Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 43
Capítulo XLII


Notas iniciais do capítulo

Ultimo capítulo dessa primeira etapa: o momento da despedida.



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Além de quando, finalmente conhecer meus pais de verdade, e descobrir ser usada por eles para conseguir dinheiro; o Bernardo achou pouco e resolveu, de uma hora pra outra, que preferiria outro melhor que eu, que não tivesse tantos problemas pessoais, que não desse tanto trabalho, que fosse mais bonita e que não ocupasse tanto tempo de sua preciosa vida de garoto adorado por todos.

Pra mim, nesse momento, ele é um grande merda. Você certamente se enganaria fácil com ele, acreditando que ele é um bom garoto, pai de família, responsável, romântico, carinhoso, simpático, gracioso e tantas outras inúmeras qualidades que as pessoas usam para elogia-lo todo o tempo. Mas ele não é tudo isso, ele é uma grande farsa. Isso sim. Um mentiroso, traíra, mal caráter e farsante.

Suas palavras não condizem com suas atitudes.

Um dia ele diz me amar, me faz sentir única e especial, me motiva, me inspira, me faz sentir bem, sabe melhor que ninguém me fazer rir, prepara as melhores surpresas que alguém pode imaginar, se declara abertamente, me dá proteção, abrigo, carinho e toma conta de mim. No outro, ele me pisoteia, me acurrala pelas costas, me traí, mente descaradamente, fica com outra, não dá explicações, praticamente me faz sentir um lixo, um nada, como se ele não me devesse absolutamente nada, como se eu não merecesse um pedido de desculpas.

Ele é a pior pessoa que já conheci. Porque ele é duas caras e você nunca sabe quando ele está sendo verdadeiro ou não. Ainda não consigo acreditar como eu fui me apaixonar por ele. Logo por ele! Ainda não consigo acreditar como ele consegue enganar tantas pessoas com seu jeitinho de bom garoto, sendo que no fundo ele é um monstro impiedoso igualmente os meus pais.

Quantas vezes eu acreditei nele? Quantas vezes eu me sacrifiquei por ele? Quantas vezes procurei pela ajuda dele? Quantas vezes ele disse que me amava? Quantas vezes ele me fez acreditar que seria pra sempre? Quantas vezes eu só conseguia pensar nele e em mais nada?

No início, eu chorei muito de raiva. Raiva por ter sido enganada pela pessoa em que eu mais confiei em toda a vida, minhas particularidades mais intimas.

E depois eu passei a chorar de tristeza, por não conseguir mais me adaptar a vida da qual o Bernardo já não faria mais parte.

Eu ainda estava tentando entender muitas questões da minha vida.

Primeiro, os meus pais verdadeiros. Aquele dia foi a primeira vez em que os vi e eles nunca mais voltaram a aparecer, quando eu descobri a verdade sobre eles através do Vicente. Onde os dois estariam? Como estavam vivendo? O que comiam? Onde estavam morando? Se é que tinham onde morar ou viver. No fundo, eu sentia muita pena deles.

Segundo, eu queria muito saber como iria viver minha vida normalmente tendo que encarar de frente o Bernardo, fingindo que não estava destruída por ele ter mentido tanto tempo pra mim. Eu parei de ir a escola aquela segunda-feira mesmo. Aquele fora o meu último dia no colégio. Era a última semana de aula mesmo, não tinha nada de importante pra fazer ou entregar, então, eu nem fui pelo resto da semana a aula. E também porque não queria olhar pra ele de jeito nenhum. Pra minha sorte, ele nem fez questão de me ligar ou me procurar pessoalmente pra gente conversar e esclarecer certas coisas.

Desde então, foi como se ele nunca tivesse existido. Apesar do meu coração dizer o contrário, pois todas as vezes em que eu pensava nele mesmo contra a minha própria vontade, eu chorava incontrolavelmente o dia todo, com o peito ardendo de dor.

A Marina vinha algumas vezes me visitar durante os dias, mas eu deixava bem claro a ela que não queria conversar com ninguém. Especialmente alguém que me fizesse lembrar ainda mais do cretino do Bernardo. O lado bom das visitas dela, é que ela estava sempre tentando me distrair. E nunca, nunca mesmo, tocava no assunto sobre o meu termino com o Bernardo – porque sim, havíamos terminado de vez. Eu jamais o perdoaria pelo que fez comigo - ou a traição dele com a Lorena. Pelo visto ela também estava muito decepcionada com ele. E eu também não perguntava sobre ele, e não queria conversar sobre aquilo. E ela, melhor que ninguém, entendia o meu lado.

Eu passava os dias todos em casa, dentro do meu quarto tentando a todo custo manter a mente ocupada com as coisas que eu gostava.

Não queria sair, pois corria o risco de trombar por aí com o Bernardo – pois a cidade é pequena - e eu não sabia se iria socar a cara dele quando o visse ou se me jogaria em seus braços implorando pra que aquilo não tivesse passado de um mal entendido como na vez em que a Brenda o beijou na frente do colégio.

E quando eu achei que não havia mais saídas, estava tudo perdido, eu teria que encarar a situação uma hora ou outra mesmo que não estivesse preparada; o Vicente surge com uma solução.

― Morar em Belo Horizonte? – perguntei, surpresa. ― Porque em BH e não em qualquer outro lugar do país?

― Porque em BH tem muitas coisas ao me respeito que está mais que na hora que você e Isabel saibam. – ele sorriu. Desde o sumiço dos meus pais ele estava assim, muito melhor. ― Vai ser bom para nós três.

― Não! – Isabel interveio, muito séria. ― Eu não vou. Quero ficar exatamente aqui. Aqui é o nosso lugar!

― Isabel, entenda. Isso não é uma proposta. Eu estou dizendo que vamos morar em BH você querendo ou não. E pronto.

― Não! Eu não vou. Você não pode me obrigar. Eu quero ficar aqui, pai. Na nossa cidade. – o Vicente podia não saber porque ela queria continuar morando aqui, mas eu sabia muito bem. E essa razão era o Edu. Porque apesar de eu ter terminado com o Bernardo, a Isabel ainda namorava o Edu e os dois são apaixonados.

― Eu já comprei as passagens. – Vicente se levantou, anunciando o fim da nossa discussão ― Nós viajaremos na segunda-feira. Comecem desde já a arrumar as suas coisas.

Em outros tempos, também seria difícil pra mim me mudar para tão longe. Só que agora é diferente, não há nada que me prenda nessa cidade e eu posso ir tranquila pra onde o Vicente quiser ir. Eu estarei de acordo para o que ele decidir.

― Viu só? – Isabel gritou comigo, assim que o Vicente desapareceu. ― Tudo isso é culpa sua! Se seus pais não tivessem aparecido.... Se você não tivesse terminado com o Bernardo....

Isabel começou a chorar de raiva, e antes que eu pudesse consola-la, ela subiu correndo para o seu quarto e bateu forte a porta.

Pronto, já não basta ter os piores pais que alguém poderia ter, o namorado mais traidor de todos os tempos, eu também era culpada pela nossa mudança de um estado para o outro.

Era só o que me faltava.

O que mais de ruim ainda pode acontecer?

Eu também subi para o meu quarto e fiz exatamente o que o Vicente me pediu: comecei a arrumar minhas coisas pacientemente. Mas em meio a bagunça a gente sempre acha algo que acreditava estar perdido. E quando eu me deparei com as coisas, todas elas, que o Bernardo havia me dado de presente, eu parei tudo que estava fazendo, porque fui atingida por uma onda de tristeza. Sentei-me na cama e mais uma vez comecei a chorar impulsivamente.

Não queria ter que admitir isso. Mudar para outro estado pode até parecer a melhor solução para todos os meus problemas, mas no fundo eu sabia que seria difícil recomeçar longe dali, onde eu já estava acostumada com as minhas coisas, ou com coisas que eu acreditava serem minhas. Mais precisamente: viver longe do Bernardo e dos nossos amigos. Mais do Bernardo, até porque eu o amei mais do que um dia achei ser capaz amar uma pessoa e um sentimento assim não se apaga da noite para o dia. Eu ainda estava tentando me acostumar com a ideia de viver a vida sem ele, mas me mudar para longe seria bem mais complicado. Eu não saberia dizer se já estava preparada para deixar tudo para trás, tudo que foi tão importante e significativo para mim.

O final de semana só serviu para encaixotar nossas ultimas coisas. Ainda muito chorosa eu estava começando a me despedir de tudo, começando pelos mais fáceis – ou nem tão fáceis assim: A casa, o meu quarto, o jardim, a rua, o centro da cidade, os estabelecimentos onde eu passei muito momentos divertidos, os vizinhos mais simpáticos...

― Você não pode estar falando sério, Clary. – Marina me olhava com os olhos pretos apertados e brilhantes. ― Você não pode ir embora amiga. Não agora. Eu só tenho você de amiga.

― Me desculpe, Mari. – eu a abracei, já sentindo as lagrimas se acumularem no canto dos olhos. ― Eu preciso ir.

― Não, você não precisa. – ela disse ao se afastar. ― Você não pode estar falando sério! Isso é por causa do Bernardo?

― Não! De jeito nenhum. – eu revirei os olhos, e sorri. ― Na verdade, não exatamente. É que provavelmente meus pais verdadeiros ainda vão continuar atrás de mim pra conseguir dinheiro e tem também o Bernardo, tudo que ele me fez, a decepção... Eu não posso ficar.

― E pra onde vocês vão?

― Isso eu também não posso te dizer, por enquanto. Meus pais verdadeiros não podem descobrir. E é por isso que só estou te falando isso agora. Mas quero muito que você vá amanhã ao aeroporto nos acompanhar. Você também é minha única amiga!

O Vicente chamou dois taxis. Em um, ele iria com o motorista e metade das coisas que poderíamos levar no avião. Já no outro, eu e Isabel iriamos juntas até o aeroporto com a outra metade das nossas bagagens. Detalhe: Ela ainda não está falando comigo por ser obrigada a se mudar, deixando o Edu para trás. Mas ela não pode me culpar por tudo, afinal a ideia foi do Vicente e a decisão é sempre dele.

Dei uma última olhada para a nossa casa. O Vicente não iria vende-la ainda. Mas em frente ao terreno já havia um placa para aluga-la para quem tivesse interesse.

Uma lágrimas escorreu dos meus olhos, assim que o motorista ligou o carro para dar partida.

Conforme íamos saindo da cidade rumo a rodovia, meu choro ia aumentando cada vez mais. Era de partir o coração deixar tudo que vivi ali para trás, ao saber que nada daquilo iria voltar a acontecer. Eu nem se quer voltaria a aquele lugar outra vez pelo resto da vida.

Eu ainda estava contando com a presença da Marina no aeroporto para uma última despedida. Uma hora depois chegamos ao aeroporto de Congonhas e o Vicente foi fazer check in para nós três.

O tempo foi passando, eu e Isabel continuávamos sentadas na sala de embarque. Ela ainda sem falar comigo, mexendo no celular para se distrair. O Vicente foi tomar um café. E conforme as horas iam passando eu estava começando a duvidar de que a Marina viria para se despedir. O que seria uma pena, eu a considerava muito.

― Vamos? Já está na hora. – disse o Vicente segurando sua mala de rodinhas ao se aproximar de nós.

― Não podemos ir agora. Espere só mais um pouquinho. Nosso voou nem foi anunciado ainda. Chegamos muito cedo. Eu estou esperando uma pessoa.

― Quem? – Isabel perguntou, finalmente abrindo a boca. ― O Bernardo? – ela riu, sarcástica. Odiei aquilo, mas ignorei. ― Ele não vem.

Isabel nunca foi tão cruel comigo.

Revirei os olhos e olhei para o lado, quando vi a Marina vindo em nossa direção a passos largos. Ela estava segurando um buquê de flores de rosas vermelhas. E também, não estava sozinha.

― Pensei que não chegaria a tempo. – ela disse ao me abraçar, suspirando de alivio. Depois me entregou as flores. ― A culpa foi toda do Miguel. – ela deu um tapinha nele, fazendo-o rir.

Além da Marina, estava ali o Miguel, Gustavo, o Eduardo e a Aline.

Todos os meus amigos.

Mas não o Bernardo. E eu quase não consegui disfarçar a decepção, pois apesar de estar muito triste por tudo e com muita raiva dele, acima de tudo, fomos bons amigos, sendo uma amizade real ou não, eu nunca vou saber, ainda mais agora que ele não veio para se despedir. Ou melhor, será que ele sabia que eu ia embora? Certamente sim, pois a Marina fez questão de contar a todos e deve ter contado a ele também.

― O Bernardo não vem, Clary. – ela disse ao me dar um segundo abraço, os olhinhos marejados. ― Eu sinto muito.

― Eu sei. – cochichei no ouvido dela de volta, forçando um sorriso apresentável. ― Obrigada por estar aqui. – nos afastamos. ― Obrigada a todos por terem vindo! Eu amo vocês.

Dei um abraço em todos eles, um por um. E todas as vezes em que meus olhos, que pareciam terem vida própria, olhavam em outra direção que não fosse na direção dos meus amigos, involuntariamente eu procurava pela presença do Bernardo, como se de alguma forma eu o procurasse entre aquelas pessoas desconhecidas andando de um lado para o outro no aeroporto. Como se ele fosse aparecer de surpresa.

Se pelo menos ele aparecesse para dizer que me amava e sentia muito, eu ficaria. Ficaria sim. Por ele. Por nós. Para tentarmos outra vez. Porque no fundo, era exatamente isso o que eu queria. Mas não seria assim, até porque se ele aparecesse dizendo me amar, eu não iria querer viajar, seria difícil pra mim deixa-lo pra trás e o Vicente não iria me deixar ficar e seria o pior para todos, inclusive para eu e ele.

Com os olhos repleto de lágrimas que eu tentava segurar, eu me convenci finalmente de que estava fazendo o certo. Ir embora era o certo. O Bernardo não tinha que aparecer. Eu não queria que ele aparecesse e tornasse tudo ainda mais difícil do que ter que me despedir dos meus únicos amigos. Tinha que ser assim.

Uma voz feminina chamou o nosso voo pelos alto-falantes.

― Nós temos que ir agora. – o Vicente anunciou.

Já chorando por não conseguir mais segurar o choro, eu abracei novamente os meus amigos, ouvindo suas palavras de conforto no meu ouvido. Demorando-me um pouco mais na Marina, que ainda estava muito triste por eu ter ir e eu ficando mal por ter que deixa-la.

― Quero muito que você vá me visitar. – eu disse a ela, sorrindo. Segurando suas mãos. ― Vamos manter contanto, ta?

Ela assentiu, limpando as lágrimas do rosto, impossibilitada de responder. O Miguel, muito carinhosamente, a abraçou como uma forma de consolo e aquela foi a última imagem que eu aguardei dos meus amigos, um do lado do outro, olhando pra mim com os olhinhos tristes, como se eu fosse realmente importante pra eles.

Eu sorri pra eles, e me afastei pouco a pouco, acenando.

― Vem, Isabel. Está na hora. – Vicente disse, firme. Chamando por ela, que estava ficando pra trás, grudada no Eduardo.

Quando eu me virei pela última vez, vi o que todos viram: Isabel jogando-se nos braços do Eduardo, e dando-lhe um beijão daqueles. O Vicente ficou chocado, mas também não fez nada para impedir.

A voz feminina chamou nosso voo pela última vez.

Isabel veio correndo até nós, com uma carinha toda boba de quem fez a coisa certa antes de uma grande decisão.

Vicente permaneceu calado, olhou para trás pela última vez, mandando um beijo para a Aline, antes de passar o braço sobre os nossos ombros, uma de cada lado do corpo dele.

Isabel teve a oportunidade de se despedir do namorado, Vicente do jeito dele se despediu da Aline (sua paquera) e eu, bom, nada de Bernardo. Ainda tentava dizer a mim mesma que era melhor assim.

Eu não me contive em dar uma última olhada nos meus amigos antes de embarcar, quando jurei ter visto uma figura bastante familiar mais atrás, bem lá no fundo, entre o fluxo de pessoas em direções diferentes. Mas quando olhei novamente para ter certeza, apertando os olhos para melhor fixar, soube de cara que estava enganada. Não era ninguém. Não era ele. Não era o Bernardo. Eu só queria muito que fosse, mas não era. Eu me enganei.

Era hora de dizer adeus.

Eu deveria estar preparada para um novo começo.

Sem ter que pensar no passado.


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Notas finais do capítulo

Já deu pra perceber que daqui pra frente vai ser tudo muito diferente para cada um dos nosso personagens. Uma nova fase. E eu estou muito empolgada para começar a escrever. Mas antes de mais nada, eu gostaria de saber a opinião de vocês sobre uma coisa: o que vocês acham dos próximos capítulos também serem narrados pelos outros personagens além da Clarissa e do Bernardo? Vocês iriam gostar? Ou preferem assim mesmo, só deles dois? Comentem!



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