Sacrifício de amor

Kaline Bogard

Epílogo

Stiles não saberia dizer se acordara por causa da dor ou se sentira a dor por ter acordado. Mas, em vias de fato, ali estava ela. Profunda e agoniante, uma ancora mantendo o garoto em um mar de consciência, com a sensação de que sua cabeça era como um balão com ar demais, prestes a explodir a qualquer instante.

A primeira coisa que notou é que estava nos braços de alguém. Abriu os olhos assustado e viu, chocado, que eram os braços de Derek. Derek Hale. O lobisomem Alpha que carinhosamente chamava de sourwolf. Esse Derek mesmo.

A segunda coisa percebida é que o mais velho tinha uma das mãos sobre sua têmpora, num ponto especialmente dolorido. Stiles compreendeu que ele estava sugando a dor para si e isso o incomodou. Afastou a mão com um tapa fraco.

– Pára – resmungou rouco – Posso agüentar um galinho.

Derek não disse nada. Apenas aceitou afastar a mão. Porém tão logo o fez a dor verdadeira atingiu a cabeça de Stiles, obrigando o garoto a apertar os olhos com força e tatear as cegas em busca da mão de Hale outra vez. Assim que a encontrou a colocou de volta sobre a própria têmpora.

– Não me obedeça tão rápido! – pediu em um fio de voz – E continue a sua mágica...

– Você precisa ir ao hospital. Pode ser uma concussão.

– Estou bem. A senhorita Smith me pegou desprevenido e... cadê ela?

Tentou sentar-se, porém uma tontura o obrigou a voltar a posição inicial. Talvez a tal concussão não fosse brincadeira e a idéia do hospital não fosse tão ruim assim... seu estômago se revirou em uma espécie de ânsia.

– Espere...

– Derek... – Stiles se agitou – Deus do céu, homem. Não me diga que você matou minha professora de literatura! Eu tinha tudo sobre controle... totalmente tinha sobre controle. Vamos levar o corpo até meu pai. Podemos pensar em uma desculpa para as mordidas e...

– Você tem razão.

– Tenho?! – a voz do menino era pura incredulidade e confusão.

– Não é uma concussão – Derek fez uma careta – Ou ficaria com a boca calada.

– To falando sério!

– Stiles, eu não matei a sua professora – o Alpha tentou passar toda a sinceridade possível através de seu olhar.

Esse ato acalmou o filho do xerife, assim como ele relaxou mais a medida que a dor em sua cabeça era tomada pelo lobisomem. Suspirou de alivio.

– Então onde ela está...?

– Ela se foi – Hale respondeu com simplicidade. Não havia outra resposta a ser dada.

Stilinski fechou os olhos com força.

– Sabe como isso soa mal? Espero que não seja em sentido figurado...

Derek não respondeu. Não sabia o que dizer. Que a falsa professora realmente existira não restavam dúvidas, Stiles se lembrava dela. Logo todos os outros com quem a mulher interagira deveriam se lembrar também.

Quanto a historia que ela contara... o Alpha não saberia dizer o quanto acreditava nela. Ou se ao menos acreditava. Tinha plena consciência do maço de folhas com a redação dobrado em seu bolso de trás.

Assim como tinha consciência de outra coisa: esse tempo todo afastara o menino por puro medo de se entregar e machucar a si mesmo. Mas possibilidade de perdê-lo era mais dolorosa e assustadora do que qualquer outra coisa. Até do que sua própria morte.

Derek teve que encarar a verdade: precisava do garoto, queria-o ao seu lado. Afastá-lo apenas abria precedentes para um desfecho que o futuro daquela criança estaria em risco.

Fora preciso uma louca com uma história bizarra pra fazê-lo compreender a temeridade de negar os próprios sentimentos e os sentimentos que sabia que Stiles nutria por si.

Ou talvez não tão louca. Muitos fatos foram mal explicados. Haviam lacunas a serem preenchidas. Ele prometeu secretamente pesquisar e investigar tudo o que estivesse ao seu alcance, fosse a respeito do Alinhamento Perfeito e da Contemplação Maia, fosse a respeito dos objetivos do Pack de Alphas e do rapto de um segundo garoto ou fosse, ainda, sobre a criatura misteriosa a espreita nas sombras. Sem esquecer, é claro, de demônios e anjos... e uma espécie de diário que encontrara na bolsa de Ruby e que estava bem escondido em um dos cômodos do andar superior.

Todavia tudo isso teria que esperar. Agora algo incrivelmente importante demandava sua atenção. E, sem pensar nas conseqüências, Derek apenas puxou Stiles para um abraço apertado.

Num primeiro momento o garoto ficou tenso pelo susto. Acabou relaxando quando o calor do corpo do Alpha o envolveu por completo.

– Derek, o que está fazendo...?

– Te abraçando. Não é óbvio?

Stiles girou os olhos, ainda sem ter coragem de retribuir o gesto.

– Isso eu percebi. Mas...

– Acostume-se. Vou fazer mais vezes.

– Ah, claro. Me sinto um ursinho de pelúcia dos que a gente ganha nas feiras, naquelas barraquinhas de tiro ao alvo quando...

Calou-se. Os lábios de Derek cobriram os seus sem qualquer aviso prévio. Stiles arregalou os olhos, antes de ceder a tentação e entregar-se ao momento, finalmente criando coragem e passando as mãos pela nuca do lobisomem, puxando-o para mais perto.

Quando se separaram, o Alpha ainda mordiscou o lábio inferior de Stiles, que estava avermelhado e tentador, clamando por mais beijos.

– Devo me acostumar com isso também?

Derek sorriu de leve.

– Sim, Stiles. Acostume-se com isso também.

O garoto respondeu com um sorriso muito maior. Não pôde acreditar que seu desejo secreto estava se realizando. Que não era um simples sonho.

– É assim que você me pede para ser sua Khaleesi? Tudo bem, meu sol e estrelas... – falou divertido.

– O quê?

– Você está me pedindo para ser aquele que te ajuda a catar os carrapatos e... – Stiles parou de falar e pensou por um segundo – Lobisomens tem carrapatos?!

– Estou começando a me arrepender... – Derek rosnou aborrecido – E não. Lobisomens não tem carrapatos!

O garoto riu de pura felicidade, antes que seus lábios fossem tomados com voracidade mais uma vez. Derek acabara de sentir membros do seu Pack se aproximando rapidamente, talvez convocados pelo seu uivo ao enfrentar a mulher lobisomem.

E Derek soube que, fosse verdade ou não tudo aquilo, tendo a professora desaparecido ou não diante de seus olhos, a decisão estava tomada e não voltaria atrás. Protegeria Stiles, o garoto hiperativo, tagarela, sem noção, engraçado, inocente, dedicado, dono de uma alma pura... o adolescente que conquistara um espaço especial em sua vida. O qual manteria para sempre ao seu lado.

Guardaria segredo de tudo o que acontecera não apenas dos outros lobos, mas também de Stiles. Ele era o Alpha, podia fazer isso. E queria que todos chegassem e flagrassem aquela cena, para que soubessem que encontrara um companheiro a quem entregaria o coração, sem medo do futuro. A quem, realmente, entregaria o próprio futuro.

E não seria o futuro sangrento e doloroso que Ruby anunciara. Nem o futuro tingindo de suave desesperança que Stiles escrevera em sua redação. Seria algo novo, tecido pelos corações de ambos, com os fios indestrutíveis do amor.

Fim