Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 49
Capítulo XLVII


Notas iniciais do capítulo

Por Deus, Julieta Solitária quase me matou do coração com aquela recomendação linda! Eu sempre venho aqui pra ver sem tem um novo comentário de vocês, pra postar novos capítulos, até mesmo ler as histórias que eu acompanho e hoje, dez minutos antes de ir pra faculdade eu vim dar uma olhadinha, quando dou de cara com uma recomendação. Meu coração deu um pulo de surpresa, juro. Claro que meu dia ficou mil vezes melhor depois que eu li essa recomendação adorável. Obrigada Julieta! Como eu disse: somos parceiras e te conhecer aqui no Nyah foi muito bom. Você já é uma grande amiga pra mim! Nem preciso dizer que dedico esse capítulo inteiramente a você, apesar de não ser um dos melhores do Bernardo ♥



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― Bêzinho, você me ama, não ama? – era a milésima vez que ela me perguntava aquilo naquela mesma noite. Fitando-me com seus profundos olhos castanho-claros.

― Amo, Let. Eu amo. – era sempre essa a minha resposta sem um pingo de ânimo. Sem nada a acrescentar. Como um bom mentiroso que eu havia me tornado para tudo e todos.

Letícia está deitada na minha frente.

Observação: de roupa. Nós dois de roupa. Relaxem.

Ela não para de olhar pra mim com aquele sorrisinho bobo de garota mimada. Ela segura minhas mãos firmes próximas a seu peito e de cinco em cinco segundos faz a mesma pergunta como se quisesse ter certeza da minha resposta ou como se quisesse provar algo a alguém. Mas éramos só nós dois no meu quarto-porão, sem nada de interessante pra fazer além de fingirmos – ou só eu fingir – que éramos um casal de namorados apaixonados daqueles das cenas de filmes românticos.

Faz algumas semanas que estamos namorando. Eu não sei exatamente quanto tempo, pois ainda tento entender o que deu em mim aquela noite, na festa, completamente bêbado para ter dito algo parecido com um pedido de namoro. Não era bem aquilo que eu queria dizer e quando dei por mim já tinha dito e não podia voltar atrás.

A garota praticamente morre por mim.

E apesar de agora ser um bom mentiroso, eu não posso simplesmente ferir os sentimentos dela por um deslize meu.

Todos pareceram adorar a ideia de estarmos namorando, fiquei impressionado pela quantidade gente torcendo pela minha felicidade. Como se a Letícia fosse um espécie de salvação pra mim. Mal sabiam eles que não era bem aquilo que eu definia como felicidade ou como os melhores dias da minha vida.

A minha mãe ficou tão feliz por eu ter “superado” a Clarissa com uma garota que ela considera “gente boa” que deu até um jantar para comemorar o nosso namoro. A mãe da Letícia também não fez por menos e fez questão de me apresentar pra toda a família como o primeiro “namoradinho” de sua filha, todos pareceram orgulhosos e empolgados, ao contrário de mim, que tinha que fingir contentamento pra tudo.

O pai da Letícia não disse muito, acho que ele não ia muito com a minha cara como namorado da sua filha. Ele preferia que eu fosse apenas o amigo do seu filho. Acho que por ciúmes de sua “princesinha.” O Eduardo, por sua vez, também não teve nada a declarar, ele mal me olhava e estava cada vez mais distante. O meu pai, bom, aquele ali não tinha nada pra dizer nunca, nem mesmo quanto eu aprontava feio. Ele faz mais o tipo pai sossegado, que basta dar aquela olhada pra eu entender que diz merda.

Marina fingiu ficar feliz por mim, mas eu sabia que era só pra fazer cena diante da Letícia, pois no fundo ela morria de ciúmes da amiga, a Clarissa. O Miguel deu os parabéns e é um dos poucos que insisti em falar comigo sobre o meu novo namoro sem parecer forçado ou interessado demais, mesmo que eu não goste de falar muito sobre tal assunto. O Gustavo, bom, aquele ali mostrou seu desapontamento de cara, decepcionado por eu não poder ser mais o companheiro de farra dele agora que eu tinha uma namorada.

Essa ideia de ter uma nova namorada ainda me era muito estranho, ainda mais quando a Letícia ficava no meu pé, dizendo me amar, beijando meu rosto, me abraçando o tempo todo, ligado pra saber onde eu estava, o que fazia e com quem estava ou fazendo ceninha de ciúmes.

― É melhor você ir pra casa, Let. – eu sugeri, forçando o meu melhor sorriso. ― Está ficando tarde. Amanhã cedo eu vou trabalhar.

― No sábado, Bernardo? – ela perguntou, parecendo indignada. Soltou a minha mão e sentou-se, mexendo o cabelo preto-azulado.

― É meu amor, no sábado. Eu preciso. Você sabe. Esse emprego é tudo que eu tenho nesse momento para ajudar nas despesas da Liz. – eu sabia que ela odiava quando eu tocava no assunto da Liz, mas não era como se eu pudesse fugir disso.

― Você prometeu que a gente ia sair, Bê. – ela fez biquinho, fazendo charme. Deu-me um selinho, ainda emburrada.

― Tudo bem, vamos sair então. Assim que eu chegar. – sentei-me também, prontamente. ― Tudo bem assim?

Como resposta, ela enlaçou-me com seus braços e beijou-me.

Em seguida eu a levei até em casa, nos despedimos, voltei pra casa, desliguei o meu celular, e caí na cama, com aquela roupa no corpo mesmo e adormeci rapidamente, finalmente livre daquele peso enorme.

O serviço no shopping aos finais de semana costuma ser mais pesado por causa da maior movimentação. Antes de ir pra casa, passei na Lorena e fiquei um tempinho com a Liz, mesmo sentindo o corpo todo destruído. Em casa tomei um banho, jantei e troquei-me, mesmo contra a minha própria vontade. Eu precisava sair com a Letícia ou ela ia me atormentar pelos próximos cem anos enquanto eu não o fizesse.

― Entra, Bernardo! Que bom que você chegou. – sua mãe, Lurdes, me convidou para sentar no sofá da sala. Ao lado de seu marido, Ivan, que apenas me cumprimentou com um aceno com a cabeça e continuou de olho no seu jornal. ― A Letícia está terminando de se arrumar.

Dito isso, ela deu um grito no pé da escada, avisando a sua filha que eu tinha acabado de chegar e que eu a esperava.

Lurdes sentou-se na poltrona pegando uma revista na mesa de centro.

Naquele momento agradeci aos Céus, quando o Edu entrou pela porta principal com o celular na mão. Foi como se não tivesse visto ninguém a sua frente e seguiu direto para a cozinha. Pedi licença aos pais da Letícia e fui atrás do meu velho amigo, sorrindo.

― Quanto tempo, amigão.

Ele que enchia um copo com suco, virou-se pra mim, pela primeira vez notando a minha presença ali, na sua casa.

― Nós não somos tão amigos assim, Bernardo. Não mais. – suas palavras foram como um tapa na minha cara. Meu sorriso murchou naquele momento, pois ele tinha toda razão. ― E só uma pergunta: porque você está namorando a minha irmã, cara? Você nem gosta dela! – ele bebeu um pouco de seu suco, ainda olhando feio pra mim. ― Todo mundo tá cansado de saber que você ainda morre de amores pela Clarissa mesmo ela morando a quilômetros daqui. A Letícia é mesmo uma tapada! Mas por favor cara, não magoa a minha irmã não. Ela é minha irmã! E não uma garota qualquer que pode suprir suas carências quando você bem entender....

Antes que eu pudesse me justificar com mais uma mentira, a Letícia aparece na cozinha com um vestido cor-de-rosa passando um pouco do ponto e saltos altos e uma bolsinha de lado.

― É tão bom ver meu irmão e o meu namorando se dando bem! – ela sorria muito, passando a mão pela minha cintura em um meio abraço.

Levei-a no barzinho no final da rua. Não tive ideia melhor. Deixei de ser aquele antigo garoto romântico, a moda antiga, que escreve cartas, declara poemas, diz frases românticas, elabora surpresas, dedica músicas, compra presentes, enfim. Nada daquilo mais me agrada.

― Poxa Bernardo! Você não é nada romântico. – ela resmunga, assim que chegamos. O.k. Já sei que não sou o melhor dos namorados, mas, eu me esforcei. Tive um grande dia de trabalho e.... ― Eu pensei que você fosse um pouquinho mais romântico e sensível. Pensei que iriamos ao cinema, comer alguma coisa gostosa e você me traz aqui? Nessa espelunca? Estão todos do colégio aqui, Bernardo!

Mesmo inconformada ela sai a frente, em disparada, rumo a mesa no canto onde estão todas as suas amigas e alguns garotos entre elas. Não há escolhas, a não ser acampá-los essa noite. O que é melhor que nada.

Acabo me empolgado rapidamente e bebendo mais que o normal, mas não ao ponto de me declarar, pedir qualquer uma em namoro, cair com tudo no chão, bater a cabeça e apagar de vez, acordando no outro dia com uma baita dor de cabeça, na casa de um amigo como da última vez.

― Bernardo! Bernardo! Se liga cara. – uma garota de cabelo curtinho cor-de-rosa me chama a atenção, cutucando-me. ― Sua namorada está com problemas!

Olho na direção da Letícia que não está muito longe da mesa com mais três amigas. Elas estavam dançando normalmente até um cara mais velho, aparentemente bêbado, resolver se aproximar delas e decidiu que ia tirar onda com a Letícia, justamente a minha namorada. Assim não dá. Não que eu estivesse morrendo de ciúmes dela ou de raiva do cara, mas poxa, eu vou ter mesmo que me levantar, ir até lá tirar satisfações com ele e me sacrificar por ela?

Isso dá muito trabalho.

Dois garotos do colégio que estavam na mesa com a gente puxaram-me para ir até lá, saber qual era a daquele cara zuando as meninas, e foi aí que ele resolveu dar um soco no meu rosto.

O que resultou em uma única coisa: ir pra casa mais cedo.

Letícia acompanhou-me até em casa, toda preocupada e satisfeita por eu ter feito tudo aquilo por ela, mal sabia ela que fui praticamente forçado e de brinde ganhei um soco de um desconhecido.

Entramos pela porta dos fundos, para os meus pais não suspeitarem de nada. Descemos até o meu quarto-porão, ela cuidou do meu rosto com muito carinho, eu estava meio zonzo, mal conseguia manter os olhos abertos de tanto cansaço, mas ela jurou que não havia sido muito grave e que mal ficara a marca no meu rosto da pancada. Pois aquele cara batia mal demais, apesar de ter doído bastante na hora.

Joguei-me sobre a cama, certo de que iria dormir e descansar finalmente, por longas horas. Mas aí as coisas começaram a ficar muito estranhas. Quando comecei a sentir a louca da Letícia desabotoando os botões da minha camisa cinza-escuro. Ela jurava que era pra eu poder dormir melhor. Então eu deixei, dando de ombros. Depois ela começou a passar a unha bem devagarzinho na minha barriga, estava bom, mas aí eu comecei a sentir as verdadeiras intensões dela. Ainda mais quando ela começou a abrir o botão da minha calça jeans e depositar beijinho ali.

Eu sentei-me na cama em um pulo, arqueando a sobrancelha para ela, que me olhava com carinha de inocente. Mas de boba ela não tinha nada, já estava até querendo me deixar sem roupa.

― O que foi, Bê? – ela jogou o cabelo de lado, ainda com aquela cara lavada. ― Você não quer? – ela passou a unha no meu peito, provocativa. ― Poderíamos aproveitar que estamos aqui sozinhos, no seu quarto, em uma noite de sábado sem nada melhor pra fazer e....

A louca foi subindo em cima de mim, sorrindo de lado, os olhos na minha boca, e seu vestido subindo pela coxa deixando a polpa da sua bunda de fora. Qualquer garoto normal que não fosse eu, adoraria a ideia de ter uma garota insinuando-se pra você na sua cama, sobre você, em seu quarto, sem nada ou ninguém para atrapalhar.

Mas eu que não sou nada normal, fui logo dando um jeitinho de tira-la de cima de mim com todo cuidado do mundo.

― Não, Let. Olha. – olhei bem pra ela, sério. ― É a sua primeira vez, não é? Eu acho que deveria ser especial e eu não estou me...

― Sendo com você Bernardo, já é especial.

― Você não está me entendendo! – voltei a fechar a minha camisa. O que diabos estava acontecendo comigo? Eu estava soando frio.

O que de mal tinha naquilo? A garota me ama, repete isso centenas de vezes ao dia. É um bom momento, estamos juntos, na minha cama e no meu quarto, somos namorados, porque é que eu não consigo ir a diante?

Porque é que eu não quero?

― Hoje não, ta? Eu não estou me sentindo muito bem. Eu bebi além da conta, acabei levando um soco, trabalhei o dia todo e não acho que você mereça que seja assim. Você me entende, não entende? – toquei o rosto dela, carinhoso.

― É por isso que eu te amo. – ela torceu os lábios, deitando com a cabeça sobre o meu peito, me fazendo deitar também. ― Você é especial. Você me entende. Eu não me sinto pressionada pra nada.

Passei a mão pelas costas dela, sentindo-a se aninhar em mim.

Se ao menos fosse a Clarissa ali, eu não teria pensando nem duas vezes. Eu a amava de verdade, eu a queria todo o tempo, eu não precisaria pensar, eu simplesmente agiria conforme as instruções do meu coração. Ao lado dela meu coração batia mais forte, mas naquele momento eu nem se quer sentia que dentro de mim havia um coração.

― Eu pelo menos posso dormir aqui essa noite? Com você. – ela perguntou baixinho, suspirando devagar.

― Claro! Claro que pode. – não havia outras saídas. Eu também nem estava muito a fim de leva-la até em casa. Ela dormir ali não era um problema, desde que seus pais não quisesse me mantar no dia seguinte ao descobrir que ela não dormiu em casa e sim com o namorado.

Sem mais discussões, acabamos dormindo de uma vez por todas.

Namorando a Letícia eu me sentia terrivelmente sufocado a maior parte do tempo por sentir que não estava fazendo a coisa certa. E não estava mesmo. Só eu poderia colocar um fim naquilo, mas todas as vezes em que eu olhava pra ela e a pegava sorrindo pra mim, eu simplesmente não conseguira e preferia manter essa mentira até onde pudesse.

Com o trabalho ficou mais difícil ter um tempo só para estudar sem precisar se preocupar com mais nada. Mesmo assim, eu ainda tinha que estudar, nem que fosse pela madrugada mesmo cansado após um dia inteirinho trabalhando no shopping, ou concentrado no cursinho ou ouvindo as lamentações da Letícia. Caso contrário, mamãe me mataria enforcado, ainda mais esse ano, que é ano de vestibular.

Agora, mais do que eu nunca, eu tinha muitas funções: a do bom aluno, bom namorado, bom pai, bom trabalhador e por fim, sempre que sobrava um tempinho, um bom festeiro, para a alegria do Gustavo. O amigo que eu não poderia deixar na mão.

Sim, eu continuava saindo mesmo namorando, passava a noite fora, bebendo, dançando, rindo, entre amigos, mesmo que o mundo dentro de mim estivesse desabando. Eu não queria nem saber. Eu só queria me divertir e esquecer tudo. Tudo mesmo, até mesmo quem eu sou ou deixei de ser por ter tido o coração partido por mim mesmo.

― Cara, o que você está fazendo aqui? – ouvi a voz firme do Eduardo, puxando-me pelo braço. Tirando-me do meu momento intimo com uma garota alta e magrinha, cabelos castanhos e olhos acinzentados do primeiro ano do colégio. ― Ficou maluco, Bernardo?

Não dei bola pra ele. Não estava nem um pouco afim de saber o que ele tinha a me dizer ou o que diabos ele estava fazendo ali naquela festa em um sábado à noite quando na verdade deveria estar enfiado dentro do seu quarto, grudado ao telefone, falando com a Isabel. Não queria conselhos dele e nem de ninguém, muito menos sermões. Eu só queria voltar a ficar em paz perto daquela gatinha do primeiro ano e....

― Bernardo, você está traindo a minha irmã? – ele me puxou outra vez, dessa vez mais forte. Não permitindo que eu voltasse a fazer companhia a garota que eu estava ficando aquela noite. ― Eu não estou acreditando, Bernardo. Você é um escroto! – ele me xingou de todos os palavrões existentes do mundo. Mas entrava por um ouvido e saia pelo outro. Eu realmente não estava nem ligando. Cara chato! ― Enquanto a minha irmã está lá em casa estudando pra prova de segunda-feira, você está aqui, ficando com uma qualquer?

Eduardo me olhava com nojo e um olhar desafiador. Ele nunca havia me confrontado daquela maneira. Ou melhor, ele nunca havia agido daquela forma com ninguém. Ele sempre foi muito na dele.

― Sai do meu pé, Edu. – foi tudo que eu disse, sem olhar diretamente pra ele. Sem saber exatamente pra onde olhar. Minha visão estava completamente embaçada. Eu via apenas sombras dançantes e luzes piscando.

Virei as costas pra ele, tentei escapar dali, quando ele voltou a me puxar, ainda mais nervoso e sem dizer mais nada, apenas socou o meu nariz, que começou a sair sangue no mesmo minuto.

Ótimo. Agora eu apanhava sempre que alguém tinha vontade de socar a minha cara. Eu realmente merecia isso. Em menos de uma semana, dois socos na cara. E nem se quer tinha o direito de retrucar.

Mas eu não sentia dor, apenas um pequeno latejo e nada de dor.

Era exatamente assim que eu queria me sentir o tempo todo, como se não fosse capaz de sentir nada.

― Bernardo! Você está bem? – a Marina correu até mim, segurando-me de um lado e o Miguel de outro. Eu me lembrava vagamente que eles também estavam naquela festa, pois era aniversário de alguém do colégio e eles também foram convidados, apesar de não mais frequentarem ambientes assim, eles estavam ali.

Por mim, talvez.

― Vamos leva-lo para a minha casa. – ouvi o Miguel dizer, passando meus braços sobre o seu ombro. Eu praticamente me arrastava, com o nariz sangrando, sujando a minha camiseta. E um bando de curiosos olhando pra mim enquanto eu era removido da festa pelos meus amigos, como um carro velho, que as vezes resolve da defeito.

Eu não mais vi o Eduardo naquela noite.

E também não o culpava por ter defendido a irmã.

Miguel me deu um banho com dificuldade. Marina pegou algo pra eu comer. Por sorte Aline já estava dormindo, por isso não fazíamos muito barulho para não acorda-la. Miguel me ajudou a vestir uma de suas roupas, Marina limpou o ferimento no meu nariz, Miguel foi limpar a bagunça que fizemos no banheiro antes que o dia clareasse, Marina ajeitou a almofada atrás das minhas costas e me deu algo não-identificado para comer, Miguel me trouxe água e remédios, por fim, eu acabei deitando-me, sentia-me bem melhor fisicamente.

Mas no fundo, eu me sentia um merda. Um nada. Um babaca, estupido, mentiroso e traidor. Eu me sentia um peso na vida das pessoas, especialmente dos meus amigos. Eu não os merecia, não mais. Mesmo assim eles ainda estavam ali por mim. Nem forças para agradecer eu tinha mais, estava esgotado, estava cansado, estava desaparecendo.

― Eu tenho que ir pra casa. Está muito tarde! – Marina anunciou um tempinho depois, retirando seus dedos da minha cabeça, onde a poucos minutos ela me fazia um carinho maternal.

― Eu sei que está tarde, mas liga para seus pais. Diga que você vai dormir aqui essa noite. Eu não sei! Inventa uma desculpa. – o Miguel sugeriu, olhando-me com uma carinha de preocupado.

Eu não sei o que a Marina decidiu, mas saiu do quarto para telefonar melhor para os seus pais mesmo já sendo quase três e meia da manhã.

― Bernardo, amigão, eu não te reconheço mais. – o Miguel se aproximou, sentando-se mais perto agora. ― O que deu em você?

Desviei o olhar, envergonhado. Não queria que ele ficasse me olhando daquele jeito, como se tivesse pena de mim.

― Você está chorando? – ele se inclinou para baixo, olhando-me mais de perto, muito mais de perto. Quase como se fosse me beijar, o que pareceu muito gay. Mas éramos só amigos, e nada mais. ― Ei, o que foi?

Não consegui responder.

Eu só sentia falta da Clarissa, queria que ela ainda pudesse estar ali, queria que fosse ela no lugar do Miguel e da Marina cuidando de mim, ou melhor, queria que ela nunca chegasse a me ver naquela situação, queria que se orgulhasse de mim e gostasse de mim por eu ser quem sou ou costumava ser. Mas de repente, eu não me sentia eu. Eu não me sentia normal. Eu não me sentia nada bem.

Estava um transtorno dentro de mim. E bem, se eu não chorasse teria que falar, conversar com alguém. E não haveriam palavras suficientes para expressar o quanto eu lamentava por mim mesmo.

― Por favor, liguem pra ela. Eu quero falar com ela! – sentei-me na cama, muito agitado. ― E tem que se agora! Por favor.

― O que aconteceu com ele? – naquele momento a Mari voltou ao quarto, olhando assustada para o Miguel e depois com compaixão pra mim. ― De quem ele está falando?

― Eu não faço a mínima ideia. – disse ele, confuso.

― A Clarissa. Liguem pra ela! Liguem agora. – eu me mexia muito, meio histérico. ― Eu quero muito falar com ela. Eu preciso falar com ela!

― Não! Bernardo! Fique calmo. Assim vai acordar toda a vizinhança! – Marina voltou a se aproximar de mim, pacientemente, fazendo-me voltar a deitar sobre a cama. ― Já é muito tarde! Não podemos. – vendo a minha insatisfação ela tocou o meu rosto e com uma voz doce disse: ― Eu prometo a você que ligaremos pra ela amanhã, tudo bem? Eu prometo.


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Notas finais do capítulo

Bom, eu agradeço a todos que ainda estão acompanhando QTA. Vocês são todos uns amores, mesmo aqueles que não comentam e ainda mais aqueles que comentam e marcam presença. Obrigada a vocês por serem tão pacientes comigo. Mas enfim, e ai? Será que a Mari vai ligar para a Clarissa como o prometido mesmo sabendo que ela não gostaria nenhum pouco disso? E a Clarissa vai querer falar com o Bernardo normalmente? Comentem!