Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 58
Capítulo LVI


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo não ficou tão bom quanto eu gostaria, mas esclarece algumas coisas.



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Estar em outra turma nem foi de todo mal assim, eu estava começando a gostar de novidades na minha vida. E com a minha volta para São Paulo, diferentemente de antes, eu já não passava mais despercebida pelas pessoas e elas também já não me odiavam tanto assim. Exceto algumas, mas a essas eu não dava tanta importância. É impossível agradar a todos. Sinto como se eu fosse uma espécie de celebridade, por ter passado tanto tempo fora em outro estado e só ter voltado agora. As pessoas no colégio em especial começaram a ficarem mais próximas e mais simpáticas comigo. Puxam conversa, querem saber das coisas, me chamam para fazer trabalhos em grupo e eu estou começando a me sentir um pouquinho como o Bernardo e nossos amigos que nunca foram tão populares mas sempre foram bastante conhecidos e admirados pela grande maioria.

Eu me sinto especial.

Eu de fato fiquei mais próxima do Diego, mas antes precisei ter uma conversa muito seria com o Bernardo. Não queria que ele se sentisse ameaçado por outros garotos que não chegavam nem aos pés dele. O Diego realmente já não era o mesmo, eu já não o via como um animal que abusa de donzelas indefesas. Na certa aquele dia foi um mal-entendido e eu, claro, gosto bem mais desse lado dele que tem sempre ótimos conselhos a dar. Eu disse a ele, inúmeras vezes, que ele deveria pensar em seguir carreira na área de psicologia. O garoto tem talento.

Estava terminando de digitar o meu trabalho no meu Notebook aquela tarde de quinta-feira chuvosa. O Bernardo estava no cursinho aquela tarde e naquele dia não nos veríamos. Ele precisava de um tempo sozinho com a filha e eu precisava dar esse espaço a eles sem ter que ficar me metendo todo o tempo.

Quando eu terminei o meu trabalho para se entregue no dia seguinte, o céu já estava escuro e já estava perto do meu pai chegar, assim como o Miguel que também fazia cursinho e a Isabel que fora ao cinema com o Edu. Com a chegada de todos a casa logo estaria barulhenta, em constante movimento, risadas e vozes soando por todos os lados. Isso nunca era ruim ou um problema para mim. Eu estava começando a me acostumar com a ideia de ter uma grande família, assim eu nunca me sentia sozinha. Eu sempre tinha alguém com quem contar quando estava entediada.

A Aline está trabalhando no hospital local da cidade pelo período da noite, geralmente ela passa a tarde toda em casa cozinhando ou arrumando as coisas. O melhor de tudo é que ela nunca invade o espaço de ninguém e eu nunca presenciei, pelo menos não até agora, o dia em que ela acordou de mau-humor. Está sempre contente, animada e sorridente e isso passava uma energia positiva a todos.

Eu tive muito tempo para pensar e me decidir, acabei não me inscrevendo no vestibular do fim do ano, pois tinha outros planos, outras ideias. Mas antes de sair espalhando isso aos quatro ventos eu precisava ter uma conversa séria com o meu pai, que não passaria daquela noite. E depois, o primeiro a saber dos meus planos seria o meu namorado.

Guardei o meu material na mochila, organizei a escrivaninha, tomei um banho e vesti a calça do meu pijama e uma baby-look que também fazia parte do meu pijama. Desci para o jantar, já estavam todos em casa e aquele momento, assim como deveria ser com qualquer outra família, era um momento sagrado, todos deveriam estar reunidos.

O Miguel era um meio-irmão bem palhaço, estava todo o tempo brincando comigo e com a Isabel. Por ser o mais velho, se achava no direito de dar ordens. Mas sempre brincando, ele não falava sério. Não fazia o tipo dele. Sem contar que algumas vezes ele pregava pegadinhas com a gente, como colocar farinha de trigo no secador de cabelo, substituir a pasta de dente por chocolate, roubar um pedaço de carne do nosso prato, entre outras tantas coisas. Mas não deixávamos barato e vivíamos sempre em pé de guerra, os três, fazendo bagunça pela casa.

― Boa noite família. – eu cantarolei, ao entrar na sala de jantar e ver que todos já estavam em seus devidos lugares a mesa.

Quando era somente eu, Isabel e o Vicente naquela casa, e quando o papai não costumava ser o melhor pai do mundo, ficava sempre dando as ordens do jeito dele e não poderíamos fazer nada a respeito, o momento das refeições eram sagrados até demais, nada de conversa fiada. Mas desde que a Aline entrou em nossa vida isso mudou completamente e era naquele momento que aproveitávamos para falar e ouvir o dia-a-dia um do outro.

Estava lavando a louça, o Miguel secando e Isabel guardando nos armários quando a Aline entrou na cozinha, deu um beijinho em nós e se mandou para o trabalho. Ela só voltaria pela manhã, quando estivéssemos saindo para o colégio.

A vida de enfermeira não deve ser nada fácil.

Após limparmos a cozinha, deixei Isabel e o Miguel brigando pelo controle da televisão na sala de estar e subi para falar com o papai. Ele estava sentado em sua poltrona, em seu quarto, lendo.

― Você disse que queria falar comigo. – ele fechou o livro, deixando-o de lado sobre a escrivaninha. ― Senta filha. Pode falar.

― Pai, eu não vou prestar a o vestibular no final do ano. Eu ainda não sei o que eu quero pra mim. Mas eu sei que uma coisa pode me ajudar bastante a me decidir, pelo menos eu acho que sim. – sorri, sentando-me na cama de frente pra ele. ― Eu quero viajar mundo a fora, por um ano. Conhecer pessoas, culturas diferentes, lugares, ter novas experiências e acima de tudo conhecer a mim mesma.

Pela expressão chocada do meu pai, eu devo ter falado rápido demais e confuso demais pra ele entender onde eu queria chegar. Por isso, repeti tudo novamente, só que dessa vez devagar, sem pressa, já não estava tão nervosa mais. Só com receio da reação dele quando percebesse que eu estava ficando maluca.

A grande verdade é que apesar da dor que eu senti longe do Bernardo, dos meus amigos e do meu lar, ir morar em BH por alguns meses fez a minha percepção sobre o mundo se abranger, como se o meu mundinho fosse pequeno demais comparado a tudo que ainda tinha pra viver. Não foi fácil, doeu muito, eu tive momentos difícil por causa da saudade. Mas dessa vez será por uma boa causa, meu futuro está em jogo e se tudo der certo, eu vou de boa vontade, certa da minha decisão e diferentemente de antes tudo que eu deixar para trás estará bem resolvido e eu vou sem preocupação. Dessa vez é diferente, eu estou com o Bernardo, eu sei que ele vai me apoiar, me esperar e bom, onde quer que eu esteja, eu também estarei esperando por ele, eu só preciso desse tempo pra mim saber o que eu quero pra minha vida. Não que eu não queira mais passar o resto dela ao lado dele, isso sempre, nunca vai mudar, mas quando se trata de amor não existe fronteiras. E eu vou voltar, eu sempre vou voltar. Isso está mais que provado depois de tudo que a gente passou. Seremos forte o bastante para superar isso, até que por fim possamos ser felizes como uma família, como dois adultos, cada um fazendo aquilo que ama e compartilhando os prazeres da vida juntos.

― Se é o que você quer Clarissa, é o que você vai ter minha filha. – o papai se levantou e parou em pé diante de mim. Ergui minha cabeça, pra olhar melhor pra ele. ― Se você precisa desse tempo deve aproveitar as oportunidades que um dia eu não tive quando era mais jovem. Apesar de toda a saudade que vou sentir de você a dor que vai ser ter que te deixar voar, eu te apoiarei. Eu sempre te apoiarei. – eu me levantei para abraça-lo, com lágrimas nos olhos. ― Eu me orgulho de você.

― Obrigada pai. – deitei minha cabeça no peito dele, sorrindo em meio as lágrimas. ― Eu amo você.

Passamos o resto da noite ali sentados na cama com o Notebook sobre o colo, fazendo pesquisas, conversando a respeito dos meus novos planos, discutindo as possibilidades, falando sobre o orçamento, segurança e tudo que precisávamos resolver até tudo estar acertado.

― Eu tenho uma surpresa pra você. – disse o Bernardo, puxando-me com forças pelas mãos quando saímos do colégio aquela manhã gelada. ― Vem! Corre logo.

Ele estava me levando até a sua casa, mas eu não estava entendendo nada. Não foi aquilo que combinamos. Chegando lá, ele fez questão de tapar meus olhos com uma venda, me guiou para dentro de sua garagem após abrir o imenso portão eletrônico e quando descobriu meus olhos me mostrou a última coisa que eu esperava ver.

Uma bicicleta. Novinha em folha. Azul-claro e com uma cestinha.

― Ela é sua.

Aproximei-me da minha nova bicicleta sorrindo de emoção. A minha antiga bicicleta eu precisei vender em BH, já que por lá eu não tinha muita disposição para andar nela. E no apartamento ela ocupada muito espaço, sem contar o trabalho que dava para desce-la pelo elevador de serviço todas as vezes em que precisasse usar. Resolvi vender, com o coração apertado. Mas vendi há uma garota do prédio mesmo, morava nos primeiros andares. A garotinha ruiva devia ter uns 13 anos e tinha acabado de aprender a andar de bike sem as rodinhas.

O dinheiro da venda eu guardei na minha conta no banco, o dinheiro que agora me ajudaria na viajem no ano que vem. Não era muito, mas somando com o que o Vicente depositava todo mês já ajudava muito.

― É linda, Bernardo! A minha cor predileta! Nem acredito. – voltei-me para ele. ― Obrigada meu amor. Não precisava.

― Por você e pra você eu sou capaz de tudo. Sobrou um dinheiro extra esse mês e eu pensei em te dar um presente. Que bom que gostou! Agora você pode voltar a pedalar pela cidade.

Ele parecia tão animado com a ideia, com aquele sorriso estonteante capaz de iluminar o mundo inteiro que eu não pude deixar de lembrar que a gente precisava conversar e essa conversa não seria nada fácil pra nenhum de nós.

― Está bom aqui pra você? – ele perguntou, após abrir as portas de sua casa. ― Hoje eu não vou para o cursinho, não estou com disposição. Está tão frio! – Bernardo esfregou as mãos, tentando aquece-las. ― Quer um café? Um chá? Achocolatado?

― Não, Bernardo. Obrigada, não precisa. – eu tentei sorrir, muito nervosa e me sentindo sem chão. Eu tinha que ser justa com ele ou essa viagem não funcionaria. ― Não faça isso parecer ainda mais difícil.

Ele me olhou preocupado, veio até mim e sentou-se ao meu lado no sofá na sala dele. A casa era um silencio absoluto, ouvia apenas o som de nossas respirações. Seus pais normalmente passam o dia no trabalho e a Liz na creche. O Bernardo tem a casa só pra ele.

― Você está me deixando.... Preocupado.

― O.K. Não devo enrolar muito. Vou começar. Prepare-se.

Muito calmamente contei a ele absolutamente tudo que eu tinha em mente e tudo que eu conversei com o meu pai na noite passada. E o que tínhamos decidido também, mas antes de qualquer coisa, antes de ver passagens, assinar papéis de emancipação, eu precisava saber dele, do Bernardo, se ele estaria de acordo ou eu desistiria de tudo.

Quando eu terminei, fiquei com medo de olhar pra ele e preferi me concentrar em qualquer outra coisa, nos objetos de decoração da sala por exemplo. O meu destino estava nas mãos dele, sua opinião era fundamental. Bastava ele dizer que não estava de acordo e eu desistiria de tudo, naquele momento mesmo e pensaria em qualquer outra coisa.

Apesar de todo o meu medo eu não tinha como fugir da resposta dele para sempre, então precisei olhar pra ele e ver se sua expressão me dava alguma pista do que ele falaria a respeito. Me surpreendi ao ver que o Bernardo estava sorrindo pra mim, admirado. E seus olhos nunca estiveram tão azuis, como uma tarde de verão sem nuvens.

― Eu estou tão feliz por você! – ele me puxou para um abraço e eu fiquei estática, pensando se aquilo estava mesmo acontecendo ou se era tudo fruto da minha imaginação. ― É claro que eu estou de apoio meu amor, é claro. Você merece isso e muito mais. Se é para o bem do seu futuro, do nosso futuro, você tem que ir sim nessa viagem e fazer tudo que tiver vontade. Realizar todos os seus sonhos. Eu gostaria de poder ir com você, mas infelizmente não posso. Assim como você eu tenho os meus próprios planos e todos eles estão aqui em São Paulo. Eu não preciso ir para tão longe. A faculdade federal que eu quero entrar não fica nem a uma hora daqui, na cidade vizinha. Dá pra ir de carro. Tem também a Liz, eu não posso deixa-la aqui. Meus amigos e a minha família. Ao contrário de você eu sempre soube o que eu queria pra mim, sempre tive certeza disso. Eu vou sentir muita a sua falta, claro que vou! Vou morrer um pouquinho todos os dias. Mas estarei te esperando pelos próximos mil anos bem aqui, louco para matar a saudade. Eu não pensei que precisaríamos passar por isso para vivermos finalmente o nosso conto de fadas. Nada disso fazia parte dos meus planos, mas você tem os seus também e isso é totalmente compressível. E se tem que ser assim, não sou eu quem vai destruir a sua vontade, os seus sonhos. Isso nunca! Eu amo você demais, Clarissa. Nunca tive dúvidas dos meus sentimentos por você. E eu só quero aproveitar esse tempinho que ainda tenho ao seu lado antes que você vá para longe de mim outra vez.

Ele me abraçou ainda mais forte e dessa vez, diferente de todas as outras, eu tinha quase certeza de que ele nunca mais iria me soltar.

E eu não queria, apesar de tudo. Era bom estar ali. Bom até demais.

Ficamos em silencio por alguns segundos até eu perceber que o corpo do Bernardo tremia, não só pelo frio, mas também porque ele estava chorando igualzinho ao menininho. Mas por algum motivo ele não queria que eu o visse naquela situação. Então eu fiquei apenas ali, o abraçando de volta, apertando o corpo dele de encontro ao meu, aquecendo nossos corações que estariam sempre selados.

Nenhuma distância e nenhuma outra pessoa foi capaz de nos destruir, não seria agora e nem nunca que isso aconteceria.

Definitivamente nos pertencíamos.

― Você vai ver que o tempo passará rapidinho e logo estarei de volta. Você vai estar na faculdade, estará feliz com seus amigos e irá conhecer novas pessoas. Mas nem ouse a se apaixonar por outra, ou eu volto correndo para te resgatar. – rimos juntos. Com ele olhando pra mim agora, eu podia secar seu rosto. ― Seria muito bom que você pudesse ir comigo, mas a Liz é o mais importante. Você deve pensar nela, afinal ela é a sua filha. Eu também amo você e não estou fazendo essa viagem para nos separar, para nos distanciar, para nos testar. Não, nada disso! Estou fazendo essa viagem por mim, eu preciso disso. Preciso me reencontrar, me redescobrir, ter certeza do que sou e do quero ser. Preciso ser melhor que isso. Não tenho medo de perder você, porque sei que isso não vai acontecer. Mas tenho medo de fazer a escolha errada sem pensar direito e ser infeliz profissionalmente. Não seria justo comigo e não seria justo com nós que temos tantos planos para vivermos juntos. Não quero que você acha que eu sou a pessoa mais egoísta no mundo, maluca ou sem noção. Mas é só um ano e eu prometo a você que vou voltar. E também, ficarei muito feliz se você puder ir me visitar assim que puder.

Ele sorriu e eu consegui sorrir de volta.

Dessa vez eu o puxei para um abraço apertado, mas não muito durador.

― Chega de tristeza! - disse ele, afastando-se. Sorria enquanto limpava o próprio rosto molhado. Mas já não chorava mais. Parecia bem melhor. O que era um bom sinal: ele acreditava em mim. Acreditava que eu sempre acabaria voltando pra ele. Porque isso é verdade. Eu voltaria. ― Vamos aproveitar o tempo que nos resta. Porque eu vou sentir muita, mais muita saudade de você.

― Eu também vou sentir sua falta. - roubei um beijinho nele, com as mãos em sua cintura. ― Você nem imagina o quanto.

― A unica coisa que me motiva é saber que você não se vai pra sempre e só de saber que você voltará assim que puder, assim que estiver preparada, me motiva a continuar, por você e por nós. - ele beijou o alto da minha cabeça. ― Agora vem! - ele pegou a minha mão. ― Que tal a gente fritar uma batatinhas e depois assistir a um filme abraçadinhos?


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Notas finais do capítulo

Não queiram me matar só porque mais uma vez eu vou mandar a Clarissa pra longe, dessa vez é diferente. Vocês entendem, não entendem? Não será um "adeus", será apenas um "até logo!". Bom, eu já disse que estamos na reta final. Eu vou preparar um surpresinha para o próximo capítulo entre os dois, mas queria saber de vocês, se tem alguma coisa especifica que você sentem falta, que eu acabei esquecendo de escrever a respeito, ou sei lá, algo que ficou vago.