Querido Charlie,

Esses dias andei pensando muito no seu infinito.

E eu cheguei a uma conclusão.

Eu quero sair Charlie,eu quero ver o mundo,quero ver as paisagens que eu só vejo pelas fotos,quero pegar um carro e sair com alguém para algum lugar,eu quero participar de uma história.

Eu estou entre quatro paredes.São paredes transparentes,de modo que posso ver o que acontece no mundo lá fora,mas não posso sair.

Por que por mais que eu queira,eu não tenho nada comigo para derrubar essas paredes.Eu só posso chutá-las e bater as mãos,mas é inútil.

E a cada coisa que acontece,olhares transpassados e palavras que machucam,é como se eu batesse de frente com a parede.

E isso dói,Charlie,é uma dor decepcionante,quase como se estivessem zombando da minha esperança.A cada dia que passa eu sinto que as paredes estão encolhendo e eu me pergunto quanto tempo vai durar até que elas se juntem completamente.

Eu também penso se você pensou que eu não gostaria das suas cartas.Que elas não importavam.

Elas foram importantes,eu estava me afogando nessa realidade deprimente,se ser invisível,de não ser notada.Você foi meu bote salva-vidas.

Mas eu ainda não consigo Charlie,não consigo ser completamente insensível e fechada ao que meu irmão fala,não consigo ser perfeita o suficiente para minha mãe,não consigo ser o suficiente ausente para meu padrasto.

Não consigo ser invisível o suficiente para eles.

Eu não quero ser invisível.

Eu quero sair dessas paredes,eu quero que as pessoas ouçam o que eu tenho a dizer,quero me sentir infinita.Quero entrar em um carro e dirigir,simplesmente dirigir,sem destino.Não preciso de direção,não preciso de mapa,nem de uma data para voltar.

Por que se eu não fizer isso,as paredes vão se fechar,eu não quero que elas se fechem Charlie,elas precisam ficar abertas,eu não quero ser parte da paisagem,mais um rosto que as pessoas não vão se lembrar no final do dia.

Como é possível que uma pessoa se sinta tão viva e distante ao mesmo tempo?

Eu não quero contar para as pessoas histórias de livros quando eu ficar mais velha,eu quero contar a minha história.

Eu quero contar sobre o meu momento infinito.

O que Michael,seu amigo,sentiu antes de dar o tiro?

Será que ele pensou que ele nunca poderia contar sua história,ou ele não se importou por que não tinha uma história que valesse a pena ser contada?

Será que ele ao menos se importou em deixar alguma carta aos pais?alguma mensagem?

Em deixar ao menos um último adeus?

Isso é tão egoísta.Simplesmente desaparecer,sem nem ao menos dar um aviso antes.

Ele lhe avisou Charlie?Ele deu algum sinal?Qualquer sinal?

Me desculpe,não quero faze-lo se sentir mal,mas não consigo me segurar.Estou pensando rápido demais novamente,isso me assusta tanto.

Não deveria estar te aborrecendo com isso,mas não consigo enxergar direito a carta,minha visão está borrada e eu não consigo parar de pensar.

Vou tentar ler um pouco,obrigada por ouvir.

Com amor,uma amiga.