A menina alemã escrita por Halina


Capítulo 1
Uma chave inglesa, zonzóbulos e uma menina alemã


Notas iniciais do capítulo

Antes de tudo: não, eu não sou doente. Mentira. Mas a ideia de fazer uma fanfic com Luna e Liesel como um casal (ou quase) veio de um desafio da Liga dos Betas. Basicamente, eu teria que escrever uma história com um casal exótico.
Espero que você comece a ler achando Luna e Liesel sem nada em comum e termine sentindo-se como se talvez, só talvez, elas merecessem uma chance.
Boa leitura!



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Era quase meio-dia quando ela entrou na loja. Não havia sineta sobre a porta, de modo que ninguém a notou, mas seria por pouco tempo. Querendo o não, Luna Lovegood sempre era notada eventualmente. Daquela vez, demorou um pouco. Ela aproximou-se do balcão e pousou as mãos sobre ele, ficando na ponta dos pés para tentar espiar melhor do outro lado. Existia uma porta aberta que dava para uma saleta lotada de ternos, mas não havia ninguém ali também. Ela olhou para os lados com ansiedade, absorvendo cada pequeno detalhe daquele lugar, desde os riscos na madeira do balcão até o grande retrato de um animal que se parecia muito com um hipogrifo. Mas não podia ser, afinal aquela era uma loja de trouxas.

Folheou mais uma vez o pequeno livro de bolso chamado Como concertar uma máquina do tempo, um guia completo para viajantes ousados. Em nenhuma de suas páginas havia uma explicação de como conseguir as ferramentas necessárias para o concerto e Luna mais uma vez desejou que o Doutor estivesse ali ajudando-a em vez de estar tomando chá com o prefeito da cidade. Frustrada, largou o livro sobre o balcão e pigarreou. Já estava ficando impaciente, o aviso na porta dizia que o estabelecimento estava aberto.

— Com licença — disse timidamente. Então um pouco mais alto: — Alguém?

— Sim? — o som foi tão súbito que Luna pulou de susto, rapidamente se virando na direção da voz.

Uma menina que parecia ter a sua idade, talvez um pouco mais ou menos, estava sentada num banquinho do outro lado do balcão e tinha um livro pequeno aberto no colo. Luna não sabia como não tinha visto ela ali antes, mas balançou a cabeça para clarear os pensamentos e pigarreou mais uma vez, antes de dizer:

— Vocês vendem chaves inglesas?

— Não — a jovem respondeu lentamente, virando a cabeça ligeiramente para o lado. Claro que eles não vendiam chaves inglesas, Luna se amaldiçoou por ser tão tola. Ali era a Alemanha, afinal. — Só ternos.

Ternos. Típico da Alemanha. Era um país muito frio, que uso teria uma chave inglesa ali?

— Oh — Luna pensou um pouco. Resolveu que valia a pena tentar outra vez. — Tem certeza?

Normalmente, se você questionar demais alguém, essa pessoa acaba por descobrir que não tem certeza de muitas coisas. Ao menos era essa a conclusão que Luna chegara depois de anos discutindo com as pessoas, todas elas não tinham muitas certezas. Menos Hermione Granger, Hermione costumava achar que tinha certezas até demais. Luna estava feliz por Hermione ter ficado no século vinte.

— Tenho — a cabeça da menina continuava um pouco virada para o lado, como se ela estivesse olhando para um animal exótico.

Luna deu mais uma olhada ao redor, não via por que aquele lugar vendia apenas ternos. Não parecia um ambiente tão limitado, ainda que fosse simples. Custava o dono dali vender chaves inglesas também? Os trouxas eram tão incompreensíveis! Mas ternos não eram de todo ruins. Talvez o pai dela fosse gostar de receber um, ainda mais se ela contasse que o comprara durante uma viagem no tempo. Xenophilius Lovegood gostaria de qualquer coisa que tivesse sido comprada antes mesmo de ele ter nascido.

— Tudo bem, pode ser um terno — Luna decidiu-se por fim, aproximando-se mais de onde a menina estava. Ela tinha cabelos loiros como a maioria das alemãs que passeavam pelas ruas naquela hora, mas um pouco mais escuros do que o normal. Eram bonitos. — C-como você se chama? — gaguejou um pouco. Nunca tivera jeito com pessoas de cabelo bonito.

— Liesel — ela sorriu e fechou o livro, levantando-se do banquinho em que estava sentada. Seu sorriso era ainda mais bonito do que seu cabelo. — Liesel Meminger.

Liesel não perguntou qual era o nome de estranha garota que procurava por uma chave inglesa numa alfaiataria, mas Luna não se incomodou. Não achou rude da parte dela não perguntar. Na realidade, de todas as pessoas com quem topara na rua, Liesel Meminger parecia ser a menos rude. Ela também parecia ser uma das mais tristes. Algo no modo como seu sorriso não alcançava os olhos fazia o coração de Luna doer.

— Então, que tipo de terno procura? — Liesel interrompeu seus devaneios. Luna receou que tivesse ficado encarando o nada por tempo demais, por experiência própria sabia que as pessoas costumavam não gostar muito disso.

— Só... O de sempre — Luna amaldiçoou a própria língua quando terminou de falar. “O de sempre”? Ela parecia estar pedindo uma refeição. Por que estava tão nervosa?

Liesel deu um sorrisinho, deve ter pensado o mesmo. Luna desejava poder enfiar a cabeça em um buraco, mas também queria observá-la mais um pouco. Não costumava passar tanto tempo (já haviam se passado três ou cinco minutos) na companhia de garotas de 1946. Descobriu que desejava ficar mais ali, era quente dentro da loja e a tristeza a interessava. Queria perguntar se Liesel já sentira que sua pele era fumaça e que suas veias eram tubos de plástico, e que talvez as pessoas tivessem razão em não tratá-la como um ser humano. Luna sentia-se assim o tempo todo.

— V-você gosta de livros? — perguntou num rompante, quando Liesel se virou para buscar alguns ternos.

Boba, repreendeu-se em seguida, é claro que ela gosta de livros. Está com um na mão.

— Quero dizer, hm— ela tentou novamente, quando a menina alemã de olhos tristes (tão tristes) voltou a encará-la. Passou a mão entre os fios embaraçados de seu cabelo. — Quero dizer, v-você... Qual é o nome desse livro que você está lendo?

Liesel olhou de relance para o volume que carregava.

Um olhar sobre geografia da Inglaterra — respondeu um tanto orgulhosa.

Luna se emprumou toda, repentinamente muito animada.

— Que coincidência! Eu sou de lá!

— Verdade? — Liesel se aproximou mais do balcão, visivelmente interessada. — Eu pensei que você fosse americana, por causa do sotaque, sabe? Mas ultimamente acho que todo estrangeiro é americano.

Luna deu uma risada nervosa e mexeu na manga de sua camisa. Os olhos tristes estavam muito próximos e eram também estranhamente encantadores. Como se neles houvesse cinzas que escondiam, mais ao fundo, um minúsculo pedaço de madeira em brasa. Seu coração acelerou em seu peito e Luna se perguntou se na Alemanha de 1946 três ou cinco minutos era um período de tempo tão curto quanto na Inglaterra de 2001. Sentia como se conhecesse Liesel há eras, mas talvez isso fosse apenas porque ela era triste. Luna sempre achava que conhecia as pessoas tristes.

— Eu imagino — Luna soltou e sentiu sua garganta seca. — Hm, eles estão em todo lugar, não é? Os americanos — riu novamente, mas a risada pareceu mais uma tosse estranha. — Em todo lugar.

— Você já visitou muitos lugares? — naquela hora, também pareceu que a alemã queria manter uma conversa. Isso deixou Luna mais confiante, o cabelo dela é tão brilhante!

— Sim, muitos lugares. A Inglaterra, é claro, porque nasci lá. Mas também já fui para a China, para a Escócia, para o Império Romano, para a Irlanda que já nem parecia a Irlanda porque muitas coisas mudam em três mil anos, para um país estranho chamado Isgarrel, ideia do Doutor, e agora estou aqui, na Alemanha. — Luna mal respirava entre as palavras. — Claro que não são tantos lugares se você for comparar com...

— São, sim! — Liesel a interrompeu. Então pareceu murchar de repente. Antes estava um pouco inclinada sobre o balcão, mas depois voltou a ficar ereta. — Eu nunca saí da Alemanha. Que doutor?

— Oh — ela não soube o que dizer. Que doutor? — Só Doutor. Ah, por falar nisso, ele está esperando por mim. E por uma chave inglesa!

Liesel assentiu, seus olhos agora mais tristes do que antes.

UM FATO INTERESSANTE

Na Alemanha de 1946, três ou cinco minutos podiam ser considerado tempo o suficiente para se apaixonar por alguém. A guerra ensinara as pessoas a amar rápido.

— Eu gostaria que você ficasse mais um pouco ­— Liesel murmurou encarando os próprios pés. Sentia-se um pouco tonta, estava cansada de ficar sozinha. — Vou buscar o seu terno — adicionou rapidamente, e se retirou dali.

Luna ficou sozinha com seus pensamentos, estes tão confusos como sempre foram. Pareciam insetos irritantes se chocando com as paredes de sua mente. Colidiam e diziam: ela tem olhos bonitos, a menina alemã; ela é triste como você, fique mais um pouco; o Doutor te espera, corra agora para ele; arrume uma chave inglesa; ela tem cabelos bonitos, a menina alemã; vá procurar pela chave inglesa, nem que tenha que andar pela Alemanha inteira; ela parece tão triste e tem bochechas bonitas, a menina alemã; quantos séculos ficam presos em três ou cinco ou sete minutos?

Talvez fossem os zonzóbulos. Luna balançou a cabeça para afastá-los. Ela tem dedos e cotovelos bonitos, a menina alemã.

Quando Liesel Meminger voltou com alguns ternos, Luna escolheu o mais extravagante deles e pediu para embrulhar para presente. Pagou com o dinheiro que o Doutor lhe dera para comprar a chave inglesa e se despediu com um aceno. Estava no meio do caminho de volta para a cabine policial azul de onde saíra, quando se lembrou de que esquecera seu livro na alfaiataria. Correu o mais rápido que pôde, mas, no momento que alcançou novamente o local, já havia um aviso em frente à porta que dizia que o estabelecimento estava fechado. Não fazia três minutos que Luna saíra, mas já fora tempo demais. Bateu à porta, porém ninguém a atendeu. As luzes lá dentro estavam apagadas.

Suspirou e voltou a andar pela fria Alemanha. Zonzóbulos bagunçando a sua cabeça durante todo o caminho. Talvez ela fique com o meu livro para si, a menina alemã.

ACRESCENTO:

A menina alemã encontrou o livro.

A menina alemã o leu.

E ficou com ele.


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Notas finais do capítulo

E aí? Juro que você não levará mais do que cinco ou sete minutos para escrever um review.