–--(Katniss)---

Quando eu ouvi a palavra "casar" sendo proferida por Haymitch, meu queixo caiu literalmente. Ele parecia ser tudo, de inerte à vívido, de bêbado à sóbrio, de idiota à gentil mesmo sendo só quando quer, porém sem perder a ironia, é claro. Mas a última coisa que imaginei que ele fosse se tornar um dia, se é que imaginei, é romântico. Eu o conhecia de mais para nunca pensar isso dele.

Bom, parece que agora não o conheço mais tanto assim.

Mas quem diria que meu ex-mentor que vivia bêbado e em "pé de guerra" com Effie, implicando com ela por qualquer coisa, no fundo era tão apaixonado a ponto de pedi-la em casamento. De qualquer modo, fiquei muito feliz, tanto quanto fiquei naquele jantar há anos atrás quando descobri que estavam juntos.

Assim que Effie disse o tão esperado "sim!", Haymitch colocou o anel em seu anelar enquanto só se ouvia palmas e assovios de todos do restaurante. Aquilo foi mais do que novidade e um pedido de casamento, pois todos conheciam tanto Effie como Haymitch. Acabamos pedindo um bolo para comemorar a ocasião, atraindo mais atenção ainda, mas foi por uma boa causa.

Ainda estou digerindo tudo isso quando descemos do carro alugado e com motorista que nos trouxe do restaurante para casa. Peeta anda comentando que talvez devêssemos comprar um, já que agora temos uma filha recém-nascida e nossas necessidades podem aumentar, além de precisarmos de conforto. Podemos precisar ou querer ir à lugares mais longes e não seria uma boa opção rodear o Distrito a pé, ainda mais para nós que não queremos a exposição de Prim.

Peeta abre a porta de casa com o carrinho de Prim desmontando em mãos. Assim que entramos, ele monta o carrinho novamente e o posiciona na sala para que Prim possa dormir à nossa vista. Eu a coloco cuidadosamente sobre os cobertores e a cubro, protegendo-a do frio que o outono vem trazendo. Então, ligo a televisão e a deixo em um canal qualquer. A essa hora só se passa programas de fofoca ridículos, de modo que não fará diferença o canal que estiver, apenas desejo que sirva como um barulho de fundo.

Sento-me no sofá e convido Peeta para sentar-se comigo, mas quando ele diz que vai checar as necessidades de Thor, não penso duas vezes e me ofereço, dizendo-lhe para aproveitar, descansar um pouco e curtir um tempo observando Prim, coisa que sei que ele adora fazer.

Relutante, ele me permite tomar seu lugar, não sem antes dizer o quanto meu cuidado precisa ser extremo. Eu respondi dizendo que não haveria problema nenhum para mim trocar a água de nosso cão ou colocar-lhe ração caso for necessário, pois não seria nenhum esforço. Desse modo, ele beija meus lábios antes de se encaminhar para a sala.

Assim que adentro a cozinha, Thor corre em minha direção e se espreita em meus pés em busca de carinho. Quando contei à Dra. Emilly que temos um cachorro, ela nos deu algumas recomendações a mais sobre deixá-lo afastado de Prim em seus primeiros meses. Desde então, tenho sentido certa pena dele. Mas quando nos acostumarmos com a nova rotina vou fazer de tudo para reservar um tempo para nosso cãozinho.

Completo seu pote com mais ração e troco sua água, algo que é recomendado fazer diariamente.

–Katniss! -ouço Peeta me chamar da sala em um sussurro, o leve tom de preocupação em sua voz me faz estranhar. -Não surte, mas veja isso.

Imediatamente corro para a sala receando todos os meu pensamentos. As piores possibilidades do que pode ter ocorrido com nossa filha passam por minha mente em uma fração de segundos, mas quando chego à sala, sinto um enorme alívio ao ver que Peeta não estava se referindo a ela e sim a algo na televisão.

Porém, meu desespero volta drásticamente quando percebo do que se trata. Peeta já com o controle em mãos, aumenta o volume, permitindo que o áudio chegue até nós.

–É isso mesmo, Sindy.–diz uma mulher de cabelos cor caramelo à uma outra sentada a seu lado, com os fios loiros presos em um rabo alto. –Essas fotos são exclusivas de hoje, de apenas alguns momentos atrás. É inacreditável como eles conseguiram esconder isso da mídia por tanto tempo!

–E não é mesmo?–concorda a loira. –Mas agora, queremos saber tudo sobre nossos amantes desafortunados e sua filha recém-nascida, a princesinha de Panem!

As fotos que seguidamente aparecem na tela fazem um ódio enorme subir até minha cabeça. Um ódio que há muito tempo eu não sentia. Eu e Peeta no almoço de hoje, com um berço entre nós. Peeta com Prim em seus braços entrando no restaurante, eu ao seu lado. Prim em meu colo quando nos sentamos à mesa.

Em momento algum pensei que o 12 hospedava algum tipo de paparazzi, pois há muito tempo eles não nos perturbavam. Deixamos bem claro que queríamos paz. Mas agora eles voltaram, e não só estão nos expondo novamente como também estão expondo nossa filha para toda Panem, como se fosse algo que precisasse ser exibido.

A reação de Peeta não parece muito diferente da minha. Embora ele sempre tenha sido mais calmo e saiba controlar sua raiva, é aparente que ele está muito frustrado agora. O jeito com que olha para as imagens na tela, com uma mistura de desprezo e ódio, dedura isso.

–Não acredito que eles fizeram isso! -digo sem desviar os olhos da tela.

–Não acredito que eles tiveram coragem de fazer isso! -Peeta diz com aspereza na voz. Penso em dizer para ficar calmo mas nem eu mesma consigo me controlar. -Eles estão expondo nossa vida de novo!

–Eles fizeram tudo tão de repente e escondido... Fomos pegos desprevenidos... -tento reorganizar meus pensamentos enquanto o barulho do fundo da TV invade meus ouvidos, reportando sobre o pedido de casamento de Haymitch.

–Eles planejaram tudo, isso sim! -Peeta quase grita, apenas isso não aconteceu pois imagino que ele tenha se lembrado de que Prim está dormindo aqui na sala.

Seu estado realmente me preocupa. Ele está andando de um lado para o outro, passando a mão sobre o cabelo nervosamente, o que me traz o receio de que ele tenha uma crise agora. Nós dois somos cientes de que isso faz mal para ele.

Me levanto e cautelosamente me aproximo, colocando as mãos sobre -seus braços e assim impedindo que continue andando.

–Peeta... Já aconteceu, se acalma. -sussurro. -Eles não podiam ter feito isso, mas fizeram e já aconteceu. O que podemos fazer agora é impedir que se repita, tendo que envolver quem seja.

Antes que possamos pensar em alguma solução, ouço batidas vindas de fora. Vou até a porta e a abro com cuidado, Peeta logo atrás de mim. Fico aliviada ao ver que são Haymitch e Effie, e não um grupo de paparazzis.

–Oh, meus queridos! Nos desculpem, não queríamos causar isso à vocês! -Effie entra já se desculpando. Só agora associo o problema ao pedido de Haymitch, mas não posso culpá-los.

–Acabamos de assistir ao noticiário na TV. Realmente você só se envolve em problemas hein Docinho? -diz Haymitch sarcástico.

–HAYMITCH! -Effie o repreende.

–Fica tranquila Effie, a culpa não foi de vocês. -digo fuzilando Haymitch com o olhar.

–Eles não podiam ter feito isso! -diz Peeta ainda exaltado.

–Calma Garoto. Há solução para tudo.

–Tá, e o que nós vamos fazer? -Peeta pergunta parecendo se acalmar um pouco.

–Esperar. -responde Haymitch como se não fosse nada de mais.

–ESPERAR? Nossa filha está sendo exposta para Panem INTEIRA e você sugere que a gente espere? Espere o que? Eles decidirem nos deixar em paz? Isso nunca vai acontecer, Haymitch! -dessa vez sou eu quem ralho pra cima dele. Quando acabo minhas últimas palavras, sinto a mão de Peeta no meu ombro.

Haymitch da um passo à frente, se aproximando de mim e olhando nos meus olhos. Consigo ver a raiva contida ali, a força que ele está fazendo para não levantar a voz e muito menos rodar um tapa em meu rosto.

–Não, Docinho. -profere áspero, me desafiando com os olhos. -Não temos opção. Você quer reclamar? Reclamar com quem? Eles se aproveitaram da chance. -agora começa a dar passos curtos pela cozinha, pensativo. -Se vocês não derem mais chance, a única coisa que eles podem fazer é apelar para invadir a privacidade dessa casa. Caso isso aconteça, aí sim vocês devem prestar "uma queixa". Mas enquanto vocês não revelam nenhuma notícia, eles vão esperar. Quando caírem na real e perceberem que não vão conseguir mais nada, vai haver uma "solicitação". -diz fazendo aspas com os dedos. -Eles vão querer entrevistar vocês, vão pedir isso. Mas vocês tem o direito de negar, é claro.

As palavras que ele proferiu começam a fazer algum sentido. Talvez ele esteja certo. Talvez eles tentem mesmo se aproveitar de mais algum deslize nosso e quando perceberem que não vão ter sucesso, peçam nossa permissão. Ou talvez seja pior.

–Mas e depois? -pergunto em dúvida. -Depois que tudo isso acontecer, se acontecer, nós vamos negar. E qual será a reação deles?

–Só esperando para ver. Não sabemos o quanto eles podem persistir e nem o que serão capazes de fazer para tentarem conseguir informações sobre vocês, por isso é preciso cuidado. -responde concentradamente. Haymitch sabe bolar um plano quando quer ou até mesmo quando não quer ele sabe uma fuga para os problemas. Parece que os jogos serviram para algo.

Permanecemos mais um tempo repassando o que faríamos. Evitar, ignorar, recusar. Evitar a exposição, ignorar os assédios e comentários e recusar o possível convite para uma entrevista.

Haymitch e Effie ficaram até o fim de tarde. Só foram embora depois de comerem o bolo que Peeta fez para nós como lanche da tarde e depois de se certificarem de que não havia nenhum paparazzi à espreita observando nossa casa.

E agora nesse começo de noite, mesmo ainda encontrando reportagens sobre nós nos notíciários de TV de qualquer canal que eu coloque, me sinto um pouco mais tranquila.

Prim acordou a pouco tempo e eu troquei sua fralda suja, a limpei e já a vesti com um macacãozinho de pijama mas agora parece que está com fome, de modo que a coloco em meu seio para amamentá-la.

Logo Peeta vem me avisar que vai para o banho e me beija nos cabelos antes de subir as escadas. Volto a observando Prim por bastante tempo, até que ela larga meu seio e eu a faço arrotar para poder adormecer em meus braços. Assim que isso acontece, eu a levo para seu quarto e a coloco em seu berço, mas não sem antes de beijá-la inúmeras vezes como sempre.

De repente sinto os braços de Peeta envolverem minha cintura e depois escorregarem para minha barriga, me abraçando. Devia estar tão absorta em pensamentos que não o ouvi se aproximar.

–Sabia que estou cada dia mais apaixonado por vocês duas? -sussurra na base de meu ouvido causando-me arrepios. É incrível o efeito que ainda causa em mim.

–Pior que sim. -respondo rindo baixinho.

–É porque vocês são as pessoas mais importantes da minha vida. -diz novamente, fazendo o efeito se repetir.

–E vocês da minha. -completo virando-me para encontrar seus lábios e assim inciando um beijo doce daqueles que só Peeta sabe me proporcionar. O beijo começa calmo, apenas um toque de lábios, mas que aos poucos vai se aprofundando quando nossas línguas se tocam e de repente me sinto como se estivesse beijando Peeta pela primeira vez. Sinto como se com esse toque ele consiga acabar com todos os problemas. E acredito que consegue.

–Não se preocupe, meu amor. -sussurra no momento em que nos afastamos. -Vai dar tudo certo.