Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 7
Capítulo 7 - Como nós somos




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Allison

Eu nunca havia visto Isaac desconfortável, mas ele estava bem perto disso quando parou o carro em frente à minha casa.

— Então... Você vai ficar bem? — ele perguntou baixinho, ajeitando os óculos, como se no fundo tivesse a esperança de que eu não ouvisse.

Esbocei um sorriso.

— Isaac Geymer se importando com as outras pessoas?

— Se você contar a alguém, eu vou negar.

Dei de ombros.

— Eu sei. Até segunda.

— Até.

Abri a porta do carro e corri até a porta de casa. Mamãe estava dormindo e meu pai não estava em casa, exatamente como eu previra. Subi as escadas e deitei-me em minha cama de solteiro, observando as estrelas fosforescentes que eu colara em meu teto. Às vezes eu me perguntava se elas não eram um pouco bregas, mas não importava. Eu gostava delas. Minha própria constelação.

Gostava da ideia de dormir sob estrelas, porque isso era quase impossível em São Paulo. Toda vez que eu ia para o interior, minha primeira reação era olhar para o céu. Eu pensava que as pessoas que moravam ali viam aquele céu toda noite e tratavam como se não fosse nada, enquanto eu ficava completamente encantada por ele.

Tomei um banho e vesti meu pijama do Bob Esponja. Bianca fazia piadas sobre ele, mas não eram muito boas. Imaginei que Isaac teria alguma provocação muito efetiva na ponta da língua se visse aquele pijama, mas ele nunca veria aquele pijama. Jamais.

Peguei meu celular e baixei I Lived, a música que estávamos ouvindo no carro. Coloquei os fones de ouvido e fiquei escutando até adormcecer.

* * *

Acordei com o cachorro do vizinho latindo. Bocejei e me arrastei até o banheiro, forçando-me a abrir o chuveiro e deixar a água morna cair em mim. Vesti uma roupa qualquer — camiseta e shorts jeans — e desci para tomar café-da-manhã. Mesmo que fosse Domingo, meu pai considerava inaceitável que tomássemos café de pijama.

Ele já estava de terno, lendo o jornal enquanto tomava café preto.

— Cadê a mamãe? — indaguei, descendo as escadas.

— Ela teve que ir cobrir um turno extra no hospital — respondeu ele sem desviar os olhos do papel.

Mamãe era enfermeira — isso era verdade. Ela costumava tomar café-da-manhã com a gente, mas isso foi até meu pai dormir com a assistente de vinte anos dele. Mas deixa para lá.

Eu desconfiava que ela pegava esses turnos de propósito para não ver meu pai, o que me fazia questionar por que diabos eles ainda eram casados. Ou por que diabos ela se casou com ele, em primeiro lugar.

Michael Peruzzo tomou o último gole de seu café.

— Tenho umas coisas para resolver na empresa. Tchau, Allison.

E então ele foi embora. Sem beijo na testa. Sem sorriso. Sem sequer olhar para mim. Ele apenas se levantou, pegou a maldita maleta e saiu por aquela porta sem olhar para trás, e a parte menos familiar de mim esperava que ele nunca mais voltasse.

Inspirei fundo e fui até a cozinha fazer um Nescau para mim.

Bianca

Eu sentia o corpo de Will contra o meu enquanto rolávamos na cama dele. Nossos lábios se encontraram novamente. Quando abri os olhos, encontrei seus olhos escuros gentis me fitando de volta.

— Meus pais vão passar o dia fora — falei.

— Isso é verdade — ele abriu um leve sorriso malicioso, esperando que eu continuasse.

— Eu estava pensando que nós... — senti seus lábios em meu pescoço. — Que nós poderíamos...

Foi quando meu celular tocou. Atendi.

— Oi, Alli — tentei soar animada e não emitir nenhum som suspeito enquanto Will beijava meu pescoço.

Estou na sua porta; pode atender, por favor?

— Você o quê?!

Nossa maratona de filmes do Johnny Depp?

Soltei um leve suspiro.

— Claro. Claro.

Tudo o que ouvi do outro lado da linha por um momento foi silêncio.

Você se esqueceu, não é?

— Não — menti. — Claro que não. Já estou descendo.

Ok — e desligou.

Fitei Will, afastando-o.

— Hum, Allison está na porta.

— Allison... Peruzzo?

— Essa mesmo.

— Então... Tchau?

Encarei-o, séria.

— Ela não pode saber que você está aqui. Rápido, para o armário!

— Está brincando, certo?

Eu não estava brincando. Empurrei Will dentro do armário de vestidos e desci para atender Allison. Ela andara chorando, seu nariz estava vermelho, mas fingi não perceber.

— Você demorou.

— Não estava conseguindo achar as chaves. Bem, entre.

Ela o fez.

— Eu trouxe... Piratas do Caribe, Sombras da Noite, Diário de um Jornalista Bêbado, O Cavaleiro Solitário, A Fantástica Fábrica de Chocolate...

Forcei um sorriso.

— Ótimo!

Allison subiu até meu quarto antes que eu pudesse impedir.

— Estava dormindo? — indagou.

— Humm... Quê?

— Seu cabelo está todo desarrumado, suas roupas estão amassadas e sua cama está completamente desarrumada. Estava dormindo?

— Eu... É. Claro. Cochilei.

Ela assentiu e colocou um DVD aleatório no tocador, antes de jogar-se em minha cama.

— Você sumiu na festa de Carnaval — ela comentou. O que era aquilo? Um interrogatório?

— Você também — repliquei, porque era verdade. Bem... Não que eu tivesse procurado muito...

— Também não vi o Will em lugar algum, o que foi estranho, porque uma conversa nossa de semana passada deu a entender que ele queria me ver.

Inspirei fundo.

— Alli...

—... Mas eu devo ter entendido errado, porque...

— Allison.

— Enfim, tanto faz. Que filme quer assistir?

Desisti.

— Vou escolher algum. Por que você não faz pipoca?

Ela torceu o nariz.

— Folgada.

— É um dom.

— Tudo bem, mas só porque eu gosto do seu micro-ondas.

— Por quê?

Ela sorriu.

— Ele é legal — e então saiu do quarto.

Enquanto ouvia o barulho de Allison descendo as escadas, abri a porta do armário. Will me encarou, sério.

— Quieto — pedi, baixinho.

Descemos as escadas com cuidado e depois corremos até a porta.

— Tchau — ele beijou meu lábios levemente e saiu correndo. — Me ligue, tá?

Assenti e fechei a porta. Allison estava voltando da cozinha.

— Resolveu me fazer companhia?

— Vim buscar a correspondência — falei, pegando algumas cartas na caixa de correio.

— Alguma interessante?

Balancei a cabeça.

— Só contas.

* * *

Will parou ao meu lado no pátio na segunda.

— Vem cá — e me arrastou até o armário de limpeza. — É tudo por causa da Peruzzo, não é?

Franzi o cenho.

— O quê?

— Os esconderijos, o segredo... Ela gosta de mim.

Eu ri.

— Ah, qual é. Como se você não soubesse disso.

Ele abriu a boca, mas depois fechou. Suspirou e disse:

— Tá, eu sabia. Mas não acha que deveríamos...?

Revirei os olhos.

— Do nada começou a se importar com ela?

Ele mordeu o lábio.

— Estou cansado de me esconder, Bia. Conte a ela.

— Ela surtaria.

Foi quando a porta do armário se escancarou.

— Não se preocupe — Allison me fuzilou com o olhar. — Ela está plenamente satisfeita.

E então saiu andando.

Allison

Eu sentia as lágrimas começando a brotar em meus olhos enquanto Bianca corria atrás de mim.

— Espere! Eu quis contar, é só que...

Parei.

— É só que o quê?! O que raios poderia ter impedido você de me contar um detalhezinho desses?

— Você não deixou! Você nunca deixa! Tudo é sempre sobre você!

Estreitei os olhos.

— Então talvez você não devesse ser amiga de alguém como eu.

Corri direto para o banheiro.

Isaac

Eu estava caminhando pelo corredor quando senti uma cabeça batendo com força em meu peito. Reconheci o topo da cabeça dela — o que posso fazer? Ela era baixinha —, e depois os olhos chorosos.

— Allison? — chamei, cético.

Ela me empurrou e continuou correndo. Suspirei e corri atrás dela.

Allison

Fitei-me no espelho do banheiro, me sentindo patética. Peguei papel toalha e passei por meus olhos, engolindo o choro. Foi quando Isaac invadiu o banheiro feminino. Uma garota morena que estava se trocando gritou.

— Desculpe por isso — ele fitou a garota. — Eu realmente esperava vê-la de sutiã em uma ocasião melhor.

Bufei.

— Merda, Geymer! Isso é hora de dar em cima de alguém?!

— Desculpe — ele repetiu, dessa vez para mim. — Não consigo controlar.

— Então dê o fora daqui.

— Desculpe. Vou calar a boca — ele se aproximou, fitando meu reflexo no espelho. — O que houve?

— Bianca — murmurei. — Ela... E Will... Eles...

— Eu sei.

— Sabe?

Isaac soltou um palavrão em Inglês baixinho.

— Eu... Eu os vi na festa, mas...

— Você o quê?! — fuzilei-o, alterada. — Mentiu para mim também? Todo mundo mente agora? Que merda!

Eu me virei para sair andando, mas ele segurou meu pulso com força.

— Não. Espere. Eu ia contar. Mas ela era sua única amiga, e depois que você falou sobre seus pais... Eu não queria que você tivesse de lidar com tudo de uma vez.

— Então agora você se importa?

— É claro que me importo. Acha que eu teria entrado aqui se não me importasse?

— Sim, pela chance de ver uma garota seminua e aproveitar para flertar com ela.

Ele pareceu ponderar a ideia.

— Você tem razão. Mas enfim! Você é legal, Allison. Merecia coisa melhor. De todo mundo.

Assenti, secretamente agradecida.

—... Vem, você precisa comer.

— Não quero tomar lanche sozinha.

— Você não vai tomar lanche sozinha — ele enganchou um braço no meu. — Vou te apresentar um pessoal.

— Seu grupinho de hipsters babacas?

— Mais ou menos — ele abriu um leve sorriso. — Tchau, menina do sutiã!

A garota estava quase roxa de tão corada.

— Hum... Tchau.

* * *

Isaac me arrastou até o refeitório e acenou para o pessoal de uma mesa. Eu os reconheci, apesar de nunca ter falado com eles. Eram do terceiro ano, meio que o "grupinho legal". Isaac me apresentou, mesmo que eu já soubesse os nomes deles.

— Pessoal, essa aqui é a Allison Peruzzo — disse ele. — Allison, estes são Felipe Grassi, Pedro Giorno, Marina Soleil e Clara Albuquerque.

— Oi — esbocei um sorriso, desconfortável, mas sentei-me ao lado de Isaac.

Eles começaram uma conversa com muitos nomes desconhecidos que não fiz questão de acompanhar. Isaac sussurrou alguma coisa no ouvido de Clara e ela riu. Eles engataram em uma conversa, enquanto Felipe, Pedro e Marina discutiam sobre futebol.

— Com licença — falei, e então me levantei e dei o fora dali.

Isaac

Quando a aula acabou, esperei na porta da sala de Allison para ter certeza de que ela não fugiria. Ao vê-la, segurei seu pulso e começamos a caminhar.

— Eu sei que não deveria ter dado o fora — começou ela. — E aprecio o que tentou fazer, mas eu estava sobrando.

— Não estava, não — defendi. Ela ergueu uma sobrancelha. — Certo, talvez, mas...

— Mas o quê?

— Mas tente se esforçar um pouco, pelo menos!

— Eu não tenho nada em comum com aquelas pessoas!

— Também não tem nada em comum comigo, e continuamos conversando.

— Por uma questão de necessidade!

Revirei os olhos.

— Vai à excursão amanhã? No Instituto sei lá o quê?

Ela se surpreendeu com a súbita mudança de assunto.

— Instituto Butantã.

— Isso! O das cobras.

— É. Vou, é obrigatório.

— Isso nunca te impediu antes.

Ela bufou.

— Ou é isso, ou é ficar trancada em casa com meu pai. Acho que as cobras não parecem tão ruins. E, na verdade, é bem interessante. Tem vários museus, inclusive um de História que...

— Eu sei que não é a sua intenção, mas você está me fazendo repensar seriamente minha decisão de ir a esse negócio.

Allison revirou os olhos.

— Que seja.

Quando ela estava se distanciando, eu gritei:

— Anaïs Nin disse uma vez: "Nós não vemos as coisas como elas são. Vemos as coisas como nós somos."

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Quem é Anaïs Nin?!

— Eu não faço ideia! Mas é um conceito interessante, não acha?

Ela abriu um leve sorriso.

— Você é uma pessoa estranha, Isaac.

— Bem, obrigado por notar.

Ela me fitou por um minuto, e então apenas acenou levemente antes de entrar na perua escolar.


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