Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 22
Capítulo XXI


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo tristezinho. Algo novo vai acontecer e mudar algumas coisas. Já outras nem tanto.



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Naquela tarde após o meu surto de loucura fui parar na diretoria do colégio. Isso nunca me aconteceu antes, meus amigos até tentaram me dar uma forcinha, me impedindo de cometer uma loucura maior. Mas quando o diretor chegou, logo depois da Clarissa sumir entre a aglomeração de curiosos, não tive pra onde correr. Fui convocado diante de todos para seguir o diretor, Álvaro Castelino, até a diretoria para me explicar sobre o ocorrido. Não só eu, como também a suposta vítima de minhas agressões, o Diego.

Fiquei quase uma hora ouvindo tudo aquilo que eu já imaginava que ouviria do senhor Álvaro. Tudo isso porque ele é um grande amigo tanto do meu pai que também é diretor, só que de outro colégio, quanto da minha mãe que é uma das professoras desse colégio. Ele ficou dizendo o quanto estava decepcionado comigo por ter me comportado tão mal, com tamanha infantilidade e por motivos fúteis. Que no caso eu não contei o verdadeiro motivo: a Clarissa. Pois, ou acabaria sobrando também pra ela ou ririam da minha cara por eu estar dando uma de valentão por causa de uma garota.

Por isso tive que mentir e disse que o Diego tinha me irritado e eu agi mal partindo pra agressão, pois não tinha tido uma manhã muito boa, acordara de mau-humor e qualquer coisinha me irritava. Ele acreditou. Mas mesmo assim deixou bem claro o quanto estava decepcionado comigo, aborrecido, pois eu nunca tinha agido assim, nunca tinha dado trabalho e nunca tinha me comportado tão mal. Sempre fui um aluno exemplar, com boas notas, bom comportamento, com ótimo destaque e desempenho. E por ser filho de uma das melhores professoras deveria dar o exemplo como pessoa... Blá Blá Blá. Eu estava começando a ficar sem paciência para aquele papo furado. Mas sabia que o pior ainda estava por vir.

― Eu queria poder não fazer nada com você, Bernardo. – ele disse, contorcendo seu bigode de alguns pelos já grisalhos. ― Pois sei que apesar de tudo você é um excelente garoto e essa conversa bastará para que você reflita em suas ações e não volte a repeti-las. Eu queria muito poder polpar seus pais, mas, na minha posição como diretor dessa instituição eu vou precisar tomar medidas drásticas. Você precisa ser punido por seus erros, assim como qualquer aluno que tivesse agido dessa mesma forma.

Ao contrário do que qualquer um deve estar imaginando, eu não estou com medo de qualquer que seja a minha punição. Eu bem que mereço. Esse dia começou péssimo e vai terminar da mesma forma. Nada mais pode me surpreender. Esse é só um daqueles dias que eu gostaria de me esconder debaixo da coberta e dormir pelo resto do dia até que um outro comece diferente, melhor.

― Você está suspenso, Bernardo.

Assinei minha suspenção de um dia. Portanto eu nem precisaria por os pés nesse lugar no dia de amanhã. Peguei minha suspenção e sai da sala do diretor, satisfeito por finalmente poder respirar melhor do lado de fora. Além dos meus amigos, todos os quatro, sentados à minha espera com a minha mochila e aquelas expressões de velório, lá estava também o Diego, esperando a sua vez para conversar com o diretor.

Claro que ele não seria punido, afinal, ele não fez nada além de defender a si mesmo. O diretor só precisaria ouvir a sua versão, o seu lado da história para poder relatar aos pais dele porque ele chegara em casa com hematomas causados por mim. O pobre do Diego assim com muita gente ficaria sem entender porque exatamente eu tinha agido feito um animal daquela forma. Mas a Clarissa, a mais importante, sabia exatamente porque eu tinha feito aquilo. Nada daquilo teria acontecido se ela não tivesse beijado o Diego no intervalo, diante de todos, me fazendo perder os sentidos. Fiquei cego naquele momento, quando os vi com tanta intimidade e afeto. Eu não esperava que aquilo acontecesse e não permitiria que se repetisse.

Eu sou completamente apaixonado por ela, só ela não consegue ver. E tomado pelo ciúmes não pensei em nada melhor para fazer. Afinal, quem é que gosta de ver a pessoa amada nos braços de outra?

Em casa, diante dos meus pais, a coisa foi bem pior como eu já temia. Eu não tinha medo que eles me batessem ou nada do tipo, como se eu fosse uma criancinha, apesar de ter agido como tal. As palavras, o tal sermão, seria como tiros no meu peito: frios e cruéis.

Minha mãe com aquele ar de séria pediu pra que eu tomasse banho, trocasse de roupa, comesse algo, e só depois ela cuidaria do corte próximo a minha boca que um soco do Diego me causou. Ela já estava a par de tudo, pois o diretor tinha ligado para casa para relatar o ocorrido. Quando meu pai chegou, nos reunimos a mesa do jantar para uma pequena reunião em família e foi quando tudo começou.

Meu pai em situações como essa sempre fica muito calado, apenas me olhando sério, meio desapontado e furioso, com os dedos cruzados, como se estivesse prestes a subir na mesa e me atacar. Já a minha mãe é quem toma conta da situação, dizendo sempre o necessário, com tão poucas palavras, que só me fazem sentir ainda pior.

― Você já não é mais uma criancinha, Bernardo. Ou você se esqueceu que tem uma filha pra criar? – não é exatamente uma pergunta. Por isso mantenho a cabeça baixa, apenas escutando. ― Eu pensei que nunca fosse passar por isso. Sempre agradeci aos Céus por ter um filho tão maravilhoso. Você nunca me deu trabalho. Não até agora. E porquê? Por tão pouco, Bernardo. Eu nunca fui o tipo de mãe que precisou ir ao colégio por seu mal comportamento ou que precisou ler bilhetinho da professora no seu caderno porque você mostrou a língua para os coleguinhas. Você sempre foi a criança mais adorável que eu já conheci, uma benção. E agora, olha só para o que você fez: agrediu um colega da escola! Isso é contra a tudo que eu já te ensinei meu filho. Você não pode imaginar o quanto estou desapontada com você.

Eu já sabia que todo aquele sermão seria bem pior que qualquer outro castigo: uma surra, um tapa, um puxão de orelha, um castigo, me deixar sem televisão, videogame, computador ou sem ver meus amigos.

Eu mesmo me castiguei assim que ela terminou de falar. Tranquei-me em meu quarto pelo resto da noite, nem desci para o jantar, pois não tinha coragem de olhar nos olhos deles. Tentei dormir a todo custo, mas só conseguia pensar no que fiz e porque fiz.

Será que a Clarissa valia mesmo todo esse sacrifício?

Algo dentro de mim dizia que sim. Qualquer sacrifício por ela. Coisas que eu nunca me vi fazendo por nenhuma outra garota com quem já me envolvi. E eu comecei a me questionar, como tantas outras vezes: o que será que ela tem que me deixa tão fascinado?

Mamãe bateu a porta e entrou com um prato de macarronada em mãos e um copo com suco de uva.

― Você precisa comer alguma coisa. – ela ordenou, colocando as coisas que trouxe sobre o meu criado mudo. E sentou-se comigo na cama. ― Agora somos só nós dois, filho. Me diga a verdade. Porque você fez aquilo? Foi por causa da Clarissa, não é mesmo?

Ela já nem parecia tão furiosa ou decepcionada comigo. Seu tom de voz era como de uma amiga preocupada comigo.

― Como você sabe? – engoli em seco. Será que é tão perceptível assim? Deve estar estampado na minha testa.

― Eu sou sua mãe, Bernardo. – ela sorri brevemente. ― Sei mais sobre você do que pode imaginar. E também ouvi comentários entre os alunos durantes as aulas sobre o beijo dela com esse tal garoto de outra turma. – ela tocou a minha mão com a sua. ― Então eu estou mesmo certa. Foi por ela?

― É, mãe. Foi. Eu não me orgulho disso. Mas também não sei se posso dizer que faria diferente. Eu gosto dela! E quando vi aquela cena eu só quis me vingar. Nós nos desentendemos e tenho certeza que ela fez tudo aquilo de propósito! Pra me tirar do sério!

Mamãe deu uma leve risadinha.

― Lembra quando eu te pedi pra tomar cuidado? Eu gosto da Clarissa, já lhe disse isso. Sinto que ela é uma boa garota. Sei que você gosta muito dela, pois nunca antes fez algo assim por nenhuma outra, nem mesmo pela Lorena, que você acreditou ser o amor da sua vida. Por isso, volto a te alertar: não crie muitas expectativas, Bernardo. Assim como um dia você acreditou que a Lorena era o amor da sua vida e que iriam viver juntos para sempre e acabou não sendo nada disso, com a Clarissa pode ser a mesma coisa hoje e amanhã nada do que você esperava que fosse. Não quero que você sofra ou se prejudique por uma incerteza.

Ela beijou a minha testa e levantou-se para sair.

― Mãe, obrigado pela conselho. – digo, antes que ela se vá. Pego o prato e o copo com suco. ― Mas você não percebe o que acaba de me dizer? Eu nunca fiz isso por nenhuma outra. Você pode até ter razão, amanhã pode não ser nada daquilo que eu tanto desejei. Mas agora é meio tarde. Eu já criei muitas expectativas. Eu gosto dela, quero estar com ela e sonho com ela e disso eu não vou desistir. Porque eu a amo, mãe. E de todas as outras vezes em que me apaixonei, nada se compara ao que eu sinto agora. Meu sentimento é tão grandioso e intenso. Me sinto capaz de qualquer coisa por aquilo que eu acredito. E eu só queria que ela soubesse disso.

Sem o toque do despertador acabei dormindo na quarta-feira até mais tarde. Aproveitei o dia de suspensão no colégio, o tempo livre, para tirar um tempo só pra mim. Fiz tudo que tinha vontade, tentando manter a mente sempre ocupada.

Aproveitei que a Lorena ainda estaria no colégio para ir visitar a Liz. Fiquei um tempinho com ela e sua avó agradeceu por poder arrumar a casa sem ter que se preocupar tanto. A Liz estava acordada, nós vimos a tevê e brincamos sobre o tapete do quarto dela com seus brinquedos, muitos que eu mesmo havia dado de presente para ela. Nada era mais gostoso do que ouvi-la dando risada com sua boca sem nenhuma dentinho ainda. Impossível não rir também.

Por fim, ela acabou adormecendo por brincar tanto e eu aproveitei esse momento para ir embora. Pelo caminho de volta até em casa, já sendo quase meio dia, tive a ideia de levar o carro do meu pai. Ele tinha ido ao trabalho com a minha mãe no carro dela e deixou o seu, um tanto imundo por sua falta de tempo e eu achei bom fazer um agrado.

Peguei os baldes, os panos, a mangueira, sabão e esponja.

Há um bom tempo eu não fazia aquilo e acho até que perdi um tanto a pratica. Molhei toda a minha bermuda e camiseta, mas não poderia ficar pelado em frente de casa por mais calor que estivesse fazendo. Tirei só a camiseta e deixei pra secar de lado. Liguei o som do carro enquanto o ensaboava.

Percebi que naquele momento muitos alunos voltavam para casa e até reconheci alguns, cumprimentando-os. Foi quando de longe eu a reconheci, parecendo estar com problemas. Ela não estava muito longe e eu nem sei porque ela estava ali, por aquele caminho, se sua casa é do lado oposto da minha. Bom, mas isso agora não importava. Acho que eu preciso ajuda-la. Limpei a mão molhada na bermuda e corri até ela.

― Precisa de ajuda?

O problema era com sua bicicleta.

― De você? – ela levantou o olhar ao me ouvir e me olhou de baixo pra cima sem esboçar nenhuma surpresa ou contentamento. ― Não. Não mesmo. – e voltou sua atenção para o problema com a corrente da sua bicicleta.

Sei que ela estava um tanto perdida por sua expressão ao olhar para sua bike, mas isso ela jamais admitiria.

― Eu posso te ajudar, se você deixar. – voltei a sugerir.

― Você é sempre tão exibido assim? – Clarissa voltou a me olhar e demorou um tempinho pra eu entender do que ela falava. Claro! Eu estava sem camiseta e ela parecia levemente constrangida por isso.

― Desculpe. – sorri, segurando o riso. ― Eu prometo que se você me deixar ajudar eu coloco a camiseta de volta.

Pedi cinco minutinhos para enxaguar o carro para tirar o sabão e deixa-lo secar. Enxotei as coisas para dentro da garagem e fechei o grande portão branco. Peguei a bicicleta dela e a minha camiseta já seca pelo sol. Dei um rápida avaliada na correntes da bike só para ter certeza que se tratava mesmo do que estava imaginando.

― Vamos entrar? – voltei a olhar para a Clarissa, de braços cruzados só me esperando. ― Eu preciso pegar uma chave especial lá dentro para colocar a corrente no lugar e um lubrificante para limpar.

― Tá. Tudo bem. Você venceu. – ela revirou os olhos. ― Você pode ser rápido, por favor? E vista sua camiseta, ou eu não entro.

Clarissa é tão bonita toda nervosinha.

Deixei-a na cozinha bebendo um copo de suco gelado enquanto fui até a dispensa e peguei a caixa de ferramentas do meu pai. Depois, voltamos lá pra fora, onde a bike estava encostada e me abaixei com as ferramentas em mãos preparado para o concerto. Clarissa ficou sentada na calçada, esperando que eu terminasse meu trabalho, parecendo muito entediada ou fingindo que estava. Mal olhava pra mim.

Nem sempre fui muito bom com concertos, admito que meu pai é sempre melhor nessas coisas. Mas observando-o sempre dar o seu jeito eu acabei aprendendo muita coisa só olhando.

O que eu tinha que fazer era bem rápido, mas propositalmente eu demorei bem mais do que deveria. Por muitos motivos: pra segurar a Clarissa por mais tempo ali mesmo que ela se limitasse a falar comigo e tentasse se manter afastada, e também porque aquele momento pareceu ótimo para tentar conversar com ela sobre os últimos acontecimentos.

― Terminou? – ela enfim rompeu o silencio, soltando um longo suspiro. ― Eu não sei se você sabe, mas eu preciso voltar pra casa.

― Hum... Prontinho! Acabei. Mas não foi o suficiente. – virei-me pra ela. ― Em breve você terá que trocar a corrente da sua bicicleta, ela está ficando velha por causa da chuva e pode voltar a dar problemas.

― E desde quando você é especialista em manutenção de bicicleta? – ela cruzou os braços, me olhando de forma avaliativa.

― Você não sabe tudo sobre mim. – sorrio, entregando a bicicleta a ela. Clarissa levanta-se de onde está e vem até mim para recebe-la.

― Obrigada mesmo assim. – ela força um sorriso, meio exagerado. Mesmo assim eu gosto de como a sua boca pequena se curva junto com as bochechas rosadas. ― Deu quanto?

― O quê? – fico espantado. E ela já está abrindo a mochila para pegar a carteira. ― Não. Não! Não foi nada. Apenas um gesto amigável.

― O.K. Vou fingir que acredito que você fez tudo isso sem esperar nada em troca. – ela fecha a mochila e ajeita nos ombros.

― Na verdade...

― Eu sabia!

Nós rimos. Como nos velhos tempos. Mas por pouco tempo.

― Eu quero conversar, Clarissa.

― Ah não. Chega, Bernardo. Eu vou embora. Até amanhã.

Seguro-a pelo cotovelo, contendo-a.

― Me escuta dessa vez, por favor? – olho-a dentro dos olhos. ― Ai você paga a gentiliza que eu acabo de fazer por você.

― Não! Nada disso. Você acabou de me dizer que foi um gesto amigável e eu já agradeci pelo esforço. – ela se soltou de mim. ― Agora eu preciso mesmo ir pra casa. Tchauzinho.

Ela foi rápida. Montando sobre a bicicleta com agilidade e sumindo de vista na primeira curva.

Não havia muito o que eu poderia fazer, mas ainda tinha um plano B que é completamente o contrário do A. Já que o A com toda a minha gentilize e solidariedade não funcionou.

Quinta-feira o primeiro dia das provas trimestrais.

Prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias.

Tradução: Língua portuguesa, Inglês e Educação física.

Cheguei no colégio antes do início das provas que se iniciaram sete e meia. Todas as turmas seriam divididas em duas salas com número pares de um lado número impas do outro. Eu sou número ímpar e a Clarissa par. O que quer dizer que ficaríamos separados, então, para poder colocar meu plano B em pratica teria que torcer para que terminássemos a prova mais ou menos na mesma hora.

― Eu disse que se fosse preciso a pegaria a força e a amarraria até ela me ouvir. – voltei a comentar com o Miguel, que no caso também é número ímpar, vinte e sete, e está na mesma sala que eu.

Terminei a prova em uma hora e quinze minutos. Fui um dos primeiros a entregar o gabarito preenchido. Tudo isso pois tinha estudado o suficiente para saber boa parte da prova.

Liguei o celular que eu tinha desligado para a realização da prova e quando retornei a olhar pra frente, no percurso que eu seguia pelo corredor até chegar as escadas, vi a Clarissa saindo da sua sala de prova naquele mesmo momento.

Sorri satisfeito por tudo está dando certo finalmente.

Olhei para os lados para me certificar de que o próximo passo daria certo e vi um ou dois alunos também saindo naquele mesmo momento, animados por poder voltarem pra casa mais cedo. Apressei o passo até a Clarissa, mais a frente, e quando alcancei-a, segurei seu braço com firmeza e empurrei a para o lado, contra uma porta fechada que eu abri muito rapidamente com a mão livre e tranquei nós dois dentro da sala vazia. Que na verdade não era bem uma sala, era o almoxarifado. E estava uma bagunça, muito cheio de pó e era bem apertado, o que me deixava mais juntinho da Clarissa mesmo que eu não tivesse a intensão.

― Você tá maluco? – ela gritou comigo, com os olhos assustados. ― Pensei que estavam me assaltando ou me sequestrando!

― Você não quis me escutar todas as vezes em que fui paciente com você, só me restou ser.... Grosseiro.

― Já era de se esperar. Você não tem me surpreendido muito ultimamente. Na verdade, eu nem te reconheço mais.

Ela não conseguiu dizer isso olhando dentro dos meus olhos.

Fiquei abalado com o que acabo de ouvir, o que só me provou ainda mais que ela não me conhece de verdade, não completamente, e que está enganado em relação ao que aconteceu com a gente.

― Olha pra mim, Clarissa. – insisto, me aproximando dela cada vez mais apesar do pouco espaço. Ela tenta ir pra trás, mas se vê encurralada quando as costas bate em uma prateleira cheia de detergentes.

Então ela olha pra mim quase como se eu fosse devora-la.

― O que aconteceu aquele outro dia foi um mal-entendido...

― Não começa, por favor....

Já sem paciência tapo sua boca com a palma da mão e ela arregala os olhos assustada com a minha atitude, mas também não se debate para tentar escapar ou eu vou ter mesmo que amarra-la de verdade.

― A Brenda sempre foi meio maluquinha e inconsequente e naquele dia em especial, justamente quando eu estava te esperando de baixo daquela garoa para irmos embora juntos como costumávamos fazer desde o nosso.... Envolvimento. Ela meio que apareceu de surpresa, veio com um papo todo esquisito que eu até achei bem normal pra ela e do nada ela me beijou, sem mais nem menos e quando você viu a cena, que aconteceu muito rápido, foi exatamente quando eu tentava me livrar das garras dela.

Eu olhava bem pra ela para que ela pudesse notar a minha sinceridade, a verdade estampada nos meus olhos, e pudesse finalmente acreditar em mim, em tudo que eu dizia, tentando de alguma forma salvar aquilo tão bom que costumávamos ter antes daquilo acontecer.

― Clarissa, eu juro, do fundo do meu coração, que eu não senti nada por aquele beijo. Não o que eu sentia quando beijava você. Não fui eu quem planejei aquilo de propósito para te ferir e sinceramente nem sei se posso culpar a Brenda, pois pelo que ela me disse, não tinha com ela saber que você e eu tínhamos algo.

Tirei a minha mão de cima da boca devagarzinho.

― Agora você pode acreditar em mim? Eu nunca faria isso para o seu mal. Eu nunca cogitei a possibilidade de te fazer sofrer, de te magoar ou de decepcionar. Nem de te irritar e me tratar assim, dessa maneira, tão fria e cruel. Você acha mesmo que eu gosto dessa situação? Gosto de ser tratado assim por você como se não significasse nada? Eu não gosto, não consigo nem me imaginar te perder, sentir que não somos mais como antes e que aquilo tudo acabou, assim de uma hora pra outra, por um mal entendido. Por favor, Clarissa. – toquei seu rosto. ― Vamos retomar do zero? Vamos esquecer aquilo e iniciar tudo de novo? Não me deixa te perder! Não me afasta de você. Eu tenho sofrido muito sem poder estar perto de você, sem ter notícias suas, sem saber se você está bem ou não, ou se só estar fingindo estar bem e forte para me provocar, para tentar me convencer de que eu não sou nada pra você...

Eu estava enfim falando tudo o que queria. Tudo o que precisava dizer. Tudo que esteve preso dentro de mim por todo esse tempo.

― Por favor, me diga alguma coisa. Não fique calada desse jeito, me olhando assim dessa forma... Não me torture ainda mais.

Ela continuava me olhando e eu não sabia identificar o que seus olhos negros queria me relevar. Eram uma incógnita. E isso estava me deixando perturbado, com muito medo do que ela queria me dizer ou estivesse pensando. Senti meu peito se dilacerar ainda mais quando ela baixou os olhos e suspirou devagar.

― Isso não me importa mais, Bernardo. Nada disso.

― O quê? Porque Clarissa? – minha voz saiu vacilante.

― Eu não posso mais. – ela falava baixinho, com medo.

E eu abracei apertado, podendo enfim sentir aquela sensação de prazer só por tê-la pertinho de mim outra vez. Mas ela não correspondeu.

― E porque não? Você não gosta mais de mim, é isso?

― Não é só isso. – ela se afastou, ainda sem me olhar. Passando um cacho atrás da orelha. ― Eu estou com o Diego agora.

Meu queixo caiu e fiquei imóvel olhando pra ela esperando por mais explicações. Sentia que a minha voz não queria sair. Pois eu queria gritar, socar as paredes, protestar, até mesmo chorar de raiva e tristeza ao mesmo tempo e perguntar o porquê de tudo aquilo agora.

Clarissa abriu a porta devagar, ficou de costas pra mim por um tempinho, com a mão na maçaneta. Antes de sair ela olhou para mim dolorosamente, soltou um longo suspiro e disse:

― Eu sinto muito.

E isso foi tudo. Clarissa foi embora, fechando a porta e me deixando ali sozinho. Sentindo um vazio que eu nunca senti antes.

E algumas lagrimas se acumulando no canto dos meus olhos.

Naquela mesma noite nos reunimos no meu quarto-porão para nos divertir como nos velhos tempos. Não era exatamente o que eu queria para minha noite. Não depois do “fora” que a Clarissa me deu. Mas eu não tinha escolhas, pois esse momento já estava marcado desde o final de semana. Então não tinha pra onde correr.

Miguel e Gustavo estavam em um partida de corrida com motos, um xingando o outro com o controle remoto nas mãos e caindo na risada logo depois. Eduardo estava com o meu notebook sobre o colo, sorrindo feito um idiota enquanto conversava pelo chat do Facebook com a Isabel. Marina estava muito ocupada com um dos meus livros até o momento em que eu subi até a cozinha para pegar mais refrigerante.

Ela veio atrás de mim.

― O que aconteceu em? Você está muito pra baixo.

Ela se encostou na bancada de braços cruzados, enquanto eu enchia meu copo com Coca- Cola.

― A Clarissa me deu um fora. Ela está namorando o Diego.

― O quê? Não! Não pode ser. Isso é mentira, Bernardo.

Ela riu. E eu olhei pra ela sem entender onde estava a graça.

― Não é mentira. Ela já não gosta mais de mim.

― Você é um idiota! – ela continuava rindo. ― Não pode acreditar em qualquer coisa que aquela garota te fala.

― Não é qualquer coisa, Mari. Eu finalmente me expliquei, contei toda a verdade, me declarei, abri meu coração e ela me escutou. E depois de tudo eu pedi uma nova chance e o que ela me disse? Que não importava mais, pois agora está com outro. Simples assim. Acabou.

― Eu aposto que ela está mentindo! Tudo isso só pra não ter que dizer que vacilou com você. Bê, você sabe como ela é: muito orgulhosa e jamais admitiria que errou feio em tirar conclusões precipitadas sobre aquele beijo. Ela não quer dar o braço a torcer e inventou essa história. Que por sinal funcionou muito bem! Você caiu igual um patinho.

Ela continuou a rir, debochada e muito segura de si. Mas eu não sei se poderia ter tanta certeza assim. Não tinha cabimento algum a Clarissa inventar essa história, mentir pra mim, só porque é orgulhosa demais e não pode admitir que gosta de mim, que quer ficar comigo e que errou, tanto quanto eu, e que quer e deseja sim voltar pra mim.

Não sei se ela seria capaz de perder alguém que gosta por um orgulho inútil ou seria corajosa o suficiente para perder o orgulho por alguém que realmente vale a pena.

Pois eu gosto mesmo dela e se eu não gostasse tanto não estaria me sentindo tão vazio por não poder tê-la mais perto de mim.


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Notas finais do capítulo

O que vocês acham desse namoro da Clarissa e do Diego? Isso é verdade ou mentira?



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