Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 30
Capítulo XXIX


Notas iniciais do capítulo

Ufa, aqui estou eu. Demorei um pouco mais que o normal para postar esse capítulo. Primeiro porque eu tive um trabalho da faculdade que me rendeu um bom tempo de estresse até a quinta-feira e segundo que todas as vezes em que eu tentei escrever tive uma espécie de bloqueio na minha criatividade. Admito que o capítulo não ficou tão bom assim, eu queria mais. Eu tinha outros planos pra ele, mas deixarei para o próximo.



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Acordei no sábado antes mesmo do sol nascer.

O primeiro dia de férias.

Não sei exatamente como conseguir levantar tão cedo, antes mesmo do galo cantar e meus pais acordarem. O céu já estava claro, em tons de branco, um azul bem fraquinho e rosa, mas por enquanto nenhum sinal do sol. No jornal da tevê, na noite seguinte, disse que o dia seria de bastante calor. O ar está fresco lá fora, um ventinho gelado agradável, um vazio nas ruas e nas calçadas e um silêncio absoluto.

Fui dormir tarde na noite anterior, pois ficamos todos, entre amigos, até tarde na piscina na casa do Gustavo. Só os garotos, nadando de noite, dando risada alto, falando bobagem, fazendo brincadeiras e contanto piada. Enquanto isso, Marina estava com Clarissa e Isabel, seja lá o que elas estivessem fazendo que parecia um segredo ultra secreto entre elas. Nem se eu quisesse saber, Marina me contaria. Mas fico feliz por ela ter feito amizade com garotas, já que ela está sempre colada na gente desde que nos conhecemos.

Quando cheguei em casa, por volta das onze da noite de uma sexta-feira divertida e completamente descontraída entre amigos, deparei-me com meus pais jogados no sofá da sala devorando duas pizzas que tinham acabado de pedir. Juntei-me a eles e ficamos até tarde vendo Stand Up em um canal qualquer da tevê a cabo.

E aqui estou, de pé mesmo tão cedo, sentindo-me extremamente bem, renovado, cheio de energia e bom humor. Tudo isso porque as férias finalmente chegaram! E mesmo que eu não venha a fazer nada de interessante dessa vez como viajar pra outro estado, conhecer lugares novos, gente nova, ir passar uns dias na casa de parentes ou sei lá, qualquer outra coisa pra matar o tempo. O que me importa de verdade é que vou poder passar mais tempo com a Clarissa sem me importar com os estudos por um mês! Mesmo que o pai dela venha a dificultar um pouco, mas ele nunca será páreo para nós. Sinto que uma conversa de homem pra homem entre nós dois está se aproximando e eu preciso estar preparado para dizer na cara dele que tudo que eu mais quero é ter sua filha em meus braços, afinal, ela já não é mais um bebezinho que ele pode segurar dentro de casa pelo tempo que quiser.

Apesar de bancar o assustador, o todo misterioso, um cara fechado, de poucos amigos, que pouco se socializa na cidade e mal fala com os vizinhos, Vicente não pode agir assim sempre que tiver vontade, existem mais coisas que vão além da compreensão dele. Eu não sei qual é o seu mistério e se tem algum segredo ou sofre de algum trauma ou já sofreu quando era mais jovem. Mas Vicente não pode levar essa banca de durão por muito tempo. Ele não pode exigir que o respeitem sempre, se nem ele mesmo respeita o desejo dos outros, das filhas, os meus.

Esse cara precisa de uma boa lição.

Entro de baixo do chuveiro, sentindo a água morna escorrer por meu corpo inteiro. Em seguida, visto algo mais leve: uma bermuda jeans, uma camiseta branca e chinelos. Passo a toalha para tirar um pouco da água do cabelo, desodorante de baixo do braço, perfume no pescoço, atrás da orelha e pelos pulsos e desço, até a minha cozinha, para tomar um copo grande de leite gelado.

Deito no sofá com alguns biscoitos em mãos e ligo a televisão, procurando por um canal que passe desenho animado. Há quanto tempo eu não assisto a um desenho na televisão? Muito tempo. Um pouco depois, mamãe é a primeira a se levantar, desce, me cumprimenta e segue até a cozinha para preparar o café da manhã para o meu pai.

Apesar de todos os alunos de ambos os colégios onde os dois trabalham estarem de férias nesse mês de julho, mamãe e papai ainda vão precisar ir ao colégio alguns dias durante a semana para acertarem algumas coisas que são precisas. Literalmente, eles nunca tiram férias, sempre tem alguma coisinha ou outra pra fazer no colégio em relação aos tantos alunos que a uma hora dessas não pensam nem em acordar, já que estão todos de férias, sem exceções.

É bom acordar cedo por um lado, já que o dia parece se estender mais de cedo forma. Com meu pai tomando o controle da televisão pra ele já com seu café em mãos, resolvo sair para dar uma caminhada básica pelas redondezas. Já são nove da manhã e praticamente todas as lojas estão abrindo naquele instante, assim com as pessoas saindo de suas casas para comprar, passear, caminhar, viajar ou circular por ai.

Cumprimento alguns conhecidos na volta pra casa quando sinto meu celular vidrando no bolso da frente da bermuda jeans.

“Acordei. E a primeira coisa que me veio à cabeça foi você.”

Uma mensagem de texto da... Clarissa.

Quase não consegui esconder a felicidade em saber que ela pensou em mim nos primeiros instantes de um novo dia.

Voltei pra casa, peguei um livro na minha estante e desci novamente, indo até o quintal dos fundos, sentando-me nos degraus que ficam próximo a porta para descer para o gramado e comecei a ler, sem conseguir prestar atenção em nenhuma palavra. Meu pensamento voando alto, na direção da Clarissa, não muito longe, lá na casa dela.

“Quero muito de ver hoje. Preciso muito de ver”

Mandei essa resposta pra ela, que não me mandou uma mensagem de volta de imediato, só vinte minutos depois ela me respondeu:

“Vamos dar um jeito. Eu prometo.”

Não estamos exatamente namorando. Está mais pra uma mistura de amizade com direito a pegação. Eu queria poder ir devagar, reconquista-la aos pouquinhos, ir com calma, ser paciente, mas quando estou perto dela, perco toda a minha razão. Simplesmente não consigo me segurar, porque preciso, a todo o tempo, senti-la perto de mim só pra ter certeza de que ela é mesmo real. Porque eu ainda não acredito que estamos bem literalmente, outra vez e que agora, sem birras de ambos os lados, podemos nos acertar de vez.

Estou disposto a tudo pra fazer dar certo. Porque sei que é possível se tentarmos juntos.

Ontem, lá na casa do Gustavo, meus próprios amigos me intimidaram. Queriam a todo o custo que eu admitisse de uma vez por todas que eu e a Clarissa estávamos namorando. Mas não é a verdade, apesar de eu querer muito isso de todo o meu coração. Tentei desviar o assunto só pra eles não encherem mais a minha paciência, e funcionou, jogando tudo pra cima do Edu, que também está cheio de mistério com a Isabel. Ele nunca nos conta nada, fica sempre calado, só dá risada e escuta tudo com a atenção, mas não se manifesta nunca.

Na hora ele ficou todo sem graça, deu umas risadinhas, e levantou-se, pra não ter que falar sobre aquilo alegando que iria pegar mais Coca-Cola com limão pra gente lá dentro, na casa.

Marina também estava dando uma de esperta pra cima de mim, com a aproximação dela com a Clarissa nos últimos dias, eu tentava, sempre que possível, saber o que tantos elas faziam juntas, o que conversavam, o que a Clarissa falava, e se falavam sobre mim, sobre nós. Essas coisas que todo mundo quer saber da pessoa que você gosta, pra facilitar um pouco. Mas sempre que eu perguntava qualquer coisa a Marina ela dizia sempre a mesma coisa:

― Não insista, Bêzinho. Eu sou sua amiga, sempre fui. Mas agora eu sou amiga da Clary também e não seria justo eu sair falando pra você tudo que a gente conversa em particular. Porque você não pergunta diretamente a ela?

Claro, é fácil falar, difícil mesmo é ir lá e perguntar tudo que eu tenho vontade de saber, assim, de uma hora pra outra. Sendo capaz até de assustar a garota com as minhas maluquices.

Um telefona rompeu meus devaneios. Lorena ligou só pra dizer que iria sair de férias, por uma semana inteirinha, com a Liz e o namorado, mas que logo estaria de volta e assim eu poderia passar o tempo que fosse preciso com a minha filhinha para recompensar esses dias que estivemos separados.

Eu não tive muito com o que argumentar. As palavras de Rafael, da nossa última conversinha, ainda me assustavam muito.

Mas a vida continua. E eu preciso manter a cabeça erguida sempre pensando pelo lado positivo das coisas. Sempre com a esperança de que um dia tudo será diferente pra mim, do jeito que eu espero.

Foi bem mais difícil do que o esperado encontrar-me com a Clarissa mesmo durante as férias com o seu pai sempre no pé, dando horário pra ela voltar pra casa ou simplesmente indo busca-la de carro. Tínhamos pouco tempo livre, apenas enquanto ele estava no trabalho. Ou eu ia secretamente a casa dela passarmos um tempo juntos no quintal dos fundos ou íamos ao centro, no melhor horário, para tomar um sorvete, comer alguma bobagem, dar uma volta na praça, mas sem muitos contatos íntimos, pra não levantar suspeitas de quem quer que estivesse nos vigiando. Na maior parte do tempo eu me sentia assim, vigiado por ele. Pelo pai dela. E estava ficando muito difícil pra mim controlar minha vontade de pelos menos poder segurar a mão dela.

― Eu queria poder ajudar vocês. – a Mari se explicou. ― Mas não é sempre que o pai dela é bonzinho ou tolerante comigo. Vocês poderiam usar a minha casa como ponto de encontro, mas ele prefere mantê-las em cárcere privado dentro de casa.

No sábado não conseguimos nos ver, Vicente fez uma certa questão de levar tanto Clarissa, quanto Isabel, para bem longe da cidade para uma noite diferente na Capital. No domingo mal conseguimos nos falar na igreja, quando nos encontramos perto dos bebedouros. Na segunda, passamos horas e horas, pela manhã, falando ao telefone. Na terça-feira conseguimos tomar um sorvete juntos. Na quarta-feira fui até a casa dela, não aguentava mais esperar, apesar de aparentemente não ter gostado da minha visita inesperada, ela me recebeu bem e ficamos no quintal dos fundos da casa dela, sentados juntos, tomando suco, deitados voltados para o céu azul, observando a movimentação das nuvens, as mãos dadas e rindo de qualquer coisinha boba que um ou o outro falava. Na quinta-feira pedi que ela viesse me visitar dessa vez, esperei meus pais saírem e abri a porta pra ela entrar. Jogamos videogame no meu quarto-porão e comemos batatinha frita. Na hora de ir embora, Clarissa fez questão de voltar pra casa sozinha com a sua velha bicicleta. Na sexta-feira eu queria ir ao cinema, mas ela não poderia por conta do horário, então, ficamos no meu quarto mesmo, ainda às escondidas, vendo a televisão e abraçados.

Qualquer coisa já era ótimo pra mim se ela estivesse por perto.

Eu queria muito não ter que me preocupar com o horário, a presença dos meus pais ou do pai dela. Não queria ter que sair pelos fundos ou esperar meus pais saírem pra ela entrar. Não queria ter que ficar preso no quintal ou no meu quarto sem poder fazer coisas mais interessante do lado de fora, no dia lindo de sol que fazia lá fora.

Ter um relacionamento escondido poderia parecer bem interessante em alguns momentos. Me dava uma certa adrenalina. Mas já passamos por aquilo uma vez e eu realmente queria que agora fosse diferente, que fossemos mais livres, estivéssemos mais à vontade, pudéssemos ir para qualquer lugar sem nos importar com que horas voltar ou se as pessoas estariam ou não olhando.

Eu só queria, assim como qualquer outro garoto, mostrar ao resto do mundo que eu tinha uma namorada maravilhosa ao meu lado. Extremamente linda, encantadora, bonita, engraçada e que tem certas particularidades que só eu conhecia. Um lado dela que só eu queria capaz de enxergar, porque ela me permitia isso. Porque gostamos um do outro. Queria poder desfilar por ai com a Clarissa ao lado, mostrar a tudo e todos que pertencíamos um ao outro, formávamos um belo casal e que éramos extremamente felizes e que seria assim, sempre assim, por um longo tempo que poderia durar uma vida toda.

Por muitas noites eu me peguei pensando na melhor forma de dizer aquilo tudo a ela sem deixa-la aborrecida, sem parecer insatisfeito, chato ou insistente. Não queria estragar as coisas justamente agora que estávamos indo tão bem a certo modo. Gostaria de poder evitar algo assim. Clarissa faz mais o tipo sensível que fica chateada facilmente, triste facilmente, irritada facilmente. E eu, particularmente, prefiro muito mais quando ela está animada, contente, sorridente, bem-humorada, extrovertida, fácil de lidar. Apesar de achar bem bonitinho quando ela tem lá suas birras, suas manhas. Tudo nela é tão encantador.

Como nunca antes ninguém enxergou algo assim?

― Eu estava pensando – ela deitou a cabeça no meu peito. Eu passava os dedos nos cachos dela, dando voltas em meus dedos. ― você tem sido bastante tolerando comigo, com a gente. Vem suportando uma barra pesada só para ficar comigo. E eu sinceramente – ela levantou a cabeça, e me olhou sorrindo. ― agradeço muito a você.

Dei um beijo demorado no alto da cabeça dela.

― Na verdade eu gostaria de conversar sobre isso com você. – aproveitei o momento para tocar no assunto que ela mesmo começou. ― Tem sido muito bom, sabe? Cada momento ao seu lado. Eu tenho tentado aproveitar ao máximo e fazer de tudo para nada sair errado, para que possamos continuar assim, sempre bem. Mas, eu realmente gostaria de poder mais, Clarissa. E pensei... Porque não falar com o seu pai?

De repente, sua expressão mudou de contente para assustada.

― Calma. É só uma sugestão. – tentei sorrir, mas ela não sorriu de volta. ― Lembra quando eu disse que se fosse seu namorado enfrentaria seu pai de frente sem qualquer problema? É exatamente isso. Hoje, me sinto mais preparado que antes. Pode acreditar.

― Realmente, não me parece uma má ideia, Bernardo. Mas é que eu tenho medo. – ela se encolheu em meus braços. ― Tenho medo de que quando ele souber de toda a verdade tente nos separar de uma vez por todas! Eu não sei se é uma boa ideia você falar com ele.

― Fique calma. – passei a mão pelo braço dela, puxando-a para mim com firmeza. ― Pode ser que seja completamente diferente do que imaginamos. Talvez seja mais fácil. Talvez ele até goste da ideia.

― Talvez é uma incerteza muito grande. – ela balançava a cabeça negativamente. Já não tinha mais os olhos negros nos meus, voltara a deitar no meu peito. Mas eu sentia a tensão no corpo dela só de tocar no assunto. E eu a entendia, melhor que ninguém. ― Você pode me dar um tempo a mais? Eu vou tentar falar com ele. Preparar o terreno, entende? Antes de você chega lá e falar tudo de uma vez só. Pode ser que quando ele me ouvir, facilite as coisas pra você mais tarde.

Eu esperaria, pelo tempo que fosse preciso. O quanto ela precisasse, eu esperaria. Enquanto isso íamos dando o nosso jeitinho.

― Eu quero matar aquele desgraçado! – Marina entrou no meu quarto bufando, um pouco depois de Clarissa sair.

Ela nem precisava dizer quem era o tal desgraçado. Sempre que ela e o Gustavo brigam feio, eu sou a primeira pessoa que ela procura.

― O que aconteceu dessa vez? – endireitei-me sobre a cama, tentando esconder o riso. Olhei fixo pra ela, esperando.

― Seu amigo, aquele cretino, nunca vai tomar jeito! Ele ainda insisti em fazer ciúmes pra mim com aquelas suas amiguinhas ordinárias.

― E pelo visto está funcionando! – eu ri, dessa vez não tive como segurar. ― Olha Mari, você conheceu o Gustavo assim, sabe que provavelmente ele nunca vai deixar de agir feito um garotinho só pra te provocar. Você já deveria ter se acostumado.

― Eu me acostumei, Bê. Mas há certo momentos que eu realmente não tolero. Eu explodo! E a primeira pergunta que se passa pela minha cabeça é se eu realmente quero isso pelo resto da vida.

― Tá querendo me dizer que... – nem consegui terminar a frase. Marina e Gustavo separados é uma ideia que não entra na minha cabeça. Apesar de diferentes, sei que eles praticamente foram feitos um para o outro. Ela faz dele alguém razoavelmente melhor. ― Esquece isso, ta? Porque não vamos dar uma volta? É sexta-feira! Talvez tenha algo legal pra fazer no Dukes.

Ligamos para o Miguel e ele foi junto.

Pedimos esfihas no Dukes e alguns salgados. Tentei a todo custo distrair a Mari que realmente parecia em outro mundo, distraída, distante, e com aquela carinha bonita toda tristinha. Miguel também tentou fazer sua parte, mas nada funcionou. No final da noite ela ainda parecia muito brava com o Gustavo e com cara de quem não iria perdoa-lo tão cedo.

― Eu vou pra casa. Obrigada meus amores, mas eu realmente tenho que ficar sozinha e pensar no que eu quero da minha vida. – ela beijou nossos rostos. ― Não deixem que a minha raiva estrague a noite de vocês. Por favor. Ainda é cedo. Não é nem meia-noite ainda.

Eu a vi andando devagar, indo embora, se afastando. Mas não conseguiria deixa-la ir embora tão mal sem antes dizer uma coisa.

― Mari – corri até ela, após pedir ao Miguel que me esperasse. ― eu gosto muito de você! Não tome nenhuma decisão de cabeça quente. Espere até amanhã pra resolver as coisas com ele. Ou não espere nada, ligue pra ele agora. Tentem se acertar. Eu adoro vocês! São meus amigos e eu torço muito por vocês dois juntos.

Quando a abracei, quase senti que ela iria chorar, mas não chorou, porque quando ela quer, consegue ser muito mais forte que qualquer outra pessoa que já conheci.

― Estava pensando em beber alguma coisa. – sugeriu o Miguel, andando ao meu lado, sem um rumo especifico.

― Da última vez você lembra exatamente o que aconteceu, não é mesmo? – nós rimos, recordando-nos da festa de aniversário dele.

Foi uma loucura.

― Não, cara. Dessa vez é diferente. Só uma cervejinha ou duas, nada mais que isso. - O.K. Ele me venceu.

Compramos seis garrafinhas de Heineken e sentamos em frente de casa, na calçada mesmo, tomando nossa cerveja, sem querer enfrentar os bares lotados de sexta-feira e apesar de não sermos o tipo de caras que bebem socialmente. Mas aquela noite era uma exceção. Miguel estava muito concentrado em seus próprios pensamentos e eu ainda pensava no futuro do meu relacionamento com a Clarissa.

― Tá pensando nela. Na cachinhos dourados? – o apelido realmente pegou, tudo por causa do Gustavo.

― É, eu estou. – olhei pra ele, sorrindo. Admirado por ele ainda me conhecer tão bem sem eu nem precisar falar o que realmente está incomodando a minha mente. ― E você, ta pensando no que?

― Em como é estar apaixonado por alguém que realmente vale a pena. – ele bebericou o ultimo gole de sua cerveja antes de abrir outra com o dente. ― Na verdade, não. Eu não estava pensando nisso. – ele riu, a cerveja já começando a subir pela mente. ― Mas eu deveria pensar mais nessas coisas. Eu estava pensando mesmo é na minha mãe, lá em casa, ao pé do telefone, falando com o Vicente.

― Você acha que eles estão... Se gostando? – também terminei a minha cerveja e pegou outra. Sobraram duas.

― Eu tenho minhas dúvidas quanto a isso. Mas não quero nem imaginar algo assim. Eu gosto da Clarissa, sabe? Mesmo nem a conhecendo direito. Mas eu não sei se quero ser meio irmão dela e da Isabel. – ele riu, animado. Dando outro gole em sua cerveja.

Tentei imaginar como seria visitar o meu melhor amigo e dar de cara com a minha namorada morando na mesma casa.

― Eu ia gostar da ideia. – sorri.

Voltamos a ficar calados, apenas bebendo nossa cerveja como se fosse a coisa mais prazerosa a se fazer em uma sexta-feira à noite. Mas a verdade é que não tínhamos muitas opções: eu estava sem a Clarissa, Miguel aborrecido com a própria mãe e seus segredinhos com Vicente, Marina e Gustavo brigados com um clima pesado, Edu cheio de mistérios, mais afastado do que nunca.

― Vamos comprar mais cerveja? – Miguel sugeriu. Tinha bebido mais que eu. No caso, teria sido três garrafinhas para cada um. Mas ele tomou quatro e a última dividíamos.

― Tá bom. Vamos lá. – levantei-me, ajudando-o. Miguel quase tropeçou, eu também. Rimos juntos e voltamos para o centro.

Dei minha parte do dinheiro nas mãos dele. Miguel encontrou um bar aberto e praticamente saltitou até lá, todo alegrinho, ansioso para mais uma rodada de cerveja. Me preocupei que ele não voltasse e ficasse por ali mesmo. Mas antes disso acontecer, eu tirei o celular do bolso e liguei pra Clarissa, como de costume.

― O que está fazendo? – perguntei direto, pulando a parte dos cumprimentos. Não poderíamos perder tempo pra nada.

― Nada. Apenas lendo já deitada. E você? Onde está? E esse barulho todo? – é, ela tinha razão. O centro estava sempre muito transtornado em sextas-feiras após a meia noite.

― Estou com o Miguel na rua. – não entrei em detalhes. Não sei se ela fazia o tipo de namorada que iria gostar da ideia do namorado sair com o amigo pra beber até tarde. Resolvi não arriscar. ― Estou com saudade de você. Amanhã não vamos conseguir nos ver, não é mesmo?

― Eu disse a você que iria tentar.

― Tudo bem. – suspirei. ― Vou aguardar ansiosamente.

Despedi-me e desliguei.

Antes de ir atrás do Miguel ele reapareceu na mesma hora balançando as garrafinhas de cerveja na mão e um largo sorriso no rosto. A marca da cerveja já não era a mesma, ele alegou de que estava em falta, e que qualquer uma serviria naquele momento.

Ele estava certo.

Dessa vez nos sentamos na praça em um banco vazio. Um grupo de garotas no banco da frente sorriram e acenaram, bem animadinhas, olhando pra nós. Tentei ignorar ao máximo. Já o Miguel pareceu bem empolgado em vê-las, apesar de não ser muito o tipo dele. Mas com algumas cervejinhas a mais ele realmente não se importava e deixava toda a timidez de lado para tirar proveito da situação.

Um delas se aproximou de nós, eu não olhei muito pra aparência dela, como se vestia ou quantas bobagens havia dito. Estava farto daquele tipinho fácil de garota. Até minha cerveja parecia bem mais interessante que todas elas juntas. Percebendo minha falta da interesse não só por ser tão fútil, mas também por agora estar com a Clarissa e dever respeito a ela mesmo meio alterado por causa do álcool, a garota arrastou o Miguel pra longe dali, deixando-me sozinho.

Pensei em voltar a ligar pra Clarissa, conversar com ela mais um pouquinho, passar o tempo até o Miguel voltar. Mas de repente me bateu uma tristeza que amargou o gosto na minha boca. Eu não iria atrapalhar Carissa em sua leitura, não mais uma vez.

Só de pensar que tudo dependeria no bom-humor do pai dela para nos vermos no sábado eu já me sentia extremamente chateado. Eu estava começando a duvidar se estava mesmo chateado ou furioso por esse cara ser tão impassível com tudo. Claro, menos com a mãe do Miguel, porque com ela, ele nem parecia a mesma pessoa. Eu já tinha visto os dois juntos ou não exatamente, várias vezes. Mas quando se trata das filhas o cara realmente muda de cara, parecendo um leão raivoso querendo proteger a cria.

Qual é o problema dele, afinal?

Chutei pra longe a garrafinha vazia da cerveja que acabara de terminar em um só gole, chamando a atenção do grupo de garotas, sem nenhum sinal do Miguel. Levantei-me meio zonzo, sentindo que definitivamente o álcool já estava tomando conta de mim. Eu estava triste por um lado, frustrado, aborrecido, sentia-me sozinho. Mas por outro estava nervoso, com raiva, enfurecido, capaz de qualquer coisa. Até pensei em ir até a casa da Clarissa, conversar de uma vez por todas com o pai dela mesmo no meio da noite, tirar satisfações, fazer-lhe perguntas e enfrenta-lo. Mas não poderia estragar tudo. Não agora, sobre o efeito do álcool. Quando essa conversa acontecesse eu precisaria agir como homem, para ganhar credibilidade.

Peguei meu celular e digitei uma mensagem de texto para o Miguel antes de ir embora pra casa.

“Vou embora. Divirta-se com suas meninas. Avise quando chegar em casa.”

Chutei tudo que vi pela frente até o caminho de volta pra casa, com a cabeça baixa e as mãos dentro do bolso. Sentia o gosto amargo de cerveja na minha boca e o cheiro terrível de cigarro impregnando na minha camiseta. Nem vi quando uma moto parou ao meu lado, fazendo barulho com o motor. Virei-me para conferir quem era.

Era o Rafael com o sorriso mais descarado que já presenciei na vida. Mas afinal, o que ele estava fazendo ali? Ele e a Lorena não deveriam estar viajando? Como eu poderia me esquecer desse fato, já que ambos carregaram a minha filha junto? Deixando-me longe dela por alguns dias a mais. E onde estava ela? Onde estava a Lorena?

― Precisamos conversar. – ele disse. ― Sobe ai, na moto.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo promete ser bem tenso. Mas não por muito tempo. Eu ainda nem comecei a escrever, mas vou tentar postar na segunda ou na terça. Comentem!



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