O Sangue do Olimpo escrita por Belona


Capítulo 19
Annabeth




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Annabeth sentiu frio. Um vento gelado fazia suas coxas ficarem azul e suas orelhas escutarem o rugido da brisa. Um tremor a tomou, mas não era por causa do frio.

Seu peito subiu e desceu descompassadamente à medida que soluços irrompiam de sua garganta. Lágrimas congestionaram seus olhos e seu nariz, e ela chorou em silêncio.

A garota havia feito o que tinha-lhe surgido na mente. Depois que Gaia falou que o sangue só era válido se fosse ela a matar, uma ideia pipocou em sua cabeça e ficou pulsando no seu subconsciente. Annabeth teria descartado a opção, queria ter descartado, mas não o fizera porque não conseguira pensar em outra coisa. No último segundo, ela fez... Ela o matou. E foi a maior covardia da sua vida. Se fosse Percy quem tivesse a opção, ele teria se matado ao invés de matar Annabeth.

Uma névoa permeou a sua consciência, e seu mundo se resumiu à dor insuportável. Não queria levantar, não queria fazer nada. Só o queria de volta, e queria estar morta. Amaldiçoou os deuses, os titãs, os gigantes e todo o resto. Não era justo. Nunca era justo. E ela voltou a se recriminar, porque o que acontecera fora inteiramente culpa dela e de mais ninguém.

– Annabeth. – Uma voz aveludada a chamou. Ela não respondeu. Ficou em silêncio, deixando as lágrimas escorrerem pelas bochechas. Estava imóvel.

Por muito tempo ela permaneceu assim. Queria dizer que dormira, mas a sua consciência não a deixou. Essa era a maior ironia que ela tinha que enfrentar todos os dias. A glória dos inteligentes também é a sua ruína. Quanto maior o seu conhecimento, maior o mundo se revolta contra você. E quanto mais madura é a sua mente, mais viva ela passa a ser, saindo do seu controle.

– Annabeth. – A voz aveludada a chamou de novo. Ainda estava ali. – Annabeth, você precisa levantar.

Annabeth cravou as unhas nas palmas da mão e mordeu o lábio a ponto de sentir o gosto de sangue.

– Sua mãe precisa de você.

Aquilo já era demais.

Num ímpeto, ela se pôs de pé e espreitou ao redor. Sua visão estava vermelha de ódio. Ela se virou inúmeras vezes, procurando o dono da voz, mas não encontrou nada. O que viu foi um imenso salão delimitado por colunas arruinadas. O chão era de mármore, mas havia tanta poeira e blocos de concreto espalhados que fazia parecer terra batida.

– Minha mãe precisa de mim? – Ela rosnou para o vazio. – E quando eu precisei dela?

– Ela estava lá. – A voz respondeu.

– Quem é você? – Annabeth perguntou.

– Eu sou o Tempo.

Ela baixou as mãos e se apoiou em uma coluna. Subitamente sentira uma terrível tontura, seguida da dor aplacada. Ela se dobrou para frente, agarrando a barriga. Seus joelhos fraquejaram e ela caiu de quatro. Um fogo queimou seu estômago e subiu pela garganta. Ela vomitou.

O choro ainda vazava de seu rosto, mas ela obrigou-se a parar. Queria repetir para si mesma que era uma filha de Atena, mas Atena não havia ajudado muito. Eu sou Annabeth. O pior era que nem ela mesma sabia quem era Annabeth. Mas sabia o que já tinha feito. O seu ponto mortal, o orgulho, talvez fosse a sua salvação para levantar. Ela limpou a boca com as costas das mãos e se colocou de pé novamente.

– Por que o Tempo precisa de mim? – Ela indagou para o vazio.

– Não é o Tempo que precisa de você. É você quem precisa do Tempo.

Annabeth ficou em silêncio. Andou pelo salão, absorvendo tudo como sempre fizera. Andou até uma fresta entre as colunas e o que viu a deixou embasbacada.

Ela viu a Acrópole. Viu a cidade de Atenas e viu quase toda a Grécia. Ao longe, podia ver o mar verde límpido, brilhando ao sol. A visão do oceano a fez sentir a tontura novamente e a imensa vontade de chorar. Voltou cambaleando para dentro.

– Adivinhou onde estamos? – A voz perguntou.

– Parthenon. – Ela sussurrou.

– É esperta como sua mãe. – A voz deliciou-se.

– O Tempo não se mostra? – Annabeth indagou com rispidez. Não gostava de falar para as paredes.

– O Tempo é o que você faz dele. Para você, Annabeth Chase, ele passa muito rápido. Por isso você não me vê.

Ela riu amargamente e chutou uma coluna com tanta força que uma rachadura se abriu no mármore.

– Oh, eu não faria isso se você. Isso está de pé há muitos anos. – O Tempo alertou.

– Que trágico seria se ruísse de repente... – Ela murmurou para si mesma.

– Annabeth Chase, o Tempo não espera por ninguém. Eu estou correndo, e vou passar se você não impedir a minha passagem.

– Por que é que minha mãe precisa de mim? – Annabeth perguntou.

– Porque a função de desacelerar o Tempo era dela. Mas acho que você já sabe que ela está com alguns probleminhas.

– Está se decidindo por grega ou romana? – Ela deduziu.

– Hm, não necessariamente. – A voz era irritantemente pensativa. – Ela é grega. E não existe uma romana. A Minerva que fizeram é...

– ...É inútil. Decadente. – Annabeth completou. – Só serve como deusa da tecelagem, e não é o que Atena é. Belona tomou seu lugar como deusa da guerra e da estratégia em batalha. Isso desmantelou o poder romano de minha mãe.

– Pois é. – Ele respondeu. – E todos os deuses estão se fundindo. Estão se tornando gregos e romanos, num só. Não me faça tantas perguntas, você deverá respondê-las todas. O que te peço é que escute quando eu falo, e barre minha passagem enquanto ainda pode.

Annabeth engoliu em seco e massageou o peito, tentando aliviar a dor. Aquilo era pior que enfrentar Aracne.

É só um dia como todos os outros. Disse para si mesma.

Respirou fundo, empertigou-se e começou a andar pelo berço da democracia, pelo símbolo da Grécia, pelo símbolo da sua mãe e o palco da sabedoria.

Levou algumas horas para conseguir. Sua concentração estava meio falha, mas mesmo assim ela ainda era inteligente. Quis sair pelas colunas várias vezes, quis se matar ou fazer qualquer outra coisa. Porém, no fundo, no fundo, sabia que essa era a única alternativa. Isso a impeliu, e estava noite quando um tabuleiro surgiu a seus pés.

Annabeth se sentou de pernas cruzadas e enxugou o suor da testa. Estava fazendo trinta e cinco graus, mas a temperatura dela estava alterada devido aos esforços. Não sabia como fizera aquilo. Tentara pensar no Tempo como um cachorro-quente; como uma pizza; como uma árvore ou como qualquer outra coisa. Um tabuleiro que pudesse controlá-lo pareceu mais viável, e ela se concentrou nisso. Muitas vezes as pessoas diziam que o pensamento tem poder. Para Annabeth, isso se provou verdade.

O tabuleiro era um quadrado preto. No meio havia um grande círculo, e dentro deste, outro círculo pequeno. O círculo pequeno era móvel, rodava como uma roleta. Tinha uma ficha de cores, um caleidoscópio. Começava mais claro e ia ficando cada vez mais escuro na direção anti-horária. O círculo grande era delimitado em sete partes iguais. Nessas sete partes havia algo escrito. Na parte mais alta estava escrito Ανναμπεθ. Annabeth, em grego. Na parte ao lado dessa fatia estava escrito Jasão em latim. Aí vinham Valdez, Piper e Perseu em grego; Levesque, Zhang em latim, também.

Annabeth experimentou girar o círculo pequeno. Quando a parte mais escura parou na sua parte, o tempo desacelerou muito. Ela conseguia ver os rastros dos átomos, viu uma mosca flutuando em pleno ar. Ela engoliu em seco e girou de novo. Parou a parte mais clara na sua parte, e quando viu já era dia novamente. Rapidamente ela ajeitou as coisas. Entendeu como o tabuleiro funcionava. Ele era obra de sua mente.

Mais horas se passaram, e ela já sabia como fazer. Um velhinho apareceu no Parthenon, mas ele disse que era o Tempo e que tinha vindo contar histórias. Ela perguntou como poderia o Tempo ser um velho e um tabuleiro simultaneamente, e ele lhe respondeu com um dar de ombros. Sentou-se em uma pilastra quebrada e passou a tarde inteira falando. Falou que Percy não morrera realmente, ele só havia sido levado para um lugar em que conversaria com seu pai. Hazel estava no Mundo Inferior, aprendendo magia pesada, Frank havia sido capturado, mas era mais uma isca, e estava sendo bem tratado. Ele sabia e podia fugir, mas não o fazia porque tinha consciência do que estava em jogo e esperaria o momento certo. Jason havia sido tragado para um lugar especial, com Júpiter (LOL). Piper estava sozinha no navio, mas ela faria uma coisa importante.

Ele falou-lhe detalhadamente, e Annabeth ouvira pacientemente. Quando terminava o discurso, o recomeçava, discorrendo ainda mais pelas minúcias. Annabeth andava pelo Parthenon, recolhendo pedaços de coluna, limpando o chão, ajustando o tabuleiro e ouvindo. Ninguém mais entrou no templo, e ela conseguira ver uma camada de Névoa permeando sobre a construção. As pessoas provavelmente não se sentiam encorajadas, o que a deixava com espaço e sozinha com o Tempo.

Uma vez por dia aparecia um jarro de néctar encima do pedestal onde ficava a grande estátua de sua mãe. Annabeth se sentia melancólica olhando para o tablado vazio, mas logo o Tempo começava a contar uma história diferente, e ela se concentrava no discurso.

Annabeth estava ficando fatigada mentalmente, mas obrigava-se a despertar. Suas roupas estavam sujas e rasgadas. Sua pele estava cheia de arranhões e hematomas, e suas costas reclamavam de dormir no chão. Ela passava frio e calor, e assim os dias se passavam. Não havia monstros, o que a irritava. Não tinha nada para fazer, a não ser escutar o Tempo. Ela adormecia com sua fala, e acordava com ela. Ele sempre estava no mesmo lugar, de olhos fechados e falando no mesmo tom.

Annabeth ainda sentia pesar por ter matado seu namorado, mas ela não podia nada fazer, a não ser controlar o Tempo.


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