Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 2
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo: ta aí. Espero do fundo do coração que vocês gostem e apreciem. Confesso que já tenho mais cinco capítulo prontinhos, posso postar mais depressa, se vocês me ajudarem deixando comentários por mais simples que seja.



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Eu percebi que a coisa estava ficando séria quando me pegava olhando para ela durante a aula, ou quando pensava nela deitado ouvindo música, ou quando procuro por ela pelo colégio e quando fico preocupado quando ela não aparece na aula.

Eu já disse a mim mesmo, inúmeras vezes, que não há espaço, não há tempo, não há porque logo agora. Justamente agora quando o que mais quero é me aquietar, focar no futuro e cuidar da Liz. Mas não adianta, e quanto mais eu tento deixar de lado, mais eu me vejo pensando nela e imaginando mil e uma bobagens, meios de me aproximar, um jeito de conhece-la melhor, saber o porque dela ser assim, desvendar seu mistérios ou simplesmente ouvir sua voz e poder ficar perto dela nem que seja por pouco tempo. Só queria vê-la sorrindo pra mim de pertinho.

Eu já disse a mim mesmo que ela é só mais uma garota qualquer mesmo que não seja em nada parecia com as outras, já disse que essa fantasia não passa de um momento, uma carência. Mas não adianta, porque eu sei que ela é diferente. Mas quantas não são? Sei que há nela algo que eu necessito saber. Tudo. Mas por quê? Por onde começaria? E pra que eu precisaria saber? O que é que ela tem que eu não consigo me livrar? O que é que ela tem que me encanta sem nem precisar se esforçar? Pelo contrario, ela é detestável só de olhar.

Clarissa tem os cabelos cacheados de um louro-dourado que caem volumosamente pelos ombros. Sua pele é branca e quando ela fica por muito tempo no sol as bochechas dela ficam rosadas. Seus olhos são dois abismos negros e sombrios. Ela usa uma maquiagem escura em volta dos olhos para destaca-los. Ela é magra, muito baixa e não tem um corpo exuberante. Ela é simples e normal, ao mesmo tempo, é exótica, misteriosa e fascinante.

― Como eu estava falando – ouço uma voz interromper meus devaneios. Dou um pulo na carteira. É o meu professor de História, Marcos. E ele está bem na minha frente, me olhando de um jeito torto, com as mãos na cintura como se eu lhe devesse alguma explicação. Mas estive por tanto tempo fora que não faço ideia do que esteja acontecendo. ― No século XV, dois países tiveram destaque na Europa Ocidental: Portugal e Espanha. Com o declínio do feudalismo, as relações econômicas começaram a se dar através do comércio marítimo. Correto Bernardo?

Expansão europeia.

― Sim. Exatamente. – digo endireitando-me sobre a cadeira. Alguns raios solares entram pelas janelas do lado direito da sala de aula. Estão todos me olhando cheios de expectativas. Inclusive ela. Que não sorri e nem nada. Parece entediada. Porém, ainda mais linda com seus cabelos iluminados pelo sol como uma aréola. ― E as expedições eram organizadas com o objetivo de explorar outras regiões, a fim de extrair alimentos, principalmente as especiarias.

A minha resposta é satisfatório. Sei que sim pela expressão do professor ao virar as costas e voltar ao seu lugar habitual lá na frente da sala, no meio, enfrente o quadro-negro. E ele continua a sua explicação, o que é um alívio. História é uma das minhas matérias favoritas, apesar do professor não facilitar muito. Prefiro estudar em casa, todo o conteúdo antes da aula. Essa é a razão de eu saber basicamente tudo.

Miguel, meu melhor amigo, vira-se para trás para poder me dar uma daquelas olhadas que só amigos entendem. Ele senta na minha frente desde sempre. Tornamo-nos amigos no jardim de infância. No primeiro dia de aula. Éramos duas crianças desconhecidas, reservadas, sentadas em um canto enquanto todos brincavam durante o intervalo. Eu ofereci a ele um pouco do meu sanduíche, mais por educação do que qualquer outra coisa, e desde então somos melhores amigos pra tudo.

A próxima aula é de Português. A minha aula preferida. E a professora é a minha mãe. Ter a mãe como professora tem suas vantagens e desvantagens, como qualquer outra coisa na vida. Mas se tem uma coisa que não fazemos é misturar as duas coisas. Na escola ela é só mais uma professora e em casa a minha mãe.

Mas admito, que por influencia dela a literatura é uma das minhas paixões. Sou complemente apaixonado pela escrita e pela leitura desde quando eu ainda era um bebê. E tenho pensando muito, desde o ano passado, no primeiro ano do ensino médio, em ser professor no futuro, assim como ela.

― Por favor, formem grupos com no máximo até cinco alunos.

Imediatamente nós formamos o nosso grupo. O nosso grupo, além de mim e do Miguel, tem também o Eduardo, Gustavo e a Marina.

O Eduardo é o amigo nerd. Mas conhecido pelo apelido: Edu. Ele não é só inteligente nas matérias que ele gosta. Ele é inteligente pra tudo, em todo lugar, a todo o momento. Considerado o melhor aluno da turma e o segundo de toda a escola, porque a primeira é a irmã gêmea dele, Bianca. Edu já recebeu inúmeros prêmios, medalhas e diplomas.

O Gustavo, se estivéssemos em um filme americano, ele seria o capitão do time de basquete. Ele é alto, forte, atlético. Faz muito sucesso entre as meninas. Quando ele passa, elas suspiram. Tem amigos por toda parte, além de nós. É o mais engraçado, mais tagarela, mais exagerado, basicamente, mais tudo.

Marina é a única garota entre nós. Ela é a namorada do Gustavo desde o ano passado. Marina é o que nos mantem em equilíbrio. Ela é durona como uma mãe quando tem que ser, mas também é considerada a irmã caçula, onde todos nós, temos o dever de protegê-la.

― Hoje vamos falar sobre a função da linguagem.

Não é só por ela ser minha mãe, mas, praticamente todo o colégio gosta dela. Ela é uma das melhores. Está sempre a disposição dos alunos e tenta ensinar de maneiras diferentes do tipo que não se pode esquecer facilmente.

Enquanto minha mãe dá sua explicação, ou melhor, a professora, tento ao máximo ouvir e me concentrar, mas meus olhos parecem ter vida própria e se direcionam para o sentido oposto. O outro lado da sala. Que é onde ela senta todas as manhãs. A primeira carteira colada à mesa do professor, no canto, perto das janelas. Sozinha, calada e isolada.

No inicio, eu tive pena. Nunca achei justo quando as pessoas isolam umas as outras por serem diferentes. Eu bem que tentei ajudar, afinal, não sabia os motivos pra ela querer ficar sempre tão sozinha. Mas então, ela foi grosseira comigo, mesmo quando eu tentei ajudar e facilitar, ele me tratou de maneira esnobe e rude, disse que queria ficar sozinha e que não precisava da piedade de ninguém.

Desde então eu tento não me importar. Da mesma maneira que a maioria das pessoas tenta fingir que ela não existe. Eles até conseguem, mas eu não. Clarissa é a pior pessoa que conheço. A única pessoa no mundo, ao meu ver, que prefere a solidão a ter amigos. Eu não sei exatamente por que. Ela deve ter seus motivos. Mas, certamente ela não quer dividir isso com ninguém. Ninguém mesmo. A garota é completamente maluca. Não tem nenhum amigo e parece viver bem assim. Ou ela é também muito boa atriz. Ter amigos é ótimo!

― Limpa. – Gustavo cochicha, dando-me uma cotovelada.

― O quê? – pergunto, voltando a mim.

― A baba. Tá escorrendo aí no canto.

Gustavo e suas piadinhas sem nexo. Os outros três dão risadas, e rir também é tudo que consigo fazer para disfarçar meu embaraçamento. Será que todos estão percebendo? Fico me perguntando. Será que é muito notável minha quedinha pela Clarissa? Prefiro não pensar nisso.

O Bertolini - meu colégio – é um dos maiores da minha pequena cidade do interior de São Paulo. E o único particular. Volto para casa todos os dias a pé, mas não antes de vê-la indo embora. Clarissa sempre pega sua bicicleta branca com cestinha e se vai, pedalando com os cachos dourados esvoaçando ao vento. Só depois que ela some na primeira curva eu vou para casa tranquilamente caminhando.

Minha casa é a ultima da rua. Uma rua plana, larga e pouco movimentada. Meu quarto fica no pavimento superior. O outro fica onde deveria ser o porão. Exatamente. Eu tenho dois quartos. O tradicional e o que é proibida a entrada de qualquer adulto.

Meus pais chegam minutos depois de mim. Nos reunimos a mesa de jantar para o almoço. Apesar de termos a casa grande, não há empregados. Mamãe faz questão de exercer todas as funções: mãe, esposa, dona de casa, professora, mulher e amiga.

Meu pai é diretor de um colégio particular na cidade vizinha. Foi onde ele conheceu a minha mãe, que dava aula lá. É o que eles chamam de amor à primeira vista. Casaram-se meses depois e me tiveram como único filho.

As minhas tardes, depois da aula, costumam ser inteiramente iguais, nada de novidade. Chego da escola, almoço, tomo um banho, faço o dever de casa, descanso, jogo videogame ou fico no computador, ou leio, saio para caminhar. Não nessa ordem.

O céu já está escuro, a noite é calorosa, há poucas estrelas no céu. E não consigo pensar em outra coisa. Quero muito ver a Liz. Mesmo que eu tenha passado o final de semana inteiro com ela. O tempo ao seu lado é sempre insuficiente. Eu quero sempre mais. E se não fizer, antes de ir deitar, posso não conseguir dormir.

― Mãe, vou ver a Liz. Não demoro.

A casa dela não é muito longe da minha. Bato na porta educadamente e segundos depois sou recebido por sua avó, Marlene. Ela me dá um forte abraço e um beijo no rosto. É sempre muito afetuosa e me deixa entrar. Pede que eu suba até o quarto. Ainda me sinto de casa, então não vejo problemas. E subo.

Bato na porta do quarto, mas ninguém me ouve. Entro mesmo assim, porque sei que a porta está aberta. De longe eu a vejo, acordada e em movimento. Abro um sorriso. O quarto tem cheirinho de talco e sabonete de flores.

― Bernardo? – antes de toca-la ouço uma voz. Viro-me e lá está Lorena. Que por sinal acabou de sair do banho. Está enrolada em uma toalha com os cabelos soltos e molhados.

Lorena é a mãe da minha filha. A garota mais linda que já conheci na vida. E quando digo que é a mais, não estou exagerando. Ela é o do tipo que garota que passa na rua e todos, homens ou mulheres, param pra olhar pra ter certeza que ela é mesmo real. Parece uma boneca ou uma estrela de cinema.

Seus cabelos loiros esbranquiçados descem escorridos até a cintura. Ela tem os olhos de um azul-acinzentado impecáveis. Seu corpo é exuberante e volumoso, devido aos anos dedicado a dança. Sua boca é pequena e avermelhada. Suas unhas estão sempre bem feitas e pintadas. Ela adora maquiagem e está sempre bem vestida.

― Oi, Lorena. Desculpa. – sorrio sem jeito. ― Eu só queria ver a nossa filha. Fiz mal?

― Claro que não, bobinho. – ela se aproxima, prendo a respiração. Lorena me dá um beijo no rosto e um rápido abraço. Sinto seu corpo molhado de encontro ao meu. ― Fique a vontade. Você sabe.

Conheci a Lorena no primeiro dia de aula no ensino médio. E ela logo, mesmo de longe, me chamou a atenção. Ela sempre foi, desde o primário, a líder do grupo de dança da escola. Lorena é um ano mais velha. E quando bati meus olhos nela pela primeira vez, sua beleza logo me despertou algo novo, como deve acontecer com tantos outros garotos. Mas eu também sabia, que uma garota tão perfeita como ela, cheia de inúmeras qualidades jamais olharia para um garoto comum como eu. Logo ela, sempre rodeada de garotos, admiradores e pessoas.

Mas eu também nunca fui um desconhecido. Pelo contrário, boa parte do colégio e da cidade me conhece por ser o filho da professora de Português. E apesar de nunca ter sido o mais popular, cheio de muitos amigos, também nunca fui um qualquer. Apenas comum.

Quando um garoto está realmente afim de uma garota ele faz de tudo só pra chamar sua atenção. Não foi muito diferente comigo. Eu sabia que era ela quem eu queria, por mais impossível que parecesse de conquista-la. Aquilo me soava como um desafio. Queria que ela visse em mim o que não via nos outros e eu tentei, de todas as formas, mostrar pra ela.

Em uma noite em especial comprei o ingresso para a primeira fileira do teatro municipal. Fui sozinho, fiz tudo sozinho, meus amigos não sabiam de nada. E nem saberia até eu ter certeza de algo. Soube que ela iria se apresentar no teatro aquela noite com seu grupo de dança, do qual ela faz parte desde os quatro aninhos, comprei flores, um buquê de lírios brancos.

Não tirei meus olhos dela durante toda a apresentação. No final, eu queria ir falar com ela. Eu ia, se um garoto muito maior que eu, com um buque gigantesco de rosas não tivesse aparecido antes. Juntei-me a multidão que esvaziava aos pouco o teatro. Voltaria para casa de mãos abanando e cabeça baixa.

Quando estava a um pé da rua para voltar pra casa, senti uma mão pequena tocar meu braço. E ela estava ela, superando qualquer expectativa, sorrindo pra mim como um anjo.

― Odeio rosas. – ela disse com alguns fios louros se desprendendo do coque. ― Não vai me levar pra jantar?

Passamos a noite inteirando jogando conversa fora no melhor restaurante do centro. Eu tinha pouco dinheiro para aquela noite, mas por ela, eu teria feito qualquer sacrifico. Pra minha surpresa, Lorena não era exigente, metida ou cheia de frescura. Ela é simples e como qualquer outra garota só queria respeito, companheirismo, admiração. E naquela noite, durante o jantar, percebi que ela era muito melhor do que eu tinha imaginado. Linda por dentro e por fora, o que só me fez ficar ainda mais apaixonado a cada instante.

Começamos há namorar poucos dias depois. O que não foi surpresa pra ninguém. Acho que ela também estava meio que gostando de mim, enquanto eu admirava de longe antes de termos a oportunidade de ficarmos juntos. Com ela, tudo parecia mais fácil. Apesar dos nossos defeitos e diferenças, Lorena fazia com que tudo fosse natural, mais bonito. E minha admiração por ela só ia aumentando.

Tivemos a primeira noite de amor em sua casa. Começamos no sofá da sala e terminamos em seu quarto. Aconteceu tão inesperadamente, me sentia tão em brasa, que não nos importamos com mais nada. Semanas depois veio a surpresa: Lorena estava gravida.

Ser pai ao quinze anos não estava nos meus planos. De inicio, meu mundo pareceu desabar. Meus planos, sonhos, desejos para o futuro foram por água a baixo. Precisei de um dia inteiro sozinho trancafiado no meu quarto para colocar a cabeça em ordem.

Não estava preocupado se meus pais me mataram, se a sociedade me julgaria ou se meus amigos me recriminariam. Estava preocupado como futuro desse bebê e o meu relacionamento com Lorena que mudou repentinamente após a grande descoberta.

Mas bastou o fim daquele dia chegar, depois de ter pensando por horas e horas, que eu senti que algo dentro de mim havia mudado. Nascia uma nova expectativa do mundo, uma nova visão, outra maneira de enxergar as coisas a minha volta, as pessoas, a situação, a minha própria realidade. Fiquei imaginando o rostinho do bebê, que cheirinho iria ter, os dias que teríamos juntos, os novos planos, uma rotina diferente e por fim, estava tudo certo. De repente, o que eu mais queria era ser pai mesmo aos quinze anos.

Só que pra minha tristeza, pra Lorena não estava sendo tão fácil assim. Para ela parecia o fim. Ela não queria ter que parar de dançar nunca e isso a preocupava. Conversei com meus pais, que sempre foram meus amigos, contei a verdade. Eles não quiseram me matar, nem arrancar minha mesada ou me colocar na rua. Mas também não ficaram muito empolgados. Afinal, não era a hora certa pra ser pai. Mesmo assim, eles conversaram com Lorena e os pais delas. Foram dias longos e difíceis para nós chegarmos a acordos e decisões.

Com o tempo, Lorena aceitou bem o fato de ser mãe. Ela continuou a se cuidar e dançou até onde pôde. Tentamos manter a gravides em segredos até o momento em que a barriga iria começar a aparecer. E a reação das pessoas a nossa volta foi como já esperávamos: julgamentos, fofocas, recriminações. Coisas que não me importava. A minha única preocupação era a Lorena. Não queria que fosse tão mais difícil pra ela do que já estava sendo.

A Liz nasceu em janeiro desse ano. Foi o melhor dia da minha vida com certeza. Seu nome foi escolhido por mim e Lorena por alguns motivos: lírio é a flor preferida dela. Eu acertei em cheio aquela noite em nosso primeiro jantar. Liz que também significa amor eterno, pureza e verão. Verão foi quando nos conhecemos. Nossa filha é tudo que nos restou de um relacionamento conturbado. A única prova de amor da qual precisamos para viver e continuar nossas vidas mesmo com todos os problemas. Nossa filha é o amor mais puro que pode existir. Ela é uma das coisas que jamais me arrependerei.

― Ela não é linda? – não é uma pergunta, é mais uma afirmação. Pego Liz nos braços e ela abre um sorriso de matar a alma. ― Parece muito com você.

― E com você. – Lorena diz, voltando a se aproximar para olhar a filha de perto. Com sua aproximação, sinto o cheiro de sabonete e creme. Mesmo depois de dá a luz, Lorena continua incrível como mulher e pessoa. Nada mudou. ― Os olhos dela são os seus olhos.

Poderíamos ter dado certo. Penso. Poderíamos ter nos casado e vivido juntos como uma família deve ser. Lorena me faria o homem mais sortudo do mundo. E eu faria por ela o que fosse preciso. Certamente, ela foi uma das garotas das quais mais amei na vida. E o primeiro amor fica pra sempre. Eu jamais a esquecerei. No fundo, acho que eu sempre vou ter uma quedinha quando se trata da mãe da minha filha. Bom, pelo menos por enquanto ainda me sinto muito frágil perto dela. Sinto que ainda estamos conectados, não só pela nossa filha, mas pelo sentimento que envolve essa história. Terminamos, por decisão dela, um pouco antes da Liz nascer. Lorena queria um tempo, ela disse que não saberia dizer se era isso que ela iria querer pra vida inteira.

Ainda tento superar.

― Acho que ela dormiu. – digo, minutos depois. Lorena já está de roupa, os cabelos bem penteados e a pele perfumada. Irresistivelmente provocante. Liz está em meus braços, adormecida, com a cabeça inclinada sobre o meu peito.

― Finalmente. – Lorena a pega, delicadamente, dos meus braços. Sinto um vazio. ― Pensei que ela não iria dormir nunca. – ela solta um risinho. ― Engraçado, você sempre consegue acalma-la.

Nem sempre foi assim. Só Deus sabe o quanto demorou até que eu pudesse pegar pratica como pai. Minha mãe me ensinou muito, até hoje ela ensina. Liz só tem três vezes. Ainda é pequena e frágil. Preciso tomar muito cuidado.

Lembro-me da noite, da primeira noite, em que fiz questão de passar com ela lá em casa. Eu dei a mamadeira, fiz arrotar. Exatamente como a minha mãe ensinou. Mas então, Liz abriu o berreiro. Chorava tão alto que pensei que ela fosse explodir. Estava vermelha e soluçava. Nunca estive tão desesperado. Não sabia o que fazer.

Meu pai já tinha desistido de tentar, mamãe correu até a cozinha para preparar um chá. E eu já estava enlouquecendo, ao ponto de ligar para Lorena e pedir que ela viesse lhe buscar. Certas coisas só a mãe sabe resolver. Mas então, eu pensei: que tipo de pai eu serei? Não poderia desistir tão facilmente. Eu tinha que ser bom. Eu precisava ser bom. Precisava dá um jeito. O que a Lorena pensaria de mim?

Não queria ser uma decepção. Um fracasso.

Então tive uma ideia. Sempre soube muitos sonetos de cabeça, assim como muitas músicas. Eu cantei algo, a primeira coisa que me veio à cabeça. Ela não se importou. Continuou a chorar. Tentei trocar de música, mesmo sendo desafinado, mas também não funcionou. Só me restara as minhas maluquices: os sonetos. Um dos que eu mais gosto do Vinicius de Moraes.

Eu amei
Eu amei, ai de mim, muito mais
Do que devia amar
E chorei
Ao sentir que iria sofrer
E me desesperar

Foi então
Que da minha infinita tristeza
Aconteceu você
Encontrei em você a razão de viver
E de amar em paz
E não sofrer mais
Nunca mais
Porque o amor é a coisa mais triste
Quando se desfaz

E pra minha surpresa, ela se calou. Desde então, sempre que posso, cito algo para ela ouvir. Liz se acalma, fica mansa, parece serena. Acho que ela gosta de ouvir o som da minha voz. E isso me tranquiliza. Porque por um momento posso fazer algo por ela, por mínimo que seja. E por outro lado, fico satisfeito, por ela gostar de uma das tantas coisas que eu gosto. E pra ser sincero, isso é muito mais importante pra mim do que pode parecer.

― Eu vou embora. – digo assim que Lorena coloca Liz no berço para dormir melhor. ― Então, até amanhã.

Já estou na porta quando a ouço me chamar.

― Sabe que pode voltar sempre que quiser, não sabe?

Suspiro fundo. É, eu sei que posso.

Volto para casa, a passos lentos, olhando em volta, vendo as luzes acessas das casas a minha volta. Fico a imaginar as famílias dentro de suas casas reunidas a mesa para o jantar. Pergunto-me se algum dia serei eu ali, em minha casa, junto da minha futura esposa, nossos filhos, nossa vida e anos para compartilhar.


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Notas finais do capítulo

Vocês gostam de capítulos com fotos? Eu queria algo diferente, então pensei... Porque não? Me digam o que acham disso. Fica legal ou nem tanto? Posso fazer diferente da próxima vez. É sempre muito bom saber o que vocês acham de tudo, pra eu poder tentar fazer melhor.



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