minuto.

E Artemis teria suspirado de alívio se Apolo não tivesse posto a mão na parte de baixo de suas costas enquanto eles cruzavam a rua. De olhos arregalados, ela até diminuiu a velocidade dos próprios passos, tentando entender quando fora que Apolo tivera aquela ideia horrenda.

É a forma dele de me fazer pagar pelo comentário?, não pôde evitar pensar, enquanto Apolo gentilmente a guiava para dentro do bistrô, sua mão morna apoiada confortavelmente na base de suas costas, como se ele sempre houvesse feito isso. Artemis encolheu-se quando as luzes do restaurante mostraram todos os fregueses olhando para os dois, como se fossem um lindo casal de namorados.

Fazendo o caminho até a mesa onde David e Gabriel já estavam sentados, Artemis não ousou olhar para Apolo, mas achou que o garoto estivesse sorrindo. Quando ele finalmente tirou sua mão de cima do suéter dela, Artemis estava a meio caminho de se sentar no sofazinho ao lado de Gabriel e se sentir aliviada, apenas para lançar um olhar indignado para Apolo quando o garoto teve a ousadia de correr os dedos por seu cabelo, mexendo nos fios vermelhos quase que com curiosidade.

(Artemis não gostava que tocassem em seu cabelo. Por que outro motivo o deixaria sempre preso? Não fazia nem ideia do porquê de tê-lo soltado, mesmo com o fundo de sua mente a lembrando de um casual comentário sobre loiros preferirem as ruivas. E eu sei bem disso, não sei?, ela pensou, observando o olhar encantado de Apolo.)

– Eu gosto do seu cabelo.

Estava ficando difícil não abaixar o olhar como uma garotinha de catorze anos.

– Já terminaram de flertar um com o outro? – David perguntou, interrompendo-os. Ele tinha a carta de vinho nas mãos. – Sentem-se. Vocês têm idade para beber, não têm?

Artemis sentou-se ao lado de Gabriel, deixando que o garoto respondesse por ela. Ergueu o rosto para Apolo, que se sentara à sua frente, tentando mensurar o tamanho da enrascada em que havia se metido.

Dire Straits, a mão na base de suas costas, dedos delicados no seu cabelo. Os pés de Apolo encostaram-se nos seus por debaixo da mesa, Artemis fechou os olhos por um milésimo de segundo e então desviou o olhar.

Havia certas batalhas que, infelizmente, eram um prazer de se perder.

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Notas finais do capítulo

Li, meu amor, viu a música? *------*



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