Estava escuro a ponto de não conseguir enxergar a um palmo de sua mão. A única coisa que o fazia manter o foco eram os gritos dela. Haymitch corria o mais rápido que o seu corpo pudera aguentar. Algo estava errado. Ele se sentia jovem mas preso a um corpo de um homem acabado e não conseguia compreender como alguém com a sua idade pudera estar naquele maldito lugar.

Haymitch organizou em seus pensamentos todos as palavras mais chulas que havia permitido imaginar e as soltou quase que as cuspindo fora. Quando percebeu já estava gritando para o vazio escuro.

– Malditos sejam todos vocês! Espero que vocês todos morram da forma mais dolorosa possível! Seus miseráveis de merda! CADÊ ELA? O QUE VOCÊS FIZERAM COM ELA?

Os gritos não paravam, pelo contrário, se intensificavam a cada palavrão que ele soltava ao além. Concluiu que só a fazia mal e parou. Voltou a correr após recuperar o fôlego e alcançou um lugar que pelo toque, só podia ser uma porta. Procurou ferozmente a maçaneta e quando a encontrou não hesitou em gira-la. Subitamente e dolorosamente uma luz preenchera todo o local. Seus olhos doeram em demasia mas isso não o fez temer. Haymitch avançava naquele cômodo branco cor de neve mas uma coisa o fez perder a cor de seu rosto imediatamente. Suas pernas ficaram bambas.

– Maysilee. - disse quase inaudível.

Maysilee estava deitada, nua com sangue por todo o seu corpo, sabia que ela estava morta pela palidez de seu corpo, o local ficara frio de repente. Ele se aproximou daquela doce e linda garota que salvara sua vida nos jogos e não pode conter as lágrimas.

– Eu não pude salva-la, não pude. Se eu não fosse tão mesquinho e ridículo quanto era antes eu teria dado a minha vida por você. Essa porcaria de vida que tenho não valeu o preço de sua inocência.

Com os olhos ainda fechados, sentiu uma mão tocar seu rosto. Não queria abrir os olhos, não por medo, mas por estar começando a perceber que aquilo era mais um de seus pesadelos. Era incrível, mas a mente de Abernathy após uma série de sonhos terríveis aprendera a entender a diferença entre o real e o irreal. De modo que a única solução era tentar se fazer acordar.

´- ACORDA, SEU MALDITO BÊBADO! ACORDA AGORA! - Gritava com todo o ar que tinha em seus pulmões.

Dessa vez, não estava conseguindo acordar. Quando abriu os olhos tudo havia mudado, a sala agora era a casa antiga de Katniss. O que o fez concluir, de fato, que aquilo era um pesadelo sem fim. Encontrou Prim. Ela estava com um vestidinho rosa claro e um sorriso no rosto. Só deu o tempo dela sorrir para ele e o ambiente todo explodir. Haymitch sentiu o calor da explosão e pegou a faca que encontrara na mão e começara a golpear o ar.

– SEUS DESGRAÇADOS, MANIPULADORES... ASSASSINOS!

Quando abriu os olhos novamente, estava em casa. Peeta o olhava com uma cara de descrença, apesar de que já havia presenciado essa cena várias vezes, era Katniss que acostumava o acordar todos os dias. Não hoje.

– Eu trouxe pães fresquinhos e quentes. Preparei um chocolate quente, está na garrafa térmica. - Peeta disse, ainda um pouco assustado com tudo aquilo. As palavras que Haymitch proferira eram muito violentas.

– Certo, garoto. Obrigado - Haymitch ponderou, tentando ser educado.

– Me desculpe ter te acordado com água. Acho até que estava um pouco morna. Só segui as ordens da Srta. Evendeen.

– É, eu imaginei. Mas tá certo, você me acordou na hora certa. - Haymitch esfregara seus olhos e abriu um bocejo. - Você sabe que horas são?

– É cedo, Effie me pediu para acorda-lo para começar a se arrumar. Hoje teremos a nomeação do novo prefeito da nossa cidade. - disse Peeta, cautelosamente.

Os distritos agora eram chamados de cidades, cada cidade haveria de habitar um prefeito responsável por manter a ordem e administrar a sua própria responsabilidade, compreendendo as necessidades que essas mesmas tinham. A Sede - como agora era chamada a antiga Capital - adotara agora o que todos chamavam de Democracia, era uma política antiga que por muito tempo serviu muito bem a nação.

A Sede tem feito questão de preparar eventos de cidades em cidades a fim de denominar prefeitos eleitos pelo povo. Provando que estariam seguros e que nada iria ser como antes.

Haymitch resmungou e balbuciou alguma coisa que Peeta não conseguiu compreender.

– Vá para o banho, mentor. Você está fedendo a aguardente.

– Estou surpreso com essa postura sua, menino padeiro. Katniss andou te ensinando seus bons modos? - Haymitch diz em seu eterno tom sarcástico.

– Me desculpa Haymitch, mas realmente temos pressa. Sei que não fui uma boa visita hoje, mas prometo que assim que comer os pães, eles vão me recompensar. - Peeta disse, certo de que sua receita estava mais deliciosa que o normal.

O garoto do pão virara as costas. Haymitch se permitiu comer os pães, estavam deliciosamente perfeitos. Quentinhos e macios. Abernathy não sabia que raios de mãos mágicas Peeta possuía, mas podia entender o porque a padaria de seu pai fazia tanto sucesso.

Embaixo do chuveiro, escutou o telefone tocar. "Não acredito que esqueci de tirar do gancho aquela inútil coisa". Não se apressou para terminar sua ducha, mas logo saíra. Quando já havia esquecido aquele som desagradável, o telefone pôs se a tremer novamente emcima da mesa.

– Fala. - disse Haymitch, quase descrente que estava atendendo aquele maldito aparelho.

– Oi Haymitch, estou te atrapalhando? - Effie tinha um doce tom em sua voz, mas doce do que lembrara.

– Effie, deixa eu imaginar... Hoje será um grande, grande, grande dia! - Haymitch soltou uma gargalhada, não conseguia se conter. Estava assumidamente sentindo falta da Effie e suas besteiras da Capital.

– É claro! - Effie riu junto só que com menos densidade comparada a risada estapafúrdia de Haymitch.

– Não se preocupe, coração. Vou colocar uma roupa agradável e não levarei nenhuma aguardente em meu bolso. Viu?

– Não confio em você, Haymitch. Abra a porta.

Haymitch confuso escuta três leves toques na porta da entrada. Toc-Toc-Toc. Como diabos aquela mulher estava falando com ele ao telefone e ao mesmo tempo na porta de sua casa? Só podia ser um truque. Colocou o estúpido objeto no gancho e decidiu ir prontamente a porta. Para sua adorável surpresa não era a Effie, pelo menos, não a que ele conhecera.

– Vamos Haymitch, eu trouxe um terno feito de um ótimo tecido e uma gravata vermelha, o que provavelmente vai ressaltar seus cabelos loiros e olhos claros. E sobre o telefone, garanto que você está se perguntando, é uma nova tecnologia que Beetee fez exclusivamente para mim. Lindinho, não?

Effie esboçou um largo sorriso e virou o rosto delicadamente para Haymitch apreciar um pequeno pontinho cor da pele que estava dentro de sua orelha. Tão pequeno e tão... Não, Haymitch não conseguia prestar atenção em tecnologia nenhuma aquela hora. Não era possível, aquela mulher não era Effie! Haymitch não conseguia fechar a sua boca ao ver que Effie estava... normal! Uma mulher deslumbrante e normal. Linda, teve que confessar.

Effie tinha os cabelos loiros e os olhos expressivos. Possuía uma leve maquiagem o que o fez perceber que ela tinha muito menos idade do que ele imaginava que ela tinha. Ora, Effie andava praticamente que nem um palhaço, porque raios ele ia saber como, de fato, era a fisionomia daquela mulher?

O seu corpo não estava com aqueles vestidos ridículos, com cores de doerem os olhos. Effie estava vestindo uma calça jeans preta, sapatos altos pretos também e uma regata social vermelha o que percebera aos primeiros olhos que combinava exatamente com o tom da gravata que ela apresentara a ele.

– Para de me olhar assim, Haymitch. Parei de me vestir com aquelas estúpidas roupas, posso ser eu mesma.

"Estúpidas? Eu ouvi bem?" Effie estava diferente, voraz e ... linda. Fazia anos em que ele não se permitia sentir algo, mas apesar de sua carranca, assumira ali em seu pensamento que Effie era a mulher mais bonita que já tinha conhecido.

– Tá Effie, perdoe seu amigo bêbado. Eu não estou acostumado a te ver assim. É como se eu estivesse lhe vendo nua. - Haymitch não conseguia conter a risada novamente. Percebeu que Effie corou.

– Ah pare com isso, homem! A propósito, você vai ser meu acompanhante. Não encontrei nenhum homem naquela maldita Sede que não olhava para mim de modo estranho. Estou farta disso. Acho que vou voltar a me vestir daquele jeito, por mais atenção que parecia atrair para mim, ninguém parecia me dar a mínima. Agora, só escuto que estou diferente, mudada e bonita. Como se fosse, de certa forma, verdade. É tudo mentira. As pessoas da Sede mentem que nem as da Capital mentiam. - Effie estava visivelmente irritada.

– Eu sei disso, coração. Mas é que você não parece você. Dê crédito as pessoas, elas não estão mentindo.

– Se você diz, não vou contrariar - Effie esboçou um sorriso.

Haymitch entrou e serviu a Effie uma xícara de chocolate quente que Peeta trouxera a não mais de uma hora. Fez ela se sentir em casa, apesar da bagunça. Pela primeira vez dera uma boa olhada naquele ambiente. Nojo e repulsa foram suas primeiras reações. Decidiu que amanhã mesmo chamaria Greasy Sae.

Passaram alguns minutos, Effie olhou ansiosamente para a escada e de lá, desceu um novo e limpo Haymitch. Bonito, ela achava. Mesmo com seus problemas de personalidade, sabia que muitas mulheres da Sede achavam ele atraente. Não faltavam pretendentes para ele na Cidade 12. Mesmo assim, isso não parecia nem sequer passar pela sua cabeça.
____

O evento começara com um abertura linda e emocionante, mostrando imagens da revolução e de como tudo levou-os a liberdade. Gritos e salvas, choros e aplausos. Uma mistura de emoções. O Distrito 12 já não existia mais, agora dava lugar a uma nova política e justiça. A Cidade estava se reerguendo das cinzas e aos poucos, ficando cada vez mais bonita. Imagens passaram nos telões da Cidade e suas construções. Homens trabalhando em meio a escombros e outras fotos já exibindo lindos prédios, casas e comércios prontos. Uma das fotos chamou a atenção de todos presentes. Peeta estava em meio a dois pontos comerciais. Uma padaria e um ateliê. Peeta se pôs no palco e fez um discurso emocionante de como estava feliz ao lado de Katniss e como eles precisavam seguir as suas vidas em meio a tantas perdas. O nome Primrose ao ateliê levou a muitas pessoas lágrimas nos olhos, inclusive a Katniss. Pela reação dela, aquilo era uma surpresa. Ela não parecia saber de nada daquilo e se debulhou em lágrimas e beijos ao lado de Peeta. Eles estavam ao lado do telão e Haymitch estava bem perto deles, só que embaixo.

Katniss olhou para seu ex-mentor, borrada como um quadro molhado em meio a tantas lágrimas e maquiagem. Haymitch deu uma piscadela a ela e ela retribuiu sorrindo animadamente.

A vez de Effie subir ao palco levou todos a loucura. Gritos do tipo: "Case comigo". "Você é linda, Effie" a fizeram corar como um tomate maduro. Mas isso não a fez perder o profissionalismo.

Effie colocou sua boca próxima ao microfone e deu início ao seu momento.

"Hoje, estamos aqui presentes para dar uma nova vida a essa cidade histórica. Hoje, vamos escolher alguém que nos represente e que cuide de nós melhor do que nós mesmos. Fizemos uma votação em meio aos concorrentes. Houve uma contagem de votos e algo inédito ocorreu. Nenhum dos nomes foi escolhido."

Todos se entreolharam como se já soubessem o que estava acontecendo, todos, menos Haymitch.

Effie continuou seu discurso.

"Precisamos saber se o escolhido aceitará o cargo, visto que ele não se inscreveu."

Haymitch pensou que aquilo tudo era uma baboseira, como o povo escolheria alguém que não estava no papel, tinham que amar muito essa criatura para colocar ela em um pedestal tão alto.

"O nome escolhido é."

Effie olha para Haymitch subitamente e com um sorriso nos lábios diz:

"Haymitch Abernathy."