O Sangue do Olimpo escrita por Belona
– Hazel, quero que você arrume o palácio. – Perséfone ordenou.
Estalei os dedos, e as poltronas voltaram para seus lugares, as janelas se limparam e fecharam-se, as camas foram devidamente feitas e a comida foi posta na mesa.
Senti uma força me incomodando, e olhei para a deusa da primavera. Ela estava com uma sobrancelha levantada, tentando me transformar em uma flor, certamente. Concentrei-me e lutei com a vontade dela.
Ergui a mão, e uma armadura completa veio voando em sua direção. Ela a transformou em um pé de jasmim, inofensivo.
Fechei os olhos por um segundo, e então fui para trás dela. Ela continuou olhando para frente, como se eu estivesse ali, e na mente dela estava mesmo.
Dei-lhe uma cotovelada no meio das costas, e ela caiu no chão. Alguém me agarrou por trás, e eu soube que era Hécate. Tentei segurá-la, mas ela já não estava mais ali. O mundo escureceu.
– Se quer sobreviver à magia, aprenda a controlar a fatalidade e a dimensão dela. – Ela estalou os dedos perto de meus ouvidos.
Suspirei e tentei clarear o mundo novamente. Uma luz começou a surgir, e ela se expandiu. Cresceu e tudo se resumiu a luz.
– Não exponha suas vontades! – Hécate gritou e me bateu. Desviei e tentei retornar ao mundo real. Ela não deixou.
– Acostume-se, Hazel! – Ela continuava a me agredir psicologicamente. – Magia é o seu poder, reaja!
Comecei a ofegar. As trevas se findaram, voltando a me sufocar.
– Não... Não consigo. – Gemi.
– Consegue sim. – Hécate se abaixou ao meu lado e tocou minha testa. – Hazel, use a cabeça. Use suas memórias, seu poder. É simples.
Respirei fundo duas, três, quatro vezes. Fechei os olhos e me concentrei.
– Luz. – Falei, calmamente, e a luz voltou a surgir. Ergui a mão na direção de Hécate e respirei mais uma vez. Soprei por entre os lábios, e ela foi lançada para trás.
Logo, espinhos cobriam meu caminho.
– Isso não existe. – Franzi a testa. - Saia do caminho. – Murmurei.
E os espinhos sumiram.
Fiquei ereta e empinei o queixo. Estava entre as duas deusas. Balancei os braços em movimentos fluidos, e deles emanou uma aura, uma fumaça arroxeada. Bati o pé no chão, e rachaduras surgiram. Fiz a névoa penetrar entre elas, e o chão cedeu.
– Bom, muito bom. – Hécate disse, de algum lugar.
– Precisamos treiná-la um pouco mais. – Perséfone sugeriu.
– Por quê? – Perguntei.
– Eu esperei três segundos você se recompor, só para depois atacá-la. – A deusa explicou. – Um inimigo não hesitaria milésimos.
– Maior domínio, Hazel, é o que você precisa. – Hécate decretou. – E você vai ficar aqui por tempo suficiente para ter o maior domínio, mas o tempo suficiente está se esgotando...
– Como você sabe? – Indaguei, depois revirei os olhos. – Ah, você sabe tudo.
A deusa sorriu.
– Eu não sou Atena para saber de tudo, Hazel. Eu sou imortal, sou uma divindade, o que me atribui certos privilégios. E tenha consciência de que nem Atena, a própria deusa da sabedoria, sabe tudo. O mundo vira de cabeça para baixo a cada segundo, e é impossível saber exatamente o que mudou. A única certeza é o passado, o eterno exemplo para corrigir o futuro. Mas nunca se esqueça, Hazel, que devemos viver o presente, acima de tudo.
– Caramba, mulher! Ela perguntou quando vai poder voltar para o presente, e não uma aula de filosofia. – Perséfone exclamou.
Hécate soltou um “oh”. Seu vestido que parecia uma cascata negra havia sido substituído por jeans e camiseta. Perséfone também estava despojada, ambas usavam All Star e ambas continuavam lindas.
– Está na hora do jantar. – A deusa da primavera falou de repente.
– Bom, parece que você sabe marcar o tempo. – Hécate provocou.
– É a fooome! – Perséfone retrucou, e nós três caímos na risada.
– Pensei que imortais não precisassem comer. – Comentei.
– Não necessariamente precisam, mas é apetitoso ficar comendo aquelas pimentas doces. – Ela estalou os lábios.
Meu estômago roncou, e seguimos para a sala de jantar, no palácio do Hades.
Pouca coisa havia mudado desde a minha chegada. Eu via meu pai nas refeições, ou nem sempre ele estava presente. Não liguei muito a princípio, mas Perséfone disse que ele sempre estava no Mundo Inferior, e meio que sempre sabia o que se passava por aqui.
Sentei na minha cadeira e suspirei, esperando a hora em que a mesa toda ficaria repleta de comida e todos os lugares ficariam repletos de mortos. O momento não tardou a chegar, e aquela confusão de sempre começou. Talheres batendo contra os pratos, copos sendo colocados rudemente sobre a mesa, conversas e mais conversas sobre vida, morte e coisas sobre quais eu estava quase cansada de ouvir falar. Se eu fosse Hades, teria estapeado meu rosto. Uma filha de Plutão cansada da morte é quase uma ofensa. Levantei o olhar para o trono vazio e mordisquei minha pimenta. O sumo picante escorreu pelos meus dentes e começou a queimar a língua. Uma sensação agradável.
– Um brinde. – Uma voz conhecida falou.
Olhei para frente e quase caí da cadeira quando vi Nico estendendo sua taça.
– Nico?
– Quem mais? – Ele sorriu. Algo que praticamente eu nunca havia o visto fazer. Então entornou a taça e limpou do queixo o líquido docemente vermelho.
– Você... Morreu? – Perguntei, sentindo um amargo na boca do estômago.
– Morri... Ontem. Não, antes de ontem. – Ele franziu as sobrancelhas e olhou para a garota ao seu lado. – Quando foi?
– Não faço a mínima ideia. – Reyna respondeu.
Peraí. Reyna?
– Reyna?
– Oi. – Ela deu um sorriso cansado.
– Vocês dois morreram?
– Sim, Hazel... – Nico murmurou. – Nós dois morremos. Aparentemente não se sabe quando.
– Como vocês morreram? Mas vocês não podem morrer! – Exclamei.
– Podemos. – Reyna disse, complacente. – Caso contrário não estaríamos aqui. Sinto muito.
– Morremos por causa de Gaia. – Nico suspirou. – Ela nos pegou na viagem de volta. Hedge não morreu, não foi necessário. Graças aos deuses conseguimos deixar Atena Partenos no Acampamento, mas aí ela nos viu... E estava com pressa.
Fiquei em silêncio, tentando absorver.
– Desculpe. – Soltei.
– Desculpe pelo quê? – Ele perguntou.
– Vocês morreram, se ainda não se deram conta.
– É o ciclo, Hazel, é o ciclo... – Nico divagou. – As pessoas nascem, crescem, morrem, às vezes renascem... Só pra morrer de novo. Fique tranquila. Acontece com todo mundo.
– Mas... Desculpe a indelicadeza... Vocês não têm cicatriz alguma. – Estuguei.
Reyna mostrou o antebraço. A parte inferior do cotovelo estava (além de marcado com o S.P.Q.R.) arroxeado. Meio inchado, como se alguém tivesse tentado achar sua veia diversas vezes.
– É assim que ela tira o sangue dos semideuses. – Reyna disse com desprezo.
– O quê? Como? – Dei uma risada nervosa. – Sério isso? Ela espeta vocês com uma agulha e tira o sangue? Como em um laboratório médico?
– Exatamente. – Reyna balançou a cabeça.
– Esperem... – Comecei a pensar. – Então Gaia já se levantou? Ela conseguiu, não conseguiu? – Virei-me para as deusas. – Vocês disseram que eu tinha tempo!
– Calma, Hazel, calma. – Nico aplainou. – Nós morremos, Gaia conseguiu o nosso sangue. Só que... Só que alguém está mudando o tempo. Alguém o está modificando. Nós vamos morrer.
Respirei fundo.
– Ainda não aconteceu. – Reyna explicou antes que eu explodisse. – Ninguém morreu ainda. Parece que cada semideus tem o seu tempo, vive em uma medida diferente. O tempo acelera, diminui, acelera, diminui. Alguém está fazendo isso.
– É essa a tática dos deuses. – Hécate disse. – Quer dizer, de um deus. Que não está muito bem agora.
– E que deus é esse? – Perguntei. – Que plano é esse?
– Não sabemos... – Reyna desculpou-se.
– Não sabemos, mas... – Nico começou. – Tem-se a ideia de que a pessoa que esteja controlando o tempo tem que ser muito inteligente para acertar o passado, o futuro, o presente e todas as missões num único ritmo, para que nosso tempo contra Gaia seja maior do que é na realidade. E, para mudar o tempo, deve estar pagando um preço muito alto.
Uma pessoa me passou pela cabeça, a imagem rápida como um raio. Mas logo sumiu. Pisquei.
– Mas se Gaia não os cortou nem nada, por que é que vocês morreram? Não parecem ter definhado até a morte por falta de sangue. – Estipulei.
– É que quando entramos em contato com ela, bem... – Nico começou. – Algo dela passou para nós. Talvez o sangue dela, o icor dos imortais, algo que leva algum tempo para matar, mas certamente é letal. Leva aproximadamente dois dias.
– Pensamos que tínhamos nos safado. – Reyna suspirou. – Mas acabamos assim. Eu poderia...
– Você não poderia ter feito nada. – Nico a cortou. – Você sabe disso, não insista. Agora o destino está nas mãos dos sete.
– Mas o destino já não existe? – Continuo. – Vocês ainda vão morrer, não é?
– É. – Reyna confirmou.
– Então podemos impedir isso. – Falo.
– Não, não podem. – Perséfone disse de braços cruzados. – Se eles estão aqui, é porque morreram. Não adianta tentar mudar, compreende?
– ENTÂO POR QUE É QUE ESTÃO MANIPULANDO O TEMPO SE NÂO PODEM SALVAR AS PESSOAS?! – Grito.
– Porque, Hazel, é a velha e boa história. – Hécate responde calmamente. – Sempre as parcas, sempre o destino dos deuses. É sempre assim. O que está feito não se pode ser desfeito, ou talvez possa. Mas existem regras, existem coisas que impedem as entidades de fazer isso. Os deuses não constroem o próprio destino e o destino de seus filhos, Hazel. É o cosmo quem faz isso, as Leis Antigas, coisas combinadas que resultam no que é hoje.
– Mas não é justo... – Choramingo.
– Nada é justo. Tudo tem um preço. – Ela disse. – Esses dois, Nico e Reyna, morreram para concluir uma parte da missão. Então o preço está pago. E eles ainda não voltaram a vida porque a vida não precisa deles. Acredite, Hazel, os deuses ressuscitariam um semideus que fosse crucial para o destino do mundo.
– Então ele vai... – Reyna começou.
– Vai. – Perséfone disse.
Suspirei diante dos segredinhos na minha frente. Eles olharam para mim com aquele olhar de quem não ia contar nada.
Ótimo. Pensei. O tempo está sendo manipulado, meu irmão morreu, minha pretora morreu, no entanto eles parecem felizes. E agora dizem apenas que eu tenho menos tempo do que imagino para criar a maldita magia.
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