Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 11
Capítulo X


Notas iniciais do capítulo

Oi, meninas. (não sei se há meninos também, mas geralmente não tem. Mas caso haja, manifeste-se) Ontem eu não pude postar um novo capítulo, pois além de ainda não estar completo - terminei ainda agora - eu fui fazer a matricula na faculdade que vou começar esse ano. Estou com tantas ideias, mas ao mesmo tempo, queria ir devagar por enquanto, pra não ficar esquisito e sem sentido.



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Isabel estava começando a me deixar ainda mais maluca, sempre tentando enfiar fantasias de todos os tipos dentro da minha cabeça quando ela insistia em falar sobre o Bernardo. O problema é que sou tão estabanada da maior parte do tempo, que enquanto fazíamos o almoço na tarde de segunda-feira antes do Vicente chegar, acabei deixando escapar, sem querer, o que vinha acontecido entre mim e o Bernardo, e ela só faltou surtar por eu não ter contanto antes, especialmente sobre o beijo, que ela me obrigou, a dar todos os detalhes.

― O que foi que eu disse? – ela não parava de sorrir. Mesmo dentro de casa estava fazendo muito calor e ela resolveu se afastar um pouco das panelas no fogo e amarrou os cabelos ondulados em um alto rabo de cavalo. ― Ele está apaixonado por você!

― Isabel, chega! Não diga tantas bobagens. – revirei os olhos, indo em busca de alguns temperos dentro da geladeira. Já estava quase tudo pronto. ― Ele não está apaixonado por mim. Talvez, só goste um pouquinho de mim.

― Ai – o sorriso some do seu rosto. E ela me olha seriamente, contrariada. ― é um saco ser sua irmã. Você deve ter razão... Ele não está apaixonando por você. Afinal, quem além de mim suportaria conviver com você? Clary – ela bateu o pé. ― você é a pior pessoa que já conheci: teimosa, arrogante, estupida, sega, medrosa e egoísta.

Aquele comentário, vindo dela, para mim não era nada. Tanto, que eu só consegui rir do jeitinho bravo dela falar comigo quando fica cansada de mim. Mas se fosse qualquer outra pessoa, falando assim comigo, dessa forma, mesmo eu sabendo que é verdade, eu não suportaria, eu odiaria e seria capaz de qualquer coisa para me defender.

― Chega. Vamos falar sobre outra coisa. – digo, após ter desligado todas as panelas sobre o fogão. O almoço estava finalmente pronto. Agora era só colocar a mesa e almoçar. ― E você e o Lucas?

― Nem me fale daquele garoto. – ela pega os talheres e os pratos. E eu fico com os copos e a jarra de suco na geladeira. ― Ele é meu amigo e tudo mais... Mas é um babaca! Ele não percebe que o que sinto por ele é mais que isso. É muito mais que uma simples amizade. Ele não toma uma iniciativa! E eu tenho que fazer alguma na maior parte do tempo, pois, se depender dele, ficamos sempre na mesma.

― Não quero nem pensar o que seria de você se o Vicente te ouvisse falando uma coisa dessas. – digo, tentando controlar meu riso. Isabel é bem maluquinha quando quer. Coitadinho desse Lucas.

― O papai me mataria. – ela ri também. Esperando a minha vez de colocar a comida. Ela é a próxima. ― Tudo bem que eu só tenho quatorze anos e que pra muitos eu ainda sou muito nova. Mas olha só pra você Clary... Você tem dezesseis anos e nunca, até então, tinha beijado na boca. Você acha que a culpa é de quem? Do papai, claro.

No meu quarto, após o almoço, aproveito que o Vicente não estar, conecto-me no meu Facebook. Ele geralmente não aceita que tenhamos redes sociais. Ele acha que é uma perda de tempo. Prefere que a gente de prioridade aos estudos e foque no que realmente tem importância. Mas eu sou apenas uma adolescente, e as vezes, necessito de certas coisas que ele não entende, pois na época dele, não tinha nada disso.

De repente, me pego pensando, no que a Isabel me falou um pouco antes do almoço. Nesse momento, ela deve estar no quarto dela, se entupindo de doces que ela esconde na gaveta da cômoda e escutando música em seus fones de ouvido e pensando no tal Lucas. E agora, parando pra pensar, ela tem razão. Eu tenho dezesseis anos, sou uma adolescente comum como qualquer outra, mas que praticamente não tem nenhuma experiência como as outras. E porquê? Tudo, porque, o homem que se diz nosso pai nos limita de viver uma vida normal como todos os outros. E eu só queria saber porque. Porque ele é sempre assim tão severo conosco.

Às vezes, sinceramente, tenho vergonha de saber tão pouco sobre a vida quando na verdade eu deveria saber o suficiente para não ter tanto medo em dar o próximo passo. E inveja, em ver os adolescentes a minha volta, tendo uma vida tão normal e diferente da minha.

Na terça-feira durante o intervalo no colégio, pego meu lanche e caminho até o jardim fora do prédio. Sento-me em um banco vazio de concreto com o meu lanche e o meu livro. Vejo não muito longe dali Isabel e seu grupinho de amigas. Todas elas da mesma idade e da mesma turma. Entre elas, Isabel parece normal e comum, como se realmente fizesse parte delas. Mas só eu sei o quanto ela lamenta, até mais que eu, por não poder ultrapassar certo limites. Como ir ao shopping ver um filme, ao McDonald’s, dormir na casa de uma amiga, ir à praia ou ao Clube, visitar as pessoas as amigas... Coisas simples que todas as amigas dela fazem com ou sem a permissão dos pais.

― Estava mesmo te procurando. – Marina interrompe meus pensamentos beijando meu rosto e sentando-se ao meu lado. ― Queria te perguntar uma coisinha. – ela pausa. Fazendo um certo mistério e me matando de curiosidade. Seria alguma coisa relacionada ao Bernardo? ― Quer ir com a gente no Clube hoje à tarde?

― Eu? Ir ao Clube como vocês? Hoje? – pergunto assustada. Esperava por tudo, mas não esperava por isso. ― Desculpe, Mari. – olho fixamente pra ela. ― Mas não vou poder ir. Meu pai não deixaria. – eu poderia mentir pra ela, inventar qualquer outra desculpa sem mencionar meu pai. Mas eu não tinha vontade de mentir pra ela. Eu gosto da Marina. Ela é uma querida.

― Poderíamos dizer que você vai lá em casa outra vez me ajudar em alguma coisa. – ela diz, assim, normalmente. Como se mentir fosse algo natural. Pra ela pode até ser, por mais boas intensões que ela tenha em me ajudar. Mas eu raramente minto para o Vicente. Pode ser perigoso. ― Quer que eu ligue pra ele?

― Hum... Não! Não vai dar. Ele não vai acreditar. Essa será a terceira vez que vamos mentir com a mesma desculpa. – pouso minha mão sobre a dela. ― Me desculpe. Não vai dar. Mesmo.

― Mas você quer ir? Gostaria de ir?

Paro pra pensar por um momento. Seria divertido. Eu poucas vezes fui ao Clube. E as poucas vezes em que fui foi com o Vicente e aquela chata da Karen. Não foi tão divertido como eu gostaria que fosse.

― Isabel, minha irmã, poderia ir também?

― Mas é claro! – ela abre um largo sorriso. ― Já sei. Conte a verdade ao seu pai. Diga e ele que vai sair com uns amigos e que voltará no horário que ele quiser. Seja sincera. Ele vai entender.

― Não é tão fácil quanto você imagina.

Ela realmente não conhece o Vicente.

― Por favor, Clary. – agora é a vez dela de tocar minha mão com aquele olhar de cachorrinho abandonado. Além da Isabel, nunca ninguém antes me chamou de Clary. E admito que gostei. Eu gosto do meu apelido. ― Tente falar com ele. Por mim.

Eu mal a conheço, poucas vezes conversamos e eu não teria porque fazer qualquer coisa por ela, mesmo ela já tendo feito tanto por mim. Mas eu já a considero muito, de verdade, e apesar de todo esse meu medo em ter amigos, além da Isa, eu realmente gostaria de ser amiga da Marina. Quando ela estar por perto sinto segurança.

Depois do colégio, fui direto falar com o Vicente no trabalho dele, na prefeitura. Estava mesmo disposta a contar a verdade e dizer o que eu queria. A Marina me encorajou, Isabel após saber de toda a verdade praticamente me implorou, sem contar todas as vezes em que o meu olhar se cruzava acidentalmente com o do Bernardo durante as aulas após o intervalo. Aquele olhar me dizia coisas que eu não saberia decifrar, mas que gostaria muito de tentar.

― O que faz aqui, Clarissa? – Vicente não foi nenhum pouco simpático ao me ver, o que já era esperado. Ele não gosta que interrompam o trabalho dele, que considera tão precioso, por coisas tão fúteis. ― Não me diga que você ou Isabel se meteram em uma confusão...

― Não, pai. Não é nada disso. Estamos bem, de verdade. – sento-me na poltrona de couro enfrente a mesa de trabalho dele. Sua sala é pequena, quase não há moveis e nem decoração. A única coisa familiar é o porta-retratos sobre sua mesa, onde tem uma foto minha e de Isabel tirada há um tempinho atrás com ele no meio de nós. ― Eu queria pedir ao senhor que permitisse que eu e Isabel – eu estava nervosa sim. Nunca antes tinha tido tamanha coragem para encara-lo de frente. ― fôssemos ao Clube com uma amiga do colégio.

― Que amiga é essa? – ele levanta uma das sobrancelhas, sem tirar os olhos de mim. ― Aquela tal Marina Pinheiro? – certamente ele já pesquisou sobre a vida da Mari inteirinha e dos pais dela também. Só para ter a certeza de que eu estaria andando com pessoas “boas.”

― É ela sim. Nós podemos? Ir ao clube.

― Você não tem mais nada de importante pra fazer, Clarissa? – ele ainda está muito sério. Estou começando a ficar muito mais nervosa. Será que não dá pra ele simplesmente me dizer que “sim, você pode ir filhinha.” ― Lição de casa? Algum trabalho da escola? Sabe que eu não suporto a ideia de te imaginar perdendo seu tempo com futilidades não é?

― Pai, por favor, é tudo que te peço. – não consigo nem piscar. ― Não tenho lição de casa, não tenho trabalhos pra fazer, a casa está limpinha, a comida já está pronta. Eu só quero sair. Há quanto tempo nós não vamos ao Clube? Marina só quer que eu vá com ela e....

― Olha, Clarissa, sinto muito. Mas a resposta é não. Eu não posso simplesmente ficar aqui trabalho, imaginando você e sua irmã lá no Clube, se divertindo, correndo risco, desperdiçando tempo...

― Pai, você não entende! – levanto, alterada. ― Não é só por diversão. Eu quero conhecer o mundo, conhecer as coisas, fazer parte disso, conhecer pessoas. Eu só tenho dezesseis anos e nunca fiz nada além de estudar, ficar trancada em casa, obedecer a suas ordens, abaixar a cabeça, ir pra escola e voltar pra casa. – as lágrimas começaram a escorrer por minhas bochechas. ― Estou cansada, sabe? Sinto que a minha vida vai escorrendo rapidamente das minhas mãos e algum dia, quando for tarde demais, a culpa será toda sua!

Não há mais nada a dizer. E mesmo que eu tenha, não posso simplesmente dizer o que tenho em mente. Vicente iria me punir, me deixar de castigo, e nem mesmo me deixar ir à escola, ver as pessoas. Saio da sala dele batendo os pés fortemente no chão, as pessoas em volta começam a me olhar torto por meu mal comportamento. Ainda estou chorando rumo a saída, e me sentindo patética por ter me humilhado tanto. Eu já sabia que não deveria ir a esse maldito Clube om a Marina e seus amigos. Eu mal os conheço e nem sei se ainda quero conhece-los. Não há espaço pra mim entre eles e eu nem deveria cogitar a possibilidade de querer fazer parte deles. São todos uns idiotas e não merecem nem um terço do meu sacrifico. O melhor é ficar em casa e...

― Clarissa. - ouço Vicente me chamar. Viro-me para trás secando bruscamente as lágrimas. Ele está parado na porta de sua sala com o corpo parcialmente pra fora. ― Esteja em casa antes das seis.

Isabel quase não consegue se conter ao meu lado, saltitante e sorridente com sua bolsa jogada no ombro com nossas coisas dentro.

De longe, ao entrar no Clube, vejo a Marina com a parte de cima do biquíni e um shortinho, agarrada ao namorado só de bermuda e o corpo malhado exposto. Ao lado deles, sentados à beira da piscina, está o magrinho de óculos, o nerd, o qual não me lembro o nome, com uma regata e uma bermuda. Com ele está o melhor amigo do Bernardo, o Miguel só de bermuda, olhando as meninas dentro da piscina. Mas não há nenhum sinal do Bernardo, não sei se posso considerar isso um alivio.

Eu, sempre que venho ao Clube, nunca uso meu biquíni, ao contrário de todas as meninas presentes aquela tarde, estou usando um short jeans rasgadinho na coxa, regata azul clarinho e chinelos.

― Clarissa! Isabel! Vocês vieram. – Marina se solta do namorado e corre para nos dar um abraço. Ela é sempre calorosa, faz a gente se sentir bem em qualquer lugar. ― Coloquem suas coisas ali, próxima as nossas.

― Ué. – Isabel resolve dizer alguma coisa, tirando a regata por cima da cabeça e deixando o biquíni branco visível. Ela aproveita também para colocar os óculos escuros de sol. Isabel é sempre toda exigida. ― Cadê o Bernardo? Ele não vem?

Queria dar um chute bem no meio da canela dela.

― Ele veio, sim. – Marina olha em volta. Como se tivesse se lembrado só agora que o Bernardo sumiu. ― Por falar nele...

As duas olham na mesma direção, automaticamente olho também, lá do outro lado da piscina. Bernardo vem andando sozinho, em nossa direção, só de bermuda estilo sufista, sem camiseta – coisa que nunca tinha visto antes – e óculos escuros cobrindo os olhos azuis.

Admito, ele não é exatamente como o Gustavo, o corpo todo sarado, mas é visivelmente bem apresentável. Sei que ele corre, Isabel sabe muitas coisas ao seu respeito que ela ouve pelo colégio e faz questão de me contar; por isso, ele definitivamente tem um abdômen sequinho e liso com alguns pontinhos pretos. Pintas de nascença destacando-se na pele branca.

― Oi, meninas. – já junto a nós ele nos dar seu melhor sorriso, abaixando-se um pouco para beijar nosso rosto. Estou pasma, mas tento disfarçar. ― É bom ver você.

O tal Gustavo chama a Marina para dar alguns mergulhos. Ela, que não é tão ousada ou exibida quanto a minha irmã, entra na água mesmo de shortinho. Isabel, rapidamente se distancia de mim, largando-me sozinha. Ela se une ao tal Eduardo que está jogando alguma coisa no seu PSP. Pelo visto ele é bem viciado nessas coisas. Miguel chamou Bernardo para comprar sorvete, mas ele recusou, acho que para não me deixar sozinha, abandonada. Provavelmente eu acabaria entediada.

― Que bom que seu pai te deixou vir. – ele comentou, quando nos sentando em um banco, não muito longe dos outros ou das piscinas. ― Eu temi que ele não deixasse. Essa tarde não seria a mesma sem você.

― Tá tudo bem com você? – pergunto, sorrindo. Não acredito que acabei ouvindo aquilo diretamente da boca dele. ― Bernardo, você não precisa ser sempre tão legal comigo. Eu não mereço. – solto um risinho, em tom de brincadeira. ― O dia iria ser normal pra vc, comigo aqui ou não. Você tem seus amigos.

― Aí é que você se engana. – ele sorri torto. Daquele jeito tímido que deve fazer muitas garotas suspiraram: um canto dos lábios erguendo-se mais que o outro. Tento não ficar olhando muito.

― Quer dar um mergulho? A água parece estar agradável. – ele tira os óculos de sol, deixando os olhos ainda mais azuis diante da água da piscina misturando-se com a luminosidade do sol.

― Ah, não. Vai lá você. Eu fico aqui, de olho na Isabel. Ela é bem espertinha quando quer. Não posso perde-la de vista.

Ele vira o rosto, olhando para Isabel, agora com o PSP do Eduardo em mãos, jogando, enquanto ele lhe dar algumas instruções.

― Ela parece muito bem acompanhado. E está se divertindo.

Suspiro fundo. Ele está certo. Isabel se familiarizou rapidamente com os amigos dele. Diferente de mim, que tenho mais contanto com a Marina. Isabel costuma se dar bem com todo mundo.

― Mesmo assim, eu prefiro ficar aqui. Observando.

Estou bastante tímida.

― Ah, qual é? – ele protestou. ― Vamos lá. Você vem comigo.

Bernardo me puxou pelo braço, mesmo eu praticamente implorando, entre risos, que não queria, que não podia. Quando dei por mim, ele já havia me atirado dentro da água de roupa e tudo. Por sorte eu sei nadar e me recuperei rapidamente. Dei um mergulho rápido voltando a superfície, encontrei ele bem a minha frente como cabelo preto liso agora molhado grudando na testa sobre os olhos. Ele está rindo, e sorrindo. Não estou com raiva dele, nem nada. Só penso em me divertir e deixar todas as complicações de lado. Se não fosse pelo empurrão dele, nem sei se teria dito coragem de cair na água. Eu ainda nem sabia dizer porque exatamente tinha aceitado ao convite da Marina de vir ao Clube.

Dou alguns soquinhos de leve no braço dele.

Em um ponto não muito longe dali aproveito para olhar tudo a minha volta enquanto o Bernardo sai nadando por ai. Isabel ainda está jogando com Eduardo. Ele não parece de todo mal. Miguel voltou com sorvete, está conversando com um garota desconhecida, mas que me lembro já ter a visto no colégio. Marina e Gustavo estão aos beijos, enroscados, com o corpo praticamente dentro da água. Há muitas meninas por perto, com seus biquínis minúsculos, em grupinhos, dando pulos exagerados na água. Há também meninos, de sungas ou só de bermudas, de longe, tomando seus refrigerantes ou cervejas, de olho nas meninas, piscando e acenando.

Me sinto dentro de um filme americano de adolescentes.

― Vamos aproveitar. – o Bernardo ressurgi me fazendo olhar pra ele. Ele tem razão, o tempo está passando e logo eu terei que voltar pra casa antes do final da tarde. ― Não fiquei ai parada.

Ele ainda é muito abusado, mesmo depois das nossas briguinhas e das nossas pequenas reconciliações. Não acredito que isso algum dia vá mudar. Algumas vezes eu gosto da sua ousadia, outras vezes eu desgosto. Bernardo me pega pelo braço, que ele enrola em volta do seu pescoço e me faz nadar muito colada ao seu corpo, como se fossemos mesmo um casal ou dois peixinhos.

A sensação da suas costas coladas a minha barriga, mesmo através do tecido da minha regata, é algo prazeroso. Não protesto tamanha intimidade, apenas me permito desfrutar daquele momento, que poderá ser o primeiro e último. Mas que de alguma forma ficará marcado na minha memória para eu lembrar sempre que quiser.

Após algumas brincadeiras inocentes, saímos todas da água, inclusive Isabel que já estava tagarelando sem parar com os amigos do Bernardo, e fomos comer alguma coisa, ali mesmo no Clube, na praça de alimentação. Eu não sou em nada parecida com Isabel, enquanto ela come e fala sem parar, como não tem vergonha de nada, eu fico apenas quieta, comendo meu hambúrguer e tomando minha limonada. Pelo visto, os amigos do Bernardo, estão mesmo gostando do jeito animado dela. Não posso dizer o mesmo relacionado a mim.

― Mas e você Clarissa – Bernardo acaba de terminar de comer e está limpando a boca com o guardanapo. Ergo meus olhos e percebo que todos se calaram e estão olhando pra mim cheios de expectativas. Eu adoraria estrangular o Bernardo com as minhas próprias mãos, mesmo ele tendo a intensão de me colocar na conversa, uma maneira fazer com que eu me dê bem com seus amigos. ― Você vai ao Sarau?

Desde que eu soube desse tal Sarau no colégio, estou pensando seriamente em ir, fazer parte de alguma forma. É uma maneira de sair um pouco da rotina com a desculpa boa de ajudar o colégio para o Vicente me deixar participar. Ele não me negaria a um pedido desses.

― Vocês sabiam que a Clary adora escrever? – Isabel retorna a falar antes que eu responda a aquela pergunta. ― Ela tem uma caderneta muito antiga, onde escreve de tudo, frases preferidas, poemas, sonetos, letras de músicas e as vezes ela até arrisca escrever algo da própria autoria. Mas por nada no mundo ela deixar alguém ler.

Todos me olham, pra ter a certeza de que ela está falando a verdade. Ou impressionados, por logo eu, a garota “ovelha negra” ter também meu lado sentimental assim como qualquer pessoa que tem um coração. Afinal, eu também sou humana, apesar de tudo.

― É mesmo? – Marina é a primeira a perguntar. ― O Bernardo também escreve, você sabia? – balanço a cabeça negativamente. Nunca passou pela minha cabeça aquilo. Mas se bem que eu já deveria ter desconfiado, já que a mãe dele é professora de português. ― Mas ele também, não deixa ninguém ler nada que ele escreve.

Já era de se esperar. Geralmente, quem gosta de escrever, encontra na escrita, só mais uma saída para os conflitos internos. Uma forma de aliviar aquilo que lhe toma por dentro. Não é legal a ideia de ter alguém lendo suas particularidades, suas intimidades, algo que é seu e ninguém além de você precisaria saber. Por isso, aquele dia, quando vi Vicente lendo algo que era meu, eu quase quis explodir de raiva. Não é sempre que a gente confia nas pessoas para determinadas coisas.

Mas de alguma me senti muito aliviada por Isabel, que me conhece melhor que ninguém, ter me salvo do constrangimento de falar abertamente sobre mim. Não tenho essa facilidade de sair falando sem freios como ela. Sinto que nada do que eu diga surpreende as pessoas, já que sou vista de forma negativa.

O resto da tarde no Clube foi se desenrolando naturalmente. Alguns voltaram rapidamente para as piscinas após o lanche e a nossa longa conversa. Isabel ainda fala sem parar e faz todos darem risadas. Ela é o centro das atenções. Mas eu não me importo, gosto dela assim, com seu jeito espontâneo. As vezes penso que se eu fosse um pouquinho com ela as coisas seriam bem diferentes pra mim.

Mas eu optei ser assim: eu mesma.

― Você não vai mais dar um mergulho? – pergunto ao Bernardo que desde então não sai do meu lado quando todos já se foram.

― Não mais. – ele coloca a camiseta azul escuro que dá contraste com seus olhos. ― Você se importa se eu ficar aqui com você?

Que escolhas eu tenho? O resto do pessoal está se divertindo na piscina, eu já brinquei demais, não espero voltar pra água nem tão cedo.

― Não, tudo bem. Pode ficar. – tento sorrir. Não queria ficar sozinha. De certa forma, a companhia deles em algumas ocasiões me conforta. Tê-lo ali, ao meu lado, parece o suficiente. Melhor do que ficar sozinha, me sentindo excluída dos demais.

Ficamos alguns minutinhos calados, sentados no banco de concreto de baixo de uma das arvores altas que cercam as piscinas do Clube. Apenas observando os outros se divertirem entre si. Logo depois, o próprio Bernardo quebra o silêncio entre nós, virando-se de frente pra mim, sentado como índio e me olhando, disposto a puxar papo.

Apesar da timidez que me consome sempre que ele fica me olhando assim, por muito tempo, decido que também quero conversar, sobre qualquer coisa. Só para não ficar entediada. E como dois desconhecidos que acabam de se conhecer, ficamos conversando um com o outro normalmente, sem grosserias da minha parte ou patadas.

― Nossa. – olho as horas no relógio do meu celular dentro da bolsa da Isabel. ― Já são quase seis horas. Nem vi o tempo passar. – levanto-me. ― Eu preciso ir.

― Agora? – ele também levanta com uma expressão muito séria sobre mim. ― Mas ainda está cedo.

― Não para o meu pai. Ele exigiu que chegássemos em casa antes das seis. – digo, me sentindo ridícula por isso. Certamente nem o Bernardo nem seus amigos têm hora pra voltar pra casa. Mas eu e Isabel sim, pois para Vicente, ainda somos criancinhas indefesas. ― Você pode chamar a Isabel pra mim, por favor?

― Claro. – ele se afasta.

Isabel pede alguns minutinhos para ir até o banheiro coletivo para tirar o biquíni e colocar a roupa seca que ela trouxe na bolsa e dar um jeito no cabelo antes de irmos.

Já me despedi dos amigos do Bernardo.

― Posso acompanhar vocês até em casa? – ele pergunta.

― Não precisa. Sério. – olho bem pra ele.

― Eu faço questão. - ele sorri, daquele seu jeito encantador.

Penso por um momento. Acho que até metade do caminho não teria problema. O Vicente nem precisava ver ou saber. E além do mais, do Clube até em casa é um longo caminho. Seria muito melhor um garoto nos acompanhar, já que está ficando tarde.

Bernardo caminha conosco pelas ruas da cidade, pelo caminho, ele é reconhecido por muitas pessoas. E sempre cumprimenta-as educadamente com um aceno ou com uma troca de palavras. Isabel ainda está falando muito, ela se empolga bastante quando está feliz. Fico feliz por ter me arriscado a falar diretamente com Vicente e ele por fim, ter deixado a gente ir ao Clube. Nada melhor do que ver a minha irmãzinha feliz, podendo se sentir no mínimo, uma adolescente normal.

― Até aqui está bom. – sorrio sem jeito, parando algumas casas antes da nossa. ― A gente mora bem ali.

Por sorte o Bernardo não protesta. E se dar por satisfeito.

― Obrigada, Bê. Obrigada por nos trazer até em casa e obrigada por ser sempre tão legal com a gente. – Isabel levanta um pouco os pés para dar um beijo no rosto do Bernardo, que ele retribui carinhosamente.

Em seguida, ela sai correndo até em casa. Deixando-nos pouco a vontade.

― Pensa a respeito daquilo, que eu te falei, sobre o Sarau.

Bernardo inclina-se para dar um beijo adocicado na minha testa antes de ir embora. Um beijo simples e inocente que ficou no meu pensamento pelo resto da noite.


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Notas finais do capítulo

Digam-me o que acharam desse capítulo. Nem comecei o próximo, mas vou tentar ser rápida.



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