Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 20
Capítulo XIX


Notas iniciais do capítulo

Estou postando esse capítulo mesmo de madrugada, sabendo que ninguém lerá. Porque a tarde - quando eu costumo postar - vou ter que fazer um trabalho pra faculdade. Gostei muito dos últimos comentários e não queria deixar vocês na mão, por isso, decidi postar mesmo nesse horário e aproveitando o momentinho livre. Espero que gostem. Boa leitura a todos.



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― Aqui está. – Diego me entrega uma folha com o soneto impresso do Fernando Pessoa, O Amor. É um soneto bastante famoso e um dos mais bonitos. ― Vocês serão os segundos a se apresentarem.

Vocês? O quê? Como assim? Eu e mais quem?

― Eu e.... Ele? – não notei que a Clarissa estava ali. Eu deveria ter percebido pelo cheiro do seu perfume tão suave e delicado. ― Não, não pode ser Diego. Você não me disse que...

Ela está contrariada. Desde aquele mal entendido ela tem me evitado, me xingado, me ignorado e mal tem olhado pra mim. Pra ela é como se eu não existisse, como se fosse possível ela ter esquecido as duas semanas em que fomos felizes juntos secretamente. E todas as vezes em que olho pra ela e vejo o desprezo em seu olhar, acabo me sentindo ainda pior, mas não culpado, afinal eu não fiz nada. Clarissa é muito cabeça dura, o que é totalmente compreensível pelo pouco que eu sei dela. Eu ainda não desisti e pretendo me desculpar por tudo.

― Diego, apresenta você com ela. Olha, eu não quero causar ainda mais problemas. – digo, na defensiva.

― Ah coitadinho. – ela ironiza, olhando fixo pra mim com seus olhos de um negro profundo. ― Bernardo, por favor, não se faça de inocente. Aposto que você sabia que eu estaria aqui. E com você.

Antes que eu pudesse me defender o Diego tomou a frente.

― Parem vocês dois, agora, por favor! – Diego olho para cada um de nós. Como o chefe olha para seu funcionário com desaprovação por um trabalho mal feito. ― Concentrem-se nisso aqui. A galera lá fora está contando com vocês. – Diego volta-se para mim. ― Você vai, Bernardo. Eu não posso fazer isso. Eu nem sou bom. Mas sei que vocês dois são, porque eu sei, e não importa o motivo da briga entre vocês, eu quero que façam isso por vocês mesmos. Pensem nisso.

Ele sai, deixando-nos sozinhos.

― Clarissa, eu queria.... – aproveito a oportunidade para ter um pouquinho da atenção dela.

― Para, por favor. Não quero ouvir nada. – ela não tira os olhos da folha que segura, com o soneto também impresso. O mesmo que eu o meu. Já que os alunos que iriam apresentar fariam em dupla, mas pelo visto deram pra trás na última hora e nem avisaram. ― Concentra-se ai, na sua parte, ta? Você começa e eu vou depois.

Assenti. Certo. Ela tinha razão. Teríamos mais tempo depois para conversar sobre o que tanto nos perturbava e nos mantinha afastados.

Mas eu não precisava daquela folha, sabia o soneto de cor.

― Agora é a vez de vocês. – Diego voltou, agitado. ― Vão! Vão lá e mostrem para aquele pessoal o que é uma apresentação de verdade.

Eles nos empurrou em direção ao palco. As cortinas densas e avermelhadas foram abertas, revelando a plateia. Eu não estava acostumado a isso, mas sentia que poderiam me sair muito bem. Mas a Clarissa pelo visto estava pouco confortável e quando o Diego nos empurrou foi inevitável não batermos um no outro, e agora, ao lado dela, me dirigindo para o meio do palco, eu senti que ela tremia.

― Fica calma, vai dar certo. – sussurrei pra ela.

O palco parecia pequeno para nós dois. Por um momento tentei esquecer que tinha uma galera enorme lá em baixo: adultos, crianças, idosos, pais de família, meus amigos e colegas. E a minha filha com a minha mãe, a mais importante de todos.

Estavam todos em um silencio perturbador esperando por nós.

Dei um passo pra trás quando a luz se assentou sobre nós e fiquei de frente pra Clarissa como alguém que está prestes a fazer uma declaração. É tudo muito improvisado, já que fomos pegos de surpresa e não tivemos tempo para ensaios. Olhei pra ela e ela pra mim. Suspirei fundo e dei início a minha primeiro parte do soneto.

O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Falei devagar e alto para o fácil entendimento de todos.

Olhei para a Clarissa para incentiva-la dar início a sua parte, após a minha pausa. Vi seu peito subir e descer duas vezes antes dela deixar a folha em mãos de lado e olhar fixo para mim. Mesmo tentando transparecer simpática e confiança, percebi mesmo a certa distância que ela estava muito nervosa e acanhada também.

― Você consegue. – disse a ela sem que nenhum som saísse da minha boca, mostrando meu melhor sorriso. Para o meu alivio ela sorrio de volta, parecendo agradecida pelo meu incentivo.


Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Não consegui prestar a atenção em mais nada quando ela abriu a boca para recitar com a voz serena e pacifica. Seus olhos pretos ganharam um brilho especial. Dessa vez, olhando pra ela, enquanto ela olhava pra mim de volta, foi mais fácil esquecer-me do resto do mundo. Quando acontece quando nos beijamos. Apaixonados.

Deixei também a minha folha de lado, ganhando mais confiança e me sentindo mais determinado. Meu coração batia muito forte.

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Era como se eu estivesse recitando unicamente e exclusivamente para ela. Cada palavra se igualando aos meus sentimentos por ela. Ao tamanho do meu amor.

Clarissa desviou o olhar do meu com as bochechas levemente rosadas e olhou para a plateia corajosamente. Segui a direção do seu olhar e vi que ela mantinha contato visual com o pai na terceira fileira e a irmã ao lado dele. Os dois acenaram de longe, sorridentes e pude ver o orgulho estampado na expressão do pai dela.

Clarissa voltou a olhar pra mim antes de retomar.

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Não demorei muito para finalizar o texto, sentindo-me radiar. Com uma ponta de esperança de que as coisas pudessem mudar entre nós após a conexão que acabamos de ter.

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Por fim, todos bateram palmas. Meus amigos, nas ultimas fileiras levantaram-se e gritaram por mim, empolgados, me fazendo rir. Olhei para a minha mãe, mais a frente, com a Liz no colo e meu pai ao lado. Eles estavam felizes por mim e eu ainda mais.

Fui ao encontro da Clarissa, segurei sa umão muita desajeitadamente como se fosse a primeira vez, e juntos, fizemos mesuras. Com todos ainda aplaudindo pela nossa apresentação.

As luzes se apagaram sobre o palco, mesmo relutando soltei a mão dela e saímos de fininho pela lateral do palco. A terceira apresentação logo daria início. O Diego estava nos esperando, sorridente, deu um abraço rápido em mim e um mais demorado na Clarissa, beijando sua bochecha.

― Parabéns! Vocês foram ótimos! – bastou ele dizer isso, para que a Clarissa saísse de perto de nós, se perdendo no resto do pessoal.

Quanto a nossa conversa, que ainda precisaríamos ter, pelo visto, estive enganado. Acho que ela não quer papo comigo nem tão cedo.

― Bêzinho! Você foi ma-ra-vi-lho-so. – sim, ela separou cada silaba. Brenda praticamente se pendurou no meu pescoço, dando beijos no meu rosto, colando sem corpo no meu, muito empolgada.

― Para, Brenda. Por favor, agora chega. – afasta-a delicadamente sem parecer grosseiro. Tento ser ao máximo paciente com ela. Esse é o jeito dela...

Quando posso olhar finalmente pra ela com seus trajes de dança, ouço um click dentro da minha, que me faz lembrar de muita coisa que venho tentando esquecer nos últimos dias. Afinal, não teve nenhum significado pra mim. Mas afetou boa parte da minha vida.

― Brenda, precisamos conversar. – puxo-a pela mão. Precisamos de um lugar mais vazio, onde ela possa me ouvir com clareza.

― O que foi, Bê? – ela tinha aquela cara despreocupada de inocente. Ou estava se fazendo de desentendida. ― O que aconteceu?

― O beijo. Aquele que você me deu na terça-feira. – vou direto ao assunto, olhando sempre pra ela. ― Porque você fez aquilo, Brê?

Ela soltou um risinho, abaixando o olhar como quem está tímida.

― Foi coisa de momento, Bernardo. – ela voltou a me olhar com aquele olhos cor de caramelo destacados por causa da maquiagem. ― Eu fiz o que tive vontade. Achei o momento apropriado. E foi bom, não me arrependo. Você é um garoto absurdamente lindo e solteiro e eu também não tenho ninguém. Mas não se preocupe. – ela colocou a mão sobre o meu ombro. ― Sem compromisso, ta legal?

Sem esperar por minha resposta ela beijou meu rosto e saiu apressadamente, dizendo alguma coisa em relação a sua apresentação.

Voltando ao auditório trombei com a Marina pelo caminho com a Liz no colo agitando os bracinhos na minha direção. Peguei-a para mim e dei um beijo em suas bochechas rechonchudas.

― Estávamos te procurando, Bernardo. – Marina sorri, passando a mão devagar no cabelinho liso da Liz.

― Eu estava tendo uma conversinha com a Brenda. Que acabou não resultando em muita coisa. – digo, desapontado.

― O quê? Me conta tudo! O que foi que aquela maluca te disse? O porquê do beijo? – ela perguntou, exasperada. Contei tudo a ela enquanto voltávamos para perto de nossas famílias e amigos.

O Sarau terminou por volta das quatro da tarde. Poucas vezes eu vi a Clarissa depois da nossa apresentação, e sempre que eu a via ela estava com o pai e a irmã, nunca sozinha. E só eu sei o quanto ela está me odiando agora e só eu sei o quanto ela fica desconfortável perto de seu pai. Nem ousei a me aproximar para tentar novamente uma reconciliação amigável. Eu não suporto a ideia de que ela me odeia mesmo depois de tudo que tivemos e não suporto a ideia de que ela acha que sou um traidor. Eu jamais faria algo assim com ela. Eu jamais quebraria uma promessa minha.

No sábado à noite fiquei com a Liz em meu quarto, mimando-a de todas as formas possível. Só a Liz era capaz de me fazer esquecer, por longas horas, tudo de ruim que estava acontecendo comigo nos últimos dias. Com ela eu me sinto outra pessoa, muito melhor, sem problemas, dificuldades, conflitos e desentendimentos. Com ela me sinto forte, me sinto muito melhor, me sinto confortável, me sinto especial e importante.

No domingo à tarde, tiramos o dia ensolarados para nos reunir na casa do Gustavo. Os pais dele fariam um churrasco perto da piscina nos fundos. Mamãe não pôde ir, pois disse que tinha muitos trabalhos da escola para corrigir. Aproveitaria a casa vazia para se concentrar melhor. Já meu pai, não só levou eu e a Liz de carro, como também aproveitou para ficar. Ele e o pai do Gustavo são muito amigos.

Foi a primeira vez em que coloquei a Liz dentro de uma piscina com seu maiorzinho cor-de-rosa da Minnie baby. Claro, que antes passei seu protetor solar e coloquei um chapeuzinho nela. Ela adorou, sorria lindamente, sem medos, sem nem se importar com a temperatura da água, agitando as perninhas e os braços como se já tivesse nascido para aquilo.

Mas não podia abusar muito, por causa do sol forte lá em cima. Eu me preocupo com ela e deixei a diversão de lado para ficar com ela na sombra. Dei sua mamadeira e até arrisquei alguns pedaços pequenos de carne e de pão. Liz é uma criança adorável, nem deu trabalho. Acabou dormindo rapidamente em meus braços, completamente esgotada. A mãe do Gustavo se ofereceu para leva-la para dentro da casa e deixa-la mais confortável. Eu aceitei o favor, e a entreguei adormecida.

O Miguel, meu grande e melhor amigo, mal tem falado comigo desde o beijo que a Brenda me deu. Ele ficou muito aborrecido pelo que viu, tanto pelo beijo com a garota que ele está afim – mesmo que tenha sido uma mal entendido – tanto por eu não ter contato ao ele que estava ficando com a Clarissa as escondidas. E eu o entendo. Ele tem toda a razão. Eu deveria ter contato, mas eu tenho meus próprios motivos.

Vejo-o quieto e sozinho do outro lado piscina, movimentando os pés dentro da água, enquanto os outros se divertem. Ele não é muito de ficar isolado em momentos como esse. E é aí que eu sei que ainda tem algo de errado que precisa ser resolvido entre nós dois. Aproximo-me certo de que aquele é um bom momento para tentar conversar. Sento ao seu lado, também colocando meus pés dentro da piscina.

― Podemos conversar? – pergunto. A Mari lá do outro lado sorri pra mim e pisca. Enquanto o Gustavo tenta afogar o Edu.

― Claro. Pode falar. Eu estava mesmo querendo resolver isso de uma vez por todas. Não tenho me sentindo muito bem.

― Nem eu. – admito. Trocamos um rápido olhar. Depois, volto a fitar meus dedos enrugados por causa da água. ― Primeiramente, queria que você soubesse que eu só não te contei sobre o meu relacionamento secreto com a Clarissa a pedido dela. Ela é diferente das outras garotas, entende? Ela tem um certo medo do pai. Digamos que ela não sabe lidar muito bem com ele e nem ele com ela e a irmã. Eu ia te contar, mas somente quando ela se sentisse confortável e segura ao meu lado.

― Entendo. Agora, eu entendo. – ele de um breve sorriso. E eu suspirei mais tranquilo. No céu, o sol deu uma trela, se escondendo atrás de algumas nuvens. O que me deu um certo friozinho. ― Eu deveria ter imaginado. Eu sabia o quanto você estava apaixonado por ela. Ou, ainda está.... Eu não sei. E que seria capaz de qualquer coisa para estar com ela. E tudo bem, eu te desculpo isso. – ele solta um risinho. ― Fico mais aliviado ao saber que uma hora ou outra você me contaria. Mas só quando chegasse o momento certo, para proteger a Clarissa.

― Exatamente! Eu queria protege-la. – engraçado como as vezes mesmo sem dizer meu melhor amigo sabe exatamente o que eu sinto, o que penso, o que quero dizer. ― E sobre o beijo... Com a Brenda, eu queria dizer que tudo não passou de uma mal entendido. Naquele dia eu estava saindo para esperar a Clarissa quando de repente a Brenda surgiu e veio com um papo todo estranho e de repente ela me beijou e eu não tive tempo nem de agir. Mas saiba que não foi de propósito, não foi planejado. Nem teve nenhum significou ou importância pra mim. Foi um selinho... Eu nem correspondi. Não durou nem cinco segundos!

― Eu achei mesmo tudo muito estranho. Pois você sabia que eu estava tentando me envolver com ela e eu sabia que você só tinha olhos para a Clarissa. E você nunca foi do tipo traíra, que não leva em consideração a palavra dos amigos ou os seus sentimentos. Pelo contrário, você foi sempre tão justo, tão leal e verdadeiro, sempre quis o melhor de todos, se importa com tudo e todos. Muito mais que um amigo... Um irmão pra mim! - ele pausou por um momento, como quem avalia o que está prestes a dizer. ― É que no momento... Eu fiquei mesmo muito magoado com o que vi. E fiquei cego de raiva e ainda mais por não conseguir deixar de ser seu amigo mesmo certo de que você havia me traído. Mas, eu preciso saber de algumas coisas – ele ergueu os olhos que até então se mantiveram baixos, evitando-me. ― O que ela disse depois do beijo? Vocês já conversaram sobre isso? O que ela sentiu? Ou, o que ela sente por você?

Engoli em seco.

Meu proposito ao puxar a Brenda para uma conversa no sábado, no colégio, foi exatamente pra isso, para acertar as coisas entre nós e deixar tudo muito claro. Claro de que nós nunca tivemos nada e nem vamos ter. Mas eu falhei e mais uma vez ela me passou a perna com seu jeito descontraído e inocente.

― Eu não sei te responder essas perguntas, Miguel. Eu tentei conversar com ela. Eu tentei! Mas, eu falhei. E tudo que ela disse foi que agiu no calor da emoção, coisa de momento e que não se arrependeu pelo que fez, pois nenhum de nós tem um compromisso fixo.

Ele assentiu compreensível, abaixando novamente o olhar.

― Pelo visto ela não gosta mesmo de mim. Pra ela eu sou nada mais nada menos que um simples... Amigo. – ele está mesmo chateado, dá pra perceber. O que ele acaba de me dizer me faz lembrar do dia em que a Brenda me disse que ele é como um irmão pra ela.

Eu deveria ter contado a ele antes, deveria ter sido justo da mesmo forma que ele acredita que eu seja, deveria ter sido leal a nossa amizade e ter dito tudo que eu pensei em dizer quando ele me contou que estava meio que gostando dela. Eu deveria ter seguido minha intuição quando senti que a Brenda não é o tipo certo para ele. Poderia ter evitado essa situação. Mas agora é tarde. Já foi. Aconteceu.

― Agora que já está tudo muito claro.... Mesmo assim eu gostaria de me desculpar com você. Eu acabei não sendo um bom amigo, mesmo não sendo completamente culpado pelo o que aconteceu...

― Não, tudo bem. – ele interveio. ― Não faz mal. Você teve seus motivos. Eu que me precipitei tirando conclusões do que vi. Quando na verdade não era nada daquilo. Me desculpe.

Sorrimos um para o outro e nos abraçamos mesmo molhados, dando tapinhas nas costas um do outro. Coisa de homem que sente muito, mas prefere fingir que não.

― Mas e você a Clarissa? Já conversaram? Já se resolveram?

― Aquela lá é cabeça dura! Ela não quer me ouvir. Mal olha pra mim e tem me evitado de todas as formas possíveis. Está difícil... Mas eu não pretendo desistir. Nem que eu tenha que pega-la a força e amarra-la pra que ela possa me ouvir. – nós rimos. ― Vamos lá, vamos esquecer isso por um momento e vamos aproveitar o resto da tarde. Eu já estava com saudades de você, amigão.

Empurro-o dentro da piscina, mesmo aos risos não tenho como fugir e o Miguel me puxa pela perna me fazendo cair desajeitadamente dentro da água. Juntamo-nos aos outros e entramos na brincadeira.

― Finalmente as maricas resolveram fazer as pazes? – o Gustavo brincou, quando nos viu brincar feito dois garotinhos, da mesma forma que costumávamos ser antes do desentendimento.

A semana passou e pouca coisa mudou.

Minha vida parecia normal, exatamente como era antes de me aproximar da Clarissa. Mas não era daquela forma que eu queria que fosse. Desejava que tudo fosse exatamente como foi quando as coisas começaram a se intensificar entre nós dois. Quando eu tinha motivos reais para sorrir, para sonhar mesmo acordado e um propósito para ficar na escola até mais tarde sabendo que passaríamos mais tempo juntos assim que ficássemos a sós

Não faz tanto tempo em que tudo se desmoronou, mas eu tenho sentindo cada vez mais saudades dela, dos traços do seu rosto, a textura da sua pele clara, o escuro dos seus olhos, seus lábios nos meus, o sorriso dela, o perfume da sua pele roçando na minha, o som da sua risada, o jeito com ela fica tímida, com receio em me tocar em momentos mais íntimos e a macies dos seus cachos dourados.

Mais uma segunda-feira se inicia, mas as minhas esperanças ainda não morreram.

É aula de química, a professora baixinha de olhos puxados está falando sobre a propriedades dos metais. Eu simplesmente detesto essa aula e por mais esforços que eu tente fazer para aprender alguma coisa que sai da boca daquela desagradável professora, eu não consigo ir até o fim e qualquer coisa me desconcentra, parecendo bem mais interessante que a aula. As vezes alguns pontinhos escuro no teto da sala de aula, ou a sujeira do vidro das janelas, rabiscos no canto da folha e hoje, especialmente agora, os movimentos da Clarissa fazendo sua anotação na folha do seu fichário.

Meus olhos estão concentrado nela. Mesmo ela estando de costas e eu não consiga ver seu rosto.

― Como eu estava mesmo dizendo – a professora pigarreou, despertando-me. Ela está inclinada sobre a minha mesa com um mão de cada lado e seu rosto muito próximo do meu com seu hálito seco nos meus olhos e e eu nem tinha percebido. ― Quais são mesmo as principais propriedades características dos átomos, Bernardo?

Gustavo, um pouco mais atrás, prende o riso.

― Hmmm... Condução de eletricidade, condução de calor, densidade, pontos de ebulição e fusão, resistência a tração e....

― E...? – ela repete, esperando pelo termino da minha resposta.

― Eu não sei, professora. Desculpa. – digo sem graça, abaixando o olhar constrangido. Como eu poderia saber? Nem mesmo se eu estudasse mais em casa saberia de tudo sobre química. Eu odeio química. E sinto que essa professora gosta de me perseguir.

― Maleabilidade e ductilidade! – ela grita erguendo o dedo indicador, não só no meu ouvido, mas também para todos em sala. Essa mulher é louca! Por sorte, ela volta lá pra frente, deixando-me em paz. E continue sua aula, sua explicação, mas sem tirar os olhos de mim dessa vez.

No intervalo me sinto, ainda, no automático. Devorando meu pedaço de bolo de chocolate e bebendo meu refrigerante sem nem sentir o gosto de ambos. Meus olhos parecem não querer enxergar nada além da Clarissa, no seu banco a minha frente, não mais sozinha, agora com o Diego. O que me dá uma pontinha de ciúmes.

O que será tanto que eles conversam? O que tanto ele diz que a faz sorrir daquela forma? Da forma que eu costumava fazer para vê-la sorrindo. Só para admira-la.

― Sabe que se precisar de qualquer coisa é só contar comigo. Não sabe? – o Miguel me chama a atenção, já terminando seu suco.

― Obrigado. – tento sorrir, me sentindo estranhamente mal por sentir ciúmes da Clarissa com o Diego. Eles são amigos e nada mais que isso. A Clarissa precisa de companhia. Se bem que eles estão muito próximos ultimamente e por mais que eu tente não sentir, sempre acabo me odiando por estar tão enciumado com isso. O ciúmes está me deixando maluco, me fazendo criar paranoias dentro da minha cabeça.

Durante o restante das aulas não consigo olhar pra Clarissa e não imaginar o Diego ao seu lado suprindo o lugar que costumava ser meu.

Eu normalmente não sou tão ciumento quando se trata de relacionamento. Mas pela Clarissa sinto umas coisas fora do normal. E sei que nem sempre isso é bom e não me faz bem.

Na saída com meus amigos, vejo de longe seus cabelos louros movimentando-se conforme ela vai andando, cada vez mais rápida, como quem está com muita pressa ou fugindo de algo. Meus olhos acompanham todos os seus movimentos. Minha expressão repentinamente muda quando eu a vejo abraçando o Diego, na ponta dos pés, no portão de saída próximo ao bicicletário. Meu peito rapidamente se enche de raiva e eu saio em disparada na mesma direção com os punhos cerrados.

Cego de ódio.

― Clarissa, quero falar com você. Agora. – digo pausadamente, autoritário. Pra ela entender que quando digo agora, é agora, nesse momento.

Surpresa, ela se solta do Diego. E ambos parecem sem graça por ver ali.

― Qual seu o problema, garoto? – ela me fuzila com os olhos, com a mesma expressão sombria de sempre. ― Não tá vendo que estou ocupada? Por acaso eu sou propriedade sua e não tô sabendo?

Olho para ela incrédulo, engolindo em seco. Depois olho para o Diego, sentindo uma raiva imensa dele. Uma raiva que eu não sentia por ele antes. Antes eu até o considerava um novo amigo, mas não mais. Eu o odeio e quero vê-lo longe da Clarissa.

Cravo com força minhas unhas curtas na palma na mão.

Nesse momento, olhando para os dois, louco para arrastar a Clarissa dali para longe daquele garoto ou dar uma boa lição nele. E olha que nunca fui de me meter em confusões ou brigas. Mas dessa vez me vi muito perto de fazer uma bobagem. Clarissa só me odiaria ainda mais por bater no seu novo amiguinho.

Se é que eles não são muito mais que isso.

Sinto uma mão no meu ombro.

― Vamos, Bernardo. – é o meu melhor amigo. ― Deixa essa conversa pra outro dia. Você precisa esfriar a cabeça.

Me dando por vencido, suspiro forte e vou embora com o Miguel, murmurando um “obrigado” por ele ter me impedido de fazer alguma besteira que na certa eu me arrependeria pelo resto da vida.


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Notas finais do capítulo

Vamos lá, comentem! Até o final de semana posto mais um capítulo. Muito provavelmente na sexta a tarde ou não já que nem comecei a escrever ainda. Obs.: Mudei a capa! Vocês gostaram ou preferiam a outra? É simples porque eu mesma faço as capas das minhas histórias e isso é tudo que sei.



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