Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 29
Capítulo XXVIII


Notas iniciais do capítulo

Aqui vai um capítulo bem mais interessante que os outros. Muita coisa vai mudar agora (espero que sim). Eu percebi através dos comentários de vocês - de boa parte de quem comenta - que vocês acham a Clarissa uma verdadeira idiota. Bom, eu também acho, admito. O Bernardo é sempre tão bom pra ela e ela pega pesado com ele as vezes. Enfim, eu não quero que vocês tenham essa impressão errada dela. A Clarissa tem lá seus altos e baixos, mas é uma menina boa. E vou tentar dar uma melhorada agora.
E o mais importante: obrigada Lu, querida. Pela linda recomendação. A primeira da fic e você não imagina o quanto eu fiquei animada ao ler. Tão fofa! Cada detalhe é muito importante pra mim. Obrigada mesmo. Dedico esse capítulo inteirinho a você ♥



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Eu decidi mudar porque quando a gente passa tempo demais sozinho e isolado do resto do mundo, é quando a gente percebe que está perdendo um bocado da vida lá fora, mesmo ao lado de pessoas tão imperfeitas quanto nós.

Foi difícil admitir pra mim mesma que estava apaixonada pelo Bernardo, afinal era tudo tão novo pra mim. Eu nunca senti nada parecido antes. Foi mais difícil ainda estar ao lado dele sem poder fazer o que tinha vontade, sempre com a interferência do meu pai. Foi difícil aceitar aquela nova realidade após o amor, ter amigos, ser sociável, sorrir constantemente, viver mais alegremente. Foi difícil também me olhar no reflexo do espelho e enxergar o quão ruim eu era mesmo dando tudo de mim para ser boa para as pessoas a minha volta. Eu me sentia pouco, eu me sentia pequena, eu não me sentia o bastante fazendo tanto esforço, e por isso eu achei que o melhor seria voltar pro meu lugar e afastar as pessoas, principalmente aquele que me fazia sentir maravilhada.

Eu não sei bem explicar. Estar apaixonada era muito bom, especialmente quando estávamos juntos. O resto pouco importava. Mas quando eu parava bem pra pensar, eu não me sentia suficiente o bastante ao ponto de me considerar boa.

Eu admito: foi uma péssima decisão. Ainda tento entender o que eu tinha na cabeça quando achei que o melhor pra mim era estar por baixo, era estar distante, era estar afastada, quando na verdade, as pessoas me aceitavam assim, eu sendo do meu jeito, mesmo não sendo o melhor modelo de pessoa que elas já conheceram. O problema é que eu não aceitava a mim mesma.

Foi aí que eu conheci o Diego, que por um momento quase conseguiu me fazer feliz de verdade. Mas não como o Bernardo me fazia. Eu só fiquei com o Diego, não só porque ele era a minha única opção, a minha última esperança de fazer meus planos idiotas darem certo, mas também porque ele não era lá essas coisas, e eu achei, que no fundo, a gente se merecia de algum jeito.

Então eu precisei quebrar a cara, passar por tudo isso, aprender com meus próprios erros, com as minhas próprias escolhas pra perceber que eu não devo – nem sempre – tomar uma altitude sozinha achando ser o melhor pra mim. Eu devo também pensar nos outros, no conjunto, no inteiro. Não basta está bom só pra mim, eu tenho que saber se está bem também para os outros. Pois nem sempre o que é bom pra mim, é bom para o próximo. E se o próximo não está satisfeito, automaticamente pra mim nem tudo será o bastante. Vai ser sempre como se faltasse alguma coisinha que eu não sei exatamente o que é.

E vida será incompleta.

Deixei todo o meu orgulho de lado, passei dia e dias pensando sobre isso, ensaiando textos prontos em frente ao espelho, repensei na minha vida, nas últimas semanas, juntei tudo, e reavaliei. Vi que não era assim como eu queria. Eu queria mais, eu queria de outro jeito. Um novo jeito, diferente de tudo que eu já vivi antes. Comecei a me aceitar mais. Eu cansei do pouco, cansei do mais ou menos, cansei de gostar da ideia de estar sozinha, cansei de achar que eu odeio todo mundo, por achar que eles também me odeiam. Porque na verdade eu não sei de nada. Cansei de achar. Cansei de tirar minhas próprias conclusões. Cansei de ter pena de mim.

Meu primeiro passo: ir falar com o Bernardo, abrir meu coração, ou boa parte dele, me confessar, me redimir, me desculpar e se não fosse tarde demais, pediria uma nova chance pra recomeçar.

O Bernardo é mesmo a melhor pessoa do mundo, pois ele tem todos os motivos do mundo para me odiar, mas ainda assim prefere sorrir pra mim, prefere me desculpar, me dar uma oportunidade. E pra melhorar ainda mais o meu dia ele me deu um abraço, daqueles apertados e que demora tempo suficiente para você querer morar ali dentro.

Depois eu fui falar com a Marina. Tudo no meu tempo. Porque eu também fui bastante grosseira com ela quando eu estava com raiva do Bernardo por motivos tão pequenos, sendo que ela nem se quer tinha culpa de nada. Logo ela que foi uma das primeiras pessoas a me ajudar com o meu pai quando eu achei que não poderia correr riscos. Ela que mal me conhecia me ajudou a mentir para me safar.

Ela que também é uma garota maravilhosa, sempre tão fofa, muito cabeça e muito fácil de lidar, não só me desculpou, como também me convidou para passar uma tarde inteira na casa dela.

Uma tarde de garotas, foi o que ela disse.

Vicente só concordou com o convite, quando eu cheguei em casa toda a animada com a novidade, pois ele faria questão de ir nos deixar e nos buscar na hora marcada. Isabel iria comigo.

E aqui estamos nós. Sentadas sobre a cama espaçosa da Marina pintando as unhas. Isabel pinta as minha unhas de azul-cobalto, ela é muita boa nessas coisas de “arrumação feminina”. Marina é a próxima da fila, já com seu esmalte vermelho na mão. A mãe dela que é uma querida desde que eu a conheci – já sei quem a filha puxou – preparou salgadinhos pra gente e até trouxe refrigerante. Nos deixou todo o tempo muito à vontade. Estava tudo muito agradável, a gente ria, conversava sobre o colégio, garotos, sobre as meninas, até sobre os professores. Ambas concordavam que o professor Fábio, de Educação física era um gato. E também assistimos a filme de comédia romântica e por fim fizemos vários comentários sobre o filme.

Foi a primeira vez em que eu me senti entre amigas. Foi a primeira vez em que senti que não tinha apenas a Isabel. Mas que agora eu também tinha a Marina. Foi a primeira vez em que me senti agindo como uma adolescente normal da minha idade, passando a tarde na casa de uma amiga do colégio.

Coisa que parece simples, mas que antes eu não tinha.

― Meninas, tem visita pra vocês. – Ângela, a mãe da Mari, anunciou, colocando a cabeça pra dentro do quarto.

― Ah não, mãe! Se for o Gustavo pode mandar ele vazar daqui! Eu disse pra ele um milhão de vezes que hoje o dia era meu e das meninas. Será que é tão difícil assim ele entender algo tão simples?

Ângela deu de ombros, sumindo de vista. E ao invés de aparecer o Gustavo, que era exatamente quem eu imaginava surgir ali naquele momento, quem apareceu foi o Bernardo, com um caderno de baixo do braço e aquele seu sorriso torto característico.

― Não sabia que vocês estavam... Hum... Entre amigas. – ele brincou, olhando para cada uma de nós. ― Desculpa atrapalhar assim. Eu já estou de saída. Só vim trazer o caderno da Mari.

Ela se levantou em um pulo, indo até ele com as unhas recém pintadas de vermelho.

― Obrigada, Bê. Deixa que eu pego isso. – ela tirou o caderno das mãos dele. ― Isabel, vem cá. Me ajuda, se não vou borrar as unhas. Me ajuda a pegar mais salgadinho e refrigerante pra gente lá em baixo.

Isabel pegou a bandeja que ainda nem estava vazia e os copos, saindo com Marina pela porta. Deixando eu e o Bernardo sozinhos no quarto.

― Porque que eu tenho a leve impressão de que isso faz parte de um plano entre vocês? – olhei bem pra ele, procurando requisitos da mentira.

― Você tem razão. – ele admitiu, rindo. Bernardo sentou-se comigo sobre a cama. ― Eu disse a ela que esse plano do caderno esquecido não daria certo. Ficaria muito na cara. Você ia perceber.

Eu ri. Ficou muito obvio que eles agiram juntos pra isso acontecer.

― Tudo bem. Vamos fingir que deu certo. – olhei pra minhas unhas, já secas. Depois voltei a olhar pra ele. ― Mas afinal, o que te traz aqui? Porque com certeza você não quer passar o resto da tarde fofocando com a gente feito uma garotinha.

― É, você tem razão. – ele riu, divertido. Bom, pelo visto estou me saindo bem nesse negócio de divertir as pessoas com as minhas piadinhas sem graça, que por fim acaba tendo graça por serem tão sem graça. Confuso, não? ― Mas não está claro o porquê de eu estar aqui?

Balancei a cabeça negativamente, confusa.

― Por você, Clarissa. É por você que eu estou aqui hoje. – ele ainda sorria, todo bonito e inclinou-se na minha direção, diminuindo a distância dos nossos rostos.

Era como se fosse a primeira vez que aquilo estivesse acontecendo entre nós dois. Me sentia apavorada e sem reação como no meu primeiro beijo. E meu coração, esse batia tão depressa que achei que por um momento fosse parar de vez, cansado. A minha respiração ficou curta, entrecortada. Eu não me sentia em meu juízo perfeito.

Porque as meninas estavam demorando tanto pra voltar?

Quando o Bernardo veio me beijar eu suspirei fundo, fechando os olhos e imaginei mil e uma coisa. Senti minha própria mão tremer sobre o meu colo. Achei que aquilo estava ficando esquisito demais. Será que seria sempre assim? Bastaria ele se aproximar mais que o normal para o meu corpo todo sair fora do controle?

― Não, por favor. – sussurrei, abrindo os olhos. ― Vamos com calma dessa vez. Tudo bem?

Ele que também estava com os olhos fechados já muito perto de alcançar meus lábios com os seus, abriu os olhos devagar, as pálpebras tremeram, e quando ele me olhou, senti uma sensação muito parecida com o vento batendo no meu rosto.

― Tudo bem. Sem problemas. Vamos com calma, pela segunda vez. – ele sorrio, e eu me senti verdadeiramente aliviada por ele não ter ficado chateado com a minha interrupção. ― Não foi pra isso que eu vim aqui interromper a tarde de vocês. Eu vim pra te convidar pra sair qualquer dia desses. Só nós dois, o que você acha?

― Sei que vai ser meio difícil, mas a ideia é tentadora. – nós sorrimos juntos, meio bobos. ― Tipo um segundo encontro?

― Exatamente. Tipo um segundo encontro. Topa?

Não precisava pensar nem duas vezes.

― Claro que eu topo. Topo sim! – foi inevitável, com toda a minha empolgação e que com todo o meu impulso de sair gritando por ai que finalmente tudo estava dando tão certo, eu o abracei.

Joguei-me literalmente em seus braços.

― Nossa gente, como vocês dois são devagar. Credo! – Marina voltou ao quarto, com Isabel. Mais salgados e mais refrigerante. ― Eu bem que tentei ficar enrolando lá em baixo. Isabel está de prova! – ela voltou a se sentar em sua cama. ― Agora chega. Cai fora daqui Bernardo! Seu tempo já se esgotou.

Fingindo estar chateado, Bernardo fez bico para a amiga. E como retribuição ela apertou as bochechas dele com tanta força que ficaram marcadas. Bom, se eu também tivesse essa intimidade com ele certamente teria feito o mesmo. Até fazendo careta ele é fofo e eu me sinto a garota mais sortuda do mundo por isso.

Bernardo beijou a minha testa ao se levantar, depois se despediu das outras duas. E foi embora. E nós, bem, nós continuamos a tarde, que ainda não havia terminado, entre amigas.

Vicente foi nos buscar seis e meia da noite.

― Então quer dizer que as coisas entre você e o Bernardo agora estão tudo numa boa? – pergunta Isabel, como aquele sorrisinho de gente sacana que tem sempre segundas intensões.

Naquele mesmo dia, estávamos colocando a mesa para o jantar.

― Xiu! Fala baixo! Ou o Vicente vai escutar. – a repreendo, colocando os pratos sobre a mesa. Ela vem logo com os talheres.

― Ele tá na banho, relaxa. – ela ainda sorri, ao meu lado, ajeitando a mesa comigo. ― Fico feliz por vocês, sério. Você sabe que desde o começo eu torço pra vocês dois. São lindos juntos!

― Obrigada, Isa. Mas ainda somos amigos. Nada mais que isso. O Bernardo é um garoto nota dez. Merece o melhor.

― Tá. Sem essa. Sem papo furado outra vez. – ela ri, toda engraçadinha. ― Você nem vai acreditar....

Ela vira-se de costas, indo buscar os copos.

― Eu pedi o Edu em namoro.

― O quê? – arregalo os olhos.

― Isso mesmo. Eu gosto dele. Ele de mim. Pelo jeito ele não é muito diferente do Lucas no requisito “tomar a iniciativa”. Mas eu já me conformei sabe? Sou do tipo da garota feita pra agir como tem que ser.

Eu adoro essa postura imponente da Isabel.

― Parabéns pra vocês dois! Eu fico muito feliz, Isa. Feliz por você está feliz. E bom, o Edu é um cara bacana. Torço muito por vocês.

Dei um rápido abraço nela. O Vicente surgiu logo depois. Calamos nossas bocas e só abrimos para colocar a comida na boca e mastigar.

Última semana de aula na escola antes das férias.

Tinha acabado de chegar em casa dando de cara com o Vicente mais cedo em casa com ar de preocupado. Subi, tomei um banho, depois desci pra almoçar. Tentando evita-lo. E assim que levantei pra colocar meu prato vazio na pia ouvi o grito do carteiro na porta. Fui correndo ver do que se tratava.

Assinei o papel sobre a prancheta e o carteiro me entregou um envelope bastante volumoso. Era para o Vicente. Agradeci ao homem e voltei pra dentro de casa.

― O que é isso? – Isabel descia as escadas daquele momento, se aproximando curiosa pra olhar de perto o envelope.

― Eu não sei. Parece ser algo bem importante. – olhei o envelope de todos os ângulos procurando alguma pista. ― Pai! Entrega pra você. - berrei.

Vicente surgiu do quintal dos fundos apressadamente com o celular em mãos que ele logo desligou. Em passos firmes ele veio em nossa direção e arrancou subitamente o envelope de minhas mãos.

Até fiquei assustada pela maneira como ele agiu.

― Dá isso aqui. – ele se afastou. ― Isso me pertence.

Ele subiu, batendo a porta do quarto lá em cima.

Olhei pra Isabel assustada e bastante surpresa.

O que foi que deu nele? Porque tanto mistério? Porque tanta raiva por causa de um simples envelope? Credo. Pelo visto ele estava mesmo de mau-humor.

Por ser a última semana alguns professores abriram mão das melhores salas para reunir aqueles alunos em situação crítica para aulas de reforço na tentativa de ajuda-los com pontos extras na média final.

Naquela manhã de terça-feira a nossa turma ficou sem as últimas três aulas. Nada de professores. Bom, o que foi a alegria da turma. Alguns grupinhos saíram de sala para andar por aí pelo colégio. Outros foram para o fundão jogar baralho ou para conversar e rir alto, algumas meninas ficaram na quadro-negro desenhando já que não podíamos sair do colégio mais cedo por sermos menores de idade.

― Oi. Tá ocupada ai? – eu sabia que uma hora ou outra ele ia vir falar comigo. Sentar-se ao meu lado como quem não quer nada.

Era só uma questão de tempo.

― Na verdade, não. – fechei meu fichário. Estava tentando escrever alguma coisa pra passar o tempo. Mas simplesmente não consigo em meio a tanta bagunça.

― Quer dar uma volta? Eu tenho uma surpresa pra você.

Eu o acompanhei pelo colégio, seja lá onde for que ele estivesse me levando. Fomos nos aproximando do jardim quando de longe avistei algo inusitado. Bernardo havia preparado um piquenique de baixo da sombra de uma das arvores mais afastadas, perto do alto muro que cerca todo o prédio do colégio.

Um lugar bonito e reservado.

― Foi você quem preparou tudo isso? – perguntei, boquiaberta. Piscando mais de uma vez para ter certeza de que aquilo era real.

― Eu dei uma improvisada. Trouxe tudo que eu precisaria dentro da mochila. – ele foi o primeiro a se sentar sobre a toalha estendida sobre a grama verde. ― Lembra que eu te convidei pra sair qualquer dia desses? Na semana passada. Bom, eu pensei... Ela não vai poder. O pai dela é um pé no saco. Então, eu tive que pensar em outra coisa.

Eu ri. Ele tinha razão. Eu estava começando a ficar preocupada, com receio de que ele desistisse de sair comigo por causa do impedimento do meu pai. Mas o Bernardo realmente surpreende.

― Então, você pensou nisso? – segurei a mão dele e com o seu auxilio me sentei de frente pra ele.

― Exatamente. – ele abriu um sorriso. Os olhos irradiantes como o céu azul daquela manhã. ― Não gostou?

― Eu adorei.

Bernardo trouxe frutas, suco e alguns sanduíches para o nosso piquenique improvisado no colégio no tempo vago.

― Como você sabia que iriamos ter aula vaga no ultimo horário? – perguntei, enquanto ele me dava na boca (isso mesmo) um morango pequeno que eu mastiguei vagarosamente sentindo o suco da fruta.

― Minha mãe comentou algo a respeito ontem à noite. – após me dar o morango, ele bebeu um pouco do suco de maneira graciosa.

Conversamos por um momento, mas foi impossível não perceber que apesar dele estar disfarçando bem, sempre sorridente e divertido, havia algo, bem lá no fundo de seu olhar, que o incomodava.

― O que foi? – perguntei, séria. Tocando o braço dele e sentindo meu corpo todo se irradiar. ― Você tá triste?

― Não. Não estou. – ele sorrio, mas não me convenceu. ― Estou feliz. Estou aqui com você. E isso é ótimo.

― Não minta pra mim. – brinquei, beliscando-o devagar. ― Eu sei que tem algo de errado com você. Somos amigos não somos? Porque não se abre pra mim? Como muitas vezes eu fiz com você?

― O.K. Você venceu. Eu não queria ter que estragar o nosso segundo encontro, mas você insistiu. – ele riu por alguns segundos. ― O problema é que eu não consigo parar de pensar no que o Rafael, namorando da Lorena, me disse a alguns dias.

Ele me contou sem deixar de fora nenhum detalhe. E conforme ele ia falando, sem me olhar diretamente nos olhos, eu não conseguia tirar os meus dele, e percebi que ele estava muito triste com aquilo e pior, não havia nada que eu pudesse fazer para ajudar.

Me senti muito inútil por isso. Já que ele sempre fez de tudo para me ajudar no que fosse preciso. De repente, percebi o quanto os meus problemas são pequenos diante dos deles. Afinal, nada é tão grandioso quanto o valor de um filho. Isso não se compara a nada.

― Pronto, agora você sabe o que há de errado comigo. Mas isso não é tudo. Eu sei que a Lorena jamais fará isso comigo. Eu gosto de acreditar nisso. – olhei para nossas mãos, quando ele entrelaçou nossos dedos de maneira natural. ― Vamos mudar de assunto?

E mudamos. Porque era preciso. Eu não queria mais vê-lo tão triste, por não poder fazer nada para mudar aquele fato.

Me esforcei para distrai-lo, falando qualquer bobagem atoa para fazê-lo rir. Pois o sorriso dele é absurdamente bonito e isso me tão um bem danado. Ele nem imagina o quanto.

― Você não faz ideia do quanto eu senti sua falta todos esses dias em que estivemos afastados. E mesmo quando eu podia estar por perto, sendo o melhor amigo que eu poderia ser, eu ainda sentia sua falta, porque queria ser mais que um amigo. Eu queria você.

Naquele momento eu já estava encostada nele, Bernardo passando a mão no meu cabelo. Foi então que ele teve a ideia inusitada de arrancar uma linda florzinha do jardim bem cultivado a nossa volta e colocar atrás da minha orelha.

Eu ri, porque fez cosquinhas. Mas também achei um gesto muito romântico da parte dele. E suspirei, sonhadora. Porque apesar de ser difícil admitir em voz alta, eu também senti muita falta de cada detalhe dele. De um jeito tão doloroso que eu nunca imaginei que pudesse sentir algo igual novamente.

O sinal soou longe, anunciando o final das aulas.

― Espera. Não vai agora. Espera um instantinho. – ele recolheu tudo, enfiando dentro da mochila. E eu o ajudei.

Depois paramos um de frente para o outro para nos despedir. Na minha cabeça eu já imagina no que ia resultar aquele momento. Tudo pelo que eu esperei por tanto tempo.

Ele me puxou pela cintura e eu apoiei a cabeça em seu peito, podendo ouvir cada batida do seu coração. Aquele momento poderia ter durado uma eternidade, mas eu tinha que ser rápida, precisava voltar pra casa. Levantei a cabeça e olhei pra ele, dentro dos olhos azuis claro.

Sua mão macia tocou o meu rosto e fez movimento circulares na minha bochecha. Depois foi como se ele desenhasse os contornos da minha boca com a ponta do dedo. Seus olhos sempre ao alcance dos meus. Eu levantei-me na ponta dos pés e fechei os olhos, indo com a minha boca em direção a sua. Quando nossos lábios colaram um no outro eu senti um leve tremor. Mas Bernardo estava ali, para me segurar quando eu precisasse. E beijamo-nos finalmente, sua língua passando pelo pequeno espaço da minha boca entreaberta.

Caminhei sozinha até o bicicletário, com um sorriso bobo brincando nos lábios. Eu podia sentir o cheirinho do Bernardo em mim por termos passado a manhã inteira praticamente juntos no jardim.

Quando eu vi o Diego de longe meu sorriso desapareceu no mesmo instante. Eu queria recuar, ir em outra direção, deixar minha bicicleta pra trás e voltar pra casa caminhando mesmo. Tudo para não ter que encara-lo de frente desde o nosso termino. Eu ainda sentia muito medo dele. Medo que ele quisesse tirar satisfações comigo e terminar o que ele havia começado no Clube aquela tarde.

― Eu pensei que você ia me esperar pra gente ir embora junto. – o Bernardo apareceu atrás de mim, me dando um susto.

Ele riu. Mas eu não.

Ele olhou na mesma direção que eu, eu pude sentir a tensão em seu corpo ao ver o mesmo que eu.

― Vamos lá. Eu vou com você. Vamos para casa. – ele pegou na minha mão, e me direcionou até o bicicletário. Eu ainda estava muito pasma, calada. Foi como se eu tivesse me esquecido de como andar ou como respirar.

Passamos pelo Diego sem falar nada. Ele nem se quer se importou em ver a gente juntos de mãos dadas. Mal olhou pra gente. Parecia estar esperando por algo ou por alguém. Com a cara fechada, bastante intrigante.

Eu não poderia dizer o que aquilo significa. Não sei se era um alivio ou meu medo aumentava pela sua indiferença. Talvez ele tivesse mesmo superado aquele momento, ou quisesse distancia de mim, com medo do Bernardo. Ou quem sabe até ele tivesse planejando algo ainda mais maligno para me pegar de surpresa quando eu estivesse despreparada, sem o Bernardo por perto.

― Você não precisa ter mais medo. – Bernardo levava a minha bicicleta com uma mão, com a outra ele segurava a minha mão, apertando firme. Me dando segurança. ― Eu sempre estarei aqui por você. Pode confiar em mim.

Eu confiava. E como confiava!


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Eu particularmente gostei muito de escrever essa reconciliação da Clarissa com o mundo. Mas sou muito suspeita pra ficar aqui falando. Espero que tenham gostado também.



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