O médico e o monstro escrita por Lady Salieri, Nami Otohime


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Essa fanfic foi escrita para o amigo secreto do grupo que a Kaline me convidou pra fazer parte. Basicamente, a dinâmica era escrever uma história sobre o que a pessoa escolhesse e que de alguma maneira houvesse yaoi (coisa que eu descobri tarde xD). Até aí tudo beleza, até que minha amiga foi a Kori Hime que estava muito ansiosa por uma fanfic de Hannibal x House, apesar de ter colocado 3 opções. Por alguma razão, que deve ter sido, tipo, DEUS xD, senti uma empatia por esse ship e decidi arregaçar as mangas e aceitar o desafio, ou vice-versa xD. A primeira atitude foi encarar as 8as temporadas de House. Não, sério, FOI A MELHOR COISA DO ANO PASSADO, desculpem os capslock, mas, gente, que série maravilhosa foi House. Eu sempre reclamo muito que hoje em dia as séries, os filmes não têm intensidade, são mornos e chatos na maioria das vezes, mas House me fez retorcer todos os nervos do meu corpo, simplesmente. Com certeza é uma das personagens que vai ficar pra sempre na minha vida.Em seguida foi a hora de encarar Hannibal. A gente pensa que é mais fácil porque a série só tem uma temporada, mas, que isso, ela é tão bem elaborada e tão bem feita que se você piscar o olho, você perde uma coisa importante. Cada detalhezinho faz toda diferença. E a mudança de atmosfera de House pra Hannibal é gritante, tipo, é uma série sobre o assassino, porém o autor não quer que a gente se identifique com ele nem nada do estilo, já que ele é um psicopata, muito pelo contrário, o autor parece querer que nós cada vez fiquemos mais putos com cada acontecimento que ele manipula e dá certo. Mas aí, tendo visto as duas séries, gente, e o medo que bateu, assim, de repente? Quase morri. As duas personagens são muito brilhantes para uma mortal como eu, como retratá-las bem desde a minha insignificância? Hahaha. Lá fui embrenhar para as pesquisas. Pesquisei tudo o que uma pessoa pode imaginar, fui desde a sites de medicinas ao google earth procurar o mapa de Baltimore. Obviamente, para os fãs do canon de Hannibal principalmente, a fic, assim como a série, tem um furo temporal enorme. Mas se a série não se preocupou com isso, retratando o Hannibal na contemporaneidade, eu que num ia ficar chorando por causa disso, desculpem aí qualquer coisa.Só pra finalizar toda essa trajetória, queria agradecer demais à Kaline por ter me convidado pra o grupo, agradecer demais à Kori (sua linda ♥) por ter me apresentado essas duas séries maravilhosas e realmente espero que o presente esteja de acordo para conseguir retribuir um pouco desse conhecimento e dessa alegria que você compartilhou comigo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/471486/chapter/1

House olhou Stacy sumir na distância: por que não estava usando o crucifixo? Distraiu-se lembrando da inundação que ela enfrentou só para reavê-lo. Aquela desculpa de levá-lo para limpar não servia, mesmo que dita com tamanha firmeza... Não mantinha ela o limpador de joias embaixo da pia?

— Limpeza, sei... — disse para si mesmo, pondo-se a caminhar em direção à saída do Clarence M. Mitchell.

Olhou o relógio e era ainda cedo. Hourani não faria uma palestra no Mercy Medical Center? Estava a poucos metros dali, seria divertido desconcertar o colega na frente de uma audiência, fazer uma piada sobre a esposa gostosa, quem sabe. Cuddy ficaria irada, o que tornava mais tentadora sua ideia. Caminhando para sair do fórum, no entanto, escutou um burburinho do lado de fora, ficando mais e mais alto, até que ele se deu com uma pequena manifestação: pessoas segurando cartazes e sendo cercadas por um grupo de policiais que abria espaço para uma mulher algemada passar, acompanhada de dois homens (um deles parecia-lhe bastante conhecido. De onde...?), além da própria polícia... House teve tempo de cruzar com seu sorriso ácido, um relance que durou mais do que esperava... Isso o fez girar o corpo em sua direção e andar de novo para dentro do tribunal.

— Qual é o problema com ela? — teve tempo de perguntar a um policial que alcançou.

— Homicídio e ocultação de cadáver. Se o psiquiatra não conseguir convencer o juri de que ela é louca….

Seria pena de morte*, invariavelmente.

O guarda continuou seu caminho e House permaneceu olhando o trio por mais tempo. Contudo, já não olhava a mulher senão o homem que caminhava ao seu lado: Dr. Lecter, lembrara-se. Uma figura tão intrigante quanto a que acompanhava, sem sombra de dúvidas. Era um homem cuja reputação o precedia, e o próprio House, por mais que a psiquiatria lhe parecesse estúpida, havia lido vários artigos assinados por ele.

Mas aquela mulher não...

E antes mesmo que seu pensamento fosse terminado, ela caiu no saguão do fórum, sacudindo-se em convulsões severas, deixando os policiais sem ação. Era um caso interessante, ou pelo menos uma anomalia que o incomodou seriamente. Foi até eles o mais rápido que pôde, vendo, desde logo, como o Dr. Lecter a colocava de lado e oferecia o próprio paletó como travesseiro para que ela colocasse a cabeça:

— Temos de retornar ao Baltimore State Hospital For The Criminally Insane — Lecter não parecia estar abalado com a crise dela. Ali mesmo, agachado, segurando-a, tirou o telefone devagar do bolso e chamou uma ambulância.

Enquanto o advogado caminhava para a corte de modo a pedir o adiamento da sessão, House aproximou-se:

— Posso ajudar em algo? Sou médico.

Lecter olhou para cima, impassível:

— A situação está sob controle…. — manteve a entonação ascendente, de maneira a saber com quem falava.

— Dr. Hourani. Lawrence Hourani — House mentiu, curvando-se de leve para oferecer em cumprimento a mão que o Dr. Lecter apertou. Já usava o nome do outro há tanto tempo em situações como essa que o havia dito mais por força do hábito que por vontade própria.

— Dr. Hourani…. Do Princeton-Plainsboro, estou certo?

House acenou confirmando.

— O senhor tem uma palestra no Mercy Medical Center sobre neurocirurgia, hoje, às oito. Eu seria um dos assistentes, entretanto, ao que tudo indica, minha paciente não me deixará ter a honra.

— Mas você sabe que o problema de sua paciente é neurológico, e não psiquiátrico.

Dr. Lecter não lhe devolveu uma resposta, apesar do incômodo que o uso do pronome de tratamento lhe causara. Os paramédicos chegaram nesse intervalo e removeram a mulher para a ambulância.

Levantando-se e desamassando o paletó, Hannibal disse:

— Infelizmente tenho de ir, Dr. Hourani. Espero poder sair a tempo de assistir sua palestra e, quem sabe, convidar o senhor para um jantar na minha casa.

E saiu caminhando elegante em direção à saída.

House semicerrou os olhos. Aquela “anomalia”, aquele mistério, lhe gritou nos ouvidos, arrepiando-o totalmente. A mulher era tratada como “louca” sem sê-lo, de fato, ou pelo menos esse não era o diagnóstico final, e o médico tratava um sintoma como causa, sem querer entrar em detalhes... Tirou de qualquer jeito o celular da calça jeans e ligou-o, ignorando as chamadas não atendidas, discando o número do escritório da Cuddy:

— Cuddy, preciso que me infiltre no Baltimore State Hospital For The Criminally Insane daqui — Ele olhou o relógio — 20 minutos.

— House! Você ficou doido?! Em primeiro lugar, estou te ligando há horas por um caso que apareceu no hospital, o paciente é um jornalista famoso e não podemos nos meter em encrenca! Em segundo lugar, se você entrar nesse hospital, pode ser que não saia — Cuddy não perderia a oportunidade de lhe espetar de volta. — Em terceiro lugar, você sabe que quem administra esse hospital é o Chilton?!

— Oh, seu ex-namoradinho da faculdade? — House forçou o tom de ironia. — Isso vai ser mais fácil do que eu imaginava, basta fazer uma videoconferência, mostrar seus peitos e estou dentro do hospital. Mas, lembre-se, claro, de me mandar uma cópia dessa videoconferência.

— House, você pode….

Ele desligou o telefone. No final das contas, não seria tão difícil, Chilton era um “velho conhecido” dos tempos de faculdade na John Hopkins…. Não que fossem amigos, muito pelo contrário, mas justamente o medo que o psiquiatra tinha dele seria bastante útil naquele momento.

Parou um táxi e se dirigiu para lá.

A conversa com Chilton foi, no mínimo, cômica, ou trágica, dependendo do ângulo. Primeiro House passou pela recepção, alegando ser um inspetor de saúde. Em seguida deu-se com a face pálida do psiquiatra ao vê-lo, talvez mais pálida do que se tivesse visto o próprio inspetor. House, então, comentou sobre as pesquisas que estava fazendo sobre prestação de serviços médicos de qualidade, sobre as relações humanas entre médicos e pacientes, coisa que ele muito valorizava — deixou isso bem claro —, e quando soube que seu "velho amigo" Chilton, ex-namorado da sua atual chefe, administrava um hospital como aquele, teria de ir ali para concluir seu artigo a ser publicado em uma das revistas mais importantes no ramo da medicina.

Chilton, por sua vez, paralisou por completo. Sabia muito bem do calibre e da reputação de um médico como House, mas sabia muito mais do que ele era capaz de fazer caso contrariado. Ele era novo ali no hospital e não podia deixar que nada manchasse a imagem que tentava construir.

— Você quer que eu lhe mostre o hospital? — foi o que o psiquiatra conseguiu dizer;

— Imagina, Chilton! Não quero te fazer sair do seu trabalho tão importante para me ajudar em minhas ideias. Não se incomode! Chame um enfermeiro qualquer, ele mesmo será capaz de me atender perfeitamente.

E foi o que aconteceu. Para Chilton também deve ter sido um alívio não ter que passar um dia com ele.

***

— A propósito. Vi que trouxeram uma mulher para cá há pouco...— House comentou com o enfermeiro designado para "ajudá-lo".

— Um dos pacientes do Dr. Lecter.

— Ela ainda está aí?

— Sim, está na UTI, em observação.

— Leve-me até lá — House ordenou, guardando o crachá que lhe deram no bolso de paletó.

O enfermeiro não precisou andar muito. O Dr. Lecter estava no corredor, sentado em uma fila de cadeiras em frente à UTI, guardada por dois policiais empunhando armas pesadas — o que havia deixado de ser chocante uns dez quartos atrás.

O psiquiatra não alterou seu semblante, apenas estendeu a mão em cumprimento a House que a apertou:

— Dr. Hourani, nos encontramos novamente. Alguma pesquisa para sua palestra de hoje?

House olhava-o de cima a baixo sem nenhuma cerimônia: um homem elegante e polido, pelo modo de falar e de se portar; de gostos refinados, pelo corte do terno e pelos sapatos. As mãos, ofensivamente limpas. Era estrangeiro, pelo sotaque… Mas… só isso. Era um mistério completo, uma fortaleza. O tom de voz soava no mesmíssimo timbre desde a primeira frase pronunciada até aquela ali. Os olhos em abismos fizeram-no desviar os seus, sem querer:

— É, pode ser... Como vou falar sobre neurocirurgia, posso estender o assunto a diagnósticos diferenciais e a fronteiras entre a neurologia e a psiquiatria. O que você acha disso?

Lecter olhou pelo vidro a mulher que dormia e que, pelo sorriso que levava, parecia estar em um sono prazeroso. Voltou-se para House que também a olhava:

— Parece-me interessante, afinal, quando indicar uma avaliação psiquiátrica a um paciente com sintomas neurológicos e quando indicar uma avaliação neurológica a um paciente com sintomas psiquiátricos?

— Pois, no caso da sua paciente, agora me parece um momento bastante propício para uma avaliação neurológica.

— E nós já a temos, claro: doença de Huntington. Foi diagnosticada pelo corpo médico do hospital, e não por mim, se o senhor estiver curioso.

— Justifica a convulsão e a demência, sem dúvidas. Mas isso acontece quando a doença já está avançada, e essa mulher não tem mais de 35 anos, Dr. Lecter.

— Em alguns casos a doença pode avançar de forma mais rápida, verdade?

— Um simples exame genético poderia nos tirar a dúvida. E uma ressonância para ver o quão psiquiátrico são seus problemas.

— Sim. Mas quem determina a necessidade ou não dos exames, infelizmente, não sou eu, Dr. Hourani. Sou apenas o psiquiatra, trato-lhe a mente.

House revirou os olhos:

— Tão bem que a mulher é acusada de homicídio, ocultação de cadáver, e veio parar em um hospital para criminosos insanos: parabéns, Dr. Lecter.

E saiu. Hannibal voltou a se sentar e a abrir o livro que lia.

House voltou direto à sala de Chilton que parou de falar ao telefone assim que o viu. Para intimidá-lo, fez-lhe um sinal para que continuasse a conversa enquanto ia observando a carreira de diplomas pegados à parede, fotos familiares nas estantes, sempre emitindo sons e fazendo caretas. Chilton mal conseguiu articular as palavras e tratou de terminar logo a ligação:

— O que você tem a dizer, House?

— A paciente que chegou há pouco: façam um exame genético e uma ressonância.

— Não posso ordenar uma ressonância passando por cima da junta médica que a atende.

— Esse agrupamento de idiotas que você chama de junta médica, Chilton, não saberia diagnosticar uma gripe se visse um paciente espirrando. Ela NÃO tem Huntington! Huntington é a máscara, é o que PARECE que APARECE por cima, mas vocês quase estão diagnosticando um sintoma baseados em outros sintomas.

— E você acha que os médicos não fizeram isso? Você não pode ficar analisando um paciente sem conhecer o seu histórico!

— Então faça de novo! Uma pena que eu não possa esperar pelo resultado, para ver sua cara feia de espanto. Mas uma ressonância tem o mesmo efeito para mim, que poderei analisar o estrago feito no cérebro, e ainda poderei mostrar pra aquele psiquiatra que ele está tratando o problema errado.

— O Dr. Lecter? — Chilton finalmente riu. — Você sabe que ele é a maior autoridade em psiquiatria no Estado, certo?

— E… daí?

— Será uma batalha interessante. Faça a ressonância, Dr. Gregory House.

Chilton fez umas ligações e em seguida disse que ele poderia proceder com os exames.

Quando House voltou à UTI, no meio do caminho notou uma movimentação estranha. Segundos depois, uma maca saiu de dentro do local carregando um enfermeiro que se retorcia com um ferimento no abdômen. Ao chegar, finalmente, viu pelo vidro o Dr. Lecter acalmando a paciente que ria e ria quase incontrolável, não fosse o próprio psiquiatra que conseguia dominá-la aos poucos. Ela ainda teve tempo de olhar em sua direção e sorrir-lhe todas aquelas incongruências que atravessaram o vidro em agulhas. Como esse doutor não sabia de nada?

* * *

— Não creio que minha paciente esteja em condições de fazer uma ressonância, Dr. Hourani. Sinto muito — Lecter disse quando House o avisou da autorização do exame. — Como o senhor viu, ela acordou da sedação bastante alterada. Não me parece adequado colocá-la em um ambiente que lhe pode causar claustrofobia.

— Seda de novo, não há nenhum problema com isso.

— E o senhor não pensa que ministrar uma grande quantidade de drogas em tão curto espaço de tempo poderia afetar o quadro psiquiátrico da minha paciente?

— Para falar a verdade, não penso, porque ela NÃO tem problemas psiquiátricos, Dr. Lecter, vou precisar falar isso quantas vezes? E vou te confessar uma coisa: estou achando sinceramente que o senhor— House marcou bem o pronome de tratamento, o que Hannibal entendeu muito bem — não quer um diagnóstico verdadeiro sobre o estado de saúde da sua paciente.

Hannibal manteve-se impassível. E era isso que deixava House cada vez de pior humor. Tinha vontade de lhe socar a cara, só para ver seu semblante se retorcer em dor, mostrar qualquer coisa. Ele realmente se importava com aquela mulher? Ele realmente se importava com alguma coisa? Ele realmente tinha sangue a lhe correr nas veias? Lecter não possuía um rosto, mas uma máscara, assim como a doença da paciente, assim como as desculpas de Stacy com o crucifixo… Cada vez mais duvidava de tudo. E a dúvida o machucava, porque o quebra-cabeças ia desmembrando-se em peças cada vez menores com as quais ele tinha muito pouco tempo para lidar.

— Por que não quereria saber o que há realmente com uma pessoa de quem cuido?

— Isso é você que tem me responder, ainda que não seria confiável, de todos os modos, afinal, todo mundo mente; a grande questão é saber em que parte.

— Bem observado, Dr. Hourani. Esperemos mais uns minutos e prepará-la-emos para a ressonância.

— Preciso também ver o histórico médico.

— A junta médica poderá providenciar-lhe isso. O histórico psiquiátrico se encontra em meu consultório, contudo creio que este não lhe interesse.

— Com certeza, não.

— Bom, voltarei à UTI. O senhor gostaria de conhecer a paciente? Senhorita Laura Daniels, uma antropóloga bastante reconhecida, fez grandes descobertas quando a doença ainda não tinha avançado tanto. Teria muito o que ensinar a todos sobre o comportamento humano.

— Não me interessa conhecê-la, nem a seu trabalho. Da mesma forma que prefiro deixar essas brincadeiras de cavar terra para crianças, também deixo a brincadeira de cavar mentes para psiquiatras. Vou pelo histórico.

* * *

— Ao que tudo indica, a doença teve manifestações recentes — o médico responsável, Dr. Jones, tentava explicar, enquanto House folheava as poucas páginas do histórico que lhe cabia.

— E vocês já mandaram Huntington de cara. Que justifica a paralisia muscular, a falta de coordenação motora, a postura rígida e, claro, as convulsões.

— É uma doença neurodegenerativa, Dr…

— Hourani. Claro, uma doença degenerativa. E dentre o leque delas, Alzheimer, esclerose múltipla e Huntington, vocês escolheram a mais rara e a de cunho genético.

— O Dr. Lecter disse que em sua avaliação psiquiátrica, ela afirmou que sua mãe tinha esse problema.

— E o exame genético deu positivo?

— Ela já apareceu aqui diagnosticada com Huntington, Dr. Hourani, conforme o senhor pode ver no histórico.

— Simples assim. Vocês acreditaram e tudo certo, vamos seguir o tratamento para uma doença que disseram que ela tem.

— Todos os sintomas conferem.

House bateu a pasta com força na mesa:

— Vocês perderam a cabeça?! Não justifica a idade da paciente, não justifica ela estar em um estágio tão avançado em tão pouco tempo! Está aqui no histórico!

— Aqui estão as ressonâncias dela de quando ela deu entrada. Foi recentemente depois de ter sido pega. No entanto, cumpriu parte da pena na Maryland Correctional Institution for Women,até que matou duas colegas de cela, sendo transferida para cá a esperar o julgamento, que deveria ter sido hoje.

— E ela já era paciente do Dr. Lecter? — House perguntou enquanto observava as lâminas.

— Quando chegou aqui, sim. Antes disso, não sei.

House olhou o relógio, já eram 17 h 15. Não teria muito mais tempo, tendo em conta que seu voo saía às 19 h. E ainda pensava em ver Stacy de alguma maneira, falar com ela, mais do que nunca. Tinha que saber o porquê de ela não usar o crucifixo. Porém, havia algo mais: alguma coisa apertava dentro de si, retorcendo e remexendo o cérebro. Tinha suspeitas que era aquele Dr. As peças estavam soltas demais, mas quando tentava juntar alguma delas, dava-se com sua figura e tudo se embaçava outra vez. E havia algo mais ainda, mas ele não queria pensar...

Sem que o médico visse, copiou o endereço da ficha dela e saiu carregando as lâminas, voltando para a UTI e se encontrando com Dr. Lecter no meio do caminho.

— Dr. Hourani, a paciente já foi para a sala de ressonância. Vamos?

— Claro — House encarava-o de cenho contraído.

* * *

A deterioração cerebral da paciente progredira de maneira assombrosa desde a última ressonância feita. Em intervalo de meses sua condição piorara como em anos e caminhava para a morte certa, sem qualquer possibilidade de cura.

— O que o senhor tem a dizer sobre o que vê, Dr. Hourani?

House, que estava sentado, olhando o computador, levantou-se passando a mão pelo rosto e suspirando:

— Não é nada animador em qualquer dos casos… — Virou-se para o psiquiatra que estava encostado na parede, todavia olhava para dentro de si próprio. — Mas sei que você sabe disso. Só não vejo o motivo de querer escondê-lo.

— Talvez não saiba, eu que apenas cavo mentes, em brincadeiras infantis.

House voltou a encarar seu olhar estático. Um flash atravessou sua cabeça em raio, mas pareceu loucura:

— Qual seu interesse psiquiátrico, Dr. Lecter, em uma paciente com a doença de Creutzfeldt-Jakob?

Lecter continuou na mesma posição:

— E qual seu interesse médico, Dr. House, em uma mulher que viu de relance em um tribunal?

House sorriu, tirando o crachá do bolso e aproximou-se dele. Agora o Dr. Lecter veria com quem estava brincando:

— Uma mulher sorridente, você deve acrescentar, que, inclusive, foi sedada e continuava sorrindo… Mas não me interesso por pessoas, Dr. Lecter, me interesso por casos. Ela foi um caso interessante, afinal, essa síndrome é raríssima, e com certeza a junta de médicos estúpidos desse hospital jamais a identificaria. O que me intrigou na verdade foi a sua insistência em protegê-la, em afirmar a doença de Huntington.

Lecter desencostou-se da parede e aproximou-se de House, um especto de sorriso contornando seus lábios:

— Devo assumir, então, que seu interesse foi por minha pessoa?

House deu outro passo em direção a Hannibal, aproximando-se mais, de maneira a enfrentá-lo:

— Por quê? Você está com medo?

Ambos podiam sentir a respiração do outro em seus rostos. Estavam próximos demais, mas não tinha volta. Eles se encaravam, cada um perscrutando o que de mais profundo podia na alma do outro. Os olhos de House se debatiam em faíscas, querendo engolir e explodir de uma vez por todas aquela escuridão maciça que refletia os olhos de Hannibal. Havia algo mais que o incomodava nisso tudo, mais que o mistério…

Hannibal deu ainda mais um passo, roçando os lábios no de House que, horrorizado de surpresa, virou-se, caminhando para fora da sala.

— Por trás dos seus olhos há paixão, Dr. House. Eu vejo o homem. O senhor pode negar o quanto quiser, no entanto é mais humano do que pensa e se importa mais do que gostaria.

House saiu sem lhe dar uma resposta. Também não importava. A doença de Creutzfeldt-Jakob era uma doença de príon adquirida e não havia qualquer tratamento que a curasse. A moça morreria em questão de dias, com o avançar da doença. Descobrira o caso, mas ainda faltava uma peça que certamente acharia quando invadisse sua casa.

O relógio marcava 17 h 40 quando saiu do táxi e parou em frente a espelunca onde a moça vivia. Subornou a senhoria e entrou facilmente. Buscou por carne de vaca (afinal, a síndrome era uma variante humana da vaca louca), mas não encontrou nada. Alguém esteve ali antes dele, limpando grande parte das coisas, talvez situações que pudessem incriminá-la ainda mais. Procurando nas gavetas do guarda-roupa, deu-se com um som oco em determinado momento que apontava um fundo falso. Golpeou a gaveta com a bengala e dali tirou um chumaço de papel. Inicialmente era um conjunto de artigos sobre a cultura da tribo Fore da Papua Nova Guiné, uma tribo de índios canibais dizimada pela febre kuru, o que fez House imediatamente perder a sensibilidade das mãos e deixar o chumaço cair. Voltando a pegar as folhas, havia mais pesquisas sobre canibalismo e sobre tribos que praticavam esse ritual na atualidade.

Todas as peças se encaixavam naquele momento: a mulher certamente ocultara os cadáveres das pessoas que matou porque os estava comendo, especialmente os cérebros, já que as vísceras e os cérebros são as partes que lhes cabem às mulheres dessas tribos. Uma de suas vítimas deveria possuir origem africana, já que a doença era mais comum por aqueles lados. E o interesse de Lecter por ela estava justamente aí, e mais além… A impassividade, a linearidade no tom de voz, a falta de sangue nas veias… Se ser passional demais podia ser uma fraqueza, aquela razão monstruosa era, ao contrário, uma doença. Ele sabia bem qual era. Podia diagnosticá-lo com toda certeza naquele momento.

House entendeu de uma vez por todas o que o incomodava: mais que o mistério, a resposta que ele lhe sussurrava. Suspirou finalmente:

— E por trás dos seus olhos eu vejo o monstro, Dr. Lecter.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

* Acho que foi em 2011 ou 2012 que a pena foi derrubada no Estado de Maryland. Mas como a série House começou em 2004, sendo a 2a temporada exibida em 2005, preferi deixar assim, para não ir contra a época do seriado.

E minha nota inicial ficou enorme, mas, enfim, não posso deixar de agradecer à Solemn Hypnotic por ser minha beta nessa história, sempre aguentando meus desabafos e me dando dicas, tipo "não, acho que o Hannibal não faria isso", ou "provavelmente, ele entraria na mente do House". Foram dicas valiosíssimas para mim e realmente me guiaram nessa aventura aqui =)

Também queria dizer que, em caso de dúvida, minhas fontes de pesquisa foram: