Sua cabeça latejava abundantemente em resposta ao número de bebidas que haviam ainda em seu organismo. A música que tocava na festa da noite anterior ainda martelava em seus ouvidos, punindo-o como consequência. Gale estava com dor em todas as partes de seu corpo e estava tudo muito confuso, perdido, como se tivesse participando de um sonho. Sem saber ao certo onde estava, resolveu abrir os olhos.

Ao seu lado, encontrou uma menina loira, com um semblante leve, parecia um anjo. As linhas de seu rosto eram delicadas mas não escondiam sua idade adulta. Ela deveria ter entre 20 a 25 anos. A garota estava nua, algumas partes de seu corpo estavam cobertas pelo lençol de seda que sabia pertencer a sua casa. Gale olhou ao redor e expirou com alívio. Em casa, graças a Deus.

O rapaz concluiu que a noite passada foi idêntica a todas anteriores desde que se mudou para a Cidade 2 - antigo Distrito 2 - e levantou-se abruptamente, de propósito, a fim de acordar a donzela que estava ao seu lado.

– Oi?! Bom dia, lindo. Como foi sua noite? - Disse a menina malandramente com os olhos semi abertos de tanto sono. Gale pode ver que ela tinha os olhos estupidamente azuis.

– É.. foi boa. Vou preparar o seu café e aí você já pode ir embora. - Gale não media palavras nas manhãs após suas farras. O que ele menos queria era criar laços com essas garotas.

– Ah. - Disse a menina após um longo suspiro - Eu vou pegar as minhas roupas. Me dá licença?

Gale não acreditou no que ouviu. "Dar licença? Sério?" O que eles fizeram noite passada não deveria permitir esse pudor todo.

– Estou saindo, linda. - Deu uma piscadela a garota cujo nome não lembrava e saiu.

Após um longo café da manhã com a menina dos olhos azuis, Gale mal esperava para aquela garota sair de seu apartamento. Quando ela foi embora, foi correndo tomar uma ducha. O banho estava gelado mas na temperatura que ele gosta, esfregou todas as partes de seu corpo afim de se livrar da noite anterior, como se isso fizesse ele apagar as memórias. Gale não estava feliz com suas atitudes, mas não permitia fazer julgamentos a si mesmo após tudo o que passara. Afinal, pensava que não estava iludindo essas meninas. "Era uma noite só! Por tudo o que é mais sagrado. Como elas iriam se iludir se sou sempre claro com elas?"

Enquanto caminhava por seu apartamento, gotas gordas de seu corpo e cabelo molhavam o chão a cada passo. Ele não se importava, secava com o tempo. Se aproximou da sala e percebeu um bilhete escrito a batom. "Você só pode estar de brincadeira."

"Lindo, adorei a noite. Me liga. 555-678-234. Beijos, Savannah." – Gale só pôde permitir um sorriso malicioso antes de seu pensamento ser atropelado pelo chamado do rádio.

– Major Gale, responda. Você está na escuta? Câmbio.

– Sim, pode falar soldado Ricks. Câmbio. - Disse Gale em tom preocupado, hoje era pra ser sua folga.

– É só para te atualizar dos acontecimentos, senhor. Câmbio. - A chamada estava ruim.

– Quando quiser, Ricks. Câmbio.

– Senhor Major Gale, as nossas unidades de comando já receberam a informação de que o novo prefeito da Cidade 12 será Haymitch Abernathy. Câmbio.

– É, então o maldito bêbado aceitou. Câmbio. - Gale sorriu de canto, amargamente.

– Sim, senhor. Mas somente com a condição de fazer tratamento e se livrar do vício. Câmbio.

– Então tá ótimo. Será que posso aproveitar a minha folga, soldado Ricks? Câmbio.

– Claro, senhor. Desculpe o transtorno e aproveite o dia. Câmbio, desligo.

"Que ridículo. Primeiramente, por que mudar o nome dos Distritos? Por que colocar o otário do Haymitch pra fazer alguma coisa?! Aquele cara só sabe beber e colocar ideia na cabeça dos outros!" A primeira instância lembrou que foi idéia do Haymitch o romance entre Katniss e Peeta. "Olha o que aquilo já estava se tornando." Gale não conseguia decidir se tinha raiva ou se estava feliz por saber que Katniss estava voltando a sorrir. A fim de tirar esses pensamentos, ligou a televisão.

"Voltamos já com mais informações, agora vamos com a nossa âncora Cressida!"

Cressida aparecia muito bem vestida na televisão, estava maquiada e muito profissonal. "Acabamos de receber a notícia que Haymitch aceitará ser o novo prefeiro da Cidade 12. Toda a população encontra-se em festa! Vamos para o nosso repórter Jimmy que está no local com mais informações"

Jimmy, um rapaz gordo de rosto avermelhado. O garoto entra em cena ao fundo da recém construida Prefeitura.

"Cressida, isso aqui está uma loucura! Haymitch aceitou ser o novo prefeito mas terá que passar antes por grupos de psicólogos e médicos especializados para ver se ele está em condições de exercer o cargo público."Como essa gente pretende colocar um bêbado pra governar?

"Estou aqui com a nossa eterna Garota em Chamas, Katniss Everdeen. Vou confessar que foi difícil traze-la para as câmeras, Cressida." Gale se levantou do sofá ao ver Katniss na televisão. Ela não estava particularmente sorrindo, Gale fez uma ideia do quanto ela estava odiando estar em público. O coração dele parou.

"Não é fácil pra mim estar na frente das câmeras, mas quando soube que era a Cressida apresentando, não quis deixa-la na mão."

"Ótimo, Katniss. Mas diga para nós, o que você acha do Haymitch ser o novo prefeito da cidade?"

"Acho que vou ter que cuidar dele mais do que cuidava antes."- Jimmy riu, mas Katniss continuou sem demonstrar emoção alguma.

"E fale para todos que querem ouvir, como está o seu relacionamento com o Peeta?"

"Eu não quero falar disso Jimmy, mas estamos bem. Posso ir?"

"Claro..." Katniss se retirou e Jimmy completou. "Katniss não perde suas chamas mesmo."

Gale desligou rapidamente a televisão e ficou pensando no último comentário do reporter. "É, ela não perde."

Fazia mais de dois meses que Gale estava morando na Cidade 2. Soube que Katniss e Peeta não estavam a mais de duas semanas de volta para suas casas. Descobriu por suas fontes que eles decidiram morar juntos e aquilo adentrou dolorosamente seu coração. Ele não queria permitir sentir aquilo novamente, afinal, só doía a ele e a mais ninguém. Obviamente Katniss estava feliz, isso era o que importava. Gale se lembrou de como se tornara uma figura importante para as Forças Armadas da Panem e não quis deixar lágrimas caírem no rosto de um Major.

"Preciso parar de pensar nisso." O antigo caçador entrou na sua sala de armas e começou a limpar todas, uma por uma a fim de esvaecer seus pensamentos. Notou o quanto aquela sala era grande e, em parte, desnecessária. Não precisava de tantas armas, mas começou a montar uma coleção. Era uma distração e o ajudava a esquecer seus problemas.

Gale levantou, já estava com dor nas costas. Lembrou que tinha remédios na cozinha quando escutou o telefone tocar. "Telefone? Eu nem sabia que tinha um telefone!" Com o remédio ainda em sua língua foi correndo atender pensando ser alguma urgência do trabalho, mas não era.

– Gale, precisamos conversar. - A voz, por um tempo, parecia ser irreconhecível. Depois de alguns minutos imóvel pelo silêncio, Gale ainda não conseguia saber quem era. Alguma coisa não deixava ele responder aquela ligação.

O silêncio ficava cada minuto mais presente. A pessoa ao outro lado da linha já estava ansiosa.

– Alô? Gale?

Gale subitamente reconheceu.

Peeta.