Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 8
Capítulo 8 - Cobras, Macacos e a Peste Negra




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Allison

Eu achava que uma cantoria de "Fulano roubou pão na casa do João" era a pior coisa que podia acontecer num ônibus cheio de adolescentes indo a uma excursão. Eu estava errada.

Para começar, quando você tira os alunos de uma escola, parecem animais de zoológico sendo levados para dar um passeio depois de cinco anos em uma cela. A sra. Calixto estava nos fazendo cantar. Bem, pelo menos, os alunos que estavam com as bocas livres estavam cantando. O fundão do ônibus cheirava a chulé, cecê e hormônios, mas eu infelizmente não tivera muita escolha.

Isaac, numa manobra matar-dois-coelhos-com-uma-cajada-só, convenceu eu e Marina Soleil a sentarmos juntas no ônibus. Dessa forma, ele poderia se agarrar com a Clara e eu não encheria o saco.

Esse era Isaac Geymer. Sempre sendo um ser humano decente.

Marina não era tão ruim, na verdade. O gosto musical dela era duvidável — uma espécie de ópera com guitarras e bateria —, mas ao menos ela não era burra. Na verdade, às vezes ela era esperta demais. E com isso eu quero dizer que a senha de desbloqueio do celular dela eram os primeiros seis dígitos de Pi.

O professor de Biologia e a professora de História — que todo mundo tinha certeza de que se pegavam, apesar de não admitirem —, que vieram no ônibus conosco, comentaram que dividiriam o grupo em duplas. Eu não me importaria de acabar com a Marina, na verdade. Ela achava Isaac babaca. Não tinha como odiar alguém que achava Isaac babaca.

— Clara sempre teve uma queda por babacas — disse Marina.

Abri um sorriso presunçoso.

— Não é o que dizem por aí.

Ela riu, vendo aonde eu ia chegar.

— Não acredite em tudo o que ouve.

— É verdade — disse uma voz atrás de nós. Pedro Giorno, sorrindo para Marina com seus dentes brancos contrastando com a pele bronzeada. — Eles dizem por aí que eu pego a Soleil.

— O que claramente não é verdade — retrucou Marina.

Ainda.

— Cai fora, Giorno.

— Lá no fundo você me quer, Soleil. Eu sei disso.

— Eu mandei cair fora — repetiu, mas vi um sorriso tentando se formar no canto de sua boca.

Pedro me fitou e disse:

— Ela me quer.

— Acredito em você — prometi, sorrindo também.

Isaac

Eu já estava fingindo estar interessado no que Clara dizia (algo sobre a inflação da maquiagem) há pelo menos meia hora.

Tempo demais.

— Tipo, acho que batom vermelho nunca sai de moda, mas...

Puxei-a para perto de mim e a beijei. Depois de alguns segundos, ela me afastou.

— Isaac, não.

Aproximei-me dela, respirando em seu pescoço.

— Por que não? — sussurrei bem próximo do ouvido dela.

Percebi que ela olhava para algo atrás de mim. Quando me virei, deparei-me com Rebeca Trebian.

— Provavelmente estavam ocupados demais para ouvir — ela nos encarou, com sua voz aguda e irritante. —, mas a gente chegou.

O ônibus de fato havia parado.

— Não vai levar um caderno de anotações? — indaguei Rebeca. — Ou você o escondeu no seu cabelo?

Ela afastou o cabelo ruivo volumoso do rosto, fingindo que eu não a atingira.

— Você não é engraçado, gringo. É apenas rude, e parece sentir prazer em fazer piadas sujas o tempo todo.

Levantei-me e fitei-a por um momento. Abri um leve sorriso.

— Minha boca pode ser suja — sussurrei bem próximo do ouvido dela. —, mas eu faço coisas incríveis com ela.

— Que seja — ela me empurrou e saiu andando.

Voltei-me para Clara, sorrindo.

— Vamos?

Clara assentiu, parecendo um pouco hesitante, e me acompanhou.

Allison

— Tentamos misturar as classes o máximo possível quando escolhemos as duplas — disse o professor de Biologia, Victor. — Para que vocês possam conhecer novas pessoas.

Todos os alunos bufaram, já prevendo o desastre que viria a seguir.

— Com exceção de algumas duplas necessárias — acrescentou Helena, a professora de História (um pouco irônico, considerando a história de Helena de Troia).

— Como... Onde está a garota que fala Inglês? — indagou o Professor Victor, cujos olhos varreram os alunos até me encontrarem. — Ah, sim. Peruzzo, não é? Você está com o Geymer.

Bufei.

— Quando vocês vão perceber que ele fala Português muito bem?! Além do mais, o que eu ganho com isso?

— Um ponto extra em nossas matérias — estipulou a Professora Helena.

— Eu não preciso de um ponto extra!

— Eu preciso! — Pedro Giorno se ofereceu.

Isaac encarou-o.

— Você fala Inglês, cara?

— Hummm... Eu joguei videogames em Inglês minha vida inteira, então suponho que...

— Giorno, você ficou de recuperação em Inglês nos últimos três anos — Marina revirou os olhos.

A sra. Calixto bufou, me encarando.

— Vou suspendê-la se a senhorita se recusar a ser a dupla de Isaac! E sabe o que isso implicaria? Três suspensões! Expulsão!

A velha era convincente. Bufei e me aproximei de Isaac.

— Parabéns, Geymer, acaba de ganhar uma babá — Marina zombou.

— Calada, Soleil — Isaac retrucou.

Os professores continuaram separando as duplas, e por fim nos arrastaram até o museu de microbiologia.

Isaac

Allison parecia uma criança em uma loja de brinquedos. Exceto pelo fato de que ela estava animada com o vírus HIV, e não com a nova Barbie. Ela ficava pondo os olhos nos microscópios e dizendo coisas que eu não fazia ideia de o que significavam. Eu colocava os olhos nos microscópios e não via porra nenhuma.

Depois de um tempo, desisti. Caminhei até o fundo do museu, onde havia bustos de cientistas famosos dos quais eu nunca havia ouvido falar.

Allison

Eu não havia percebido que Isaac tinha sumido até encontrá-lo no fundo do museu, vendo os cientistas. Parecia estar de fato lendo o histórico deles, o que me surpreendeu. Seus óculos estavam um pouco tortos e seu cabelo dourado estava bagunçado. Ele usava uma camiseta preta onde se lia "I could corrupt you", o que achei digno. Suas mãos estavam nos bolsos da calça jeans e ele ficava mudando o peso do corpo de um pé para o outro, inquieto.

Parei ao lado dele. Ele não olhou para mim, mas disse:

— Gostei das placas porque tem a tradução em Inglês embaixo.

— Está procurando erros de tradução, não está?

Ele abriu um sorriso de canto.

— Talvez.

— Não procure demais, ou vai acabar encontrando.

— Mas não é esse o intuito?

— Intuito — repeti. — É a palavra do dia?

— Só porque eu falei uma palavra não tão simples você já acha que é a palavra do dia?

— E é?

Ele me fitou, erguendo uma sobrancelha.

— O que te faz achar que eu diria se fosse?

— Não sei. Apenas perguntei. Afinal, meu intuito era apenas ter a chance de receber uma resposta.

Ele abriu um leve sorriso.

— Bem, então acho melhor encontrar um intuito melhor.

* * *

Isaac, cujos olhos acizentados acompanhavam a jiboia que se arrastava pelo espaço onde era mantida, sorriu e disse:

— Olha só as suas primas.

— Cale a boca.

— Sério, venha ver isso. Tem alguma coisa nos dentes dela, e nos olhos... Igualzinha a você.

Revirei os olhos, decidindo ignorá-lo.

— Já faz duas horas.

— O quê?

— Que você não dá em cima de ninguém. Um novo recorde.

Isaac arregalou os olhos, horrorizado.

For God's sake, você tem razão, Peruzzo!

Eu provavelmente não deveria ter dito aquilo. A Professora Helena gritou para que fôssemos logo para a saída, e Isaac aproveitou para flertar com uma das funcionárias.

— Quantos anos você tem? — a moça ergueu uma sobrancelha.

— Dezoito.

Ela estreitou os olhos e disse alguma coisa no ouvido dele, que assentiu. Isaac olhou para mim e formou com os lábios "Já estou indo".

Revirei os olhos e continuei andando com o resto do grupo.

— O gringo não vem? — disse uma voz conhecida ao meu lado.

Fiz questão de apressar o passo e não olhar para Bianca.

— Ele está ocupado.

Continuamos andando até uma exposição sobre Epidemias, que, na verdade, não era muito explicativa. Tinha só um monte de fotos e nomes de algumas doenças. Parei em frente a um cartaz sobre a Peste Negra. Havia uma gravura de pessoas morrendo da doença.

— Por que chama assim? — perguntou uma garota ao meu lado. Parecia ter uns doze anos. Era um pouco mais baixa do que eu, e possuía cabelos louros compridos. — "Peste Negra"?

— Porque dizimou um quarto da população europeia no século XIV. Cerca de vinte e cinco milhões de pessoas.

— Isso é muita gente. Como?

— A doença veio de uma pulga, por causa da falta de higiene dos europeus. Era bastante contagiosa.

— E não tinha cura?

E foi assim que eu acabei explicando a história da Peste Negra para uma garota desconhecida de doze anos.

—... E esses isolamentos, na verdade, apenas pioraram a situação, porque... — parei de falar quando percebi que a garota não estava mais olhando para mim. — Ei. Está ouvindo?

— Aquele garoto ali atrás está olhando para você.

Olhei para trás e percebi que Isaac estava parado perto da Febre Amarela, encostado em uma parede, com os olhos cravados em mim.

—... Ele é bem bonitinho.

— E bem babaca.

— Vocês se conhecem?

— Ele é do meu colégio.

— Então por que ele não está usando uniforme?

— Hum... Boa pergunta.

— E por que tem batom espalhado pelo rosto dele?

— Prefiro não saber — encarei Isaac. — Perdeu alguma coisa?!

— Quem é a sua amiga? — ele sorriu.

— Um pouco nova para você, não acha?

— Você faz com que eu pareça um grande tarado sexual, adoro isso — ele soltou um riso debochado, se aproximando.

Isaac

Allison Peruzzo fazia com que a Peste Negra soasse interessante. O que era admirador, na verdade. Os olhos dela brilhavam e ela sorria e gesticulava muito, como se estivesse narrando seu filme favorito. A garotinha parecia estar prestando muita atenção, até que me viu.

* * *

— Isso é ótimo. Eu explico epidemias do século XIV para pré-adolescentes desconhecidos e você fica se agarrando com funcionárias aleatórias. Simplesmente ótimo.

Eu ri e tirei um folheto da exposição do bolso.

— Consegui o telefone dela.

— Fala como se realmente tivesse o intuito de ligar.

Fingi não notar o uso de "intuito".

— Nunca se sabe quando pode ser útil.

Ela riu como se duvidasse e acompanhou o resto da turma para fora da exposição.

Allison

— Já está quase fechando, vamos ver os macacos e depois voltar para o ônibus. — anunciou o Professor Victor.

Se eu parecia ter seis anos perto daqueles macacos, a culpa era toda de Isaac.

— Olha, Geymer! Seus primos! — aproximei-me do vidro. — Aquele ali coçando a bunda branquela é a sua cara.

— Olha quem fala — ele revirou os olhos, parando ao meu lado.

Isaac olhou para o lado, e percebi que fitava a estrada de terra perto do Museu de História. Depois olhou para mim e abriu um sorriso perverso.

— Geymer. Não ouse.

— Vamos ver quem tem piadinhas na ponta da língua agora! — e então ele agarrou minhas pernas e me jogou pelos ombros como se eu fosse um saco de farinha.

Eu gritei e os macacos continuavam fazendo sons de macaco enquanto Isaac ria e tentava me jogar na terra.

— Se sabe o que é bom para você, me solte!

Ele parou de andar e segurou minhas pernas, colocando o rosto perto do meu e sorrindo.

— Ou o quê?

— Ou eu... Eu...

Ele baixou os óculos e ergueu uma sobrancelha, cravando os olhos acizentados em mim.

— Você...?

Tentei me soltar novamente, dando socos no ar.

— Me solte!

Ele deu de ombros.

— Está bem.

E então me soltou. No chão. Sem nenhuma delicadeza. Por que eu deveria ficar surpresa?

Levantei-me rapidamente, tropeçando na tentativa. Isaac me ofereceu ajuda quando conseguiu parar de rir, mas eu o ignorei.

— Você tem algum tipo de problema?! — cerrei os dentes, indo para cima dele num momento de pura estupidez.

— Epa — ele me segurou, impedindo que eu socasse a cara dele. — Calma. Calma.

Eu o ignorei. Ele me puxou para perto dele, fechando meus dois pulsos com apenas uma mão, sem apertar. Eu sentia seu coração batendo contra minhas costas. Merda, ele era humano. Tudo seria bem mais fácil se ele fosse um vampiro e eu pudesse apenas enfiar uma estaca de madeira nele sem me sentir mal por isso.

— Se acalmou? — ele sussurrou com a mesma voz rouca que falava com as vadias dele.

Mas eu não era uma das vadias dele.

— Eu odeio você.

— Claro que odeia.

— Odeio mesmo! Eu... — bufei, e ele soltou meus pulsos para que eu pudesse olhar para ele. Isaac me fitava com uma expressão entretida, como se quisesse saber o que viria a seguir. — Tem batom no seu rosto. — passei um dedo pela bochecha dele, limpando.

Ele me encarou por um minuto, e depois sorriu.

— No seu também — e então passou um dedo pelo meu lábio, borrando meu gloss.

Inspirei fundo. Isaac tinha um conceito interessante de "borrar o batom de uma garota".

— Hãã, Allison...

— Quê?

— Onde está o resto do grupo?

Olhei em volta. O lugar estava completamente vazio.

— Eles não voltariam sem a gente. Voltariam?

— Bem, já está escurecendo, e são muitos alunos, então... — ele parou de falar quando viu o olhar em meu rosto. — Vou calar a boca agora.

— Isso seria ótimo. Vem, temos de achá-los.

— Sabe chegar a onde o ônibus estava?

Assenti e corremos pelo Instituto Butantã como se estivéssemos fugindo do Apocalipse.


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