–--(Katniss)---

Peeta fecha o zíper do meu último casaco até o fim.

–Não entendo porque não quer me contar sobre o que você quer conversar com ela... -diz mais uma vez.

–Porque você vai saber depois. -mantenho os olhos fixos nos seus -Não confia em mim?

Ele apenas me encarou por um instante antes de responder.

–Confio. -diz em voz baixa. -Muito.

Levo minha mão até sua nuca e o puxo para meus lábios antes de sairmos de casa rumo à padaria. Peeta havia ligado para Rosy ontem pedindo a ela que nos encontrasse lá hoje de manhã, mas pedi para que não especificasse o porquê, pois eu mesma estou com medo de não conseguir quando estiver frente a frente com ela.

Mal chegamos e já a avisto. Ela está conversando com um rapaz moreno e alto que reconheço por ser Tony. Ele acena para nós quando nos vê e Rosy faz o mesmo. Nos cumprimentamos mas logo percebo uma tensão. Sei que estão esperando alguma reação minha.

–Rosy, eu... gostaria de falar com você... em particular.

Ela parece ficar confusa e um pouco nervosa. Seus olhos encontram os de Peeta, com razão, para perguntar se ele sabe de algo, mas ele apenas nega.

Peço a ela que me acompanhe até uma mesa mais afastada e percebo os olhos confusos de Peeta me perseguirem. Assim que nos sentamos, ele troca algumas palavras com Tony e entra na cozinha. Agora estamos sozinhas. É a hora se consertar meus erros.

–Bom... É.. -começo e encaro-a meio sem jeito, mas logo baixo o olhar. Acho que ambas nos sentiremos mais confortáveis se não fizermos muito contato visual. Ela parece estar tão nervosa quanto eu. -Queria encontrar você para conversarmos...

Me sinto desconfortável recordando-me do quão minhas atitudes foram mal educadas quando estava com ciúmes. Paro. Respiro. É melhor dizer tudo de uma vez.

–Peço desculpas pelos vários comportamentos desnecessários que já tive com você. -continuo -Eu estava errada tendo ciúmes de você e "impedindo" sua amizade com Peeta. Eu.. eu sinto muito. -termino. Ela balança a cabeça levemente em negativa antes de responder.

–Não precisa pedir desculpas, Katniss. Eu entendo que você, vocês, passaram por muita coisa difícil. É normal ter medo de perder mais pessoas quando isso já aconteceu. Eu nunca quis atrapalhar a relação de vocês dois. Desculpe. -ela finalmente se pronuncia. Parece constrangida por ter dito o que disse.

–Sim, eu preciso. Me sinto mal por me comportar nitidamente daquele jeito. Quero que fique tudo bem entre nós. Por favor. -digo com um pequeno sorriso.

–Bom, eu não tenho motivos para não querer isso -ela diz também sorrindo. Estendo a mão e ela a aperta. Não consigo pensar em um sentimento melhor para descrever isso do que alívio.

–--(Peeta)---

Fico surpreso com o que vejo. Katniss e Rosy em um aperto de mão, ambas sorrindo. Encaro-as de sobrancelhas arqueadas enquanto voltam para o balcão. Quero explicações.

–Pode me contar agora? -pergunto.

–Peeta, você é muito impaciente... Desculpe mas precisamos ir. -diz Katniss e me despeço de Rosy e Tony rapidamente, antes de ser puxado para fora.

–Você está com a chave? -ela pergunta e eu assinto. -Então.. você quer saber o que eu fiz?

–Quero. -respondo observando-a de olhos semicerrados.

–Bom...Eu me desculpei com Rosy. -diz em um suspiro. Eu paro, o que faz com que ela pare também. Não posso deixar de sorrir com o que acabei de ouvir.

–Você..

–Sim. -interrompe. -E você sabe o porquê. -diz desviando os olhos dos meus.

Parece constrangida pelo que disse então não digo mais nada, apenas deixo um beijo em sua bochecha antes de voltarmos a andar abraçados a caminho da minha antiga casa na Vila dos Vitoriosos.

Assim que chegamos, já estou com a chave na mão e abro a porta. Subo a escada com Katniss atrás de mim, mas é inevitável sentir algo ruim. As paredes, as portas, o corredor, tudo me lembra o tempo que passei sem ela. Quando abro a porta do quarto sinto meu corpo travar.

Você a deixou, agora está aqui. Sozinho.

Não. Eu não podia ter feito isso. Uma onde de imagens surge em minha memória. Me sinto confuso.

–Peeta?

Katniss. Sua voz me traz de volta a realidade.

–Está tudo bem? -pergunta. Me viro e encontro seus olhos preocupados me fitando.

–Sim, meu amor. Desculpe. -respondo. Minha cabeça ainda dói, não é um bom sinal. Nunca é.

Entro no quarto e Katniss vem logo atrás. Vejo que ela se senta na cama enquanto caminho até o guarda-roupas para pegar minhas coisas. É só uma questão de tempo até a dor alastrar-se. Sinto mais pontadas sendo acompanhadas das imagens confusas.

"Passo por todos tentando não pisar duro indo direto pra dispensa. Aquele era o último lugar que eu queria estar depois do que aconteceu mas era o único lugar que eu poderia ficar sozinho para pensar. Largo as duas mochilas em um canto do chão antes da porta bater e meus olhos planarem por toda a dispensa. Não sei dizer como exatamente aconteceu mas quando vejo, estou de joelhos no chão com uma cadeira quebrada em minha frente. A porta se abre em uma fresta e vejo Rosy e Tony parecendo tão assustados quanto eu. Encosto as costas na parede apoiando a cabeça nas mãos tentando diminuir a respiração."

Não, eu não posso estar sofrendo isso de novo, mas eu me lembro bem. Bem no dia em que saí de casa, isso aconteceu. Era como se houvesse duas pessoas dentro de mim. Todas as vezes são assim, e não é agora que isso vai mudar.

Olhe para ela. Ela está aqui.

Mas eu não posso. Simplesmente não posso, se não vou assusta-la. Correr o risco de machuca-la não é uma opção.

–Peeta? -ouço-a. De repente me vem algo.

"–Sai daqui Peeta!

–Me escuta Katniss!

–Eu não quero saber mais nada, o que eu vi já é o suficiente!

–O que você acha que sabe...

–O que eu sei e que você me deixou sozinha em casa para ir se encontrar com a Rosy! Isso você não pode negar porque eu vi! "

Não posso negar, não posso. Mas ela entendeu errado. Você a deixou sozinha. Você a fez sofrer porque quis. Você é um bestante.

–Peeta?!

–Sai daqui -falo pausadamente. Não posso assusta-la. Não posso.

–Peeta, você está..

–Saia. -repito. Percebo-a em pé sem se mover. -SAIA! -grito respirando com dificuldade. -Katniss, saia do quarto!

–Não Peeta.

–Saia agora! -peço gritando.

–Não! Não vou deixar você sozinho nesse estado!

–Katniss SAIA! Eu não quero te machucar!

–Mas Peeta.. -sua voz parece desesperada.

–SAIA. Eu não posso machucar você! Por favor, SAIA.

Ela começa a dar leves passos até a porta e sai, me deixando sozinho com minhas memórias.

–--(Katniss)---

Saí relutante. Após poucos segundos de silêncio, ouço um barulho de chave. Peeta trancou a porta. Meu coração dispara. Peeta está trancado no quarto, sozinho, disposto a quebrar tudo. Acabei de vê-lo se alterando de repente, seus olhos azuis se preencherem com o preto das pupilas e sua voz elevada pedindo para eu me retirar. Tento evitar as lágrimas. Achei que isso não ia voltar a acontecer, faz um bom tempo que não acontece. Estávamos indo bem, não havia mais motivo para ele voltar a agarrar as costas de uma cadeira.

Deve ter passado apenas alguns minutos, mas que pareceram um bom tempo, quando ouço o barulho da chave novamente. Desapoio as costas da porta, hesitante e espero alguns segundos.

–Peeta? -chamo com calma.

–Entre. -demorou longos segundos até que ele respondesse.

Giro a maçaneta e abro a porta com cuidado. A primeira coisa que vejo é uma cadeira que não estava ali. Quando amplio a visão, meu estômago gela. A porta do guarda-roupa não só não esta ali, como está quebrada em duas no chão. Vejo Peeta sentado na cama com a cabeça apoiada nas mãos e caminho lentamente até ele. Queria poder correr para seus braços e abraça-lo, mas não posso. Sei que não posso.

–Você precisa me escutar. -diz levantando a cabeça antes que eu me sente. -Precisa deixar a teimosia de lado, pelo menos nesse tipo de situação. Já conversamos sobre isso.

Estou ciente de que tem razão, mas ele não sabe como é difícil para mim vê-lo naquele estado e não poder fazer nada. Ter que me afastar e deixa-lo sozinho para sofrer. Sento-me ao seu lado. Ele parece mais calmo, porém perturbado.

–Achei que isso não acontecia mais. -sussurro.

–Eu também achei. Mas o médico advertiu que poderia acontecer por conta de qualquer mudança significativa. -diz olhando em meus olhos -Aconteceu no dia em que saí de casa.

Fico sem reação. Seus olhos agora fitam o chão como se estivesse pensando.

–Quando entrei no quarto, -continua. -foi como se eu tivesse voltado no tempo, no dia em que entrei aqui. E lembrar de tudo aquilo foi horrível. É horrível.

–Não precisa mais se preocupar com o que aconteceu. Estamos bem agora. -sussurro.

Ele passa um braço envolta de minhas costas e pressiona os lábios contra os meus. Posso sentir seus músculos relaxarem mas ainda parece estar perturbado.

–Katniss. -chama baixinho e eu o encaro. -Prometa para mim, que se isso continuar ou se um dia voltar, que vai se afastar. Que vai se proteger, por favor. Proteger-se e proteger nosso filho.

Penso na única resposta que pode acalma-lo agora.

–Eu prometo.