Every Life escrita por Kaline Bogard


Capítulo 5
Parte 05




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Every Life

Kaline Bogard

Parte 05

– Não acredito nisso – Tarika resmungou atrás dos dois loiros – Vocês vão por mais pilha na fogueira.

Os três seguiam juntos observando Ed a frente deles. Alex conseguira dois saquinhos de sal. Não era muita coisa, mas o exorcista dizia que bastava.

– Acho que vai ajudar. Você leu aquele livro de auto-ajuda...

– Mas não falavam de doidos varridos, Erik! Aff.

– Shhhh – Alex coçou a cabeça – Se isso vai sumir com o fantasma eu não me importo.

Tanto Tarika quanto Erik olharam torto pro dono da casa. Só não disseram nada por que chegaram a frente da suíte onde supostamente estava o ponto de ruptura do “fantasma”. Ed rasgou os dois pequenos sacos com o dente e os segurou em uma mão. Enfiou a outra no bolso da calça e tirou um embrulhinho feito com guardanapo de papel.

– Sal afeta matéria não-viva. Não sei bem por que cloreto de sódio acelera a decomposição de espíritos presos a pontos de ruptura – enquanto falava abria o embrulhinho com alguma dificuldade exibindo poucas pedras de sal grosso para os outros – Vão me seguir por sua conta e risco. Não posso me responsabilizar se algo der errado, entenderam?

– Não se preocupe. Não vaid ar – Tarika afirmou sarcástica. Pensou em usar aquela advertência na próxima vez que aplicasse um golpe.

Ed olhou pra ela e deu de ombros.

– Vou começar – voltou-se para a porta da suíte fechou os olhos e respirou fundo – Senhor, vem comigo.

Abriu a porta da suíte e uma rajada de ar frio fez todos estremecerem. Alex praguejou baixinho enquanto Tarika arregalava os olhos e Erik estremecia com o ar gelado.

Ed arremessou as pedras de sal grosso dentro do aposento, em seguida guardando o papel vazio no bolso. Aguardou alguns segundos antes de entrar.

– Esperem aqui fora um minuto – seu tom de voz não admitia contestação. Cerca de trinta segundo depois gritou para que entrassem.

Os três nem hesitaram. A curiosidade falava mais alto que o receio.

O rapaz moreno usara todo o sal para desenhar um circulo tão grande quanto possível no meio da suíte despida de mobília. A figura era quase perfeita e dominava o assoalho de madeira velha.

– Aconteça o que acontecer não entrem no círculo – lançou um olhar extremamente grave para os três – Não estraguem tudo.

A garota bufou diante do tom arrogante, mas Alex colocou uma mão sobre o ombro dela, numa forma de acalmar os ânimos.

– Não entraremos – ele garantiu.

Aquilo pareceu satisfazer Ed. Ele assentiu e respirou fundo.

– Senhor, – repetiu – vem comigo.

E entrou no circulo permanecendo de costas para os expectadores.

O que aconteceu foi tão inesperado que roubou a fala dos três que assistiam. Assim que o moreno invadiu o circulo de sal suas roupas e seu cabelo se agitaram como se um vento selvagem o castigasse. Um vendaval que só acontecia dentro do desenho feito com sal. Do lado de fora permanecia o ar estagnado e meio frio. Os três estavam a poucos passos fora do circulo, e mesmo assim não sentiam nem um mero movimento do ar.

– Como...? – Tarika ficou perplexa.

– Eu disse que tinha um fantasma em casa!

Erik não disse nada. Era difícil acreditar no que seus olhos viam. Como era possível aquele fenômeno acontecer bem diante de seus olhos?

Enquanto assistiam, uma luz mínima apareceu flutuando diante de Ed. O rapaz virou o rosto para o lado e moveu os lábios e disse algo, mas nenhum som se ouviu. Era como se o sal tivesse feito uma barreira circular que impedia tudo de sair de seus limites, fosse a ventania ou o som.

A luz brilhou com mais força e um corte fino surgiu na face visível de Ed, deixando um filete de sangue escorrer.

Erik agiu totalmente sem pensar. Mal registrou os alertas de seu irmão e da amiga, simplesmente avançou dois passos e invadiu o circulo. O vento que o acolheu era tão forte e frio que o loiro quase recuou. Havia uma pressão no ar deixando-o denso, quase irrespirável além de um cheiro de coisa antiga, de muitos e muitos anos atrás.

Por um breve instante Erik teve a impressão de ter entrado em uma panela de pressão. Uma sensação fugas que desapareceu, pois sua presença foi demais para a proteção de sal, despreparada para a interferência de uma terceira variante.

Foi como se uma bolha se rompesse. O sal simplesmente desapareceu do chão. Sem esperar por isso Tarika e Alex foram colhidos em cheio pelo vento frio, empurrados contra a parede de madeira. O dono da casa deslizou e caiu sentado no assoalho, assim como Tarika.

Erik ficou firme no lugar, vacilando apenas ao ser fitado com certo rancor por Ed. O moreno parecia ter se zangado com a interrupção, porém tinha coisas mais importantes pra se preocupar no momento.

Sem a barreira protetora não havia nada que detivesse aquele espírito. O pontinho de luz vibrou com um poder de tirar o fôlego e com um pulsar ganhou forma humana. Um rapaz de cabelos curtos e escuros e olhos claros. Era tão alto quanto Ed, por que flutuava a bons dez centímetros do chão, mas não tão magro. Sua imagem era tênue e pálida, mas de poder inquestionável.

– Mãe de Deus! – Tarika exclamou.

O garoto fantasmagórico olhou para ela. Seu rosto se contorceu numa máscara de ressentimento, como se a culpasse de alguma coisa.

– É comigo que está resolvendo as coisas! – Ed esbravejou – Stevan!!

Conseguiu chamar a atenção do espírito. A criatura de luz gritou alguma coisa que os humanos não puderam compreender, a exceção de Ed que respondeu.

– Ela não é sua prima. Não vai poder voltar no tempo e ajeitar as...

Flutuando ainda mais alto Stevan resplandeceu de luz semelhante ao fogo fátuo. Erik que estava mais perto levou as mãos ao pescoço, sentindo o ar arrancado de seus pulmões. Não podia mais respirar. Era como se aquela criatura do além roubasse todo o ar da sala.

Os outros também se afetaram.

– IDIOTA! – desesperado, Ed gritou – EU SÓ QUERIA TE AJUDAR! TENHO UM RECADO DE SILAS PRA VOCÊ!!

A pressão diminuiu a ponto de Erik poder respirar novamente. Tarika caiu de lado no chão, ofegando e Alex engatinhou até ela, para ver se ela estava bem, apesar de sem sentidos.

Stevan deu a impressão de vacilar entre ódio e mágoa. Os olhos claros brilharam e a fúria deu mostras de dominá-lo outra vez. Antes que se inflamasse e atacasse os vivos novamente Ed entrou na frente dele, chamando-lhe a atenção. O castanhos dos olhos cansados desapareceram novamente, as íris eram negras como as asas de um corvo.

– Eu sei que prometi voltar... – disse num tom de voz que não era o seu – Mas não pude, Stevan.

O espírito esbravejou e abriu os lábios para gritar. Nenhum som saiu de sua garganta, mas o ar tornou-se mais frio e pesado.

– Sabe por que? – apesar da fúria daquela criatura Ed não se moveu – Sua prima não entregou apenas a você. Ela me entregou também.

A fúria de Stevan recuou um pouco. Erik olhou dele para o rapaz moreno. Sua mente dizia que tudo aquilo era loucura, que era vitima de uma alucinação... mas sabia que presenciava um espetáculo sobrenatural sequer imaginado.

– Os capangas de seu pai me arrastaram para longe – agora a voz de Ed soava conformada e um tanto tranqüila – Pode imaginar? Eu, o negro que assediara o filho do senhor da fazenda. Eles me levaram pra muito longe Stevan. Me deixaram de um jeito que... nunca mais poderia voltar para você.

Stevan acalmou-se por completo. A figura moveu os lábios e fez Ed sorrir.

– Sinto muito. Sinto muito não ter cumprido a promessa. Eram outros tempos, tempos difíceis. E nós pagamos o preço. Fiquei preso naquele ponto de ruptura pela esperança de um dia poder reencontrá-lo. Vi os anos passarem, dois séculos inteiros, acompanhei as mudanças... e o mundo é um pouco melhor agora. Mas agora não é o nosso tempo.

Stevan, desviou os olhos e moveu os lábios falando por alguns segundos. Erik teria dado qualquer coisa para poder ouvir suas palavras.

O que quer que tivesse sido dito fez Ed balançar a cabeça concordado.

– Sua prima traiu nossa confiança e o mundo deu as costas para nós. Mas isso não faz culpado cada casal hétero que habita essa casa. Não pode vingar-se deles.

A reprimenda arrancou mais algumas palavras inaudíveis por parte de Stevan. Ed continuou naquele estranho tom de voz.

– Eu não poderia partir sem ter certeza de que você também estava livre. Temos que ir, Stevan. Abandonar o rancor e o ressentimento... talvez o mundo nos dê uma outra chance. Talvez tenhamos uma nova vida, sem sofrer preconceito por nossas escolhas. Mas agora isso não nos pertence mais.

Stevan balançou a cabeça para cima e para baixo. Moveu os lábios de um jeito que Erik imaginou que faria caso sussurrasse alguma coisa.

– Eu também, meu garoto. Eu também te amei tanto... daria o mundo pra tê-lo em meus braços. Daria tudo por um único sorriso seu – ao ouvir aquilo Stevan fitou Ed e tentou sorrir. Tentou sem não conseguir. Surpreso, Erik descobriu que espíritos também podiam chorar. O exorcista estendeu uma mão em direção a Stevan – Vamos...?

Atendendo ao pedido Stevan também moveu uma das mãos e colocou de leve sobre a de Ed, como se o tocasse. Uma batida ressoou por todo o quarto, seguida por outra e outra, como um coração acelerado. O ar se aqueceu e uma pequena explosão de luz que obrigou Erik e Alex a fecharem os olhos.

Quando os irmãos reabriram os olhos Stevan sumira. Não havia mais sinal daquela atmosfera angustiante e assustadora, nem o menor sinal do fenômeno inacreditável que tinham presenciado. Restava apenas Ed no mesmo lugar, ofegante.

– Ed... – Erik chamou, muito preocupado. Já não achava mais que aquele rapaz fosse louco ou um picareta.

O moreno voltou os olhos castanhos para Erik e sorriu.

– Adoro quando termina bem – deu um passo a frente e cambaleou – Vou precisar de... um copo de lei...

Perdeu os sentidos antes de terminar a frase. Erik, muito ágil e já preparado, abriu os braços e o pegou, impedindo-o de cair no chão. Ficou observando o rosto pálido e doentio do exorcista que segurava contra si.

Sua vida mudaria para sempre depois daquilo.

continua...


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