Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 18
Capítulo 18 - Memórias Póstumas de Isaac Geymer


Notas iniciais do capítulo

Recebi um pessoal me perguntando se vai ter capítulo de Natal, porque, pra quem não sabe, eu amo o Natal paulista. Porém... Bem... Desde o ano passado percebi que as pessoas não dão mais tanta atenção ao Natal. Talvez elas não tenham nem mais tempo nem dinheiro pra decorar a casa, sei lá. Todo ano passeio de carro com a minha mãe pela cidade. Parque Ibirapuera, Avenida Paulista, o Shopping Iguatemi... E tem uma loja de móveis pra cozinha chamada Kitchen's que há uns anos tinha as MELHORES decorações. Eu amava aquele lugar. E esse ano eu e minha mãe fomos lá, como sempre, e não havia uma luzinha sequer. Isso me deixou um pouco para baixo. Além do fato de que roubaram nossas decorações de Natal. Vlw, moço que roubou nossas decorações de Natal.
Mas realmente espero que o Natal de vocês tenha sido mágico, que a cidade de vocês esteja tão iluminada quanto o céu do interior numa noite de verão e que vocês tenham podido passar esse dia especial com pessoas que lhes façam felizes.
Quanto ao capítulo de Natal, não vai sair agora, até porque cronologicamente eles estão no primeiro semestre, kdfjpoefjopa
Mas tenho algo especial planejado :3

P.S.: O capítulo tá pequeno mas foi feito com amor. Obg.



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Allison

Não culpamos um ao outro, o que foi um progresso. Tínhamos uma tendência a culpar um ao outro pelo o que dava errado.

Estávamos sentados na cadeia, que nada mais era que um espaço demarcado com giz na grama. Um monitor vigiava todos os prisioneiros, garantindo que não fugíssemos sem sermos salvos pelo Salvador.

— E aí? — um cara do time azul se voltou para eu e Isaac como se fôssemos seus companheiros de cela. — Como acabaram aqui?

— Nos trancamos no banheiro e não checamos a saída — murmurou Isaac, que, como sempre, não tinha muita paciência para conversa fiada.

— Ah. Eu só tropecei correndo mesmo.

— Interessante.

Eventualmente, o garoto se cansou de nós e foi conversar com outra pessoa. O que nos trouxe de volta ao silêncio.

— Estou pensando no que escrever no meu testamento se morrermos presos aqui — disse Isaac eventualmente. — Algo como "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas".

— Isso é Machado de Assis — estreitei os olhos. — Como você...?

Ele deu de ombros e mudou de assunto.

— Não foi o pior jeito de passar a última hora, sabe.

— É — concordei, e não dissemos mais nada.

Mas de repente, como um grande cavaleiro sem cavalo, notei Pedro se aproximando por trás. Apertei o braço de Isaac de leve para que ele olhasse também sem chamar a atenção do monitor.

Pedro parecia estar tentando formular uma estratégia, mas por fim deu de ombro e murmurou com os lábios: kamikaze.

O que isso significa? — Isaac sussurrou.

Esbocei um sorriso desconfiado.

Suicida.

E então Giorno soltou um grito bem longe e másculo e correu até a prisão, tocando em nós para nos salvar.

— CORRAM, PORRA! — ele gritou.

Fizemos isso. Saímos correndo enquanto ele salvava os outros, mas então foi pego pelo monitor.

— Boa, Giorno! — Isaac aplaudiu quando já estávamos longe o suficiente.

— Faltam dez minutos para o jogo acabar, mano! — Pedro deu de ombros. — Eu vou é curtir o cárcere.

Percebi que segurara a mão de Isaac automaticamente quando começamos a correr, então pelo menos o elástico não estourara.

* * *

— Acredita que ficamos em segundo?

— Bem, não por causa da nossa contribuição de uma bolinha — comentei.

— Talvez três. E se alguém do nosso time pegou as bolinhas que deixamos cair?

Esbocei um sorriso.

— Acho que jamais saberemos.

— Vai para o luau mais tarde?

— Provavelmente não.

— Eu quero é cair na cama até amanhã.

— Te entendo, cara.

— Então... Hum, boa noite, Peruzzo.

Fitei-o por um momento.

— Boa noite, Geymer.

Isaac

— Você vem, mano? — Pedro me chamou quando estava indo para o luau.

Dei de ombros.

— Pode ir na frente.

Fiquei sentado na varanda por pelo menos uns vinte minutos. Podia ouvir o violão e a cantoria ao longe. Cansado do escuro e do frio, aproximei-me da fogueira, mas não a ponto de poder ser visto. Vi Allison num canto, olhando para o céu estrelado. Lembrei-me das estrelas no teto dela. Percebi, então, que eu sabia bem mais sobre ela do que ela sabia sobre mim, e que eu vinha tratando tudo o que ela me contara com um pouco de descaso. Antes que me desse conta, estava me sentando ao seu lado.

Hey — murmurei. — Resolveu vir, hein?

— Marina me obrigou — ela disse, ainda olhando para o céu. — E então me largou aqui.

— Que bacana da parte dela.

Allison

Dei de ombros. Ficamos em silêncio por um minuto, e então notei que Isaac estava olhando para mim.

— O que foi?

Ele desviou os olhos acinzentados, ajeitando os óculos, tirou algo do bolso e me deu. Era uma foto de uma mulher em seus quarenta anos, com cabelos castanhos, óculos grandes e um sorriso maior ainda.

— Quem é? — perguntei.

— Mrs. Tattford — ele fitava a fogueira. — Peguei essa foto quando fui na casa dela. Sou uma pessoa ruim.

— Bem... Ela não deve ter se importado.

— Ela não estava lá. Mrs. Tattford foi minha professora de Inglês da 8a série. Ela foi a única pessoa que não acreditou que eu era um inútil. Uma vez até me elogiou aos meus pais. Não que tenha ajudado em alguma coisa, é claro. Conversávamos por horas depois da escola às vezes. Mrs. Tattford tinha uma grande paixão além do marido e dois filhos — um sorriso escapou de seus lábios. — O Brasil.

Percebi onde aquela história ia dar.

— Isaac, você não precisa me c...

— Preciso. Continuando. Ela sempre tinha um bom conselho ou uma palavra boa para dizer. Na primeira aula, entrou na sala sem dizer nada e escreveu no quadro "Sempre pondero por que pássaros ficam em um lugar só se podem voar para qualquer lugar do mundo. E então faço a mim mesmo a mesma pergunta". É uma citação de Harun Yahya.

— Quem é esse?

Ele riu.

— Ainda não aprendeu que nunca faço ideia? Mas é brilhante, não é? Um dia ela nos contou que seu sonho era viajar para o Brasil. Ela era apaixonada pela música, pela cultura, pela literatura, pelas paisagens, pelas pessoas... E nenhum de nós entendia direito o que havia de tão especial naquele país, e talvez nunca entendamos completamente, mas... paixão como a da mrs. Tattford é contagiante.

Percebi que ele falava sobre ela no passado, mas não disse nada.

—... Quando tinha 15 anos decidi que queria vir para cá algum dia na vida. A mrs. Tattford ficou muito feliz, disse que me traria consigo quando conseguisse dinheiro o suficiente para pagar as passagens e a estadia... Sabe como é salário de professor... Um ano depois recebi uma ligação da escola — ele parou por um minuto. — Ela sofrera um ataque do coração. Eu sequer sabia que ela tinha problemas cardíacos. Roubei a foto depois do funeral dela.

— Isaac...

Ele parecia irritado por eu ter interrompido, então fiquei quieta e ele continuou:

— Foi tão repentino, ela não pôde planejar nada... Foi horrível. Ela estava prestes a conseguir o dinheiro, talvez mais um ou dois salários... Meu mundo desmoronou. Eu sentia muito a falta dela. Minhas notas já não eram grande coisa, mas caíram bem mais. Meus pais não conseguiam me apoiar, não percebiam que eu precisava que eles me encorajassem do jeito que a mrs. Tattford fazia. Então disse que queria fazer um intercâmbio para cá e que era isso que faria com que eu me sentisse melhor e eles concordaram. Eventualmente. Aprendi Português melhor. Já sabia um pouco por causa dela, mas quando a data do intercâmbio foi estabelecida trabalhei bem mais. Li Memórias Póstumas, que citei mais cedo para você. Entendi metade. Era o livro favorito dela.

— É meu livro favorito também — falei.

— Talvez você possa me explicar depois, então. Mas enfim... Foi por isso que vim para o Brasil. Porque queria encontrar o que quer que ela estivesse procurando. Falei sério quando disse que não vim para cá porque dizem que as garotas são lindas, apesar de não ser mentira. E talvez eu tenha estragado tudo beijando você, sei lá, mas gosto mesmo de você. Não sei o que teria acontecido se eu não tivesse dito aquela besteira, mas...

— Não é sua culpa. Eu viajo tanto que não vejo o que está bem debaixo do meu nariz. Me prendi em uma bolha, e fiquei magoada por você ter segurado seu orgulho do jeito que devia ter me segurado. O que você disse foi meio cuzão, mas eu não devia ter me importado tanto, não devia ter visto um futuro para a gente.

— Você via futuro para a gente?

Ergui uma sobrancelha.

— Você é cego?

Ele não respondeu; apenas voltou a fitar o céu.

— Faz muito tempo que não vejo tantas estrelas.

— Eu também. É a única coisa que realmente me incomoda em São Paulo: a falta de estrelas.

— E quero ouvir sobre tudo isso. Quero ouvir seus pensamentos sobre os céus poluídos que cobrem as estrelas, e para onde você vai quando quer se esconder, mas não me diga quando essa nossa jornada acaba, porque eu não quero saber.

Fitei-o por um minuto e entrelacei seus dedos nos meus.

— Está bem, Geymer. Vamos conversar.

Ele esboçou um sorriso.

— Está bem.

— Talvez eu deva avisar. Marina, Pedro e os outros nos convidaram para jogar Verdade Ou Desafio.

Ele riu.

— É, acho que não. Apesar de que eu não deveria desperdiçar uma oportunidade de beber legalmente.

— Espera... Beber?

Ele franziu o cenho.

— Giorno não te contou?

— Contou o quê?

— Esqueça. Se quiser ir, no entanto, podemos ir.

— Não, deixa quieto. Se bem que eu poderia acabar ganhando um beijo do Giorno, porque convenhamos que só ver ele beijando a Marina já tira o fôlego. Parece aqueles beijos fodões de fim de filme.

— Obrigado por aumentar minha autoestima agora — ele murmurou, irônico. — Bem, não que você fosse saber me dar nota, though.

— O que quer dizer com isso?

Ele ergueu uma sobrancelha para mim.

— Acha mesmo que não sei que o beijo no Monumento foi seu primeiro?

Meu queixo caiu e eu tentei convencer meu próprio rosto a não ruborizar, mas não acho que consegui.

— Você mentiu para mim! Disse que o beijo tinha sido bom!

— E foi. Eu só percebi por causa da sua reação quando eu perguntei onde você aprendeu a beijar daquele jeito — ele torceu o nariz. — Me desculpe por não imaginar que uma garota de 16 anos nunca tinha beijado ninguém, senão eu teria feito mais cerimônia.

— Teria?

Ele pensou no assunto.

— Provavelmente não. Só o lugar já torna a história bem badass.

— Bem, convenhamos que eu não sou uma garota de 16 anos normal.

Ele riu.

— Isso é um fato.

— E, bem, eu estava meio que esperando pelo Will.

— Nem trocar de país muda o fato de que Wills sempre conseguem as minas — ele murmurou, pensativo.

— Ah é? Alguma mina te chifrou com um Will?

— Nenhuma aula de português ensina a falar "mina", sabia? Pra vir pra São Paulo não tem que aprender português, tem que aprender fucking paulistanês.

— Você está mudando de assunto.

— Ah. Não foi de propósito. Nenhuma garota me chifrou com um Will porque eu nunca namorei.

— Mesmo?

— É, man, pra eu comprar flores e conhecer os pais e tal eu tenho que ter certeza que eu vou casar com a menina, senão nem fodendo — ele riu, mas depois percebeu minha expressão. — I mean... Sei que conheci seu pai, mas é diferente, porque... Hm...

— Porque tinha comida chinesa?

— Também. Mas...

— Podemos só chamar isso de exceção à regra oficial, está bem?

Ele fitava o céu.

— Está bem.


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