Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 18
Capítulo XVII


Notas iniciais do capítulo

Oi, meninas! Olha eu aqui de novo, dessa vez sem enrolação. Bom, apesar de tudo, estava tudo tão lindo e perfeito, mas tenho más noticiais: algo ruim vai acontecer nesse capítulo que poderá mudar muita coisa. Não fiquem com raiva de mim por isso, foi necessário. Obstáculos são necessários.



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É lá estava ela do outro lado da igreja com a irmã e o pai. No mesmo lugar de sempre. De longe sorrimos um para o outro. E mesmo tentando a todo custo prestar atenção nas palavras do padre sobre o altar, eu mal via a hora de – caso fosse possível – de ficar mais perto da Clarissa, nem que fosse por alguns segundos.

― Pai, mãe, vou ao banheiro. Volto já! – disse a eles, ao meu lado desde que chegamos. Enquanto seguia pelo corredor até a lateral da igreja, onde ficava os banheiros e os bebedouros, olhei rapidamente para a Clarissa e torci para que ela captasse a mensagem.

Usei o banheiro, eu realmente precisava. E esperei do lado de fora por alguns instante, e então ela apareceu, com seu vestidinho lilás e sapatilhas. Estávamos só nós dois. Entramos em um cantinho mais reservado, puxei-a para perto de mim, e a beijei, cheio de saudades.

― Eu tenho que ir, seu bobinho. – ela ria, e eu a segurava para não deixa-la rir. Sua risada era divertida e prazerosa. Eu adoro a risada dela. Eu gosto de tudo que há nela. ― Por favor, me deixe ir.

― Antes, me dê um último beijo. Por favor, Clarissa.

Ela se rende, jogando os braços em volta do meu pescoço, levantando a ponta dos pés, já que ela é bem pequenina, e me beija, por vontade própria, sorrindo em meio ao nosso beijo.

Eu vou primeiro já que cheguei antes para não levantar suspeitas, quando chego ao meu lugar, ao lado dos meus pais, ela volta aparecer, passando a mão para alisar o vestido que eu amassei um pouco.

A Marina, que está no banco atrás, me cutuca, soltando um risinho baixo para não atrapalhar a missa. Ela sabe exatamente o que aconteceu. O Gustavo do lado dela fica sem entender, mas também não faz perguntas. Um dia, assim espero, todos entenderam.

Inclusive o pai da Clarissa, ele precisa entender que eu gosto muito dela e seria capaz de qualquer coisa para estarmos juntos.

Aproveito o resto da tarde de domingo para ir até a casa do Miguel, meu amigo, e sua mãe, Aline, muito jovem, bonita e solteira – o pai do Miguel faleceu quando ele era um garotinho – me recebe com um abraço. Eu gosto muito dela, é quase uma segunda mãe pra mim. Ela me pede pra esperar, pois o Miguel está no banho.

Já no quarto dele, depois de sua mãe nos trazer lanches e suco, conversamos por um bom tempo. Miguel me conta como foi o seu sábado com a Brenda. Ele, corajosamente, a chamou para sair. Os dois foram ao Clube. Não aconteceu nada de mais, ele é um tanto tímido e um pouco covarde quando se trata de garotas, só não mais que o Edu. Os dois apenas se divertiram como dois amigos.

E eu fiquei feliz por ele. Com esse negócio com a Clarissa, nós pouco conversamos como antes. Eu adoraria poder contar a ele sobre nosso segredinho. Mas por enquanto não podia. Só espero que ele me entenda quando a verdade vier a tona.

É segunda-feira de manhã e acabei acordando atrasado para a aula. Minha mãe saiu mais cedo, não disse exatamente pra que, mas também não me acordou e meu celular simplesmente resolveu não despertar ou eu esquecera de programar. Cheguei na sala de aula e me deparei com aquela bagunça, em plena aula de História, todos os alunos em pé, espalhados, formando grupos para um trabalho.

― Chegou atrasado, mané. – o Gustavo me deu um soco no braço, rindo. Cumprimentei meus amigos. ― Não preciso nem perguntar, não é? Você faz o trabalho com a gente.

Olhei pra trás na direção da Clarissa, sentada sozinha no seu lugar de sempre lá na frente. Pelo visto, apesar de muitas mudanças, ela ainda é sozinha. E isso eu já não podia suportar tão bem quanto antes, quando eu mal a conhecia.

― Vocês se importam se eu me juntar a Clarissa? – olhei para todos eles, surpresos com a minha pergunta. Menos a Marina, claro, que já devia ter lido meus pensamentos. ― A coitada da garota fica sempre sozinha. Não me parece justo.

― Sem problemas, amigão. – O Miguel dá alguns tapinhas nas minhas costas. ― Vai lá. Nós entendemos. Você é um bom garoto.

Pelo visto nenhum deles percebeu nada.

Peguei minha mochila e me dirigi até a Clarissa. Puxei uma mesa desocupada e colei a dela. Sorri sentando ao seu lado.

― Não precisava sentir pena de mim. – ela brincou, fingindo-se de ofendida. ― Desse jeito não vai dá pra esconder o nosso segredinho.

― Não fique preocupada. As pessoas são tolas demais para enxergar a verdade quando ela está diante de seus olhos.

Disfarçadamente segurei a mão dela por de baixo da nossa mesa.

O professor anotou tudo que precisaríamos para iniciar o trabalho no quadro-negro. Iniciaremos o trabalho em classe e como não daria tempo de terminar, concluiríamos em casa. Cada um pesquisaria em casa o conteúdo necessário e na próxima aula traríamos as informações e nos uniríamos novamente.

No intervalo fui a procura da Lorena. Queria perguntar a ela se poderia ir até a sua naquele mesmo dia, mais tarde, para ver a Liz, eu já estava morrendo de saudades da minha filhinha. Ela, é claro, disse que não precisava nem pedir. Mas eu achei preciso, já que agora ela tinha um namorado, um tanto desagradável.

― Ué, cadê a Brenda? – olhei para os lados. Lorena está sozinha tomando seu suco de morango próxima a lanchonete. Por sorte o tal do Rafael não estuda mais no nosso colégio. Na verdade, ele nem estuda mais. Já se formou. ― Vocês nunca se desgrudam!

― A Brê mal fala comigo desde o início do meu namoro com o primo dela. Acho que todos aqueles boatos de que ela sempre foi louca por ele, no final das contas, eram verdadeiros. Mas como eu poderia imaginar? Ela nunca nem chegou a comentar isso comigo.

Compreensível. Que pessoa iria gostar de ver o seu melhor amigo com a pessoa que você sempre foi afim? Eu não consigo nem imaginar algo assim. Sinto muito por elas, sei que sempre foram como irmãs, mas sei também que vão superar esse momento.

Depois da aula voltamos a nos unir no auditório com os professores para falar sobre o Sarau que aconteceria no sábado, com o colégio de portas abertas para toda a cidade.

― Que bom que seu pai deixou você passar mais tempo aqui para ajudar nos preparativos finais. – comentei com a Clarissa bem ao meu lado. O Diego estava do outro lado, bem mais atento ao um grupo de meninas do terceiro ano.

― Assim poderemos ficar mais juntos. – ela disse baixinho, piscando pra mim. Me segurei para não agarra-la ali mesmo. Clarissa sabe como me provocar com simples gestos.

Cheguei em casa quase seis horas. Não cheguei nem a comer alguma coisa, pois eu, Clarissa e Diego fizemos um pequeno piquenique no intervalo de tanto trabalho. Apenas troquei de roupa, colocando algo mais apropriado para correr lá fora. Corri por quarenta minutos e no caminho de casa aproveitei para ligar para a Clarissa para conversarmos como dois amigos. Em casa outra vez, tomei um bom banho, me perfumei, avisei minha mãe que acabara de chegar que iria ver a Liz.

Como eu já temia, Lorena estava na varanda, agarrada ao Rafael assim que cheguei. Mal falei com eles, apenas avisei que iria entrar.

A mãe dela, minha ex-sogra, me recebeu com seu abraço caloroso e bolinhos de chuva que eu recusei, pois estava louco para ver a minha filha. Subi até o quarto após sua autorização. E lá estava a Liz, em seu bercinho, sempre dormindo feito um anjinho.

Estava com saudades do seus grandes olhos azuis.

― Filha, eu estou tão apaixonado! – digo baixinho, com meu rosto bem próximo do seu. ― Eu sei. Eu sei. Eu sei que há um tempinho atrás eu disse a mim mesmo, para todos, e para você também que não iria me envolver com mais ninguém, iria me dedicar inteiramente a você. Mas perto da Clarissa, sinto-me rompendo qualquer barreira que construí em volta de mim. Ela é tão... Especial. E eu venho sendo um bom pai pra você não é? Eu sou seu, filha. Meu coração sempre será seu. Mas você iria realmente gostar de conhecer melhor a Clarissa.

Liz sorri em resposta. Às vezes eu acho que ela finge dormir só pra depois zombar de mim do quão sou tolo por falar sozinho.

Pego-a no colo, sento-me na cama da Lorena com ela nos braços, ainda dormindo calmamente. O quarto inteiro tem uma mistura do perfume doce da Lorena e o perfume infantil da Liz. A decoração de um lado é bem adulta, e do outro, cheio de adesivos infantis.

Quando eu tiver uma casa só minha a Liz terá um quarto imenso, só para ela. Vamos decorar de acordo com a sua preferência. E eu espero, do fundo do coração, que ela queria morar comigo. E sejamos sempre feliz e ainda mais próximos como pai e filha.

O futuro é tão inserto ainda.

Antes de ter me despedir dela recito um soneto que eu sei de cor, de Luís de Camões. A Liz adora sempre que eu faço isso. Espero que mesmo dormindo ela possa me ouvir. Sinto que ela pode me ouvir e compreender absolutamente tudo.

Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?

No caminho de volta pra casa, já tarde da noite, vejo vindo em minha direção uma figura familiar. Conforme ela se aproxima eu começo a reconhece-la. É a Brenda. Sozinha na rua a essa hora.

― Oi, Bêzinho. – ela me abraça, beijando em seguida meu rosto demoradamente. ― Foi ver a Liz? – ela não deu tempo pra eu responder e continuou: ― Aposto que a Lorena estava aos beijos com o meu primo.

― Você gosta mesmo dele? – resolvo perguntar. De repente me bate uma curiosidade. ― Do seu primo.

― Na verdade, não mais. – ela sorri de lado. Percebo uma ponta de malicia. ― Não depois disso. Eu gosto de outra pessoa, sabe?. – ela passa o dedo de maneira provocante no meu queixo, sem tirar os olhos de mim.

― E como vão as coisas entre você e o Miguel? – decido mudar de assunto. Sinto que isso está ficando estranho.

― O Miguel? – ela arqueia uma das sobrancelhas bem feitas, afastando-se ― Ah... O Miguel. Ah, Bê, ele é um fofo! Quase um irmão pra mim.

Engasgo na mesma hora.

― Um irmão? – estou perplexo. O Miguel ficaria arrasado se a ouvisse falando assim. Eu deveria ou não contar a ele? Sinto que não. ― Foi bom ter ver, Brê. – beijo sua bochecha. ― Preciso ir agora. Afinal, amanhã temos aula bem cedinho.

― E eu mal posso esperar por amanhã. – ela dá de novo aquele sorriso exagerado. E passa por mim, na direção contrária, rebolando.

Na terça-feira precisamos discutir com todos reunidos a respeito da decoração do Sarau e a função de cada grupo. Quando me vejo sozinho com a Clarissa enquanto todos estão discutindo e o Diego está bem distante, a puxo para um canto discreto, e ela solta aquela risadinha bonita, enquanto eu tento beija-la e ela se faz de difícil o que só faz meu coração pulsar ainda mais sem controle e minha barriga borbulhar.

― Garota, você mudou meus dias. Para melhor.

Lá fora, no meio da tarde, começa a cair uma garoa fina para aliviar o calor. O sol está indeciso. Se fica ou não escondido atrás das nuvens pouco carregadas.

― Clarissa, quer que eu te acompanhe até em casa? – perguntei a ela na saída. Interrompendo sua conversa com o Diego.

― Me espera lá fora, ta? – ela sorri, passando uma mecha do cabelo atrás da orelha. ― Eu vou pegar minhas coisas e passar no banheiro ainda.

Pego minha mochila, jogando sobre o ombro, me despeço do pessoal e saio sozinho. Indo em direção ao portão do colégio sem me importar com a chuva fina que cai sobre mim. É refrescante.

― Bernardo! Ei, espera. – A Brenda vem logo atrás de mim, correndo, também se molhando com a garoa.

Ela e Lorena também ficam no colégio pela parte da tarde para ensaiar o grupo de dança para o Sarau.

Paro no meio do caminho voltando-me para ela.

― Dia bonito não é? – ela olha para o céu. A chuva molhada delicadamente seu rosto maquiado. Ela está bonita, intacta. ― Sabe de uma coisa? Eu nunca beijei na chuva.

Não estou entendendo. A Brenda é mesmo uma maluca. Fico ainda mais sem entender quando repentinamente ela se tira sobre mim e me tasca um beijo assustador. Não consigo nem reagir. Tudo aconteceu rápido demais. Há algumas pessoas próxima a nós, eu consigo ver, pois nem fechei os olhos. Nem abri a boca para retribuir.

― Brenda – coloco as mãos em seus ombros, afastando-a de mim. Completamente atordoado. ― ficou maluca?

Olho em volta envergonhado, nunca antes isso me aconteceu. Estou surpreso e sem saber como reagir. E por incrível que parece, de repente, todos meus conhecidos resolvem aparecer. A Brenda, bem espertinha por sinal, sai correndo pela chuva, praticamente saltando pelas pequenas poças de água acumuladas na calçada.

A Lorena está ali perto, prestes a subir na moto do namorado, me olhando boquiaberta. Já ele parece se divertir com a situação. O Miguel parou no meio do caminho, de onde vinha, com seu guarda-chuva. A Clarissa também está paralisada, protegida da chuva ainda dentro do colégio, mas de onde ela está pôde ver tudo do melhor ângulo. Sua expressão, de repente, me deixa apavorado.

― Clarissa, eu posso explicar. Não é o que parece. – sei que parece a desculpa mais esfarrapada do mundo. Mas vejo na obrigação de tentar me explicar indo em sua direção.

― Explicar o que, Bernardo? – ela não olhava pra mim. Estava acelerada, tentando se livrar de mim. Tentando passar por mim. Ela está nervosa, está explicito.

― Espera, Clarissa. Me escuta. – segurei o braço dela, que me encarou com os olhos faiscando de ódio. Uma especie de desprezo por mim

A chuva nos molhava cada vez mais. Clarissa ficava ainda mais bonita com os cachos levemente molhado, a blusa do colégio grudando na pele e a maquiagem preta borrando de baixo dos olhos.

― Você me traiu, Bernardo. E nem somos namorados. Sorte a minha, já que não merecia ser humilhada diante de todo mundo. Você me enganou, me decepcionou, me deixou pra trás. – mesmo que ela tentasse disfarçar, vi que os olhos dela se enxiam de lágrimas. Tive vontade de chorar também, com medo de perder tudo. ― E você disse que estaria ao meu lado. Mas na primeiro oportunidade... Agiu completamente diferente do que me prometeu. Eu confiei em você.

Suas palavras foram mais duras que o tapa que ela me deu a primeira vez que a beijei. Me senti ainda pior. Um cafajeste.

Ela saiu, virando as costas pra mim, pisando firme no chão molhado e me deixando pra trás debaixo da chuva.

Mas eu não podia simplesmente deixa-la fugir de mim assim.

― Por favor, Clarissa, espera. Me escuta! – corri atrás dela, tentando alcança-la. Mas ela foi mais rápida, pegando sua bicicleta e indo pra longe de mim cada vez sem que eu pudesse acompanhá-la.

Se ela tivesse me dado pelo menos uma oportunidade de me explicar, ela entenderia, que tudo não passou de um grande engano.

― Bernardo, é isso mesmo que eu acabei de ver? – o Miguel se aproxima, me chamando a atenção. Viro-me pra ele. ― Eu pensei que fôssemos melhores amigos desde o jardim de infância. Mas pelo visto eu me enganei todo esse tempo. – ele me olhava friamente. ― Melhores amigos não mentem uns pros outros. E você não só traiu a Clarissa, sua suposta “namorada” com a garota que eu gosto, como também não me disse que estava namorando secretamente com ela.

― Miguel, não, por favor. Não faça isso comigo também. – vi-o também virar as costas pra mim. Aborrecido, decepcionado e chateado comigo. ― Ótimo! Perdi a Clarissa e agora meu melhor amigo.

Tudo isso porque a Brenda resolveu me agarrar no meio da rua de uma hora pra outra. Como se ela tivesse planejado tudo aquilo com um proposito. E funcionou.

O que deu naquela garota? Pelo amor de Deus. Antes dela aparecer estava tudo tão bem e agora, me sinto perdido, sem rumo, sem chão.

Volto para casa de baixo da chuva que para minha total infelicidade fica mais forte. Chegando em casa, estou completamente ensopado. Mas acima de tudo, não me sinto eu mesmo, sinto que sou um estranho. O que foi que aconteceu? A Clarissa precisa me ouvir e o Miguel precisa me perdoar.

― Bernardo, meu filho, o que foi que aconteceu com você? – minha mãe olh para mim assustada quando entrei em casa molhando o chão inteiro.

― Mãe, já em casa? Tão cedo. – tirei os sapatos molhados, coloquei-os de lado. ― Mãe, estou arrasado. Um dia tudo estava perfeito, no outro foi tudo por água abaixo literalmente. – abraço-a, deitando minha cabeça em seu peito.

― Por acaso, isso tem alguma coisa a ver com a Clarissa? – ela pergunta, passando a mão nos meus cabelos molhados.

― Mãe – afastei-me dela, agradecido pelo carinho. Mas agora precisava de um tempo sozinho. Pensar em alguma maneira de concertar as coisas. ― eu preciso ficar sozinho.

Subi para o meu quarto, e a primeira coisa que fiz foi tomar um bom banho quente demorado. Depois me joguei sobre a minha cama, com a chuva diminuindo lá fora. Com o celular em mãos olhei por muito tempo para o nome da Clarissa na minha agenda e pensei em ligar, mas ela ainda deveria estar muito nervosa e não iria me atender. Depois olhei para o nome do Miguel. Será que meu amigo seria capaz de me perdoar quando eu explicasse o porquê de tudo aquilo? E por fim, decidi ligar para a Mari, a única capaz de me compreende, me ajudar e me escutar.

― Eu quero matar a louca da Brenda! – ela gritou do outro lado da linha, logo depois que contei tudo a ela. Marina estava mesmo muito furiosa por mim. O que de certa forma me contenta. Pelo menos alguém parou pra escutar, pra me entender. ― O que diabos deu nela? Que louca!

― Eu não sei, Mari. Não sei. – passei a mão pelos cabelos, querendo arranca-los do meu coro cabeludo. Me sinto ainda mais estupido, por ter me deixado levar por um garota sem noção. Eu deveria ter percebido ou agido rapidamente.

― Eu só tenho uma conselho para te dar nesse momento, Bê. – ela já parecia bem mais calma. Mas eu estava desesperado. Queria resolver tudo o quanto antes, mesmo que pareça pouco provável. ― Espera. Espera até amanhã. Deita, dorme, lê um livro, sei lá, tenta se distrair. Amanhã você fala com os dois. Tudo irá se resolver.

Queria poder acreditar no que ela me dizia.

Na hora do jantar, desci mesmo relutando, para a sala de jantar para me unir com meus pais, pois a minha mãe faz questão que estejamos sempre juntos para as refeições. É um momento considerado sagrado pra ela, onde podemos conversar sobre o dia-a-dia, falar sobre as pessoas, ou da cidade em geral, desabafar, rir, até mesmo contar piadas. Mas naquela noite, depois de tudo que me aconteceu pela tarde, o máximo que eu poderia oferecer a eles foi o meu silêncio e a minha cara de merda. Mal toquei na comida, estava sem apetite e sem animo.

― Já entendi, filho. Você precisa ficar sozinho. – ela olhava pra mim. Meu pai olhava curioso pra ela e pra mim. ― Tudo bem, não vou te forçar a nada. Você quer se trancar no seu quarto? Vai lá. Afogue suas mágoas. Mas saiba que estaremos sempre aqui para estar ao seu lado, caso precisar.

Às vezes acho que a minha mãe é a melhor do mundo inteiro.

Levantando-me, beijo seu rosto dando boa noite, me despeço também do meu pai, ainda muito curioso para saber do que se tratava aquele pequeno diálogo entre eu e a minha mãe. Provavelmente ela contaria a ele, de suas suspeitas, logo depois que eu sumisse.

Já no meu quarto, no quarto-porão, peguei um livre qualquer na minha prateleira e tentei ler alguma coisa sem ter que pensar em mais nada, só me desligar por um momento, mas isso também não foi possível. A imagem da Clarissa decepcionada comigo, muito brava e ao mesmo tempo chateada, mesmo eu não sendo o culpado por aquele beijo que ela presenciou, não sai da minha cabeça. E pra piorar, a imagem do Miguel sentindo-se traído por mim também vem à tona para me torturar ainda mais. Eu queria muito poder seguir o conselho que a Mari me deu, mas não consigo. Sei que a minha conversa com o Miguel pode esperar. Mas com a Clarissa não, eu preciso me explicar pra ela.

Agora, de preferência. Mesmo já sendo quase dez da noite.

Pego meu celular e tento ligar. Chama inúmeras vezes, mas ela não atende. Sinto que está fazendo de proposito, mas não tem como ela fugir de mim pra sempre. Depois de centenas de tentativas, opto por uma mensagem de texto e rapidamente digito: “Preciso muito falar com você. Me atende, por favor. Ou, poderíamos nos encontrar agora. O que tenho pra dizer é importante demais para esperar.”

Passam quase quinze minutos e ela manda a resposta.

“Vai para o inferno, Bernardo. Você e suas explicações.”

Curta e grossa.

Do mesmo jeitinho que ela costumava ser antes de ficarmos juntos.

Já posso me culpar por ela voltar a ser a garota grosseira, fria, sem sentimentos, inabalável e rude de antes? É. Acho que isso. A culpa é toda minha. Literalmente.


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Notas finais do capítulo

Coitadinho do Bernardo, não é mesmo? Ele acredita que irá ser fácil "concertar" as coisas, mas na verdade, vai ser bem mais difícil do que ele imagina. A Clarissa é sim cabeça dura. E não vai facilitar em nada. Coisas novas vão acontecer nos próximos capítulos. Estejam preparadas. Comentem!



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