Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 23
Capítulo XXII


Notas iniciais do capítulo

Mais uma sexta-feira finalmente! E olha só, as aulas mal começaram pra mim e eu já estou empolgado com o feriado de carnaval da semana que vem. Não sei se ai onde vocês moram acontece da mesma forma que aqui onde eu moro. Eu particularmente nunca fui muito fã de carnaval, nunca fiz nada de interessante nesse data. Mas vou aproveitar para fazer o que eu gosto: escrever, ler, estar com quem eu gosto e descansar. E isso parece ótimo pra mim!



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Eu sei, todos nós desperdiçamos chances, oportunidades, momentos, pessoas, amores. Mas durante essas semanas em que me vi literalmente distante do Bernardo apesar da sua insistência, mesmo eu o tratando mal, ele tentava se aproximar, foi quando percebi que gostava muito mais dele do que eu gostaria de ter que admitir. Talvez tenha demorado pra perceber, mas o fato foi que eu percebi naquele momento, em quanto ele me dizia toda a verdade que eu não consegui enxergar, que o que eu sentia por ele era algo muito significativo. Eu temia que fosse amor. De repente me senti tomada por algo mais forte que eu.

E mesmo que seja amor, não é como se eu pudesse corresponder literalmente, da forma que ele merece. Por isso, precisei mentir. Para preserva-lo dos meus problemas sem solução. Precisei mentir dizendo que estou com o Diego porque o Bernardo é bom demais pra mim e eu não posso ser tão pouco pra ele, pois ele merece muito, merece tudo de mim. E tudo é o que eu não posso ser pra ele, pois algo no meu passado me fez pela metade. Me sinto pela metade na maior parte do tempo, como se sempre me faltasse alguma coisa. Mesmo que quando estou com ele, sinto que só ele é capaz de preencher todos esses vazios. Não seria justo não poder estar ao seu lado sempre que tivéssemos vontade. E tudo isso porque meu pai jamais aceitaria algo assim.

― Filha, tudo bem meu amor? – Vicente se aproximou de mim no sofá de casa. É sexta-feira, sete e meia da noite. E ele acabou de chegar do trabalho. ― Você está tão tristinha.

― Não é nada, pai. Apenas preocupação com as trimestrais. – tento sorrir, dando-lhe um beijo em forma de cumprimento.

Ele sorri de volta. Hoje é um daqueles dias que ele parece ter acordado com o pé direito. Feliz da vida por motivos bem particulares.

― Já sei como te animar! – ele senta-se ao meu lado, deixando sua pasta de lado. ― Que tal pedimos pizza para o jantar?

― Ótima ideia! – Isabel cantarolou, descia as escadas correndo. Vicente se levantou contente ao vê-la e eles se abraçaram sorrindo.

Vicente pediu pizza para o jantar, tomou um banho e vestiu algo mais informal. Jantamos sobre o tapete da sala vendo um programa de comédia na televisão. Vicente e Isabel pareciam se divertir muito, mas eu só conseguia me ver em outro lugar, bem longe dali e com que poderia me fazer sorrir outra vez: ao lado do Bernardo.

Para seguir com a minha mentirinha a diante eu precisaria parar de pensar tanto nele e me lamentar por isso. Ele até poderia ser o meu primeiro amor, mas não significava que seria o último. Eu tenho uma vida toda pela frente e sei que vou conhecer muita gente ainda. Tento me convencer de que um dia surgirá um outro garoto que me faça sentir assim, tão imensa, outra vez.

A campainha toca interrompendo nosso momento.

Meu coração bate acelerado, cheios de expectativas e ansioso por cogitar a possibilidade de que seja ele. Mas não é. Claro que não. Porque seria se eu dei um chega pra lá nele? Bernardo não se humilharia por mim a esse ponto. É nada mais nada menos que a Karen com um embrulho colorido em mãos.

― Olá meninas! Vim passar a noite com vocês. – ela cumprimenta nós duas e depois dar um beijão no Vicente que nos limitamos a ficar olhando. ― Trouxe chocolate para vocês.

Agradecemos tentando soar simpáticas. Isabel e eu vamos juntas até a cozinha com a desculpa de guardar o agrado na geladeira para não derreter, mas na verdade é que não queremos ficar perto dos dois com a Karen sempre agarrando o Vicente. Isabel já está rasgando o embrulho da caixa de chocolate.

Por mais que a Karen tente agradar, ela sempre acaba errado, de proposito ou não. Nem posso culpa-la por isso. Ela é meio cabeça oca igual a tal da Brenda. Será que elas tem algum tipo de parentesco?

Karen trouxe chocolate branco pra mim, que eu detesto. E trouxe chocolate trufando para Isabel com recheio de morango, que ela também detesta. Fazemos caretas uma para a outra.

― O que aconteceu entre você e o Bernardo? – Isabel pergunta como quem não quer nada, enchendo um copo com água gelada.

― Nada. Porque? – dou de ombros, aceitando a água que ela me entrega. Bebo tudo em um só gole.

― O Edu comentou que ele está bem pra baixo ultimamente. Ele pode até ser bobinho, por não saber de nada. Mas eu sei. E liguei os pontos e conclui que só poderia ser por uma razão: você.

― O quê? – deposito o copo vazio sobre a pia. ― Você está me culpando pelas mudanças de humor do Bernardo?

― Claro! Você acha que sou boba, Clary? Eu sei que vocês não estão mais juntos e se desentenderam. E você também, por mais que tente disfarçar, não me parece nada bem.

Suspirei fundo. Contei tudo a ela.

― Ficou maluca? Que tipo de doença você tem? – ela me encarava seriamente com a mão na cintura. ― Que tipo de garota trocaria o Bernardo pelo Diego? Só você mesmo, Clarissa. Estou decepcionada. – ela balançava a cabeça negativamente. ― Só espero que depois você não se arrependa de deixar essa chance passar por você. O Bernardo além de lindo é o melhor garoto que eu já conheci.

Como se eu não soubesse.

― Meninas, voltem já! Ou o resto da pizza vai esfriar. – o Vicente gritou lá da sala, chamando-nos para se juntar a eles.

O final de semana foi bastante parado. Quando conseguimos convencer o Vicente a tirar uma tarde de folga para nos levar ao Clube, acabou chovendo pelo resto do sábado. Uma chuva fininha e irritante, o clima até esfriou um pouco. Isabel e eu tiramos o dia para comer besteira, ouvir música e jogar jogos de tabuleiro sobre o carpete do meu quarto, enquanto o Vicente namorava a Karen no sofá da sala.

No domingo fomos a igreja. Fiquei muito surpresa por não encontrar o Bernardo e sua turma por lá, mas vi seus pais. Então, ele tinha decidido não ir. Ou estava doente ou mais ocupado com qualquer outra coisa. O que me deixou bastante desapontada também, por mais que eu não estivesse preparada para ter um relacionamento sério com ele, ainda assim apreciava sua presença mesmo de longe, mesmo que nesse momento ele me odiasse com todas suas forças. Ele teria todo o direito de me odiar, afinal, eu não tenho sido nada legal com ele.

A semana se iniciou na segunda-feira de manhã e as provas trimestrais retomaram pelos próximos três dias. Poucas vezes eu vi o Bernardo e sempre que ele passava por mim se limitava a me olhar ou esboçar um sorrisinho por mínimo que fosse. Mesmo para a minha decepção já era de se esperar. Com certeza ele estava me odiando, e sendo assim seria bem mais fácil pra nós dois.

Chegava em casa cedo depois do termino das provas. Comia alguma coisinha, assistia televisão com Isabel enquanto ela tagarelava sem parar sobre com as coisas iam entre ela e o Eduardo e até me deixava a par de tudo que aconteceria entre o grupinho deles – já que agora ela andava mais pra lá do que pra cá - e em especial, fazia o favor de falar do Bernardo, mesmo que eu não mostrasse o menor interesse, sabia que ela fazia de propósito só para me testar. Estudava por uma horinha e meia e depois tirava o resto do dia para ler um livro ou escrever na minha caderneta qualquer coisa sem importância.

Só na quinta-feira, quando finalmente as provas acabaram e agora era só esperar pelos bons resultados, eu voltei a ver o Diego com maior frequência durante o intervalo e o tempo vago. Aliviada por ele estar bem melhor aparentemente, sem nenhum roxo ou machucado causado pelo Bernardo durante a briga e por não estar chateado por eu ser a verdadeira culpada por aquilo tudo.

Nós voltamos a conversar normalmente. Mas não deixei de notar que ele estava bem mais próximo agora, mais íntimo, me tocava com mais frequência, pousando sua mão sobre o meu braço enquanto falava ou tocando meu rosto para um elogio. O que facilitou em muito na minha mentirinha em dizer que estávamos namorando para o Bernardo. Até então eu nem tive a audácia de falar sobre isso com o Diego, com receio que ele fique chateado ou bravo por usá-lo como um “objeto” na tentativa de afastar um alguém muito especial. Quem iria gostar de saber que está sendo “usado” para algo assim? Decidi que não iria contar. Não por enquanto. E levaria esse plano arriscado a diante mesmo sozinha.

Mas algumas vezes era realmente complicado fingir ser a namorada de alguém que não sabe que está namorando com você. Especialmente quando o Bernardo estava por perto ou passava por nós, a única pessoa, mais que qualquer outra, que precisava acreditar nessa história. Nesses momentos, ousadamente eu me aproximava mais do Diego, retribuía seu olhar ou seus carinhos, fingia uma expressão de encantamento, mas sempre a atenta se o Bernardo estava ou não olhando curiosamente, mesmo que disfarçadamente, para nós.

Conforme os dias foram prosseguindo dolorosamente, percebi que ele estava sim acreditando naquele minha invenção maluca. Pouco a pouco ele até não olhava tão mais pra gente e eu não precisava bancar a apaixonada pelo Diego todo o tempo. O Bernardo estava mudando definitivamente em relação a mim e eu sentia que ele estava cada vez mais distante. O que de um lado era um alivio, já do outro era uma dorzinha afiada em meu peito. Mas algumas dores são necessárias para nos fortalecer. Essa dor por enquanto ainda está sendo muito dolorosa, mas sei que em breve será mais fácil de alguma forma.

Pelo menos eu acredito que sim.

― Clarissa, posso falar com você um instante? – é ele. Levanto o meu olhar tirando-o de meu livro sobre o colo, tentando prender o sorriso que instantaneamente insisti em se exigir ao vê-lo tão perto outra vez.

― Claro. Pode falar.

Bernardo senta-se ao meu lado, no banco do colégio.

― Já se passou um tempinho desde a nossa última conversa. Eu precisei de um tempo razoavelmente satisfatório para assimilar aquela informação dentro da minha cabeça e do meu... Coração. E acho que estou me saindo muito bem por sinal. Tanto que decidi vir até aqui te pedir um último favor. – esperei, esperançosa, com o coração acelerado, que ele prosseguisse. ― Podemos pelo menos continuar a ser amigos?

Amigos? Hum.... Bom, não me parece uma má ideia. Acima de qualquer coisa, mais que qualquer sentimento que eu possa nutrir pelo Bernardo, sua companhia já é o suficiente pra mim. O simples fato de ouvir sua voz, olhar seu rosto de pertinho ou sentir o calor do seu corpo a alguns centímetros do meu já parece ótimo.

Já faz duas semanas que mal nos falamos, mal nos olhamos, nem se quer conversamos e que eu tenho tentado bloqueá-lo da minha mente, acho que também já me sinto preparada para dar um próximo passo, por mínimo que seja, mesmo que minhas tentativas de me manter afastada não venha dando tão certo como eu gostaria que estivesse. Mas a grande merda é que nem sempre tudo dependendo da gente.

― Claro que se seu namorado estiver de acordo.

Namorado? O quê? Ah.... O namorado. Claro! Quase deixei escapar minha surpresa por me fazer lembrar que eu tinha um namorado agora, mesmo que de mentirinha.

― Claro! Sem problemas. Amigos. – estendi minha mão para ele com meu melhor sorriso. Sem forçar dessa vez. E ele apertou a minha mão com a sua, me fazendo ferver por seu simples toque.

Encontrei-me com o Diego na saída que me acompanhava até metade do caminho de volta pra casa quando eu não vinha de bicicleta.

Vi o Bernardo saindo com seus amigos não muito longe de nós e quando nossos olhares se cruzaram ele sorriu pra mim. Um sorriso de amigos. Mas que demorou mais do que o normal. Eu até pensei em ficar ali o tempo que fosse preciso, retribuindo a conexão que se estendia entre nós mesmo distantes. Mas então me lembrei da verdade, e minha mão encontrou com a do Diego e nossos dedos se enlaçaram.

Senti seu corpo se retrair com o meu gesto e voltei a olhar pra ele.

― O que foi? – perguntei, me fazendo de desentendida. Mas eu sabia exatamente porque ele estava me olhando daquele jeito com aquele sorrisinho torto de quem está entendendo tudo.

― Eu que te pergunto, Clary. – seu sorriso se alarga. ― Você acha que eu ainda não percebi, não é? Acha mesmo que eu não percebi que você está me usando para fazer ciúmes no Bernardo?

― Diego, não é isso. É que... – abaixei a cabeça, completamente envergonhada por ter sido pega em flagrante. Eu e a minha mania estupida de não contar a verdade as pessoas no momento certo, antes que a verdade venha à tona em momentos indesejáveis. ― Eu sinto muito. Olha, não é nada disso que você...

― Não tem problema, Clary. – ele riu, interrompendo-me. E apertando firme sua mão fria e grande que encobria a minha. ― Olha, eu até gostava do Bernardo.... Antes da briga acontecer. Agora eu praticamente não consigo olhar pra ele. E seja lá qual forem suas razões por não ter me contato antes, por não ter pedido minha ajuda antes ou por estar fazendo isso com ele, só quero que saiba que, que eu estou com você para me vingar dele. – ele sorriso de forma maléfica. ― E se é pra fazermos isso juntos, vamos fazer direito.

Com apenas um puxão o Diego me fez cair sobre seus braços, enlaçou-me pela cintura e me deu o maior beijão. Que eu acabei retribuindo, afinal, o propósito da mentira é esse: enganar as pessoas e fazer com que elas acreditem que estamos mesmo tendo algo.

Sei que muitos viram a cena do beijo, muito provavelmente o alvo principal – o Bernardo – tenha sido atingido. No fundo eu me senti mal por muitos motivos, mas já não tinha pra onde correr depois que a minha mentira estava se tornando em uma pequena bola de neve que só tende a crescer mais e mais. E eu preciso continuar com ela até o fim, isso tudo porque eu acredito que seja o melhor para todos.

Diego decidiu que me levaria até a porta de casa, mesmo que eu tenha dito que não precisava. Ainda me preocupava em correr o risco do meu pai me ver. Sabia que não podia abusar da sorte. Mas ele não me deu escolhas. E chegando lá, Diego me abraçou, mas para o meu alivio não quis dar um outro beijo de despedida. Apenas beijou carinhosamente a minha bochecha e sorriu.

Entrei em casa com um sorrisinho nervoso, nem reparei que tinha companhia. Já estava indo em direção a escada quando ele me chamou.

― Clarissa.... O que foi aquilo lá fora? – Vicente estava próximo a janela. Normalmente ele não está em casa nesse horário. ― Porque chegou tão tarde? Sua irmã chegou a dez minutos. E quem é aquele garoto? Você pode me explicar?

Ele estava muito nervoso e eu apavorada.

― Pai, que surpresa! – coloquei a mão sobre o coração que batia acelerado. De medo. ― Eu não sabia que – me dirigi até o sofá, sentindo as pernas falharem. ― ah, deixa pra lá.

― Clarissa, estou esperando uma explicação. – Vicente veio até mim, e sentou-se na poltrona ao lado. Sem tirar os olhos de mim.

― Pai, aquele é o Diego, um amigo, lembra-se dele no dia do Sarau? Ele só quis me trazer até em casa e....

― Sim, deu pra perceber. Mas porque vocês pareciam tão próximos? Porque ele quis te trazer até em casa?

― Não é nada, pai. Ele é só um amigo e....

― Não foi o que pareceu. – Vicente não esperava que eu terminasse nenhuma das minhas frases, o que só me deixa ainda mais nervosa. Só por seu olhar sombrio já posso imaginar o que ele está pensando. ― Ele não é seu.... namorado, ou é?

― Não! Não, pai. – respondi rapidamente, sentindo um gosto amargo na boca. ― Eu já disse. O Diego é o meu amigo.

― Clarissa, escuta. – Vicente suspirou, pousando suas duas mãos sobre o colo e endireitando a postura. ― Como seu pai, eu preciso que você confie em mim e me conte toda a verdade. Você está tão nervosa, e parece tão perdida, que a mentira está estampada na sua testa e nem adianta fingir que não. Você é uma garota linda, tem dezesseis anos e eu sei que é agora que se inicia essa fase de interesse pelo sexo oposto... E eu me preparei muito para esse dia. Pois sabia o quão difícil ia ser pra mim ter que tomar essa posição.

Mesmo que ele tentasse ser firme em seu tom de voz, não pude deixar de notar uma pontinha de desconforto em me dizer aquelas palavras. Vicente, como meu pai, também sabia mais sobre mim do que eu poderia imaginar. Como agora, por mais que eu tentasse disfarçar fui pega mentindo, muito desastradamente, na cara dura.

― Eu não queria que essa conversa tivesse que acontecer tão cedo. Mas como eu não tenho para onde correr nesse momento, eu preciso te dizer Clarissa, que isso é inadmissível. Você é linda, inteligente, uma garota de família.... Mas nesse exato momento deve ter outras prioridades: os estudos, o futuro. E sendo assim, não deveria ter nem tempo para pensar nessas coisas. E eu, sinceramente, estou muito desapontado. Não queria que tivesse que ser assim.... Tão precoce.

O que ele pensa que eu sou? Uma garota de nove anos?

― Pai, eu acho que você está sendo precipitado. De verdade, eu e o Diego somos apenas amigos. Estamos nos conhecendo. E qual é o problema em ter amigos? E do sexo oposto? Não tem nada a ver. – instantaneamente minha perna começou a tremer e eu tive vontade de roer todas as unhas da mão. ― Nem por um segundo eu deixei de ser uma filha correta, deixei de estudar, tirar notas boas e ter um bom comportamento. Mas eu queria muito ter uma vida de uma adolescente normal da minha idade: queria poder ter amigos, sair com mais frequência, ir à casa dos amigos e deixar que eles venham aqui também para me conhecer melhor.... São coisas simples que eu e a Isabel desconhecemos completamente. Talvez se fosse de outra forma, não seria tão difícil pra você como nosso pai lidar com essa situação....

Até certo ponto eu o compreendia. Não deve ser fácil ser pai solteiro de duas filhas meninas e adolescentes. Mas ele escolheu assim.

― Você pode até ter razão, Clarissa. Mas você ainda não pode compreender a minha posição como pai, não enquanto não tiver filhos também. Estando no meu lugar é muito difícil aceitar certas coisas. Aceitar que você está crescendo, desejando conhecer o mundo a sua volta e viver novas experiências. E algumas dessas coisas são bastantes arriscadas, você não pode imaginar o quanto. – ele voltou a olhar pra mim, com uma expressão bem mais tranquilizadora. ― Mas sendo assim, eu quero muito poder conhecer esse garoto melhor. Enquanto há tempo, antes que vocês resolvam decidir os próximos passos...

Ele fala como se o próximo passo fosse ter a minha primeira relação sexual. Credo! Que horror. Vicente pode até me conhecer em certos pontos, mas em outros, basicamente, ele não sabe o que diz.

― Continuaremos a falar sobre isso uma outra hora. Eu preciso sair para uma caminhada. Preciso pensar sobre isso. – ele levantou, passando o dedo pelos cabelos. ― Suba, tome um banho, vista algo confortável e faça seus deveres. Eu volto para o almoço.

E ele saiu, muito apressadamente, até achei que tinha algo muito errado acontecendo com ele. Será que essa conversa realmente o deixou tão nervoso? Pelo que pareceu, foi exatamente o que aconteceu.

Na sexta-feira, enquanto estava perto do Diego ainda colocando nosso plano em pratica, eu pensei muito se deveria ou não discutir com ele sobre a conversa que tive com o meu pai. Mas o problema é que eu não me sentia preparada e não sentia aquela firmeza para confessar algo tão íntimo e que poderia assusta-lo de certa forma.

― Tudo bem pra você se eu for passar o resto do intervalo com meus amigos? – ele perguntou, quando ficamos em silêncio por falta de assunto. Era algo constrangedor. Eu acho até que não sou muito boa pra essas coisas de relacionamento, mesmo que de mentirinha, acho que uma hora ou outra qualquer um vai acabar se cansando de mim.

― Tudo bem. Vai lá.

Ele beijou o meu rosto demoradamente e se foi, praticamente correndo, e eu comecei a achar que deveria ser mais esforçada para cativar as pessoas ou pelo menos distrai-las por tempo suficiente para mantê-las por perto.

― Oi. Posso me sentar aqui com você? – o Bernardo surgiu alguns segundos depois, como se estivesse apenas esperando o Diego sair para ele se aproximar de mim.

Assenti pra ele. E ele sentou ao meu lado, sorrindo.

― Você está bem?

― Ah, sim. Ótima. E você?

― Estou bem também.

Ele continuava sorrindo, e eu não conseguia imaginar nada mais bonito. Era até difícil me concentrar e olhar para qualquer outra coisa.

― Como vão as coisas entre você e o seu namorado?

Notei que ele nunca falava o nome do Diego, era sempre “seu namorado” com uma certa ironia e sarcasmo. Mas que eu tentei ignorar.

― Vão... Indo. – foi tudo que eu consegui dizer, sem querer entrar em muitos detalhes. É muito desconfortável falar com ele sobre isso.

― E o seu pai, o que achou dessa história? – o Bernardo pelo visto tinha muitas curiosidades. Ele não notou que eu queria falar sobre tudo, menos aquilo. Ou notou e mesmo assim insistiu no assunto por pura provocação. ― Ah é, me esqueci. Seu pai não...

― Ele não sabe. Ainda. – enfatizei o ainda para que ele pudesse perceber que eu estava disposta, uma hora ou outra, já que o Vicente vem tanto insistindo no assunto, relevar a verdade sobre eu e o Diego, claro que deixando de fora a parte da mentira.

― Entendi. – ele assentiu em concordância. Tentei perceber em sua expressão alguma pontinha de decepção, afinal, nós também tivemos algo, mas eu não tive coragem de contar ao meu pai ou assumir a nossa história. Não só por falta de coragem e pelo medo de não ser aceita pelo Vicente, mas também porque o que tivemos durou tão pouco, que eu nem tive tempo de me arriscar com toda a coragem que eu sentia quando estava perto dele. Mas nada encontrei em sua expressão. Ele estava apenas agindo normalmente. ― Vocês estão se gostando? É pra valer? – ele perguntou, mas não me olhava nos olhos.

― Você quer mesmo conversar sobre isso?

― Não exatamente. – ele voltou a olhar pra mim, com aqueles olhos azuis cintilando e um sorrisinho torto. ― Só quero que você se sinta confortável para conversar comigo sobre qualquer coisa. Afinal, somos amigos, não somos?

― Sim, somos. Mas não vamos falar sobre isso. Vamos mudar de assunto. – tentei processar na minha mente qualquer outra ideia para conversar. E algo logo surgiu. Com o Bernardo tudo parece mais fácil. ― E como está a Liz?

Foi só tocar no nome dela que ele pareceu se irradiar.

― Você acredita que agora ela já quer segurar a própria mamadeira? – ele abriu um grande sorriso, com os olhos azuis mais claros. ― Com cinco meses e meio ela já tem força o suficiente para querer mamar sozinha. – ele riu, todo bobo.

Fiquei olhando pra enquanto ele falava sobre a filha e as últimas novidades. Não conseguia ouvir mais nada, apenas o som da sua voz saindo da sua linda boca curvada e meus olhos só tinham atenção pra ele, exclusivamente para o seu rosto iluminado pela luz do dia. Bernardo é um garoto muito fascinante e sabe exatamente como prender a minha atenção. Ele é a melhor pessoa que já conheci e isso eu tenho mais certeza a cada dia que se passa. Eu confio nele, acredito em cada palavra dele e sinto que ele é natural em tudo que diz, em como age e como se comporta. E que nunca precisa se esforçar muito para agradar as pessoas. É como se ele já tivesse nascido com um brilho próprio que ninguém é capaz de tirar ou encontrar em qualquer outro lugar.

Eu é que sou uma tola e as pessoas tem todo o direito de me odiar por deixar algo assim escapar de mim. Provavelmente eu nunca mais vou encontrar alguém como ele e eu nem sei se quero. Quero poder me lembrar dele pelo resto da vida exatamente como ele é agora e como um dia foi pra mim. Todo aqueles beijos, os abraços, o carinho, a troca de olhares, confidencias, a magia, a cumplicidade, o desejo, a motivação, a coragem e a confiança. Eu me sentia inteira mesmo quando sabia que faltava muitas partes ainda dentro de mim causadas pelo meu passado. E nem ouso a desejar me sentir assim outra vez. O pouco é exatamente o que eu mereço por ter me tornado alguém tão amarga.

Por isso, eu tenho que me contentar apenas com a sua amizade. O que eu quero pra ele é que ele seja a pessoa mais feliz do mundo, ao lado de uma pessoa em que seja realmente justa e merecedora do seu amor, e pra isso, eu resolvi me manter distante, criar um muro entre nós, pois o que eu quero pra ele é sempre o melhor. E o melhor eu estou longe de ser.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi... Mais ou menos. O próximo também será basicamente assim. Vou tentar pensar em alguma coisa que possa surpreender, pelo menos por um curto tempo. Espero que vocês ainda estejam gostando da história, mesmo que não esteja lá grande coisa e mesmo que as coisas não estejam dado muito certo para a Clarissa e o Bernardo. Mas eu prometo melhorar com o tempo. Só não esqueçam de comentar, é importante. Beijão! Até o próximo capítulo.



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