Hobgoblins - O Esquadrão Doze e 1/4. escrita por Maxine Evelin


Capítulo 3
Tomo Um - III




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3 -

Não era o primeiro, e talvez nem o último dia de visita à prisão de Madeira Amadeirada.

Ele estava deitado no catre de pedra, com as mãos entrelaçadas sob a nuca. Olhava sem interesse para o teto, enquanto ouvia os murmúrios e reclamações do velho Aieaargh. Respirou fundo sentindo o cheiro da couraça e do cachecol poeirento invadir as narinas. Estava um frio incrível ali nas masmorras de Dell, sua perna de madeira estalava e suas juntas orgânicas doíam.

Vivia em uma simbiose interessante com a prótese. Os elfos sabiam fazer milagres na medicina natural. O único problema era o gosto de clorofila que ficava na garganta, toda manhã de Sol, que sua perna inventava de fazer fotossíntese. Mas de resto, era uma boa prótese. Servia para seus propósitos, exceto esta noite que de tanto frio, ela travou e ele foi pego pela Guarda Riven-Delliana.

E agora aguardava sua refeição noturna, olhou para o que deveria ser um calendário, e deixou um sorriso despontar na face azeda. Era uma Xanana-feira, dia de cabeça de peixe e caldo grosso*.

* Ninguém sabe do que é feito, somente que tem um gosto de galinha amanhecida.

Suas orelhas pontudas mexeram ao ouvir o claque da panela de ferro ecoam como um sino pela masmorra. Quase de imediato rostos esquálidos, gordos e feios brotavam entre as barras das celas como cogumelos. Uma melodia escrota de bater em conchas começou as levantar a moral dos prisioneiros. Em dois segundos Aieaargh já estava batendo suas conchas de jantar* uma na outra como um macaco de circo.

*Já se foi cogitado diversas superfícies para se comer dentro das masmorras. Até que foi escolhido conchas do mar grandes. Além de mais práticas, não era necessário talheres. Não pela segurança, mas porque os prisioneiros não sabiam usa-los mesmo.

Madeira Amadeirada levantou de seu catre devagar, sentindo a perna ranger. Era chuva, sempre era assim, em tempos ruins sua perna rangia e cheirava a mofo. E esticando a mão e o braço para fora da cela, erguia suas conchas sem dizer nada. Os guardas Dee e Dun logo apareceram no corredor esbanjando orgulho por ser da guarda matriarcal.*

* O salário é uma porcaria, mas pelo menos estavam fora das celas.

Ao pararem em frente a cela de Madeira Amadeirada, aproximaram-se esbanjando uma imponência que mais lembrava pombos estufados. Dee com seus quase cento e cinquenta quilos de banha* e Dun, um pobre esquálido que parecia um palito enrolado em placas de armadura que viviam caindo.

*O que Dee chamava de Adiposidades Letais, depois de uma consulta com o Dr. Fanho. E achava a palavra bonita, embora não entendesse o verdadeiro significado dela.

– Ora, ora o que temos aqui? O velho goblin. Resolveu nos visitar? - Disse Dee começando uma risada esganiçada - Ou será que não consegue mais escapar? - Completou Dun finalizando com um pigarro.

– Vejo que vocês dois continuam engraçados, imagino que vocês devem fazer muito sucesso. Em quantas mulas vocês despertam risadas por noite? - respondeu Madeira Amadeirada sem desviar o olhar do homem a sua frente.

– Olha Dun, o baixinho verde ainda tem coragem de responder para nós. O que devemos fazer? - Disse o gordo com cara de javali barbudo - Olha Dee, devemos deixá-lo passar fome essa noite, quem sabe ele aprende a respeitar. - Completou o magrelo de cara achatada e comprida como um prego.

– Não! Não! Quero minha comida! - Gritou o velho Aieaargh, esticando os longos braços ossudos e agarrando as vestes de Dun. - Quero minha sopa. Hoje é Xanana-feira! Quero minha sopa! - O rosto enfurecido do velho goblin retorceu em uma massa de rugas que lembrava um mapa.*

* Um historiador chamado Higiene Fritas disse em suas crônicas que escapou da Floresta sem Rumo após decorar um mapa formado no rosto de um velho também perdido por ali. Desde então foi pioneiro no que chamou de Georugografia. E o único a acreditar numa besteira dessas.

Dee aproximou-se do velho e desceu a concha de sopa no braço do velho goblin. Um estalo ressoou como o barulho de um graveto seco quebrando. O velho puxou as mãos para dentro da cela e girou o corpo como uma bailarina.

– Aieaargh! - Gritou de dor o velho.

O gigante gordo encostou na cela, engoliu seco e disse em um tom alto e gutural:

– O senhor tem direito de ficar calado e o banheiro fica no final do corredor à direita! - Esbravejou as primeiras palavras que lembrava ter visto os guardas reais falarem.*

*Neste caso era um suspeito com um sério problema de dor de barriga.

Madeira Amadeirada parecia não se mexer, conforme o gigante passava a sua frente esbarrando em suas mãos. Seus olhos apertados em pequenas fendas como se esperasse levar alguma sova por estar ali naquele momento. Sua mente fixada em outra coisa além de ver o velho Aieaargh gritar de dor, os dedos apenas borrões de movimento em meio a o barulho. Sorriu por debaixo do cachecol e entrou para a cela, segurou o velho goblin e arrastou-o para longe das grades.

– É o bastante, já chega. O que vocês dirão quando o Carcereiro-Chefe aparecer por aqui e ver seus cárceres machucados? Acha que ele gosta de ver essas coisas? Deter seu controle aqui desta masmorra jogado ralo abaixo? – Era um bom blefe. Madeira Amadeirada às vezes se orgulhava de ser um bom blefador.*

* E as vezes um ótimo covarde também. Ser covarde já o salvou muitas vezes.

– Okay, okay. Vamos embora Dun, essas pragas verdes já ganharam o que mereciam. – disse Dee batendo as mãos na barriga grande e voltando a empurrar o carrinho de sopa para longe dali. – Sim Dee, vamos deixar essas pragas sem comer essa noite, quem sabe eles pensam no que fizeram. – terminou Dun sorrindo para os dois goblins e segurando sua prancheta junto ao corpo como um inspetor aprovando a atitude de seu irmão.

Madeira Amadeirada aguardou alguns minutos entre choramingos do velho ao seu lado, e, após perceber que os dois irmãos debilidades estavam já longe dali e a gritaria pelas sopas alta o bastante, encarar o velhote feio e falou com a voz grave.

– Me desculpe meu velho, não pude fazer muita coisa. – Madeira deixava o desapontamento demonstrar em sua voz.

– Você me deve uma sopa seu maldito coxo. Hoje era minha Xanana-feira! Você faz idéia do quanto eu espero pela Xanana-feira? Eu quero minha sopa. – gritou Aieaargh batendo no ombro de Madeira Amadeirada.

– O que acha de sua liberdade? Ela vale mais que sua sopa? – perguntou Madeira Amadeirada olhando profundamente nos olhos chorosos do velho. Não podia ver, mas mantinha um sorriso medonho no rosto*.

*E quando digo medonho, digo pior que o sorriso de uma criança de cinco anos ao ganhar um presente que sempre quis. E olha que aquilo é medonho.

– O que quer dizer com isso Madeira? – o velho se arrumou e fez uma cara engraçada de “não-faço-idéia-do-que-você-está-falando-meu-filho, é-de-comer?”

Madeira Amadeirada sorriu, levantou a mão esquerda e deixou cair pendurado o que estava escondendo. Um molho de chave que Dee trazia consigo, e que agora estava nas mãos da praga verde como lhe chamaram. Um sorriso enorme desabrochou na face do velho Aieaargh.

Praga ou não, não iria mais passar essa noite na masmorra.

Depois disso tudo, não mais.


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