Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 19
Capítulo 19 - Dialetos, mano


Notas iniciais do capítulo

EU VOLTEEEEEEEI
Gente. Eu. Tô. Morta. Morrida. Cês não tão entendendo. Eu tô estudando integral, 11 aulas por dia, which means, morri. Os paulistas aí que conhecem o Vital Brazil entendem o que tão dizendo.
Não, mentira. PAULISTANOS. Porque tem sempre um pra me xingar se eu falar paulista. Paulistano. Ok?
Eu sei que não tô postando nada, e acreditem, tô muito mal com isso, vocês sabem como a escrita é importante pra mim. Não é só um hobby passageiro. Então vou tentar mesmo conciliar o colégio e o meu tempo livre, porque do jeito que tá não tá dando.



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Allison

Pedro estreitou os olhos para Isaac e eu, passando manteiga dramaticamente em seu pão francês no café-da-manhã do dia seguinte.

— Cara, desisto de acompanhar o que rola entre vocês dois.

Eu também, quase acrescentei, mas em vez disso dei de ombros e tomei mais um gole do suco de uva.

— Vocês têm uma variedade incrível de sucos no Brasil — Isaac comentou. — É muito legal. Nos EUA geralmente os lugares só têm de laranja ou maçã.

— Ser um país de economia predominantemente primária tem que ter alguma vantagem — murmurei.

— Mas vocês exportam as melhores maçãs. Na moral.

— "Na moral" — Pedro repetiu com voz de criança e apertou a bochecha de Isaac. — Awwwn, tão paulistano esse gringo.

— Não acho que São Paulo seja o único lugar que fala "na moral" — repliquei.

— Que seja. Mano. Mina. Meu. Bolacha. Se pá. Meu.

— Conheço essas já — disse Isaac. — Mas desde quando "bolacha" é gíria?

— Certo? VIVA AS BOLACHAS! — Pedro se levantou como se estivesse declarando a independência.

— Ei, calma aê, Dom Pedro III — Marina ergueu uma sobrancelha.

— Quem? — Isaac indagou.

— Caralho, cê tá atrás mesmo em História Brasileira, hein?

— Eu vou achar gírias que você não conhece — prometeu Pedro. — E vamos ver o quão paulista você é.

— Não faz isso, não — Isaac suspirou. — Já foi difícil para eu entender "mina". Falaram para mim "eu vi uma mina linda ontem", e eu pensei "tem mina em São Paulo?". Porque, you know... Mina é... de mineração. Eu não sabia que vocês chamam todas as garotas de "minas".

— Menos a nossa mina — acrescentou Pedro. — que deve ser chamada de "minha mina".

— Você sabe que isso não faz muito sentido, não sabe?

— A gente fala muita gíria, Giorno — falei. — Ele já se acostumou.

— Me aguarde! — Pedro saiu correndo.

Isaac suspirou.

— Isso vai ser bem ruim — ele me fitou. — Não vai?

Assenti.

Isaac

Eu gostava de ficar sozinho. Talvez por, no intercâmbio, estar cercado por pessoas o tempo todo. Então tomava qualquer chance que tinha para andar pelo acampamento, sem rumo, principalmente para os lugares mais afastados, como a floresta. Caminhava pelo limite do sítio, próximo à cerca que nos separava do outro sítio ao lado.

— Ei! Moço!

Já achei que estava encrencado, porém a voz era aguda demais para me encrencar. Soltei um sorriso, notando as crianças com a cara na cerca do outro lado dela. A menininha que chamara, uma loirinha de olhos grandes, arregalou-os ainda mais, esperando minha resposta.

— Ah, olá — acenei levemente. Não era muito bom com crianças.

— Qual o seu nome? — um garoto de uns 10 anos me indagou.

— Isaac — respondi.

É o quê? — as crianças franziram o cenho praticamente em coro.

Suspirei.

— Izáque — murmurei aportuguesado, percebendo que era melhor do que tentar ensiná-las a pronunciar certo.

— Ahhh... Eu sou a Luísa.

— Eu sou o Pedro! — o garoto que perguntara meu nome gritou por cima.

— É mesmo? — sorri. — É o nome do meu melhor amigo, sabia?

Percebi o que dissera apenas depois de dizê-lo. Era verdade, though. Eu tinha amigos no Tennessee, mas de alguma forma Pedro se tornara mais importante. E Allison...

Balancei a cabeça, o que fez Luísa rir e me perguntar se eu era doido. Não respondi.

Ei! Você aí! — ouvi uma voz grave o suficiente para me encrencar.

Quando me virei, dei de cara com uma monitora.

—... O que acha que está fazendo?

— Hã... Socializendo.

— Socializando? — ela me corrigiu.

— Eu falo errado quando estou nervoso, okay?... Não me mata.

— Bem, os outros adolescentes estão causando por aí — ela deu de ombros. — Você é o menor dos meus problemas. Mas, ei, estão se dando bem aí?

— Ahaaaaaam — as crianças responderam, para a minha surpresa.

A monitora me olhou. Olhou para as crianças.

— Você me deu uma ideia.

E então ela correu na direção contrária e me deixou lá com as crianças.

Allison

— E aê, truta? — Pedro se aproximou de Isaac e deu um daqueles apertos de mão de moleque cujo nome desconheço.

Isaac recuou um pouco.

—... Eu estou fedendo?

— Quê? Por que a pergunta?

— Truta é um peixe, não é? A Dona Cláudia...

— Truta, Geymer. Truta é mano. É cara. É tio. Velho. Bro.

— Ninguém mais fala "truta" — expliquei. — Parabéns, Geymer, as gírias desconhecidas do Giorno começaram.

— Ah... Ok... Truta.

— Não repita isso em público — falei.

— E aê, truta? Vamo batê uma bola?

— Hã... — Isaac recuou ainda mais. — Suponho que bater, nesse caso...

— Jogar futebol — traduzi.

— Ah — ele relaxou. — Não, man, não sou muito disso.

— Aí cê me trinca os ovo! — Pedro puxou-o, fazendo-o levantar. — Vai ser massa. Vamo.

Nos primeiros cinco minutos tornou-se claro o porquê de Isaac não jogar futebol. Primeiramente, os óculos dele ficavam tortos em ângulos que tornavam impossível que ele enxergasse, sua calça jeans não o deixava se movimentar direito, seus Vans decerto não eram apropriados para o jogo, seu cabelo — que geralmente ele ficava arrumando pra cima —, já lhe caía nos olhos. E ele suava. Muito.

Ainda assim, Pedro insistia em berrar-lhe dicas e lhe passar a bola, mas o outro time geralmente a tomava antes que Isaac pudesse encostar nela. Eventualmente, decidiram que Isaac deveria ser goleiro. Então ele foi.

Para começar, Isaac tinha tanto medo da bola quanto uma menina de onze anos.

— GEYMER, LARGA DE SER MOLENGA, PORRA! — gritei.

Ele me mostrou o dedo do meio, mas ajeitou os óculos e criou colhões. O centro-avante do outro time — Luca, eu me lembrava — deu umas dribladas e por fim chutou. Isaac pulou para agarrar a bola, mas calculou o ângulo meio errado e ela foi direito em sua cara.

Eu ri mais do que seria educado. Luca engoliu um sorriso e correu até Isaac. Não sei o que ele disse, mas por fim lhe ofereceu ajuda para se levantar. Isaac não a aceitou, é claro. Em vez disso, levantou-se cambaleando, tendo que por fim apoiar a mão no ombro do outro garoto.

Luca. Aquele era um nome no qual eu não pensava há tempos.

* * *

Depois do jantar, chegou a hora do jogo noturno. Primeiramente criaríamos uma bandeira e um grito de guerra para a nossa equipe. Eu nem sabia quem mais estava na equipe, o único jogo que tivéramos até ali fora em duplas.

Clara tomou a liderança, e ninguém pareceu ser contra.

— Metade cuida da bandeira, metade do grito de guerra. Quem for cuidar da bandeira vem aqui comigo e com o Luca.

Luca?

Alguns a seguiram, pegando jornais para forrar o chão. O resto de nós se entreolhou, imaginando quem ali seria um gênio musical. Fitei Isaac. Ele revirou os olhos e murmurou:

— Só se souber me explicar a relação entre tocar violino e criar gritos de guerra idiotas. Posso até ser musicista, mas não sou um artista — ele desviou o olhar. — Não crio música. Não crio nada.

Não discuti. Sabia que, se falasse alguma coisa, ele retrucaria que eu não sabia nada sobre música. Podia até ser verdade, mas eu sabia uma coisa ou duas sobre Isaac.

Juntei-me com uma garota do primeiro, Ana, que parecia disposta a ajudar. Isaac não conseguia falar o nome dela, pronunciava como Ána ou Êna. No fim, tínhamos um daqueles gritos de guerra toscos clichês. E estava ótimo.

Vermelho como o sol

Quando nasce de manhã

Vermelho como...

— A União Soviética? — Isaac sugeriu.

— Sério, Geymer? Sério?

Vermelho como o tomate

Vermelho como a maçã

Assim é nossa vitória

Vire as costas e vá embora

Porque vermelho vai vencer

Não tem pra ninguém!

— Esse seu monte de semi-rima é inspirador — Isaac zombou.

— Cala a boca. Clara! — chamei-a. — Terminamos o grito de guerra.

Ela sorriu.

— Isso é ótimo, Alli. Vão ensinando para o pessoal. Isaac, vem me ensinar.

Ana achou um pessoal rapidamente, quase toda a equipe, e logo eles estavam cantando. Olhei em volta.

Luca estava sentado contra a parede, olhando para o nada, com um pincel limpo na mão. Sério? Ele achava que podia ficar sem fazer nada?

— Ei — aproximei-me dele. — Já aprendeu o grito de guerra?

Ele estreitou os olhos escuros, um pouco surpreso. Procurei algum sinal de reconhecimento, mas era em vão. Não havia a menor chance de ele se lembrar de mim. Fazia tempo, e conversáramos o quê? Uma vez? Duas?

— Deixa eu ver — Entreguei-lhe a prancheta. — Como é o ritmo?

Cantei para ele o ritmo e ele ergueu uma sobrancelha.

—... Tem certeza que é assim?

Assenti, mas ele insistiu, então gritei para Clara, perguntando qual era o ritmo. Ela estranhou, mas começou a cantar exatamente como eu havia feito. Então voltou a confeccionar a bandeira.

Luca desviou o olhar, mas esse foi seu único sinal corporal de remorso.

— Desculpa — disse, finalmente. — Eu não deveria ter te subestimado.

Eu não saberia dizer se aquilo me deixara mais puta ou menos puta.

— Quem é você, mesmo? — ergui uma sobrancelha com minha melhor voz debochada. Mesmo que eu soubesse bem quem ele era.

— Luca — foi tudo o que ele disse.

— Prazer. Allison — fitei-o. — Agora, vamos aprender a cantar essa coisa?

Ele assentiu e cantou comigo uma vez, olhando a letra na prancheta. Na segunda vez, perdeu o interesse, talvez por tédio, talvez porque simplesmente não se importava, então fui ensinar outras pessoas. Às vezes olhava para Luca, sem saber direito por quê. Ele estava encostado na parede, já sentado, mas seu corpo ia cedendo cada vez mais. Ele fitava um ponto no nada, parecendo completamente confortável com a solidão. Luca era o contraste perfeito entre o galã e o garoto que fica na dele, e eu não conseguia desistir da ideia de encaixá-lo em apenas um rótulo.

Algumas pessoas aprenderam a música, outras se tornaram encarregadas de bater palmas, e quando chegou a hora da apresentação eu já não sabia mais diferenciar quem estava em qual grupo, então realmente não sabia o que esperar. Clara gritou, batendo na prancheta:

— UM, DOIS, TRÊS E...!

Cantei mais alto para encobrir quem não sabia; Isaac e Clara fizeram o mesmo. Acabou bem rápido. Não fora tão ruim, para ser sincera.

— Aderbal, arrasamos! — Pedro deu um high-five em Isaac, continuando sua lista de dialetos que ninguém mais usa. Isaac ignorou-o.

* * *

O jogo teve uma introdução incrivelmente longa apenas para explicar que teríamos uma sequência de seis bases para encontrar. Quanto mais sequências conseguíssemos, mais pontos. Uma monitora entregou um papel para cada equipe com a ordem: azul, amarelo, vermelho, roxo, verde e branco.

— Porém — a monitora sorriu. — Trouxemos alguns acompanhantes para vocês hoje.

E então umas 30 crianças entraram no salão.

—... Elas vão jogar com vocês.

As crianças foram divididas em equipes. Algumas delas vieram e abraçaram Isaac. Ergui uma sobrancelha, mas ele apenas esboçou um sorriso e sinalizou "depois" com as mãos.

— A equipe não precisa andar toda junta — disse Clara. — Então acho que separar em uns três grupos deve resolver. Hã... Isaac, vem comigo — ela puxou Isaac e um pessoal mais novo, incluindo duas crianças. — Pedro e Marina. E... — ela fitou eu e Luca. — Vocês dois.

Haviam sobrado apenas umas quatro crianças, então foi essa a nossa companhia saindo do salão. A primeira coisa que Luca fez foi sair correndo na frente.

Aquilo me irritou muito. Talvez pelo o que ele já havia feito mais cedo, talvez porque ele pudesse estar cogitando me largar com as crianças e voar solo.

Não me orgulho do que disse depois, mas foi uma daquelas coisas impulsivas que nem parecem que estão saindo da sua boca:

— CARALHO, MANO, NÃO SAI CORRENDO ASSIM! TEM CRIANÇA AQUI, PORRA!

Depois me toquei do que havia dito. Devo ter enrubescido um pouco, não pretendia falar assim. Luca parou e se voltou para mim, recuando:

— Foi mal.

Apesar de sentir-me mal por ter gritado, tentei não transparescer. Queria que ele me levasse a sério, e aquela fora a primeira vez que eu atingira essa proposta, mesmo que inconscientemente.

Tudo o que ele me disse depois tinha um tom de pergunta, mesmo que, gramaticalmente, não devesse ter.

— Vamos andando todo mundo, aí quando estivermos chegando à escalada eu dou uma corrida na frente para ver se tem alguma coisa, para as crianças não cansarem rápido.

— Tudo bem — concordei, ainda meio hesitante em cuidar de crianças, porém sabia que se algum de nós dois tinha que correr por aí, deveria ser Luca.

— Quem aí tem lanterna? — ele indagou.

Claro que só as crianças tinham lanterna, nós éramos dois inúteis. As crianças não queriam emprestar a lanterna, então ele foi procurar na sorte mesmo.

Não havia nada na escalada.

— Deveríamos ir à floresta — ele sugeriu.

— Apoio.

— Eu não gosto da floresta! Não vou lá! — uma das menininhas protestou.

Eu tentei dar um discurso inspirador, mas não havia acordo.

— Vamos até a tirolesa — sugeri.

— Beleza, vou dando uma corrida até lá — ainda soava como uma pergunta.

— Ok.

A ideia era irmos mais devagar atrás, porém naquele momento eu vi Marina.

— Mari! — gritei. — Fica com essa aqui para mim? — voltei-me para a menininha. — Tudo bem?

— Se a Lorena for eu quero ir também! — disse outra menininha.

Sem protestos da minha parte, as duas foram. Voltei-me para os outros dois. Não, pera...

— Regina — eu aprendera o nome da menininha que sobrara. — Cadê o Dani?

— Ah. Ele voltou para o salão. Não queria mais jogar.

Como diabos eu perdera aquilo? Merda, eu era um desastre com crianças.

— Tem certeza?

— Aham. Aonde a gente vai agora?

— Vamos com o Luca até a tirolesa.

— Quem é Lucas?

— Luca. Hã... Um meio alto, magro, de cabelo escuro curto um pouco cacheado em cima... Que organiza as coisas com a Clara...

— Ah... E cadê o Lucas?

Ela tinha razão. Cadê o Lucas?

— Vem, vamos apertar o passo.

Começamos a correr em direção à tirolesa, mas eu me distraíra com Marina e as crianças em vez de segui-lo com o olhar, e o moleque corria para caralho, então para achá-lo seria um parto.

— Por que você não chama ele? — Regina sugeriu.

— Hã... Eu já o chamei demais.

Eu não ia admitir que virava e mexia tinha que chamá-lo porque o havia perdido. Mas daquela vez era um pouco mais sério.

— Posso chamar ele?

—... Pode.

— LUCAAAAAAAAAS!

Eu ri.

— É Luca. Sem o s.

— LUCAAAAAAAAAS!

Bem, eu tentara. Eu a estava conduzindo em direção à floresta, porque acreditava que era ali que estavam as cores.

Tentei um último Ave Maria:

— LUCAAAAAAAAAA!

— Sim? — Luca respondeu de algum lugar à frente, calmamente.

Sorri.

— Aquele ali é o Luca. Vem.

Corremos até Luca.

—... Achou alguma coisa?

Ele balançou a cabeça.

— E vocês? Cadê o resto? Digo, sei que Daniel voltou para o salão, mas Lorena e...

— Estão com a Marina — falei, me sentindo ainda mais merda por ele saber o nome das crianças e o paradeiro delas. Qual era a minha utilidade naquele grupo?

— Bem... — ele apontou com os olhos para a floresta. — Vamos?

Assenti e entramos na trilha central da floresta.

—... Você tem lanterna?

Olhei para mim. Olhei para Regina.

— Érrrr... Então...

— Que beleza — ele ameaçou correr, mas então pareceu se lembrar que ainda tínhamos a Regina e se segurou.

Quando chegamos à bifurcação no fim da trilha central, lá estava Marina e seu grupo. E como eu amei aquela menina naquela noite!

— Alguém empresta uma lanterna? — Luca pediu.

— Aqui — Marina emprestou a ele a sua própria.

— Regina! Vem com a gente! — Lorena sorriu.

Eu e Luca nos entreolhamos. Como eu conseguira perder todas as crianças? Tipo, todas.

— O que tem para a direita? — ele perguntou.

— Hã... Uma trilha enorme que dá a volta na floresta.

Ele apontou a lanterna para a trilha.

— Tá vendo alguma coisa?

— Cara, eu disse trilha enorme. A lanterna não vai iluminar a trilha inteira só daqui.

Ele pareceu considerar a minha ideia.

— Tem razão.

E começamos a andar pela trilha.

— Cacete, esse lugar é tenebroso à noite — ele murmurou. — E essa lanterna não ilumina nada.

— Pelo menos você tem uma lanterna.

— Verdade.

— Mas é, parece aqueles jogos indie de terror ruins.

Não sei se ele não ouviu o que eu disse ou não entendeu, mas não demonstrou reação.

— A gente não vai conseguir ver nada com essa lanterna, vamos voltar para uma parte mais clara.

Concordei e ele saiu no pique. Sabendo que todos os meus órgãos iam me odiar, eu acompanhei o pique de Luca. Essa foi, tipo, a maior realização da minha vida.

Depois de uns dois minutos de pique — nos quais ele nem suava e eu tentava convencer silenciosamente meus pulmões a funcionarem —, encontramos o grupo de Clara.

— Ei, Clá! — Luca se aproximou de Clara. — Como tá indo?

— É, naquelas.

— Cadê o Geymer? — indaguei.

— Ah, ele foi dar uma olhada ali para dentro da floresta, daqui a pouco volta.

Começamos a caminhar com eles. Não reclamei. Só a ideia de caminhar me era suficiente, pouco importava para onde estávamos indo.

— Eu não gosto daqui à noite — uma menininha loira murmurou.

Clara revirou os olhos e falou que não tinha nada de mais. Luca correu até a menina, enquanto o resto de nós continuava a caminhada

— Qual seu nome?

— Luísa.

— Eu sou o Luca.

Ele tentou falar para ela não ficar com medo, mas viu que não estava dando muito certo.

— Eu sei que eu não tenho nada para ficar com medo... Mas eu não consigo evitar.

Ele fitou-a, falando mais baixo. Diminuí o passo para escutar.

— Eu te entendo... Esse lugar é mesmo meio tenebroso à noite... Eu também tô com medo.

Luísa franziu o cenho, surpresa.

— Você não tem que ficar com medo, Luca.

— É, eu sei... Mas você cuida de mim?

A voz de Luísa começou a sair mais confiante. Agora ela tinha um propósito! Cuidar de um grande! E isso fez com que ela engolisse todo o seu medo.

— Cuido.

— Me abraça?

E então eles começaram a andar abraçados e Luísa não falou mais nada sobre estar com medo.

Eu tinha que dizer, estava impressionada. Aquilo fora brilhante. Eu nunca teria pensado em algo assim. Talvez — talvez — eu tivesse julgado Luca um pouco demais.

Senti um apertão na minha nuca.

— Ei — Isaac sorriu. — Tudo bem aí?

Sorri de volta.

— Acho que sim.


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Notas finais do capítulo

Hã... A segunda metade desse cap é inteiramente formada por fatos reais. E sim, eu preciso parar de gritar com quase desconhecidos que são legais com crianças. E de perder crianças. É.