Era definitivamente muito estranho dançar em um estúdio diferente do da escola. Principalmente porque para Piper treinar no estúdio do programa era como se a qualquer momento seu pai fosse aparecer, se deparar com ela dançando novamente e – bum! – ela seria arrastada de lá, trancada no quarto e só sairia de lá quando estivesse maior de 21 anos e pagando as próprias coisas.
Ela realmente odiava ter que dançar escondida.

A música que tocava era Voicemail, uma das músicas excluídas do novo álbum da banda que seria a jurada especial do próximo episódio do Baila Comigo?, era apenas para aquecimento de qualquer jeito. A que teriam que dançar seria Worth It versão espanhol. Ou seja, o pior pesadelo da adolescente. Piper poderia dançar qualquer ritmo, menos o latino, nesse ela parecia ter dois pés esquerdo cada um com seis dedos.

― Problemas com seus pés, Beauty Queen? – Leo perguntou adentrando a sala. Ele parecia ainda mais energético com aquele copo de café pela metade na mão, seu sorriso maroto deixava explícito o quanto estava se divertindo com a dificuldade da amiga.

Piper bufou.

― Eu só não entendo o porquê de um ritmo latino tão cedo na competição, parece até que quer nos eliminar o mais rápido possível!

― Pelo contrário, esse ritmo só precisa de gingado, eles só querem ter certeza de que todos que estão aqui não foram selecionados apenas para completar vagas. É um ritmo bem fácil se você pensar bem. Apenas sorria e deixe a música te levar.

“Conselho fajuto! ”, ela resmungou para si mesma.

― Realmente! Deve ser bem fácil dançar quando sua descendência é latina, e não, indígena, não é mesmo? ― Comentou irônica. Talvez passar horas e horas todos os dias com Reyna tenha apimentado um pouco mais seu humor.

Leo ignorou o comentário azedo e decidiu provar seu ponto de vista para a recém colega de dança e melhor amiga da sua futura namorada por longos anos, na cabeça dele, é claro.

― Certo, dulzura, você vai ver como não é tão difícil assim. Vamos colocar um pouco da minha musa inspiradora.... Vai aprender a dançar com os quadris antes mesmo de falar buenas noches, tacos, nachos lejos de mí! ― falou empolgado.

― Buenas noches, tacos, nachos lejos de mí? ― ela repetiu confusa.

― Viu? Já vai estar dançando antes mesmo de eu pôr a música.

O Valdez tirou o celular de Piper que estava plugado nas caixas de som do local e instalou o seu, apertou o play e a música começou a tocar. O ritmo era lento e ela se sentiu no jardim da infância, afinal, quando alguém te coloca para dançar devagar uma dança rápida claramente está jogando na sua cara sua inabilidade.

― Shakira? – Pipes perguntou. Por dentro tentava se concentrar em não esganar Leo. Uma música lenta da Shakira? A deusa latina das músicas rápidas e animadas?

―Antes de las seis! Adoro essa música! ― ele exclamou.

“Que gay! ”, ela pensou rindo eternamente. O gritinho ridículo e fanático puxara seu humor para o lado bom e afogava suas tentativas de homicídio numa grande nuvem de esquecimento.

Leo rapidamente deu um passo para frente, sua expressão dizia “me acompanhe! ”, e rapidamente começou. Sua perna esquerda ficou à frente das outras, o menino tinhas as mãos da cintura e iria mesmo acompanha-la como se fosse uma dançarina. Cômico, mas não surpresa quando se trata de Leo Valdez.

― Vai ver mesmo ser a dançarina da vez, Valdez? ― Piper provocou.

Leo sorriu de lado. O sorriso maroto de quem estava entrando em apuros.

― Se conseguir me acompanhar, McLean! ― rebateu.

Piper se posicionou ao seu lado, copiando a mesma postura do adolescente. Ela aceitara o desafio. Valdez fez então a primeira posição ao ritmo da música, a perna à frente foi para trás e deu uma pequena rebolada no final, um gingado leve. Piper riu, ele achava mesmo que ela não conseguia fazer?

A morena levou a perna esquerda à frente e a guiou para trás, mas um de seus dedos ficou preso na polaina do pé direito, talvez porque Pipes fosse do tipo de adolescente que não tem anéis nas mãos, e sim, nos pés, e talvez – só talvez – estivesse usando um deles quando o anel enroscou na polaina a fazendo cair com a bunda no chão do tatame. Certo, ela não conseguia fazer o gingado simples ainda.

― Você está pensando, chica. Latinos não pensam, latinos fazem. ― replicou rindo e ajudando a amiga a se levantar.

― Pelo menos os Cherokee não ficam fazendo frases de efeito estilo Rocky Baboa. ― sussurrou irritada. Afinal, quem fora o retardado que inventara aquele ritmo que suas pernas pareciam querer não acompanhar?

― Não desista ainda, Beauty Queen. Vamos tentar outra técnica, okay?

Leo entendia o problema de Pipes, sua mente às vezes trabalhava mil horas por dia pensando até mesmo em Fidel Castro em Cuba enquanto Leo estava apenas lanchando em alguma cafeteria no Brooklyn. Músicas latinas devem ser dançadas sem nada na cabeça, qualquer pensamento que não seja compatível com o ritmo te faz errar, cair e ter que recomeçar. Valdez aprendera a dançar focando no mar caribenho arisco e certeiro.

Foi até sua mochila e procurou o gorro que usara pelas ruas instantes atrás, a peça verde-escura fez uma chama de excitação cobrir o corpo do dançarino. Procurou em seus bolsos um pedaço de corda e alguns arames, olhou para o teto e sorriu ao ver uma suspensão para algumas práticas acrobáticas de alguns dos grupos.

O sorriso que o latino estampava no rosto assustou Piper em um primeiro momento. O que aquele elfo do Papai Noel fora de época estava tramando?

― Estenda os pulsos, dulzura, vamos fazer ao estilo Valdez.

“Merda! ”, ela xingou em seus pensamentos. Também rezou rapidamente para todos os deuses não-surdos e que não a deixassem no vácuo para que o pigmeu latino não a matasse acidentalmente. POR TUDO QUE FOSSE MAIS SAGRADO, ELA NEM AO MENOS TINHA GANHADO O CONCURSO AINDA!

Mesmo assim ela estendeu os pulsos que habilmente foram atados com cordas e nós fortes em segundos. Na parte inferior do braço, ele anexou vários arames um no outro até ver o pedaço de metal se transformar num longo e fino pedaço de metal, talvez um metro e meio de comprimento. De onde ele tirara tanto arame?

Mas o sorriso ladino ainda não abandonara sua face morena, a pior parte ainda nem havia sido apresentada a ela. Ainda tinha coisas piores e traumáticas a acontecer antes disso. Como, por exemplo, anexar o arame numa viga meia boca de suspensão que ela não confiava nem um pouco e Leo parecia ter perdido sua sanidade mental ao apoia-la por lá, ou ainda colocá-la numa passarela relativamente larga e frágil para não forçar seus braços já que os seus gloriosos um metro e sessenta não atingiam exatamente a altura que Leo calculara em seu plano mirabolante.

Tudo isso aconteceu antes da pior parte.

O garoto vendara seu rosto com um gorro verde cheirando a fajitas da semana passada que com toda certeza já haviam passado do prazo de validade antes mesmo da semana passada. Seus olhos lacrimejaram dentro da coberta de lã por alguns segundos, mas quando se acostumou teve apenas que ignorar o cheiro de fajitas de frango. Ew!

― Vamos repassar tudo aqui, Beauty Queen, você consegue mexer os braços, mãos e pulsos? ― Leo perguntou animado.

A garota tentou mover as articulações, mas o nó forte a fazia se mexer minimamente. Seu esforço mal chegava aos dedos por culpa do apertão.

― Não. – resmungou.

― Fantástico! Consegue ver algo?

― Nops! Por que isso aqui está com cheiro de fajitas de frango?

― Por que às vezes eu tempero demais minhas fajitas. Agora vamos focar aqui! Você não enxerga e não consegue movimentar seus braços, qual a parte do seu corpo você pode mover? Lembrando que o contexto é “dança”.

Piper bufou. Reyna tinha razão, ás vezes Leo pirava na batatinha e agia como se estivesse em seu próprio show no canal aberto, algo que ele definitivamente não tinha.

― Minhas pernas.

― Isso mesmo! Agora, Beauty Queen, eu vou colocar uma musiquinha da minha amada Shakira e Hips Don’t Lie, vou jogar um ventilador gigante em você, quando você perceber, você estará dançando!

― O quê?!— ela gritou tarde demais, pois o latino já havia posicionado o maior ventilador do local colocando num vento sem fim, e se não estivessem sozinhos naquela sala, estariam profundamente encrencados.

Hips Don’t Lie ecoou de uma vez na sala, o ventilador fazia um vento forte na direção de Piper a desequilibrando, os olhos vendados a faziam perder parcialmente o equilíbrio e acentuava a sensação o fato de estar realmente se desequilibrando com o vento. Ela tentava se manter em pé, mas cambaleava vez ou outra ocasionando um rebolar.

Leo sorriu. Mais uma vez sua técnica funcionara, ele era realmente um gênio!

― Certo, Beauty Queen, agora pense no mar do Caribe! Imite ele! ― gritou animado. Ele ia enfiar um pouco de cultura latina para aquela chica.

― Eu nunca fui no Caribe, Valdez!

― Nunca viu Piratas do Caribe? ― questionou.

― Fiquei mais atenta ao Johnny Depp do que ao filme, nem notei as ondas.

Leo riu. Seria cômico se não fosse trágico. Como ensinar coisas latinas à uma garota que considerava tacos uma comida latina? Não era à toa que anunciavam o fim do mundo a cada mês. Diós!

― Claro que não conhece! – ele riu da própria desgraça ― Por que saberia, não é mesmo?

Piper revirou os olhos xingando mentalmente o momento drama queen de Leo. Pelo amor, ele começou com essa palhaçada, então ele que termine! De preferência, com ela sabendo dançar, pelo menos, Macarena.

― Leo! Foco! – ela gritou de uma vez.

― Okay, foco! O Oceano Pacífico você conhece, né?

Ela revirou os olhos novamente dentro da touca. Nunca ia admitir que passar tanto tempo com Reyna lhe trouxera manias idiotas, mas isto era um fato verídico.

― Sim!

― E o que sabe sobre ele?

Piper riu da própria desgraça. Geografia não era exatamente seu forte, por que não artes? Perguntas difíceis àquela hora não era nada legal.

― Que se fosse para ser pacífica eu seria oceano. – resmungou irritada. Quando acabava a palhaçada?

Leo sentiu a facada da resposta atravessar seus órgãos vitais, sinceramente avisaria a Jason para nunca chegar aos pés de irritar Piper sem uma tropa armada inteira do seu lado, talvez duas por via das dúvidas. Porém, antes de desistir, Valdez sente a chama do fogo caribenho, está lá, ele pode sentir!

― Isso, Beauty Queen, se fosse para ser pacífica você seria oceano! Usa esse fogo para conduzir suas pernas, se mova como ondas furiosas nada pacíficas! ― exclamou animado.

― Que tal acalmar sua cabeça antes, Repair Boy? Você ficou louco?

Leo riu histérico. Ele estava loucamente louco e a melhor parte era que ele havia atingido seu objetivo.

― O ventilador está te atrapalhando a ficar parada, não está? ― perguntou Leo. Ele queria poder gritar que era um gênio da dança, com certeza.
Piper bufou.

― Obviamente!

― Então lute contra a força do vento! Ele não quer que você fique parada? Quer que você se mova? Então se mova, mas do seu jeito, sacou?

Um estalo se deu no cérebro de Piper.

Leo estava completamente certo. Ela se moveria do jeito dela porque queria se movimentar, e ela iria se movimentar do jeito dela, não do jeito de um vento artificial! E sabe como ela faria isso? Indo exatamente na direção oposta do vento!

O vento soprou forte para a esquerda, então ela moveu suas pernas estrategicamente para a direita, a estabilidade lhe deixou com as pernas separadas. Ela fez o mesmo quando o vento soprou para a direita. Ela desvia e driblava as tentativas do vento artificial de comandar a sua dança. De repente, Piper realmente se sentiu uma onda, ela era forte e autônoma como uma, seguia seu próprio ritmo mesmo que o vento tivesse uma leve influência nisso.

Leo aumentou o volume da música, diminuiu a potência do ventilador e ela continuava a dançar rebolando e seguindo seu próprio ritmo como uma onda, ouvia seus pés fazendo barulho na passarela instável, mas ela não ligava, seus tornozelos acabaram de aprender o que é ser autossuficientemente latino.

Mesmo que essa expressão ainda não constasse no dicionário. Detalhes mínimos.

A música acabou. Leo desligou o ventilador, tirou-lhe o gorro fedendo a fajitas e livrou sua parte superior da prisão de cordas. O sorriso de elfo do mau estampava seu rosto todo. Ele aprontara, mas seu plano dera completamente certo.

― Parece que alguém aqui aprendeu um pouco do que é ser latino! ― ele provocou feliz. Rezaria hoje agradecendo para os deuses pela incrível façanha.

― Aprendi a dançar no ritmo latino, é diferente. ― ela não admitiria tão cedo, o amigo merecia isso por tê-la amarrado à uma viga prestes a cair. Ela prometia para si mesma que talvez nas finais do concurso admitiria isso a ele em um local reservado.

― Não vai admitir?

― Admitir o quê? – falou se fingindo de desentendida. Piper McLean também sabia jogar, e ela nunca jogava para perder.

― Que você tem dois pés esquerdos! ― Leo exclamou. Ela não ia admitir que ele era um ótimo professor? Pois bem! Ele também não admitiria que parecera a própria Shakira dançando. E nem mesmo contaria isso à Jason!

A raiva lhe atingiu imediatamente. Ele podia dizer qualquer coisa, menos que ela era uma péssima dançarina, ela podia falar isso para si mesma, mas nunca ser chamada disto! Uma ofensa imensurável!

― Quer saber de uma coisa? ― explodiu ― Eu tenho dois pés esquerdos e vou chutar você com eles!

Ela começou a avançar em Valdez e o adolescente considerou que queria poder voltar no tempo alguns instantes para evitar isso. Tarde demais!

De repente, Piper havia o capturado e sua visão viu a sala dar um loop doido e o braço doer juntamente com o pulso, segundos depois estava no chão, desnorteado.

Ela acabara de lhe dar um golpe de karatê? Um golpe de karatê que ele só via na TV?

Diós!

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