Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 21
Capítulo XX


Notas iniciais do capítulo

Oi meninas. Espero que estejam todas bem. Depois de um final de semana para descansar, resolvi postar esse capítulo aqui. Lamento dizer que as coisas ainda não estão nada bem entre a Clarissa e o Bernardo. Mas quem sabe mais a diante tudo possa mudar com um pouquinho de insistência, não é mesmo? Vamos torcer enquanto isso. Tenham uma boa semana ;)



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Tenho tentado me distrair de muitas formas, com a minha vidinha de sempre e também com algumas novas surpresas que apareceram pelo caminho. Como por exemplo: a aproximação do Diego, que no momento além da minha irmã, é meu mais novo amigo. O que parece ter incomodado muito o Bernardo pela maneira que ele olhou para nós quando nos viu abraçado na saída do colégio. Não que eu me importe, mas admito ter sentido uma pontinha de satisfação ao ver a carinha dele de decepcionado e muito furioso. Falou comigo como se fosse o meu dono ou algo assim. Não gostei nadinha do seu tom de voz autoritário, mas gostei sim de ver que ele estava com ciúmes.... De mim.

No início o que eu sentia pelo Diego era algo pequeno, uma mera empatia, havia algo nele que eu gostava muito. Ele não é como os outros... Eu só não sabia dizer o que exatamente nele me chamava mais a atenção. Com o passar dos dias, após o meu desentendimento com o Bernardo e toda aquele chororô de decepção, eu e o Diego acabamos nos aproximando meio sem querer. Ele se mostrava muito preocupado comigo, queria conversar, me divertir, me fazia esquecer de muitas coisas quando estava ao meu lado tendo com a minha atenção e eu acabei me sentindo muito traída por ele de alguma forma. Afinal, eu não sou de ferro. E ele é sim um garoto muito bonito. Não como o Bernardo. O Bernardo é um garoto único, dono de uma beleza extraordinária. O Diego é mais simples, mais apagadinho, porém, ele é um bom amigo, eu consigo confiar nele e desejar cada vez mais a sua companhia, já que na maior parte do tempo me sinto solitária.

O que eu sinto por ele não tem nada a ver com amor ou paixão. Sinto que meu coração está lacrado por me sentir tão traída e rejeitada pelas pessoas em que eu mais confiei. Mas com o Diego a coisa flui naturalmente, não tem nada daqueles bobagens de sentir o coração palpitar, borboletas dentro do estomago, as mãos frias, as pernas bambas, ou a boca seca. Eu não penso nele antes de dormir como eu costumava pensar no Bernardo e também não escrevo textos pensando nele da mesma forma que eu pensava no Bernardo. Eu gosto do Diego e sei que sou capaz de gostar muito mais dele, pois ele me permiti isso. Ele me surpreende a cada dia. Mas o que eu sentia pelo Bernardo era algo muito maior, muito mais intenso e significativo. Que hoje, a todo custo, eu tento deixar de lado e não pensar muito.

No mês de maio, nas primeiras semanas, é quando começa as provas trimestrais. Vamos para o colégio apenas com lápis, borracha e caneta apenas para fazer as avaliações. O tempo máximo de permanência dentro da sala são três horas e o mínimo uma hora. Assim que se termina a prova e preenche o gabarito corretamente você já pode sair da sala e voltar pra casa tendo o resto da manhã livre.

Uma semana de trimestrais que darão início na quinta-feira.

No dia primeiro de Maio, assim que se iniciou o mês, no dia do feriado do trabalho, eu daria início aos meus estudos. Três horas por dia era tempo suficiente. Mas, acabei tendo que mudar de planos, pois com a chegada do feriado – já que ele não iria trabalhar - o Vicente teve a ilustre ideia de tirar o dia inteiro para fazermos um piquenique no parque da cidade.

Poucas vezes temos um programa em família como esse.

Éramos só nos três, por sorte a Karen não pôde ir, pois ficou de viajar até a Capital para passar o feriado com a família dela. Acordamos cedo aquele dia, preparamos tudo com a ajuda do Vicente e pouco tempo depois estávamos nos afastando do centro da cidade em direção ao parque, o único da nossa cidade. Um lugar lindo, enorme, com grama, área de lazer e esportiva, arvores Jequitibás, Eucaliptos gigantes e a minha preferida, Figueira-de-bengala. Tem bancos de concreto e madeira, um chafariz com um cavalheiro montado sobre o seu lindo cavalo e um grande lago, no centro do parque, com gansos e pedalinhos.

Ao descer do carro, eu fiquei em encarregada de levar a minha bicicleta e a bola de voleibol, Isabel a toalha para expor ao chão e a garrafa de suco geladinho, já o Vicente ficou com a cesta, que estava bem pesada, cheia de coisas deliciosas.

Demoramos um tempo até encontrar um lugar, pois parece que as pessoas da cidade tiveram a mesma ideia de ir ao parque no feriado, assim como nós. Encontramos um lugar de baixo da sombra de uma arvore mais baixa perto do lago. Estendemos a toalha rosa bem clarinho sobre a grama e depositamos sobre ela a cesta e a garrafa de suco. Deixei minha bicicleta encostada a arvore e a bola ao seus pés.

Como não tínhamos nem tomado café da manhã, a primeira coisa que fizemos ao nos sentar ao chão foi devorar o bolo de fubá e algumas ameixas suculentas. Conversamos um pouco sobre os últimos dias na escola, deixando de lado alguns detalhes que certamente não agradariam o Vicente, como a minha amizade com o Diego e intimidade da Isa com o Eduardo. Vicente também falou um pouquinho sobre os seus dias no trabalho e a manhã acabou passando rapidinho.

― Pai, me dá dinheiro para comprar sorvete? – Isabel pediu. O calor estava mesmo muito intenso.

― Tudo bem. – ele tirou a carteira do bolso de trás da bermuda jeans. ― Tome aqui. E compre para todos nós.

― Pai, e eu posso dar uma volta de bicicleta? – pedi, me sentindo muito infantil por ter que pedir autorização pra tudo.

― Vá, mas não demore muito ou o seu sorvete vai derreter. – ele abriu um sorriso amigável, me dando abertura.

Isabel correu para comprar os sorvetes na pequena praça de alimentação próxima a portaria. Eu montei na minha bicicleta e sai em disparada pela pequena e improvisada ciclovia entre as arvores onde algumas pessoas faziam caminhas e outras andavam com seus cachorros. Sentindo o verto soprar meus cabelos para o alto.

De longe foi possível visualiza-lo. Bernardo é como um pontinho vermelho em destaque em um quadro preto e branco. E lá estava ele com uma bermuda de sarja azul-marinho e uma camiseta branca gola V e seus chinelos também brancos. Bernardo rodopiava a filha no ar, um pouco acima da cabeça, fazendo-a rir. Ele não estava sozinho, estava com os amigos sentados ao chão em círculo também em um piquenique.

Pedalei no sentindo contrário, dando meia volta, antes que ele me visse. Mas acabei ouvindo o Gustavo gritando: “Olha ali, a Cachinhos dourados!” Acho que nesse momento, todos voltaram-se pra mim, me vendo indo embora sem nem dar um “olá!”. Como eles esperavam que eu agisse? Eu nunca se quer fui amiga deles.

Voltei para perto do meu pai ao mesmo tempo em que a Isabel voltou com os sorvetes, um para cada. O meu de coco, claro, ela sabe que é o meu preferido. Para ela de chocolate, que eu não gosto, apesar de ser louca por barras de chocolates tradicionais, em especial os amargos e para o Vicente um sabor morango.

Agradeci mentalmente por termos encontrado um lugar do lado oposto de onde o Bernardo está com os amigos. Tiramos o resto da tarde para convencer o Vicente a jogar vôlei conosco. No início ele deu milhares de desculpas, inclusive um problema no joelho que eu nem sabia que existia. Claro que ele estava mentindo. E acabou cedendo, se saindo bem melhor que nós duas. Por fim, descobrimos que ele era um dos melhores da turma na época de colégio.

― Pai, fala um pouquinho mais sobre a sua infância. – Isabel pediu, toda manhosa, deitando a cabeça no colo do Vicente, espalhados os cachos escuro sobre o jeans dele. Fiquei apenas observando os dois agirem como se fossem pai e filha de verdade.

Então, instantaneamente vi a cena do Bernardo com a Liz passear por minha mente. Sorri no mesmo instante ao lembrar o quão bem eles se relacionam mesmo ela ainda sendo um bebê e ele tão jovem. Mas me restringi logo depois, fazendo meu sorrir desaparecer.

― Não, não vamos falar sobre isso, Isabel. – ele movimentou-se, inclinando para alcançar a cesta outra vez. Fazendo com que Isabel saísse de cima dele um tanto curiosa e aborrecida com sua atitude ríspida.

Engraçado, o Vicente mal fala sobre a própria infância. Me pergunto se ele teria sofrido algum tipo de trauma e por isso evita o assunto sempre que pode. Exatamente como agora.

― Vamos almoçar? – ele retirou de dentro da cesta os pães de forma com queijo e presunto.

As quatro e meia voltamos para casa exaustos, mas contentes, por um dia tão especial e diferente.

― Tomem um banho, bebam bastante água e coloquem a mão na massa. Nada de celular, descanso, computador, livros ou música. Quero ver vocês estudando para o início da semana de provas em alguns dias. – ele olha para Isabel. ― Vou passar no quarto de vocês daqui a pouco para ver se estão fazendo o que lhes foi pedido.

E ele sumiu entrando na área de serviço.

Comecei meus estudos a partir daí e todos os dias vem sendo assim sem um horário especifico. Estudo a noite, antes de dormir, ou, logo depois do almoço, ao chegar da escola. Vicente, sem fazer por mal, está sempre de olho em nós, algumas vezes entra em nossos quartos e nos faz perguntas sobre o tema estudado para facilitar na fixação do conteúdo ou nos leva um lanchinho para uma pausa.

Venho aprendendo com o tempo que ele não faz nada para o mal, ele apenas anseia que sejamos sempre excelentes naquilo que fazemos.

Na terça-feira, um pouco antes de se iniciar as provas trimestrais na quinta-feira, fiquei me de me encontrar com o Diego no intervalo. A minha única companhia em todo o colégio. Diferentemente do Bernardo, eu não tinha problema algum em ser vista com o Diego pra cima e pra baixo, independentemente do que as pessoas achariam. Nós não tínhamos nada de mais, então, não havia o que temer.

O que me deixava bem mais tranquila. Não era como se estivéssemos fazendo alguma coisa errada.

Como uma espécie de ímã, disfarçadamente meus olhos foram em direção a mesa do Bernardo, na qual ele costuma passar o intervalo com os amigos. Mas diferentemente dos dias anteriores, ele não estava lá, mas eu sabia que ele tinha ido a aula hoje, afinal somos da mesma sala.

Olhei em volta como quem procura o Diego e meus olhos captaram a presença do Bernardo, próximo aos bebedouros. Em uma conversa, ou seja lá o que for, com a tal de Brenda. A mesma que ele beijou. A cena que acabo de presenciar só me dar ainda mais raiva dele e uma vontade absurda de nunca mais vê-lo se possível. Como um garoto adorável com ele – ou como costumava ser - pode ter perdido todo o encanto pra mim em tão pouco tempo? Está mais que claro que eles estão tendo alguma coisa, mas parecem não querer admitir.

― Aqui está você. – Diego me desperta, sorridente. Sentando ao meu lado, depois, beijando o meu rosto em um cumprimento. É uma pena que não sejamos da mesma turma ou que eu não possa pedir ao meu pai para me trocar de sala. ― Desculpa pela demora.

― Não. Tudo bem. – forcei um sorriso, tentando olhar pra ele, mas querendo muito olhar para o Bernardo junto daquela garota que também me dar nos nervos, balançando exageradamente os longos cabelos louros de um lado para o outro e sorrindo afetada.

― O que foi? – ele franziu o cenho, olhando atentamente pra mim com seu rosto a alguns centímetros do meu. Sua expressão era de curiosidade. ― Você está bem?

― Ah, sim, estou. – tento sorrir outra vez. Mais uma tentativa em vão. E tudo por culpa do Bernardo, já que o meu dia estava indo muito bem até eu vê-lo alguns segundos atrás.

― Não parece. – Diego riu. Eu virei o rosto, olhando para o outro lado para tentar disfarçar a minha falta de ânimo. Não demorou muito para ele levar sua mão até o meu rosto e vira-lo outra vez na direção dele. ― Tem certeza de que não aconteceu nada?

― Tenho. Tá tudo bem, pode acreditar. – dessa vez meu sorriso deve ter parecido mais convincente. Mesmo assim ele não tirou a mão do meu rosto, o que me causou certo estranhamento.

Estávamos muito mais perto um do outro do que o normal. Eu queria poder quebrar o gelo, me afastar sem parecer grosseira ou dizer a ele para não fazer o que eu achava que ele queria fazer.

― Já te disseram o quanto você fica bonita emburrada? Mesmo que não queira me contar o motivo. – ele sorrio de lado, me fazendo olhar para seus lindos olhos cor de amêndoa que estavam ainda mais claros com a luminosidade do dia.

Eu abaixei o olhar, levemente constrangida com tamanha intimidade. Não, nunca ninguém me dissera que eu fico bonita emburrada. Se bem que eu não estou emburrada... Só um pouco irritada com tudo a minha volta. Só queria sumir por uns tempos e voltar quando me sentisse melhor. Mas deixo de pensar nisso quando os lábios do Diego colam aos meus, sua mão ainda firme no meu rosto.

Fico sem saber o que fazer por alguns segundos, mas acabo reagindo. Sem saber como fugir daquela situação. Afinal, ele é só o segundo garoto que eu beijo na vida. Mas o primeiro que eu beijo assim, diante de todo mundo, dando motivos concretos para as pessoas saíram falando depois pelos corredores sobre o que viram. Fiquei com medo de fazer feio, mas de repente, me lembrei do Bernardo e Brenda se beijando na saída do colégio aquele dia e me senti impulsionada a fazer melhor.

O beijo do Diego é muito diferente do Bernardo, não tem como não comparar. Eu gosto do beijo do Diego, porém, o do Bernardo tinha o dom de suprir todos os espaços vagos dentro de mim. O beijo do Bernardo tinha uma certa urgência, mesmo que ele estivesse me beijando lentamente, como se de alguma forma ele quisesse fundir nossos corpos em um só. Seu beijo costumava ser quente e frio ao mesmo tempo. Seus lábios eram quentes e macios. E eu gostava do sabor de seus lábios. Eu me sentia mais leve, quase capaz de estar em outra dimensão, em uma espécie de sonho. Enquanto ele me beijava podia sentir um tremor nas pernas, um calafrio na barriga, meu coração dando cambalhotas.

Já com o Diego não era nada daquilo. Seu beijo é lento, quase gentil, como se ele pedisse permissão para avançar. O que não deixou de ser bom, já que os planos que eu tinha em mente não eram exatamente esse que está acontecendo agora no pátio do colégio. Por mais atraente que eu o considerasse, nunca me vi cometendo tamanha loucura em beija-lo. Logo agora, que eu ainda nem me recuperei totalmente da minha desilusão em relação ao Bernardo. Mas ainda assim conseguia sentir conforto e um leve tremor dentro de mim, como se acabara de brotar alguma coisinha dentro do meu peito, por mais pequeno que fosse. Talvez pudesse crescer com o tempo, se continuasse a ser regado todos os dias.

― Você... Gostou? – foi a primeira pergunta que ele me fez ao termino do nosso pequeno beijo. Não era exatamente o que eu esperava ouvir, o que me deixou ainda mais desconcertada. Eu nem conseguia olhar pra ele direito sabendo que acabamos de romper uma barreira da nossa amizade que mal se iniciou.

O sinal do fim do intervalo tocou acima de nossas cabeça, salvando-me de ter que lhe dar uma resposta. Levantei-me depressa, pegando o meu livro e celular sobre o colo.

― Nos vemos mais tarde? Na saída? – ele me puxou pelo braço antes mesmo de eu sair em disparada de volta a minha sala de aula.

Não consegui responder em palavras, mas assenti, mesmo sem ter certeza se estaria preparada para reencontra-lo depois de tudo.

Antes, passei no banheiro, dei uma rápida olhada no espelho e olhei para o meu próprio reflexo parecendo perdido de certa forma. E eu estava. Além do mais, estava morrendo de calor. Ou aquilo era apenas nervosismo. Joguei um pouco de água na nuca e amarrei o cabelo desajeitadamente. As pressas saí em direção a minha sala, e ao chegar lá, acabei sendo uma das últimas a entrar.

Ao me dirigir até o meu lugar, o primeiro, porém na última fileira do canto, perto da parede e das janelas, do lado direito, meus olhos, como se de alguma forma estivessem sempre alertas ao Bernardo, foram de encontro a ele antes de eu me sentar. Não deixei de notar que ele estava de cabeça baixa, parecia desolado e tinha uma expressão muito tristonha. O que será que tinha acontecido com ele pra ter mudado assim de uma hora pra outra? Com certeza foi algum problema com a namoradinha. Logo ele estaria bom outra vez, não tinha porque me preocupar tanto com ele. Ele não estava nem ai pra mim.

Conforme o horário da saída se aproximava eu ficava cada vez mais nervosa só de pensar em reencontrar com o Diego após o nosso beijo. O que eu diria pra ele? Como iria reagir? O que será que ele esperava de mim agora? Pra minha infelicidade o tempo passou muito rápido. Cinco minutos antes do sinal eu arrumei minhas coisas.

E lá estava ele, próximo ao bicicletário, onde a gente costuma se encontrar. Me aproximei devagar e dei-lhe o meu melhor sorriso muito timidamente. Ele por sua vez deve ter achado algo muito engraçado, com certeza em mim, talvez algo no meu rosto, e soltou um risinho.

― Você não precisa agir assim, Clary. – ele ajeitou uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha. O toque da ponta do seus dedos no meu rosto me deu um certo tremor.

Meu Deus, o que será que está acontecendo comigo?

― Está tudo bem. Ainda continuaremos a ser amigos. Não tem porque ser tão difícil. Se você não gostou... Não tem problema...

― Eu gostei.... É que.... – não consegui terminar. E o Bernardo também não deixou, aparecendo de surpresa, e empurrado com as mãos o peito do Diego com uma expressão muito furiosa.

Seus olhos repletos de raiva deixaram de ser azul e tornaram-se cinza como nuvens carregadas em dias de tempestade e as bochechas estavam vermelhas por causa do sol e do excesso de calor.

― Qual é o seu problema? – ele não falava, ele praticamente gritava. Uma veia parecia querer saltar de seu pescoço. Eu nunca vi o Bernardo agir assim. Algo definitivamente estava errado ali.

Muitos alunos se aglomeraram em volta loucos para que se iniciasse uma briga entre eles.

― Porque você fez isso? É pra me provocar, não é? – Bernardo empurrava o Diego que ainda não tinha reagido. Comecei a ficar muito tensa com a situação. E perdida.

Até a Isabel surgir ao meu lado, segurando o meu braço, também com uma cara de muito assustada.

Cada vez mais pessoas se aproximavam, curiosas.

Estava mais que claro que se o Diego reagisse contra a loucura do Bernardo ele ganharia facilmente. Já que seus braços são bem mais fortes que os do Bernardo que é um magrelo. Mesmo sendo absurdamente bonito. Bonito até demais! Eu não sabia dizer qual era o problema do Bernardo em querer arrumar briga sem mais nem menos, mas eu estava cada vez mais convencida de que ele é patético.

Não sei nem porque um dia cheguei a me envolver com ele e criar expectativas. Talvez seja porque ele é lindo, tem olhos de um azul surreal, seu cabelo é tão lisinho e preto, sua pele branquinha, seu sorriso torto encantador. Talvez seja porque ele é carinhoso, muito romântico, extremamente protetor e sabe o que dizer e fazer no momento certo.

Exceto nesse momento.

Foi muito rápido quando aconteceu, e eu mal cheguei a ver. O Bernardo foi o primeiro a bater no Diego, que pareceu chocado. Ele não esperava. Mas logo ganhou equilíbrio e de repente começaram a se atacar feito dois selvagens em um ringue, em uma luta. Faltou os dois saírem rolando pelo asfalto.

Isabel me puxou depressa para longe daquela cena como quem sabe exatamente o que fazer. Saímos com certa dificuldade, passando pela multidão de alunos agitados com a briga. Só deu tempo de pegar a minha bicicleta, ouvir os amigos do Bernardo chegarem para acabar com a briga e com eles a voz rouca do diretor.

― O que você fez com eles, em? – Isabel jogou a mochila no sofá, assim que chegamos em casa em minutos. ― Se sente bem por fazer dois garotos lutarem por você?

― O quê? – perguntei, chochada. Sentei-me no sofá, me sentindo um pouco enjoada e com uma forte dor de cabeça. ― Não... Não! Eu não tenho culpa. Tá querendo me dizer que...?

De repente tudo fez sentindo.

O beijo. O motivo real da briga.

― Não. Não pode ser. – repetia para mim mesma enquanto subia os degraus até o meu quarto. ― Não pode ser. Não pode ter sido por mim. Não. Não pode. Eles jamais fariam isso....

Mas eles fizeram. E qualquer garota poderia se sentir lisonjeada por ter dois garotos em briga disputando por ela como se ela fosse um lindo troféu. Mas eu não, eu só me senti ainda pior quando a fixa caiu.

Eu era a verdadeira culpada por aquilo, mas nem tive intensão. Quando eu correspondi ao beijo inesperado o Diego foi por vontade própria e não para provocar o Bernardo. Não! Isso nunca.

Para esfriar a cabeça de todo aquele estresse, fui direto para o banho frio, deixando a água bater nas minhas costas. Lavei o cabelo, e depois amarrei uma toalha em volta da cabeça enquanto me trocava.

Ajudei a Isabel no almoço, as duas caladas, perdidas em seus próprios pensamentos. Queria saber se ela estava pensando na briga de mais cedo ou se ela estaria pensando no Eduardo, pois eu sei que ela está gostando dele cada vez mais. Mas não ousei a perguntar, pois não queria ter que tocar no assunto da briga nem tão cedo. Até que eu tivesse certeza que aquela baixaria foi por mim mesmo.

Mais tarde, tentei ocupar a mente com os estudos. Isabel chegou a pedir ajuda em Literatura, já que ela também era obrigada a estudar mesmo contra a própria vontade. Diferente de mim ela odeia estudar, acha que é desnecessário. Preferiria passar a tarde de bobeira com as amigas. Ela acha que se sai muito bem nas matérias mesmo sem estudar, mas o Vicente não acredita nisso.

Já depois do jantar, um pouco antes de dormir, vou até o quintal dos fundos, sento-me em uma das cadeiras perto do jardim, observando as estrelas no céu. Lá fora está vazio, não dá pra ouvir o barulho da rua, ouço apenas o cantarolar nos grilos e o piado de uma coruja. Gosto dessa sensação de calmaria. Gosto de sentir o ventinho noturno refrescar o calor que tem feito nos últimos meses.

Volto a pensar no Bernardo. Não tem como fugir. Eu tento odiá-lo ainda mais por ele ser tão infantil e maturo ao ponto de achar que sou propriedade sua e que não posso ficar com mais ninguém além dele mesmo sem termos qualquer tipo de compromisso. O Bernardo consegue ser ainda mais abusado do que eu pensei que fosse.

Mas toda a raiva que eu sinto dele parece sumir quando fecho meus olhos e me recordo do dia da nossa apresentação no Sarau. A maneira terna como ele me olhou me passando uma confiança que eu nunca tinha sentido antes diante de um público tão grande. O jeitinho doce como ele me olhava enquanto recitávamos o soneto como se estivéssemos nos declarando um para o outro. Ou como me senti segura quando no final ele segurou a minha mão repentinamente, fizemos mesuras e depois senti um vazio quando ele a soltou.

Mas eu não poderia admitir que ainda estou tão envolvida emocionalmente. Nem a mim mesma. Não parece justo comigo. Não quero mais ter que sofrer.

Quando senti aquela onda de satisfação por ter conseguido superar a minha timidez ou por ter dado orgulho ao meu pai por ter sido tão corajosa como nunca antes, eu quis saltar nos braços do Bernardo, senti-lo me envolver com seus braços apertados em volta do meu corpo. Eu quis beija-lo e dizer o quanto ainda estava apaixonada por ele mesmo depois do nosso desentendimento, mesmo depois em que tive que me afastar, mesmo depois dele me deixar nervosa, muitas vezes, com a sua insistência em se desculpar por algo que não há desculpas.

Sempre que eu vejo na escola ou nos lugares, mesmo que acidentalmente, eu tenho uma vontade imensa de estapeá-lo até ele pedir desculpas mil vezes por ter me traído. Mas o mesmo tempo tenho vontade de beija-lo sem parar e dizer o quanto ele foi e ainda é especial pra mim por ser o primeiro garoto da minha vida.

Eu não sei mais o que fazer. Quero ficar longe e perto dele ao mesmo tempo, sendo que isso nunca será possível. Quero mata-lo e ama-lo. Coisa que eu nunca achei ser possível sentir por alguém. Amor e ódio. As pessoas têm razão quando dizem que eles andam sempre juntos e nascem no mesmo lugar.

Quase acabei adormecendo ali fora mesmo, perdida em pensamentos, se não fosse pelo Pepel, alisando minha perna com seus pelos lisos e um miado. Peguei-o colo contente por ele estar ali, ele aninhou-se sobre as minhas pernas e passei meus dedos entre seus pelos macios me perguntando onde tanto ele se mete quando não está em casa.

Fico a imaginar onde o Bernardo está agora e o que será que ele está fazendo nesse exato momento. Queria muito que ele me ligasse agora, só para eu poder ouvir sua voz como ele costumava fazer antes de dormir e mesmo que com a raiva eu não tenha coragem de dizer nada.

Porque será que tudo sempre acaba me fazendo lembrar dele?

Será que vai ser sempre assim?


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Notas finais do capítulo

E ai, me digam, vocês também sempre acabam pensando em um alguém especial (ou não) em momentos que parecem inapropriados? Acho que acontece com todos nós.



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