Não era nada pessoal, sabe? Eu simplesmente não fui com a cara dele. Bem, eu acho que isso é algo pessoal, mas tudo bem. No lugar onde eu estudava antes do intercâmbio existiam vários meninos assim, que se achavam e eram bem populares, e eu realmente não gostava disso. Eles davam em cima de qualquer rabo de saia que passasse na frente deles, e quando você passa treze anos na mesma sala que meninos assim você consegue distinguir facilmente quem é assim e quem não é.

No caso de Peter, ele era.

Depois do incidente do banheiro e o de eu ter invadido seu espaço, o dia correu normalmente. No final da tarde Lola e Hudson foram comigo pra me mostrar o pôr-do-sol enquanto Peter ia passar na casa do vizinho, John (que por sinal era bem interessante), e quando chegamos ele ainda estava por lá. Demorei bastante tempo pra dormir de tão ansiosa que estava para a escola no dia seguinte. A pergunta que não queria calar era: será que eu iria me adaptar?

Peter.

Foi o segundo dia consecutivo em que acordei pelo toque do meu celular. Dessa vez ainda não tinha dado nem uma hora da manhã, e o nome na tela não era Tracy, mas sim Julia. O que será que ela queria comigo? Nós nem éramos tão ligados assim.

– Alô? - Atendi, com a voz embargada, enquanto mirava o corpo inerte de Celina na cama ao lado.

– Peter, mil desculpas por te ligar agora, mas você precisa mesmo me ajudar. - Falou, chorando, do outro lado da linha.

– Meu Deus, Julia. Se acalma e me conta o que aconteceu. - Perguntei, interessado.

– John foi o que aconteceu. Ele terminou comigo, Peter, terminou! Ele chegou aqui em casa e me disse que precisava conversar, e falou que não gostava mais de mim e todas essas coisas. Tá, eu sei que não sou exemplar, mas o que eu fiz pra merecer isso? O quê? - Chorava e soluçava do outro lado da linha.

– Olha, Julia, primeiramente se acalma e tenta dormir, tá? Vamos fazer o seguinte, amanhã eu falo com ele na escola pra saber mais. Agora nem eu nem você podemos fazer nada, olha só que horas são. Relaxa tá? Respira fundo.

Ela concordou, chorou mais um pouco e desligou.

– O que foi? - Perguntou Celina, que havia acordado, esfregando os olhos.

– Julia, a namorada do John, me ligou. Na verdade, acho que agora ela é ex. - Expliquei.

– John? Nosso vizinho? - Perguntou ela, arregalando os olhos. - Solteiro?

– Sim, solteiro agora. Mas vamos dormir que amanhã tem aula, boa noite.

Ela se calou e eu também, pra logo depois cair no sono de novo.

Celina.

John Waterson, meu vizinho gato, acabara de ficar solteiro. É claro que eu não ia chegar pra falar com ele nem nada disso, quando se trata de garotos eu sou pior do que cachorro em mudança, fico totalmente perdida, principalmente se for alguém bonito como John. Mas se ele está solteiro, eu tenho um pouco de chance de talvez ficar com ele. Só que se for pra acontecer algo provavelmente não vai acontecer agora, ele e a ex-namorada devem estar tristes e tudo, então vamos apenas deixar acontecer se for pra acontecer. Por favor, que seja.

Acordei de manhã cedo com um travesseiro atingindo minha cabeça, depois outro e depois outro.

– Posso saber o que é isso? - Perguntei, grogue de sono.

– Se chamam travesseiros. - Explicou Peter, já arrumado e cheiroso. - E você, Bela Adormecida, está atrasada. Faltam vinte minutos para sairmos.

– Oi?! Porque não me chamou?! - Perguntei, levantando e rapidamente pegando minha toalha.

– Porque achei que você acordaria só. - Falou ele, dando ombros. - Mas parece que não. Agora por favor se arruma que daqui a pouco estamos saindo.

Como Peter estava vestido com uma camisa polo amarela e uma calça jeans, provavelmente não havia uniforme e eu fiquei aliviada por isso, pelo menos poderia vestir o que quisesse ao contrário do outro colégio. Tomei um banho flash, fiz minhas higienes e pus uma roupa qualquer. Peguei minha mochila, uma barrinha de cereal e saí correndo com Peter até a casa de John.

Ele estava vestido com uma blusa verde uma jeans e um casaco do time de futebol. Quando nos viu, deu um sorriso e veio em nossa direção.

– Oi cara. - Falou ele, batendo na mão de Peter. - Oi, baixinha. - Me cumprimentou, me dando um beijo na bochecha, e eu corei como um tomate.

Eles dois ficaram conversando enquanto íamos para a escola e eu fiquei super avulsa quando chegamos, já que Peter fingiu que eu não existia e John o seguiu. A escola era grande e cheia de gente de todos os tipos. Eu baixei os olhos e segui até um banco vazio, onde sentei e comecei a ler um livro interessante que meu pai havia me dado antes da viagem. Logo bateu o sinal e fui até a sala de aula que a funcionária havia me indicado.

Ninguém me falou comigo, ninguém me olhou, ninguém sequer me notou. Eu fui de cabeça baixa até o fundo da sala e continuei minha leitura, me sentindo uma intrusa no ninho e todas essas coisas que você sente no seu primeiro dia de aula, até que a professora entrou.

Era uma mulher loura, alta e bem bonita vestida com um vestido comportado e florido. Ela deu bom dia e aos poucos todos se sentaram, e quando finalmente teve silêncio ela começou.

– Bom dia alunos. Bem, vamos começar hoje falando sobre a mitose e... - Começou, mas foi interrompida pelo diretor.

– Com licença, Vitoria. - Pediu ele. Ela assentiu e deu a frente da sala. - Não sei se perceberam, mas temos uma aluna nova. - Ah não. Não faça isso, senhor, por favor. Mas ele fez, e direcionou o olhar para mim assim como TODA a sala. - Essa é Celina Gusmão, a aluna de intercâmbio que veio do Brasil.

Sorri desajeitada totalmente envergonhada com todos os olhares sobre mim. Mas não foi só isso.

– Venha aqui srta. Gusmão, se apresente para a turma. - Chamou o diretor, com um sorriso. - Vamos, venha.

Me levantei com as pernas bambas. Eu geralmente não sou assim, tão tímida, mas os primeiros dias de aula são meu fraco. Eu me torno totalmente introvertida. Cheguei lá na frente e sentia todo mundo me analisando e cochichando coisas pelas minhas costas. Fechei os olhos e comecei a falar.

– Er... Hum... - Eu devia estar um pimentão. - Sou Celeste... Desculpem, Celina... Celina Gusmão.

Alguns alunos riram do meu nervosismo.

– Eu venho do Rio de Janeiro, por intercâmbio. - Falei. - E, bem... Hum... É isso.

Voltei quase correndo pro meu lugar. Abaixei a cabeça, mas logo a levantei por causa de uma voz atrás de mim.

– Você deve estar bem desconfortável, não é? - Sorriu o menino atrás de mim. Ele era negro e alto, forte, e tinha uma voz profunda. Tinha o cabelo raspado e parecia um militar. Sorri de volta;

– Sim, estou. - Dei um risinho nervoso. - Primeiro dia de aula em um outro país é um pouco tenso.

– É, eu entendo. - Ele concordou, balançando a cabeça. - Bem, eu geralmente não sou de falar muito com quem não conheço, mas você me lembra minha irmã.

– Sua irmã? - Perguntei, abobada. Eu era branca como um papel e ele era bem negro. Ele era forte como um touro e eu era magricela. Meus olhos eram azuis e os dele negros. Como eu podia parecer com sua irmã?

Como resposta, ele me apontou uma menina na fila ao nosso lado. Ela, que nos observava, sorriu e acenou meiga. Ele estava certo, a menina era bem parecida comigo.

– Como... - Comecei, desajeitada. Ele riu de minha confusão.

– Você deve estar se perguntando como somos irmãos se somos tão diferentes. - Eu assenti, sorrindo acanhada. - É que eu sou adotado. - Murmurei um "ah" de entendimento. - À proposito, sou Michael. Ela é Star.

Star acenou novamente.

– Vou apresentá-la hoje aos nossos amigos Kimberly e Wayne. Eles são bem legais.

Assenti e agradeci, e conversamos até a professora retomar a aula. Depois de minha apresentação as pessoas começaram à finalmente me notar e cochichar coisas, olhando pra mim, o que foi bem desconfortável, mas nem me importei. As três primeiras aulas se passaram rapidamente e deram passagem à minha prova de fogo.

O refeitório.