O Sangue do Olimpo escrita por Belona
Ela viu o corpo de Octavian ser envolto em névoas, o ursinho restante no chão. Então tudo congelou.
O Tempo havia parado. No exato momento em que Annabeth previra e programara.
Sua respiração estava acelerada, alta, provocando baforadas no frio da manhã. Ela piscou algumas vezes para se acostumar com a ideia de que todo mundo estava parado e que ela tinha horas contadas para fazer o que iria fazer.
Ela respirou fundo, enchendo os pulmões e expirando lentamente. Não sabia por que, mas estava um pouco nervosa.
Annabeth deu uma volta completa em si mesma, perscrutando os arredores. Viu o quanto os campistas gregos haviam crescido, e como o número aumentara. Ela sorriu largamente e lágrimas vieram-lhe aos olhos. Estava em casa... E tinha certeza de que se o vento soprasse, ela poderia sentir o cheiro dos morangos. Havia muito mais chalés, desde Zeus até Hécate, casas para sátiros, náiades e armazéns. A arena estava imponente, a Casa Grande, recém-pintada. Ao longe, ela viu a deusa Lupa parada, e parecia fitar intensamente os olhos de Annabeth. Sua matilha estava presa em um eterno uivo. Mais para o lado, cerca de cem meninas adolescentes, belas, graciosas e letais, com arcos, lobos e falcões, vinham subindo a colina. Liderando-as estava uma garota alta, com cabelos pela cintura, negros e espetados. Ela tinha os olhos azuis delineados em preto, e tinha uma expressão estranha no rosto. Suas sobrancelhas estavam arqueadas, como se ela tivesse feito uma pergunta, mas ela carregava seu escudo medonho e sua lança. Thalia, filha de Zeus.
Annabeth quis passear por ali, entrar no chalé seis e tirar um cochilo, mas não tinha tempo para isso. Ela tinha que fazer aquilo.
Um pesar tomou seu coração. Ela teria que deixá-lo. Annabeth se virou para a direita, onde Percy estava.
Não estava mais. Havia apenas um espaço vazio ali. Annabeth sentiu uma pontada de desespero.
– Foi você, não foi? – Era a voz dele às suas costas. Vagarosamente, ela girou o corpo e o encarou.
– Não. – Ela sentiu como se alguém tivesse-lhe dado um soco no estômago. – Não.
Ela abraçou a si mesma e fitou o chão.
– Annabeth. – Percy parecia preocupado. Ele segurou seu pulso e a abraçou, mantendo-a quente em seus braços. – Ei...
– Desculpe. – Ela murmurou contra seu peito. – Desculpe, desculpe, desculpe...
– Annabeth, já falamos sobre isso. Aquilo não foi...
Annabeth fitou seus olhos.
– Não é isso. – Percy se calou. – É aqui. O agora.
Percy pacientemente esperou ela respirar fundo mais algumas vezes e se recompor. Ela se afastou delicadamente e o encarou.
– Não está fácil demais? – Ela perguntou.
Percy iria perguntar o que estava fácil demais, mas entendeu. Ele assentiu.
– Quer dizer... – Ela sorriu levemente. – Não está nenhum pouco fácil. Passamos a noite inteira lutando e... Mas isso não é importante. Percy, você acha que daria certo dar um sonífero para Gaia, se o ritual já se cumpriu e ela já está com o sangue de dois semideuses?
– Com um pouco de sorte... – Ele ponderou. – Eu diria que sim.
Annabeth fez que sim com a cabeça.
– Exato. Com muita sorte. Só que nem toda a sorte do mundo é páreo para a vontade que ela tem de acordar. – Ela explicou. – Pense... O sangue do Olimpo é uma espécie de veneno. O que precisamos para combater um veneno?
– Um antídoto. – Respondeu ele e o sorriso de Annabeth disse que ele acertara.
– Aham. – Ela continuou. – O sonífero é um antídoto?
Percy pensou por uns instantes e sacudiu a cabeça.
– Não sei.
– Não. Não é. – Ela suspirou. – Se o sangue de dois semideuses é o que se necessita para ela acordar, o que precisaria para que ela voltasse a dormir?
– O sangue de outros dois semideuses. – Ele se deu conta.
Annabeth ficou em silêncio, deixando-o absorver. Os dois ali, parados no tempo, com um timer certo.
– Os dois semideuses eram Nico e Reyna. – Ele falou. – Eles vão fazê-la acordar. Agora, os dois semideuses que irão fazê-la dormir... Somos eu e você.
– Exatamente. – Ela meneou. – E sabe como Nico e Reyna morreram? Quer dizer, vão morrer?
– Vão morrer porque, quando ficam em contato com Gaia, é meio radioativo.
– Não necessariamente. – Ela ergueu as sobrancelhas. – O contato com agulhas... Material hospitalar. Argh. É tão tosco... Mas é a realidade.
– Então Nico, Reyna vão morrer. Eu e você... Também.
Annabeth sacudiu a cabeça.
– Eu coloquei no tabuleiro do Tempo apenas para que eu ficasse parada. Mas algo colocou você aqui também. Percy, não precisa fazer isso.
Ele lançou um olhar magoado para ela.
– Você iria se matar, e não iria me contar. – Ele disse.
Annabeth engoliu em seco.
– Eu iria lhe contar depois que acabasse. Eu não sei ao certo quanto tempo leva para que... Morra... Mas eu iria contar.
– E se você caísse antes? – Ele cruzou os braços. – Como você acha que eu ficaria?
Annabeth piscou para reprimir as lágrimas.
– Se eu contasse antes... Você iria querer vir junto... E eu não posso pedir para que você faça isso. – Sua voz estava embargada. – Você já fez demais por mim... Por todos... Eu achei que você merecia um pouco de paz...
– Paz. Com você morta. – Ele sacudiu a cabeça, descrente. Depois, descruzou os braços. – Onde eles estão?
Annabeth suspirou e começou a andar na direção da Casa Grande. Percy a seguiu.
Ela subiu um lance de escada e entrou num quarto do segundo andar. Lá estavam eles. Gaia deitada no meio. Nico a esquerda, Reyna a direita.
Eles estavam estirados no chão, de olhos fechados. Gaia tinha uma agulha em cada braço, e cada tubo levava ao braço de Reyna e Nico. Estavam de olhos fechados, mas respirando.
Percy ajoelhou-se ao lado de Reyna.
– Precisamos tirá-los daqui. – Ele disse, e Annabeth concordou.
– Espere. – Ela disse. Notou que havia mais uma agulha no braço esquerdo de Gaia, com outro tubinho. Ela segurou aquilo e tentou ver da onde vinha, e avistou uma cadeira de rodas motorizada num canto. O tubo terminava ali, em uma agulha embolada em fita crepe. – Quíron.
– Quíron deu seu sangue para ela... – Percy franziu as sobrancelhas.
– Ele pensou que funcionaria como antídoto... Sangue de centauro é...
– Letal. – Ele completou.
Percy tirou a agulha do braço de Reyna, e Annabeth fez o mesmo com Nico. Percy passou um braço pelos braços dela e um pelos seus joelhos. Ele a levantou, e Annabeth ergueu Nico – que era mais leve.
Eles os levaram ao quarto andar e os colocaram nas camas, perto da janela.
– Aqui... Acho que ficarão bem. – Percy disse.
– Eles estão dormindo... – Annabeth colocou uma mão na testa de Nico di Angelo. – Eles ainda não morreram. Estão num sono pesado.
Annabeth e Percy voltaram ao segundo andar, tiraram as agulhas dos braços de Gaia, colocaram novas e pegaram as pontas opostas.
– Tem certeza? – Annabeth tinha a agulha a um centímetro do antebraço dele.
– Você tem? – Ele inquiriu.
Ela assentiu.
– Então eu também tenho. Somos uma equipe, certo?
Annabeth sorriu e pressionou a pele dele, então colocou sua própria agulha em seu próprio braço. Eles se encostaram na parede.
– Quando tempo? – Ele perguntou.
– Não sei. – Ela admitiu. – Até acharmos o suficiente.
O líquido rubro corria pelos tubos, entrando em Gaia.
– Como se sente? – Ela perguntou depois de algum tempo.
Ele refletiu por um instante.
– Normal. Acho que um pouco sonolento. Mas não é por causa disso. Estaria com sono mesmo sem doar sangue. E você?
Annabeth suspirou e engatinhou até ele, tomando cuidado para não arrebentar os tubos ou fazer com que a agulha pulasse para fora de seu braço. Ela sentou-se ao seu lado e colocou a cabeça em seu ombro. E começou a chorar.
Percy apenas a abraçou e a apertou. Ela nada falou, apenas chorou silenciosamente, soluçando de vez em quando.
Apesar da situação, Annabeth sentiu sono, como Percy falara. Aos poucos ela foi desvanecendo, deixando o estupor a vencer, a dor, a angústia... Tudo aquilo que a sufocava. Então dormiu.
Quando acordou, seu rosto ainda estava enterrado no pescoço de Percy. Seu cheiro de mar era inebriante, e ela queria fica ali para sempre. Mas, como toda vez que isso acontecia, ela tinha que obrigar-se a despertar.
Ela esfregou os olhos e sentiu uma puxada no antebraço. Annabeth olhou aquilo, e viu que enquanto dormia, se mexera e o negócio de deslocara. A agulha havia perfurado demais, machucando e meio que esfolando. Ela observou o tubo, que tinha se deslocado também. Mas quando verificou Gaia, viu que ela tinha recebido uma boa quantidade de sangue. Talvez o dobro do sangue de Nico e Reyna.
Annabeth sentou nos calcanhares e delicadamente arrancou aquilo de seu braço. Não se sentia fraca nem nada do tipo. Mas estava branca. Mais do que de costume.
Ela foi até Percy e o acordou, tirando a agulha de seu braço.
– Dormimos? – Ele perguntou.
– Acho que desmaiamos. – Ela bocejou. – Foi bom.
Ele sorriu perversamente.
– Ei. – Ela protestou e tirou aquela aparelhagem de Gaia. Era tão tosco... Annabeth olhou para ele. – Você vai me achar muito estranha se eu fizer um negócio? – Ela viu-o franzir as sobrancelhas. Ela levantou a mão e esbofeteou o rosto da deusa, deixando uma leve corada em sua bochecha. – Ah, eu precisava fazer isso. – Graças aos deuses, Gaia não acordou.
Percy apenas jogou a cabeça para trás e riu. Ele levantou-se e ofereceu a mão para ela. Percy começou a andar, mas ela colocou a mão em seu peito, detendo-o.
– Estamos bem? – Ela indagou.
– Claro. – Ele sorriu e a beijou.
– Somos uma equipe, certo? – Ela inquiriu.
– Você quer que eu responda “para todo o sempre, querida”?
– Não, isso não seria tipicamente seu. – Ela debochou. – Apenas sorria.
Ele sorriu.
– Isso. – Ela piscou. – Você é o cara. Mantenha isso em mente! – Ela desceu as escadas, e ele a seguiu.
Eles começaram a caminhar para as fronteiras, lado a lado.
– Seguinte, eu não sei de nada. – Ela disse. – Podemos morrer daqui a pouco, mas pode levar tempo. Nico e Reyna estavam lá há algumas horas, e ainda não sucumbiram. Sabemos que morrerão disso, mas...
– Temos um monte de “mas”. – Ele torceu o nariz.
– Tem razão. – Ela concluiu. – Não vamos pensar nisso.
Percy e Annabeth voltaram para seus lugares remotos e se armaram, exatamente como estavam antes.
Eles sentiam-se esperançosos por dentro.
Até que o tempo descongelou, e o primeiro a se mexer foi Quíron.
Ele desabou nas patas dianteiras e caiu no gramado.
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