Hobgoblins - O Esquadrão Doze e 1/4. escrita por Maxine Evelin


Capítulo 6
Tomo Um - VI


Notas iniciais do capítulo

Voltamos a Madeira Amadeirada e sua cela.

Os guardas Dee e Dun já deixaram o local há muito tempo, mas não perceberam que deixaram para trás algo muito importante para o Gatuno Goblinóide.



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Madeira Amadeirada sorria amarelo, as chaves dos guardas escorregavam entre os dedos com destreza. Prestidigitação, esse era o nome certo para seus atos. Havia três tipos de pessoas que eram boas em roubar que Madeira reconhecia, as que roubavam por necessidade, as que roubavam por profissão e as que roubavam por instinto. O goblin reconhecia que ele era um amálgama entre os três.*

*Quando pequeno, o jovem goblinóide roubava de tudo, e era tão bom que uma vez roubou de si mesmo a mamadeira e nunca mais encontrou. Ou talvez seja por causa dos tapas da mãe.

– Meu velho, ótima performance, por um momento pude ver o antigo Faces Mil agindo novamente. - Disse Madeira para o velho Aieaargh que sentava do outro lado da cela, massageando o punho dolorido.

– Você realmente me deve uma sopa de peixe, Madeira. - o velho olhou para o rosto do baixinho sentado no catre e por um momento seus olhos brilharam de lucidez e inteligência. - Não me chame mais deste nome. Fui destituído desse há muito tempo, não há porque de lembrar-me de minha vergonha.*

*Um goblinóide ao nascer ganha seu nome de acordo com a maior característica e o humor da xamã. Porém, um Goblin pode ser destituído de seu nome, caso faça algo vergonhoso ou um crime contra seu povo. Tendo que se esconder sobre alcunhas como o próprio Aieaargh.

– Desculpe. - Respondeu Madeira abaixando a cabeça e levantando três dedos à altura do queixo. Um ato de quem um goblin realmente respeita. Faces Mil, o maior performancista e imitador de toda a citadela Goblinóide do Leste, hoje um velho largado ao esquecimento nas masmorras de Dell. A cidade era um caos, igualmente ao destino de alguns.

– Mas tenho que dizer, alguns humanos nunca mudam. Uns tão sapientes e outros tão, dispensáveis. Como nos velhos tempos. - Disse o velhote olhando para a pequena janela na parede da masmorra, por um momento Madeira pode ver, como se lesse um livro corrugado pelo tempo, através das rugas de Aieaargh, os sentimentos e a profundidade daquelas poucas palavras. - Hoje não vai ter sopa? - disse o velho Aieaargh olhando para sua tigela, voltando ao termos insanes de antes.

– Hoje não meu velho, hoje não. - Respondeu Madeira Amadeirada caminhando para a porta e destrancando-a sem fazer barulho. - Mas antes de ir, trarei uma sopa para você. Dou a minha palavra.*

*Honra entre ladrões, salafrários, trastes e assassinos são uma coisa séria. Mas isso não importa, pois muitos vivem na mentira que logo essas promessas são tratadas como tais, até o momento que você percebe que sua bolsa está vazia e uma adaga vem na direção contrária ao seu olhar.

Madeira Amadeirada saiu da sua cela devagar, prestando atenção nos sons que percorriam o corredor a noite. Escapar a noite era sempre uma faca de dois gumes, os sons eram nítidos e a iluminação precária deixava sombras capazes de fazer suas vestes marrons mesclarem com o ambiente.

Porém nem tudo era fácil, havia sempre a possibilidade de ter alguém acordado além da vigia noturna, e esse alguém poderia fazer barulho somente por maldade para te ver enforcado no amanhecer. E nas masmorras o mal era tão presente quanto o ar denso que permeava entre as paredes.

O ladrão goblinóide parecia deslizar pelo solo de terra batida e pedras desgastadas, seus passos sequer faziam barulho, camuflados pelo estalar das chamas das tochas e dos roncos estrondosos das alas inferiores onde os grandes ficavam enclausurados.*

*Subentenda como Trolls de Pedra, Bugbears, Masticoras criadas por algum alquimista insano e qualquer ser grande que roncasse como uma buzina numa noite calma.

Deu uma volta quase inteira no corredor para poder chegar mais perto dos vigias Dee e Dun que haviam parado perto das escadarias para comer e tirar uma soneca nos bancos. Aproximou-se devagar, sentindo o gosto de clorofila subir a garganta, como em toda vez que ficava tenso com algo. Madeira tinha a total convicção de que era um dos melhores prestidigitadores de toda a Grande Planície, mas mesmo assim sempre sentia-se tenso quando colocava em prática suas habilidades.

Fechou os olhos e deixou a mente meditar por um segundo, concentrando-se no Fluxo e deixando a mente seguir livre em seu caminho de decisões. Ao abrir os olhos o mundo mudava novamente de formato, o tempo parecia se tornar maleável, seus olhos percorriam todo o cenário, pontos importantes como chaves, armas, objetos que podiam ser usados em uma fuga, opções de rota, obstáculos. Todos eles pareciam acender com uma chama clara, como se seu cérebro goblinóide processasse naquele pequeno espaço de tempo, todas as probabilidades de ações e suas reações.*

*Uma técnica elaborada por Madeira após o transplante de sua nova perna, ele acredita que foi uma dádiva de Jaka'rok, o Deus dos Ladrões, Mentirosos, Trapaceiros e Políticos como uma segunda chance de fazer o que faz de melhor. E talvez ele esteja certo.

Abrindo um sorriso grande, Madeira foi até uma grande mesa no final do corredor e pegou algumas tiras de couro e uma corda. Com destreza deu alguns nós e amarrou uma das pontas ao redor das pernas de Dee que sonhava pesadamente.
Puxando devagar a corda improvisada, passou-a ao redor de um pilar de pedra e a outra extremidade amarrou no cinto de Dun.

Deu dois passos para trás e pegou uma colher de concha e jogou um pouco de sopa no chão de pedra, deixando-as bem escorregadias. E tratou-se de encher uma vasilha de sopa para o velho Aieaargh. Enquanto terminava de encher as sopas, uma gritaria veio do andar de cima. Pelo som parecia que havia mulheres andando pelo corredor.*

*Ou alguém muito afeminado devido a quantidade de Queridinha, Gatinha e Vem cá com o papai, que começaram a ser gritados pelos prisioneiros como macacos no cio.

Dun foi o primeiro a acordar com um pulo, ainda desnorteado olhava para Madeira em pé a sua frente, sem entender muito bem.

– Dormiu bem Kastia?* - perguntou Madeira enquanto enchia o pote com mais sopa.

*Há um conto que é bastante conhecido em Riven-Dell, da princesa Kastia e a Torta de Amoras. Para resumir, essa princesa comeu um pedaço de uma torta enfeitiçada para dormir até que alguém a despertasse com um beijo. Mas ela era tão gorda que acordou com seu próprio ronco, viu que estava de noite e foi assaltar a cozinha. Moral da História: Gordo só faz gordice.

– Uhm! Dee, o Rato verde escapou!
– Gritou o guarda levantando de sua cadeira e empunhando seu porrete na mão direta.

– O quê? Rato? Aonde? - Dee levantou do banco que estava deitado em um salto, olhou para os lados rapidamente, imerso em um pânico* tentou sair correndo dali, escorregou no chão sujo de sopa e caiu de costas batendo a cabeça na quina do banco.

*Dee embora tenha orgulho de seu tamanho e postura de mais de 150 quilos de banha, morria de pavores de roedores, ratozomens e kikikis em geral.

Por sua vez à corda que estava amarrada em sua perna, foi puxada com força quando suas pernas escorregavam no chão, descrevendo um lindo arco para cima. O cinto de Dun fora arrancado com tamanha força, que suas calças caíram, suas pernas finas sem equilíbrio engafinharam-se entre as vestes e caiu de face no chão escorregadio.

Madeira sorriu e assobiando jogou a colher de concha para o alto, fazendo-a girar algumas vezes no ar e pegou-a sem olhar para ela.
Ouviu um barulho vindo do final do corredor e percebeu que fizera muito alarde, mesmo com a barulheira vinda do andar de cima, Dee e Dun aparentemente não eram os únicos vigilantes daquele andar.

Olhou para a sopa e logo seu sorriso alegre corrugou em uma face de austeridade. Escolheu subir as escadarias e derramou o caldo nas pedras, e torceu para que os vigilantes que viessem fossem tão burros quanto Dee e Dun.

– Vou ficar devendo sua sopa meu velho. Me desculpe. - Sussurrou Madeira levando três dedos ao queixo novamente.

Subiu as escadarias rapidamente, estava sem sua capa, então seus movimentos estavam mais livres do que o usual. Andou esgueirando-se por entre sombras e caminhando atrás de vigias, imitando seus movimentos e fazendo pouco barulho quando estes faziam.

Era como brincar de "siga o grande-mestre", mas com lâminas afiadas prontas para cortar sua pele seca e uma imensa probabilidade de acabar enforcado no dia seguinte. O andar estava seriamente mais bem guardado e mais-além de alvoroçado. Sua mente girava e girava, exigindo um grau de atenção que beirava a perfeição. Caminhar por ali era como andar em um campo zero.*

*Existe uma ala dentro da Universidade Labirintho que "dizem não existir tempo e nem gravidade, que ao se entrar você ficará preso em uma velocidade quase nula e..." - Bem, isso foram as palavras do ex-gran-professor de Artes Físicas. Que ainda após 100 anos, está tentando terminar sua frase após acionar o dispositivo para testes sem querer.

Madeira sentiu o corpo ouriçar e os pelos de suas orelhas arrepiarem em um tufo, ao ver que dois Sentinelas de Aço vinham em sua direção, seus olhos correram pelo corredor e logo seu corpo deslizava na escuridão em direção a uma porta.

Ele abriu-a com cuidado e entrou em suas instalações sem olhar duas vezes. Ele já havia visto o que esses autômatos podiam fazer e não podia conter qualquer exaltação em relação a eles.*

*Sentinelas de Aço eram uma das maiores invenções da Óleomancia Labirinthica-Anã. Com o intermédio do patrocínio da Matriarca, os Sentinelas são os Autômatos mais sagazes que o reinado de Linda já pode ver. Com mais de dois metros e meio e meia tonelada de aço temperado, os Sentinelas eram a grande evolução da escala da segurança Matriarcal. E maior medo de Madeira Amadeirada.

– Olha só quem chegou, como sempre atrasado não é Garfo-Quente? - Perguntou uma voz feminina atrás dele.

Madeira Amadeirada virou-se devagar, sorrindo amarelado. Pela segunda vez havia cometido um grande erro. Em Amell Dente-de-Leão seu sorriso era de boas-vindas, mas seus olhos eram de completa desconfiança.


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