Quando acordei no dia seguinte a primeira coisa em que pude pensar era que estava com fome. Quando o Rin me ligou na noite passada, dizendo que precisava conversar, eu estava a caminho da loja de conveniência para comprar meu jantar, mas imediatamente mudei meus planos. Afinal receber uma ligação em que ele me dizia, com uma voz séria e nervosa, que precisava conversar não é algo comum, e com certeza merece atenção. Lembrar disso fez com que a verdade do que havia acontecido na noite anterior me alcançasse com uma força esmagadora. Eu imediatamente coloquei um de meus braços em meus olhos tentando evitar, sem sucesso algum, que a imagem dele me dando as costas e se afastando aparecesse em minha mente. Infelizmente nada do que eu fizesse mudaria o que houve.

Respirei fundo e finalmente me levantei. Fui ao banheiro e assim que me olhei no espelho fiquei surpreso com o quão inchados e vermelhos estavam meus olhos. Percebi que não havia nem mesmo trocado de roupa ao chegar. Minhas roupas estavam sujas de lama e como um todo eu tinha uma aparência terrível. Com toda certeza desabar em lágrimas em um parque infantil depois de uma tarde de chuva não era a melhor coisa a se fazer. Felizmente não havia nada que me agradasse mais do que passar algum tempo em minha confortável banheira e foi exatamente o que fiz. Não sei quanto tempo passei ali, mas a água me ajudou, não só a ficar limpo, mas também a pensar e organizar meus pensamentos.

Pude lembrar com clareza tudo o que havia acontecido, de tudo o que ele havia me dito, mas principalmente de uma frase: “Eu não estou pretendendo fugir ou me afastar de você novamente...nem seria capaz eu acho.” Ele não fugiria. Mesmo que isso o magoasse, mesmo que isso fosse doloroso, ele permaneceria ao meu lado, como amigo e rival. Nós poderíamos muito bem continuar como estávamos. Amigos, rivais, companheiros. Simples e fácil. Mas era realmente o que eu queria? Simplesmente tê-lo ao meu lado seria o bastante? A tempos eu me tornei incapaz de impedir que certos desejos tomassem forma em minha mente. De desejar ser alguém especial para ele, passar mais tempo com ele, receber mais da atenção dele. Desejos egoístas, mas que eu não conseguia evitar. Me perguntei diversas vezes o que esses pensamentos queriam dizer, mas ao mesmo tempo tinha a impressão de que no fundo já sabia, e, de certa forma, não gostava da resposta. No fundo eu tinha medo de que meus sentimentos por ele o afastassem. A ideia de perdê-lo me assustava. E no fim acabei descobrindo que nossos sentimentos eram mais parecidos do que poderia imaginar, mas que graças a minha covardia e total inaptidão para me expressar o estava afastando e magoando.

Eu precisava fazer algo! Ainda não tinha ideia do que exatamente, mas decididamente não deixaria que as coisas continuassem daquela forma. Eu precisava encontrar uma forma de enfrentar meu medo e minha timidez e dizer claramente o que se passava em meu coração, o que senti ao ouvi-lo dizer que me amava. Mesmo que isso me assustasse, mesmo que eu tentasse com todas as minhas forças sufocar e esconder essas sensações o mais fundo possível em meu coração, nada disso nunca seria o bastante. Porque a cada dia esses sentimentos se tornavam mais fortes, e saber que ele sentia o mesmo só fez com que meu coração se tornasse mais agitado e rebelde. E surpreendentemente tomar essa decisão fez com que eu me sentisse mais leve. Minha mente se tornou mais clara, e meu coração bem menos confuso.

Eu realmente o amava não? Sempre soube que o que sentia por ele era ligeiramente diferente do que sentia por pessoas próximas a mim como Makoto, Nagisa e até mesmo Rei. Mas nunca me permiti entender que era algo realmente profundo, algo mais intenso e além de uma simples amizade ou relação entre rivais. Já fazia algum tempo que ele se tornou a minha maior ligação com minha maior paixão: a água. Foi com ele que conheci a alegria de competir e vencer com meus amigos, foi ele quem me ensinou o quão compensador é se esforçar e se divertir com aqueles que são importantes para você. Ele vinha tomando cada vez mais espaço em minha mente e em minha vida. O que começou como admiração quando éramos crianças, se tornou um amor e necessidade sem igual ao vê-lo voltar a minha vida, já como um adulto. Ao competir e nadar ao seu lado novamente. Poder tê-lo como amigo novamente me deixou mais feliz do que eu poderia imaginar! Mas eu também queria mais. Afinal eu também sentia mais do que uma simples amizade.

Foi com esses pensamentos e decisão em mente que finalmente sai da minha confortável banheira, me enrolei em uma toalha, e saí em busca de algumas roupas limpas em meu quarto. Finalmente consegui achar uma calça jeans escura, uma camiseta azul clara, simples, e uma blusa de moletom negra e então me dirigi a cozinha, torcendo para encontrar algo rápido e simples para comer.