Em Busca da Verdade escrita por Camy


Capítulo 8
Se livrando da Serena




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ASH P.O.V.

Ontem foi horrível. Fiquei o dia todo na cama, e hoje é a mesma coisa. Misty Waterflower não sai da minha cabeça! Como eu queria não ter visto ela ontem! Essa mulher me enlouquece. Provavelmente já são quase três da tarde. E sem ressaca por dois dias seguidos! A depressão em que essa Miltank me coloca é capaz de me impedir de tomar minha dose de whisky quase diária. Que maravilha! Ontem acabei nem comendo o hambúrguer; ele ficou na mesa da sala. Comi fora. Não sei, só queria sair. Acabei dirigindo por quase duas horas sem rumo nenhum. Talvez esperasse encontrá-la de novo, sei lá. Hoje acho que nem vou levantar. Vou ficar na cama o dia inteiro. Posso dormir, dormir e dormir. Parece um bom plano. E se eu ficar com fome, posso pedir pro Pikachu me trazer comida.

Ou não, sei lá. Porque quem quer que esteja tocando a campainha não quer que eu durma. É uma pessoa sem nenhum tipo de noção. Porra, não se pode mais nem dormir! Levanto devagar e caminho como um Caterpie até a sala. Misty morre de medo de Caterpies. Porra, consigo nem caminhar sem pensar nessa assombração. Passo por um espelho que Serena colocou na sala e minha imagem não é das melhores. Cabelos desgrenhados, pijama amassado, pés descalços e olheiras gigantes. To lindo.

Abro a porta descontraidamente. Minha aparência não é realmente importante nesse momento. Não depois de eu ter descoberto que continuo louco por uma Miltank desgraçada e casada. Vida maravilhosa, a minha. A pessoa que me aguarda certamente não gostou muito do que viu. Serena sempre foi vaidosa, e detesta me ver desleixado. Mas, como eu sempre estou desleixado, ela não deveria ter se surpreendido tanto. A boca vermelha como sangue e pequena se retorceu em desagrado, as sobrancelhas bem feitas se uniram e a careta no rosto cheio de maquiagem quase me fez rir. Teria feito, em alguma outra ocasião. Ela estava… extravagante, como sempre. Misty gostava de ser mais discreta. Não acredito que as estou comparando. Serena entra na casa, seus saltos fazendo um som irritante contra o assoalho. Os cabelos dela têm o mesmo comprimento dos da minha ruiva, porém são castanhos. Ondulados, como os de Misty. O que mais as difere são as roupas. Serena usa uma blusa de oncinha na qual Misty sequer olharia se fosse fazer compras. A saia talvez a interessasse; branca como a neve. Mas Misty sempre preferiu shorts.

Os olhos amarelos poderiam ser parecidos com os da minha ruiva, se não estivessem pintados com uma sombra tão forte. O rosto jamais seria parecido, mesmo sem o blush que deixa a sua bochecha tão rosada. Misty sempre teve um rosto único. O nariz empinado e a boca bem desenhada. Linda, a minha ruiva. Desde sempre. e um batom vermelho tão forte que parece que a sua boca está sangrando. Ela tem uma pele tão branca que às vezes parece que o sol sintila nela de tanto protetor solar que essa mulher usa.

— Oi Serena. – cumprimento.

Ela me examina novamente e acaba por sorrir. Sê nunca fica muito tempo irritada comigo.

— Oi, meu amor! – ela me dá um selinho rápido. – Nossa, você parece péssimo! Vim convidar você para comer um lanche comigo, mas nós vamos mudar o seu visual primeiro. Gostou da minha saia? Você disse que não gostava muito de roupas chamativas, então coloquei essa sainha branca sem estampas!

Eu ri e a abracei. Tão ingênua. Claro, a saia é bonita, mas será que ela se olhou no espelho e viu o resto da roupa? E é curta. Não é questão de estampa, o comprimento dela, por si só, já chama bastante atenção. Serena tem um corpo muito bonito, e pernas melhores ainda. Mas, novamente, não posso nem comparar com as da minha ruiva.

— Serena, eu ainda nem almocei! – digo contra sua cabeça. Ela é baixinha, como Misty. Fecho os olhos, tentando tirar essa desgraçada da minha cabeça. Misty não devia aparecer em meus pensamentos quando estou com minha namorada.

— Como assim? Já são quase três horas da tarde! Amor, vamos logo! – ela me puxou pela mão para o quarto, mas eu a parei e suspirei.

— Não quero ir. Quero só ficar o dia inteiro deitado na minha cama! – digo sem malícias. Só quero… dormir. Dormir e esquecer. Dormir para voltar à minha paz interior sem Misty me atormentando.

— Então eu fico deitada com você – ela sorriu maliciosa e mordeu o lábio inferior, maliciosa.

Eu começo a rir. Ela entendeu tudo errado.

— Sozinho! – me corrijo.

— Deixe de ser mal humorado. – ela me repreendeu. – E depois de você almoçar, vamos passear!

Ela vai até a cozinha e eu fico na sala. Suspiro e a sigo vagarosamente. Eu não quero passear, só quero dormir. Acho que essa é a maior diferença entre eu e Serena. Ela sempre quer sair e passear, enquanto que eu prefiro ficar recluso no meu canto. Costumava ser como ela, quando era criança, mas mudei muito desde então. Segundo o Brock, até demais.

— CADÊ A COMIDA? – escuto seu grito.

Entro na cozinha e pego meu hambúrguer sobre a mesa, que fica no canto, longe do lugar onde a comida é preparada. Minha cozinha não é grande, mas maior do que o necessário para mim. Nunca a usei de verdade. Nem mesmo Brock cozinhou aqui. Ele sempre me traz comida de casa. Apenas a utilizei para meu miojo diário, mas nunca elaborei nenhuma refeição de verdade aqui. Daquelas com uma pia de louça suja depois, ou bagunça para todo lado. Minha cozinha, provavelmente, é o lugar mais arrumado da minha casa.

— To comendo! – balanço o hambúrguer para ela, que novamente me repreende com o olhar.

— Onde está o resto da comida?

— Tem uma lata de ervilha na dispensa. – comento distraidamente.

Percebi a lata ontem, antes de ver Misty. E sim, todos os assuntos me levam de volta à minha ruiva. E ela é minha em pensamentos.

— Ash, você precisa ir ao mercado.

— Não tenho vontade – mastigo novamente meu almoço. Mas sei que ela tem razão.

— Você não tem vontade de fazer nada hoje! Só deitar na cama! – ela reclamou.

— Aham – concordo sem ânimo algum.

Eu sei que isso a incomoda, mas eu só quero ficar depressivo sozinho. Me enroscar na minha cama e fingir que eu sou uma garota de dezesseis anos que brigou com o namorado. Não que eu seja afeminado ou coisa assim… ah, foda-se. Só quero ficar sozinho, na minha cama, e dormir. Só isso.

— Não tem nenhuma mulher na sua cama, né?

Ela não esperou que eu respondesse, simplesmente voou corredor adentro e invadiu meu pobre quarto bagunçado. Infelizmente, ela não encontra nenhuma mulher ruiva na minha cama. Podia, né? Eu ficaria feliz.

— Claro que não!

— Ainda bem – ela volta para a cozinha e senta ao meu lado.

Serena arruma meu cabelo com cuidado, pois sabe que eu não vou fazer nada disso. Termino de comer e vou para o meu quarto. Ela limpa a mesa que eu sujei de farelos e eu volto apenas de calças Jeans e uma camiseta branca nas mãos. Ela sorri e se aproxima. Não nego seus beijos, mas hoje não vai passar disso. Não mesmo. Não posso correr o risco de chamá-la de Misty enquanto… nos divertimos. No meu estado de espírito, não duvido de nada.

A campainha toca e nos interrompe. Ela revira os olhos, irritada, e eu apenas caminho calmamente até lá, colocando a minha camisa no caminho. Quando abro a porta, ainda não terminei de ajeitá-la. Drew sorri malicioso ao ver que eu ajeitava minha roupa e Brock bloqueia a minha visão das crianças.

— Estamos interrompendo? – Drew pergunta.

— Não, querido amigo. – respondo irônico.

— Estão sim. – Serena aparece desgostosa por trás de mim. Ela nunca gostou dos meus amigos, mas isso não é um problema. Eles se aturam.

A cutuco, apontando para as crianças. Serena revira os olhos, impaciente. Ela sempre detestou crianças. Acho que é por isso que nosso relacionamento não vai durar muito. Eu quero ter um filho. Um dia, claro. Com a mulher certa, no tempo certo.

Veio bastante gente. A turma toda, com todas as crianças. Brock libera o caminho e eu consigo vê-los direito. Apenas meus afilhados e uma menina baixinha, que eu não conheço. Afilhada de alguém, provavelmente.

— E aí, cambada! – quando eles vêm, sempre há muita diversão. Acho que é disso que eu preciso pra esquecer da Miltank que a Misty é.

— Oi tio Ash! – eles correm e quase me derrubam no chão. Eu gosto desse jeito lindo dos meus afilhados. Tento abraçar todos eles, mas não dá muito certo. Apenas Yuri não me cumprimentou, o que é estranho. Eu sempre me dei bem com ele.

Os rostinhos não estão felizes como sempre. Tem alguma coisa errada. Paula e Pietra estão mais próximas do que de costume, e Diego segura na mão de Júlia. Eles não são assim tão melosos. Diego está na fase de “meninas são nojentas”. Pisco os olhos, um pouco confuso. Serena bate o pé atrás de mim, irritada. Ela que espere. Ninguém é mais importante do que meus afilhados.

A menina que eu não conheço tem uma prancheta e óculos escuros. Estranho, não tá tão quente assim. A pele dela não é escura como a de Yuri, mas tampouco é clara como a de Júlia. Um meio termo, eu acho. É bonitinha, até. Yuri a abraça de forma possessiva. Que estranho… pensei que conhecia todos os parentes dele, mas ela não é filha de nenhum dos irmãos do Brock. E eles têm muitas crianças, os irmãos do Brock.

— Quem é você? – pergunto para ela. É tão estranho… eu sinto que já a vi em algum lugar.

— Yuki. – ela responde baixinho.

— Nunca te vi antes. – comento. Estreito os olhos e a vejo empinar o nariz.

— Eu sei. – ela não vacilou. A voz foi firme e eu recuei um pouco. O que eu fiz pra menina ser agressiva assim comigo? – Vamos logo com isso, tio Brock! A gente tem um monte de coisas pra fazer! Nem sei por que a gente não veio antes, ele já deve ter almoçado há um tempão!

Eu quase pedi desculpas pra ela, mesmo sem saber exatamente por quê. Misty faz isso comigo também. Falei devagar, usando meu tom defensivo.

— Na verdade, eu estava almoçando agorinha mesmo…

— Nossa, bem que me disseram que você era idiota. – ela comentou com um tom superior irritantemente igual ao que Misty usava quando se sentia ameaçada. Merda. Eu realmente preciso parar de pensar nela.

— Ei! – reclamo.

Ela sorriu. Parecia ter gostado da sensação. Misty sempre amou me incomodar.

— Fala sério! Quem em santa consciência iria almoçar essa hora da tarde?

Eu revirei os olhos e me neguei a comparar mais aquele comportamento a um típico da minha ruiva. Essa minha obsessão por Misty já estava indo longe demais.

— Entrem logo! – digo emburrado.

Olhei-os entrando e vi o Brock a xingar e ela sorrir. Misty também ria quando Brock reclamava dos maus tratos que eu sofria naquelas mãos fortes. Sai da minha cabeça, Miltank desgraçada!

Logo na entrada da minha sala, como uma pequena recepção, dois sofás estavam um de frente para o outro. Brock, May, Drew e Dawn se sentaram no meio, deixando os braços do móvel para Lily e Paul. As crianças se sentaram em seus colos. Não deixei de reparar que Brock segurava a mini Misty. E sim, ela será chamada assim agora porque eu to no meu momento depressivo e essa menina age igual à minha ruiva. Ruiva idiota que me traiu.

— Lamento, mas eu e Ash iremos sair hoje, não é amor? – Serena olhou para todos os presentes e ficamos parados em frente a eles, sem nos sentarmos no sofá. Podíamos sentar.

— Não, já que está todo mundo aqui, eu vou ficar né? – falei em tom tranquilo. – Você pode ficar também, se quiser.

Mas ela não iria querer. Serena odiava crianças, principalmente meus afilhados.

— Mas você estava tão entusiasmado! – ela tentou me convencer, mas não eras* sair de casa.

— Claro que estava – disse com sarcasmo.

— Vocês não vão querer estragar o dia do seu amigo, né? – ela se voltou para a cambada invasora.

Eu quase quis rir. Bem capaz que eles iam ir embora por um pedido dela. Se Misty pedisse, eles iriam. Mas com Serena pedindo não.

— Lamentamos, mas esse é um assunto sério que não pode ser adiado. – May falou, fria.

May a detestava mais do que qualquer outro. Serena tinha um ciúmes particularmente forte em relação a ela. Talvez por May ser minha melhor amiga. Misty costumava ocupar esse cargo. Mas que bosta de vadia que não sai da minha cabeça!

— Pode sim, a gente volta outra hora. – Brock estava pronto para levantar com a menina no colo, porém ela o olhou de uma forma que o fez mudar de ideia. Não consegui perceber o olhar, porque ela precisou se virar de costas pra fazer isso.

— Não volta não, é hoje e é agora! – Yuki disse com uma voz que fez Brock engolir em seco e ficar calado. Eu estreitei meus olhos. Que criança invocada!

— Lamento, mas eu e Ash iremos sair hoje, e não há nada que vo... – mas ela nem acabou de falar, a Yuki ficou irritada.

— Olha aqui, perua. – ela se levantou e Yuri se aprumou no colo da mãe. – Você não tem noção de como foi difícil convencer o cabeça dura do tio Brock a me deixar vir falar com esse preguiçoso que é seu namorado! Eu já to por aqui – disse fazendo um risco no alto de sua testa – e não to com paciência pra aturar crianças mimadas!

— Senta, querida. – Dayse disse calmamente. Nunca a vi tão… calma. Dayse é a irmã estressada, eu me lembro.

— Ainda não! – ela se aproximou um pouco mais de Serena. – Sua perua desmiolada, não me faça ficar irritada com você! Se manda daqui porque o assunto que a gente tem que tratar com esse idiota é mais sério do que você pensa! – não gostei dela ter me ofendido, mas tudo bem.

O que ela tem? Por que tá tão irritada? Brock se levantou também, mas acabou voltando a sentar.

— Não sou perua! Amor, me defende!

Ah não, ela tem que me colocar na briga?!

Mas ela tem razão, você é perua. Pensei em dizer. Mas arrumar outra namorada pode demorar e eu realmente não to com vontade de me irritar nesse momento.

— Ela é só uma criança, Serena. Esquece.

— E dai? Ela não tem o direito de falar assim comigo! Criança ou não!

Esse é o problema da Serena. Ela não percebe que não se pode discutir com crianças.

— Yuki, senta logo! – foi Brock quem a chamou.

A menina receou por um momento, porém acabou voltando com aquela voz superior que a Misty sempre usou como escudo. Mini Misty ataca novamente!

— Não sento! Ela deve ter lá seus quarenta anos, e eu sei que devo respeitar os mais velhos, mas situações extremas pedem medidas extremas.

— Quarenta anos? Ficou maluca? Eu tenho só vinte e cinco!

Vinte e sete, Serena. Mas tudo bem, não vou corrigi-la.

— Então pra que usar tanta maquiagem? Quem usa maquiagem quer esconder alguma coisa, normalmente a velhice!

Eu ri. Misty falava coisas parecidas. Eu não podia ter escolhido um apelido melhor pra pirralha.

— Não fale assim comigo, pirralha!

— Não a chame de pirralha! – Lily defendeu a garota.

Mas o que é isso? Lily é a calma, ela só fala assim com o Yuri. Não entendo mais nada!

— Sou muito mais velha do que você! Sua mãe não te ensinou que se deve respeitar os mais velhos? Porque isso a gente aprende em casa! – Serena continuou a discutir, como se Lily jamais tivesse falado.

Até eu me preocupei quando vi o rosto pequeno da mini Misty se transformar numa carranca raivosa e ela apertar os lábios a ponto de deixá-los brancos. Ela não continuou falando, simplesmente gritou.

— Lave a sua boca com sabão e água antes de falar da minha mãe!

— Por quê? – Serena a desafiou. Eu podia bater nela agora.

Não. Se. Pode. Discutir. Com. Crianças!

— Para! Yuki, senta aqui! Arranjar briga não vai ajudar em nada, só vai atrasar mais ainda! – Yuri se levantou e caminhou até ela, pegando na sua mão.

A mini Misty olhou para ele por longos segundos e depois voltou a olhar para Serena. Assentiu para Yuri, mas falou baixinho antes de se sentar novamente no colo de Brock.

— Eu estou avisando você! Se eu ouvir mais um único pio sobre a minha mãe saindo da sua boca, eu que não respondo pelos meus atos, nem pelos dos meus Pokémons!

— Quantos anos você tem? – Serena perguntou, mais calma. Eu to com muita vontade de pedir pra ela ir embora, mas não sei como fazer isso.

— Seis.

— É muito nova para ter Pokémons! – Serena retruca.

E ela é, mas sempre há quem os possua antes do tempo. Misty é um ótimo exemplo. Quase foi comida por um Gyarados quando bebê.

— Pense assim o quanto quiser. Não sei se você sabe, mas sou parente de líderes de ginásio, no caso, eu começo a ter o meu primeiro Pokémon quando um gosta de mim.

Líderes de ginásio? É parente das irmãs sensacionais? De Brock eu sei que não é, mas pensei que todos os familiares delas estivessem desaparecidos. Encontraram algum e não me disseram? Eu não faço mais parte da família, então é normal que eu não saiba, certo? Brock não me contaria. Ou contaria?

Brock me olha de lado e eu o encaro fixamente. Como ele pôde não me contar? Percebo que ele engole em seco e cutuca Lily discretamente. O que eles me escondem?

— Então a perua cala a boca e deixe as pessoas com maturidade resolverem o assunto! – Julia ergue o queixo e a olha rapidamente, desafiando-a a discordar.

Eu me seguro para não rir. Júlia tem o quê? Sete anos?

— Cala a boca! Você também não tem nem metade da maturidade que eu tenho!

— Você não tem o direito de falar assim com a minha irmã! – Diego se levanta do colo de May, colocando-se entre a mulher e Júlia.

Eu sorrio. Diego sempre foi muito superprotetor, assim como Drew.

— Ah! Por favor, uma rebelião de criancinhas mimadas!

Serena, por favor, vai embora…

— Não somos mimadas, e nem criancinhas! – Paula retruca, irritada.

— Somos crianças com atitude que sabem resolver um assunto! – Pietra a apoiou, como sempre. Adoro a sincronia das duas. É quase como se fossem uma só.

— Parem! Desse jeito a gente só atrasa mais! Deixa ela quieta, se incomodar eu mando ela embora, mas agora a gente tem que falar com o Ash!

Foi mini Misty quem falou. Voltei a olhar para ela, que tinha os braços de Brock bem firmes ao seu redor. Ele parecia estar com a boca perto do ouvido dela, como se tivesse dito a ela que se acalmasse. Mini Misty parecia mais calma.

— Como assim me mandar embora? – Serena a desafiou.

Eu resolvi interromper antes que a discussão se prolongasse e perdêssemos ainda mais tempo. Eu estava curioso, o que poderia ser assim tão urgente?

— Gente, qual o problema? – Serena não gostou muito da interrupção, mas se sentou no sofá de frente a eles e eu a acompanhei.

— Olha, talvez você não goste muito... – Dawn começou, devagar. Ela parecia escolher cada palavra que dizia.

Uni minhas sobrancelhas, confuso. Desde quando eles têm receio de falar sobre algo comigo?

— Mas é necessário, Ash! – Paul a interrompeu. Ele parecia querer acelerar tudo. Agradeci.

— E, pelo seu bem, não fale palavrões! – Yuri acrescentou.

Eu corei. Poxa, só tinha falado palavrões na frente das crianças uma vez e foi um acidente! Brock me deu um sermão tão grande que até Misty sentiria inveja.

— A gente tem que falar da Misty.

Fiquei em silêncio depois das palavras do Brock. Ele só podia estar de brincadeira comigo. Falar da vadia na frente das crianças? Na frente da Serena? Ele pirou? Quer que eu não use palavrões ao falar dessa Miltank desgraçada?! E por que tudo tinha que vir com tanta força? Por que nada me permitia esquecê-la? Eu só quero… só quero… esquecê-la. Ou eu a quero? Não sei. Só quero não ficar mais confuso.

— Não tenho nada para falar. – foi o que eu consegui dizer após alguns instantes.

Serena se revolta e eu agradeço por ela estar aqui. Serena jamais me permitirá falar sobre Misty. Ela me parece a melhor das saídas neste momento.

— O MEU namorado não vai ficar falando da ex dele na minha frente!

Sorri com isso. Continue assim, querida. Os impeça de continuar com essa tortura, por favor.

— Que história é essa de ex? – a voz da mini Misty me assustou. O que ela tem a ver com isso, afinal? – Tio Brock, o que você está me escondendo? – tio? Ela é uma criança, deve chamar todos de tio, mas… escondendo dela? O que essa garota veio fazer aqui, afinal?

— Nada, querida. – ele parecia calmo, mas eu conheço Brock. A pergunta o deixou tremendo. O que está acontecendo aqui? – O Ash e a Misty namoraram por um tempinho na adolescência, só isso.

— Há seis anos atrás? – ela parecia desconfiada.

— É...

Pensei que o mundo inteiro soubesse que eu e a Misty namoramos. E por que isso importa para ela, de qualquer forma?

— Na mesma época em que o bobo se casou com ela... – a garota parecia divagar.

— Yuki, presta atenção nisso, é mais importante não é?

Eu conheço Brock. Ele só queria distrair a mini Misty. Mas o que pode haver de tão relevante na época em que eu e Misty namoramos? Por que ela não pode pensar nisso?

— Claro que sim. – ela voltou a colocar toda a sua atenção na nossa conversa. O que Brock está planejando?

— Eu não vou permitir que vocês comecem a conversar sobre essa idiota com o meu namorado. – ela protestou.

Não sei se fico agradecido ou irritado com isso. Realmente detesto pensar na Miltank que a Misty é, mas estou incrivelmente curioso com toda essa situação. E a garota… de onde ela vem? E por que eu me importo com isso?

— Limpa a sua boca, antes de falar assim dela. – eu podia ver os olhos por detrás da lente escura dos óculos flamejarem. Ela parecia um filhote de leão pronto para caçar sua primeira presa. – Você já me irritou demais.

— Calma! – Yuri pediu.

— Ninguém fala assim dela na minha frente! – a mini Misty protestou. Eu defendia a Misty bem assim quando éramos mais jovens. Isso, é claro, antes de eu descobrir a vadia traidora que ela é.

— Yuki! Não a machuque. – Brock ordenou.

Machucar? Ela tem seis anos. Como pode machucar Serena?

— Retira o que disse sobre a Ma-Misty! – ordenou a mini Misty.

Ma? Madrinha, será? Isso explicaria bastante coisa. O apelido não podia ser melhor. Quem seriam os pais dela? Os amigos mais próximos de Misty estão sentados à minha frente e eu sei que ela não é filha de nenhum deles. Talvez um amigo que eu não conheça… nos distanciamos tanto a ponto de eu nem mesmo conhecer seus amigos? É claro que sim.

— Nunca! Ela é idiota, ridícula e muito egocêntrica.

Serena nunca a viu para poder dizer essas coisas e duvido que sequer saiba o que “egocêntrica” significa, porém sentia mais ciúmes de Misty do que qualquer outra. Segundo ela, eu falara o nome dela uma vez, enquanto dormia. Disse que havia sido um pesadelo, mas Sê não acreditou – foi a coisa mais inteligente que já fez.

Mini Misty tá bem irritada. Nunca vi uma criança assim. Acho que a Miltank ruiva enganou ela também.

— Starmie, vai – um lindo Starmie saiu da pokebola dela.

Não um lindo Starmie qualquer. O Starmie de Misty. Eu o reconheceria em qualquer lugar. Starmie não olhou para mim, mas meus olhos não se desviaram dele nem mesmo por um segundo. O que é isso?! Elas são assim tão próximas? Por que Brock nunca me falou que ela tem uma afilhada? Não que isso venha ao caso agora… eu não precisava saber. Não. Ah… posso ir chorar no meu quarto?

— Electabuzz vai! – um enorme Pokémon amarelo saiu da pokebola de Serena. Ah… Serena, Starmie tem muita experiência com Pokémons elétricos para que você tenha uma vantagem significante. Ele treinava com Pikachu, que é bem mais forte do que Electabuzz.

— É o melhor que você tem? – mini Misty perguntou convencida. Ela sabe que Electabuzz não tem a menor chance contra Starmie.

Eu posso avisar Serena para escolher o Bulbassaur dela, mas… não. Ela que se vire. Não mandei provocar a criança.

— Pokémons elétricos têm vantagem contra Pokémons aquáticos.

Serena, Serena… você não conhece o Starmie da minha ruiva…

— Acontece que você irritou ela mais do que eu pensei que fosse possível, além da Yuki saber batalhar muito melhor do que eu penso que você saiba. – Pietra explicou, com um sorriso convencido no rosto. Tudo estava acontecendo exatamente como elas queriam.

Drew parecia inquieto, assim como todos os adultos da sala. Por que não impediam a menina e pediam pra Serena ir embora eles mesmos?! Não é como se tivessem medo dela.

— Podes crer. – Paula concordou, é claro. Paula sempre concorda com Pietra.

— Acaba logo com isso! – mini Misty ordenou a Starmie. – Ataque giratório, estrela cadente, jato d’água e novamente o ataque giratório.

Ela ordenou tudo de uma vez, sabendo que o Pokémon de Serena não conseguiria desviar. Ela confiava muito em Starmie, provavelmente já o vira em batalha. Yuki deve ter crescido com Misty, para saber tanto sobre ele e a defender tanto. Misty sempre foi boa com crianças. Ah, ruiva… que saudade de você.

O resultado não foi surpreendente. Starmie era mais rápido e forte do que Electabuzz. Este nem mesmo conseguiu desferir um ataque.

— Nós avisamos. – Diego esfregou a derrota de Serena na cara dela.

— Mas como… – ela estava apavorada.

— Vai acontecer coisa muito pior com você se não calar a boca! – Yuki se sentou no colo de Brock e se acomodou em seus braços quase como um gatinho pedindo socorro. Então ela tinha noção do perigo, afinal.

Serena se virou para mim, os olhos cheios de lágrimas pela humilhação de perder para uma criança. Eu poderia dizer que Starmie é um dos Pokémons mais fortes de uma das melhores treinadoras de Pokémons aquáticos do mundo, mas acho que ela não ficaria feliz ao saber que perdera para um dos Pokémons preferidos de Misty.

— Ash, você é um mestre Pokémon, me defende!

Eu levantei e segurei no braço dela. Olhei para meus convidados. Eles venceram. Minha curiosidade é maior do que minha súbita depressão.

— Vocês estão na minha casa, um pouco de respeito seria bom.

Olhei diretamente para mini Misty. Serena estava certa quando disse que Yuki precisava respeitá-la. Querendo ou não, sempre devemos respeitar os adultos. Quando somos crianças, é claro.

A bochecha de Yuki ficou avermelhada e eu sorri internamente. Puxei, delicadamente, Serena até a porta.

— Tá me mandando embora?!

— Calma, Sê. Só quero evitar mais brigas, ok? Você sabe que eu não quero ouvir o que eles têm a dizer, mas parece importante. A gente sai amanhã ou depois, pode ser?

— Não, Ash! Você sempre me deixa de lado quando eles aparecem. E, se realmente não quisesse falar daquela ruiva estúpida, você não falaria! Nunca fala comigo, só quando dorme, é claro! Misty… Myst, volta! Misty, volta pra mim, eu te amo! – ela imitou minha voz e eu fiquei vermelho. Não digo essas coisas quando durmo, certo? Digo?

Vejo as lágrimas começando a cair de seus olhos amarelados. Bosta, Ash! Parabéns, retardado! Fez ela chorar!

— Não chora, Sê. Eu não falo isso. – aposto que falo. – Não fica assim, eles são meus amigos mais antigos, não é como se fossem qualquer um.

— E eu sou qualquer uma, certo?

Bosta, Ash. Conseguiu piorar a situação, parabéns!

— Não, Serena, não é.

Mas ela é. E sabe disso. Todos sabem.

— Então escolhe. Eles ou eu?

— Serena, eu não posso…

— Escolhe! – ela quase gritou. Algumas cabeças se viraram para nós e eu me encolhi um pouco.

— Eles.

Vi as lágrimas voltarem e ela se virar para ir embora. Parabéns, Ash. O dia ruim ficou pior ainda. Seguro no braço dela, mas Serena se solta de mim sem dificuldades.

— Não, Ash. Chega! Eu mereço alguém que me ame e não que me use pra esquecer a outra.

Ela saiu e eu fiquei olhando Serena ir por alguns segundos. Que ótimo! O pior é que eu sei que vou sentir falta dela. Serena me impedia de ficar sempre sozinho e me fazia sair, conhecer gente. Eu acho que não sei ficar sozinho. A sensação de que preciso encontrar outra pessoa cai sobre mim.

Volto para a sala com o rosto fechado. Quero ficar sozinho. Quero que todos eles saiam e, principalmente, que essa menina vá embora.

— Obrigado. – comento irônico. – Mas, da próxima vez que quiserem estragar o dia de alguém, não venham na minha casa.

Yuki se encolheu e as crianças olharam pra baixo. Drew revirou os olhos, provavelmente pensando que é drama meu. Mas ele não sabe o que é ficar sozinho. Ele tem uma família, eu não. Eu só tenho eles. Meus grandes amigos que mandaram minha namorada embora e que trouxeram o grande terror da minha vida de volta.

— Crianças, deixem-nos a sós com o Ash. – Brock pediu.

Isso, Brock. Deixa eu falar palavrão e gritar com vocês. As crianças não têm culpa, vocês que os ensinaram a se comportarem como se comportam.

Mas minha raiva por eles vai acabar logo, eu sei. Não consigo me irritar realmente com meus afilhados. Todas as crianças se levantaram, menos a mini Misty. Porque ela precisa ser diferente, é claro.

— Você também, querida. – a Dayse calma me irrita mais do que qualquer coisa.

Ela grita, briga e se escabela. É escandalosa, eufórica. Não calma. Mas faz tempo que não vejo nenhuma delas. Apenas Lily, é claro. Quando visito Brock. Ela dificilmente vem na minha casa, apenas ocasionalmente. Ainda assim, gosto dela. Lily é a calma.

— Não irá demorar muito. – Violet prometeu.

Ela levantou do colo de Brock, porém pareceu mudar de ideia e voltou a se acomodar sobre as pernas dele.

— Eu não saio daqui. É da Misty que vocês vão falar!

Parece que as duas são bem próximas mesmo. Vá embora, garota. Vá embora porque eu vou falar muito mal dessa Miltank assim que a gente começar a falar dela. E você é muito irritadinha pra ouvir quieta o que eu tenho a dizer.

— Sabemos que você a ama! – May falou devagar. – Nós também a amamos, mas agora é a gente que precisa falar com o Ash. Yuki, por favor!

— Não! – a voz dela marejou e seu lábio tremeu perigosamente. Lily se aproximou dela e a beijou na testa.

— O Ash tem um Pikachu, sabia? – falou sorridente.

.— Mesmo? – a menina tentou limpar a voz e esfregou os olhos, sem tirar os óculos. Eu ri da cena.

— Mesmo. Fica mais fácil de fazer o que você quer se tirar os óculos de sol primeiro, sabia?

— Não quero! – ela cuspiu as palavras.

— Ok, ok. – concordei, tentando impedir outro ataque. Ela tá nervosa. – Pikachu! – chamei sem alterar meu tom de voz. Sei que ele tá ouvindo tudo o que nós estamos dizendo.

Ele apareceu imediatamente e pulou no meu ombro. Esfregou delicadamente o rosto no meu e eu sorri. Não estou completamente sozinho, é claro. Pikachu sempre estará comigo. Acaricio suas orelhas.

— Você é rápido! – mini Misty se espantou.

Pikachu é o mais rápido de todos. Por não querer evoluir, nós precisávamos deixá-lo mais forte do que a sua forma evoluída. A velocidade dele foi nossa arma.

— Pika “sim”

— Não precisa se exibir! – murmurei para ele, que apenas riu daquele seu jeito de rato.

— Eu conheço alguém que sempre fica falando num Pikachu, que eu não sei qual que é, mas sempre fica falando nele. Posso chamar esse alguém pra ver se é?

— Claro, por que não?

Pikachu me olhou curioso e eu dei de ombros, sabendo tanto quanto ele.

— É ele, Yuki. Pode ter certeza.

Brock sorria. O olho carrancudo, deixando claro que sei que está me escondendo alguma coisa.

— Como sabe se eu nunca te contei? – ela perguntou confusa.

— Sabendo. – Lily respondeu com um sorriso. Brock a abraçou de lado, deixando Lily escorregar para o seu colo.

Yuki murmurou alguma coisa e fechou os olhos. Eu sabia quem era antes de vê-lo.

Continua...

*não eras: uma gíria usada aqui onde eu moro. Eu uso bastante e fiquei com vontade de usar. É tipo: Bah, não eras sair de casa hoje. Não quero, ou não vamos sair de casa. Algo nesse sentido.


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Notas finais do capítulo

oiiiiiieee
 
acho que vcs ja sabm q pokemon é né?
 
bm, espero que gostem, eu acho esse cap engraçado, pq a Serena se da mal e eu odeio ela XD
 
amooo os reviews!
 
Bjs e teh + /

Obs: eu mudei bastante o capítulo, então relevem os comentários finais (06.01.2014)