Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 15
Capítulo 15 - Anjo gringo indecente


Notas iniciais do capítulo

Olhem, capítulo o/ (e ele é grande, inclusive)



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Allison

— Espera... — Marina franziu o cenho. — Vocês estão com o Giorno, o Geymer, a Clara e a Abercrombie, e eu estou com a Peruzzo, o Felipe e a Hollister. Isso está bem errado.

Abercrombie e Hollister eram as strippers do Isaac, que usavam camisetas dessas marcas. Abercrombie era Fernanda e Hollister era Jéssica.

— E por que isso? — Pedro ergueu uma sobrancelha.

— Bem, primeiro porque você e o Geymer são altos e bons, e a Clara é a melhor das meninas.

— Para de chorar, Soleil — Isaac abriu um sorriso entretido.

Marina bufou e se virou pra mim.

— Alguma chance de você ser boa?

— Érrr... Então, sobre isso... Tem como você me avisar quando tem que rodar?

— Basicamente, quando a gente faz ponto enquanto eles estão sacando.

— Ok. Érrr... Onde eu fico?

— Fica no fundo, toma cuidado para não rebater uma bola que ia sair. Só tenta manter a bola na quadra, eu ajeito depois e mando para lá.

— Soa como um plano.

Felipe e Marina começaram a combinar estratégias, e Hollister achou que podia falar comigo.

— Oi! — ela sorriu. — Eu sou a Jéssica, qual o seu nome?

— Allison — falei, e então percebi que dissera com sotaque. Maldito! Como era possível que...?

— Você é gringa também?

Fiz que não com a cabeça.

— Meus avós paternos são ingleses, na verdade. Mas não, eu sou brasileira.

— Ah, legal. E como vocês conhecem o loiro?

— Karma — bufei e voltei para a minha posição. Jéssica deu a conversa como encerrada, o que apreciei.

Marina sacou por cima. A bola passou por cima de Pedro e pegou em Isaac, que passou para Clara, que mandou de volta na minha direção, mas graças a Deus Marina pegou antes. Mas então Pedro rebateu de volta muito rápido e não deu tempo de ela correr de volta para sua posição.

Um a zero.

* * *

Demorou dez minutos para chegar a 21 X 10. Eu estava na frente, o que descobri ser mais fácil, exceto por ficar de frente com Isaac, que tinha seu sorriso "Eu vou acertar uma bola na sua cabeça, hihihi" estampado no rosto. Ele pegava todas as bolas que eu conseguia fazer passar.

Hollister não era tão ruim. Abercrombie era um desastre, ou talvez só estivesse assim porque Isaac não parava de sorrir para ela e ajudá-la.

— Isso! Rebateu bem! Continue assim!

Mais dois minutos e 25 X 11. Aparentemente, o set acabava ali. O outro time começou a comemorar e Pedro e Isaac tiraram a camisa por nenhuma razão aparente e bateram com o peito um no outro, o que é considerada uma coisa de macho, mas eu não vejo muita heterossexualidade num high-five de mamilos.

— Você é tão bom! — Fernanda abriu um sorriso bobo para Isaac.

— Valeu, moça — ele piscou. — Hey, dá um gola da sua água?

— Pode... Pode ficar.

Eu estava prestes a dizer alguma coisa, mas Marina expressou meus sentimentos muito mais breve e adequadamente:

— Eu vou vomitar.

— Merda, ele tem um tanquinho da hora — murmurou Jéssica, que parecia menos piranha do que Fernanda até aquele momento.

— Então, hum, qual é a nossa nova estratégia de vitória? — perguntei.

— Érr, a gente se junta — começou Marina. — e aí a gente ajoelha e reza.

— Eu gosto dessa ideia — Felipe opinou.

— A gente pode colocar o Felipe na frente e aí ele se joga na rede "acidentalmente" e o Isaac cai no chão e tem um derrame — sugeri.

Os três me encararam, erguendo uma sobrancelha.

— O que há com você? — Marina perguntou.

— Eu não gosto de perder.

Ela sorriu, deixando claro que não acreditava em mim, mas disse:

— Então não perca.

Voltamos às posições. Clara fez um ponto de saque direto, que bateu em Hollister e foi para fora. Isaac ria, me observando. Eventualmente, chegou a vez de Marina de sacar. A bola foi para o outro lado, Pedro rebateu e eu vi a bola vindo diretamente na minha cara, mas Felipe apareceu e rebateu antes que eu sofresse uma concussão.

— Valeu — corei.

Ele afastou o cabelo claro do rosto.

— Disponha.

Quando chegamos ao nem um pouco vergonhoso 15 X 4, Marina gritou:

— Ei, você! — Um garoto que parecia ter a idade deles, talvez um ano a mais, apontou para si mesmo como se perguntasse "Eu?". — É! Quer jogar?

— Eu... Hum, vocês não estão no meio da partida? — ele estreitou os olhos verdes.

Deus, ele era bonito, com o corpo atlético, o cabelo bagunçado e os olhos penetrantes. Eu não sabia dizer se fora por isso que Marina o chamara, mas duvidava que a ideia não tivesse lhe ocorrido.

— Exatamente — ela deu de ombros. — Vem. Qual teu nome?

— Rafael — disse ele, se aproximando.

— Prazer, eu sou a Marina. Então, hum, apenas quebre a maior quantidade possível de ossos daqueles bostas ali do outro lado.

— Ei! — Pedro protestou, mas foi ignorado. Rafael apenas riu levemente.

Rafael provou ser incrivelmente bom em vôlei, conseguindo ajudar Marina a orquestrar as jogadas. Percebi o olhar mortal de Pedro do outro lado do campo.

Estava distraída e quase fui acertada por uma cortada de Isaac direto na minha cabeça, mas Rafael foi mais rápido e acertou a bola antes que me atingisse.

— Valeu por isso — corei um pouco.

Ele sorriu.

— Disponha... Não sei seu nome.

— Allison.

— Posso te chamar de Alli?

— Nomes existem por uma razão — Isaac murmurou com a cara colada na rede.

Rafael se voltou para Isaac, mas ainda sorria.

— Cara, curti demais teu sotaque.

Isaac respondeu acertando uma bolada em Rafael. Muito maduro, Geymer. Muito maduro.

— Esse aí é o seu namorado? — Rafael sussurrou para mim.

— Não. Não, mesmo.

Senti a raiva me atingindo. Marina sacou e Pedro rebateu. Rafael ia pegar, mas murmurei:

— Deixa.

Ele não hesitou, deixou a bola para mim. Num pulo heroico, meti a bola na testa de Isaac. E, assim, havíamos ganhado o set.

Marina veio comemorar, me abraçando, o que foi estranho, porque ela não era muito fã de contato físico gratuito.

— Aquele cara é bem bonito — comentou ela, apontando com os olhos para Rafael, como se já não fosse óbvio. E não vai fugir daqui a alguns meses, pensei.

— Concordo. Você deveria...

Ela riu.

— Ele não estava olhando para mim, Peruzzo.

Arregalei os olhos, enrubescendo.

— Não, ele não estava...

— Olhe a cara de Isaac. É claro que Rafael estava te secando.

— Pedro também parece prestes a matar alguém — retruquei.

— Pedro Giorno é... uma bagunça — comentou ela. — Uma bagunça completamente...

Nunca cheguei a saber o fim daquela frase, porque no mesmo momento ouvimos:

— Soleil.

Pedro estava parado atrás dela. Marina se voltou para ele.

— Por que ainda está sem camisa? Perdedores não tiram a camisa.

Ele sorriu, mas algo em seu semblante ainda parecia sério demais, focado demais.

— Cada um ganhou um set, Soleil. Mas tem razão. Estou cansado de me sentir um perdedor.

Eu estava prestes a sair de lá quando Marina ergueu uma sobrancelha para ele.

— É mesmo?

Ele revirou os olhos, frustrado com a frieza dela, e a empurrou contra uma árvore. E então aconteceu o beijo mais tira-fôlego que eu já vi na minha vida toda.

Todos começaram a bater palmas, como os grandes filhos da puta que eram, e senti uma respiração no meu pescoço.

— Trouxe seu próprio gigolô?

Encarei Isaac, frustrada.

— Marina o chamou. Eu não fiquei dando em cima dele.

— Bem, saiba que minhas strippers e o seu gigolô viraram BFFs — ele apontou para a quadra, onde Rafael conversava e ria com Hollister e Abercrombie. Ficamos em silêncio por um momento. — Eles são fofos juntos, não são?

— O ménage?

— Não. Giorno e Soleil.

Deixei escapar um sorriso.

— São, são mesmo.

— Sabe o que eu acho? — ele sentou-se num banco, e eu sentei-me ao seu lado. — Acho que as coisas dão errado por tanto tempo que as pessoas esquecem que elas podem até dar certo.

— Ah, é? Sempre pensei em você como um cético.

— Não me entenda mal, apesar de que tudo o que eu digo começa a soar errado no momento em que sai da minha boca — seus olhos acizentados me fitaram por um momento, mais claros por causa do sol, e eu sabia que ele estava pensando no que me dissera há alguns dias. — Eu acredito em amor. Só não acredito que vai acontecer comigo.

Nós nos encaramos por um minuto, e eu soube que era idiotice tentar ser sua amiga. Não éramos amigos, camaradas, colegas, chapas, parceiros. Mas éramos duas pessoas tentando encontrar algo pelo o que viver, e eu esperava que isso bastasse e que eu parasse de querer agarrá-lo sempre que ele olhava para mim.

— Bem, nos filmes, os descrentes sempre criam as melhores histórias — comentei, me arrependendo logo depois. Notei que Pedro e Marina não eram mais a atração principal: nós éramos. — Hmmm... Vamos.

Levantei-me rapidamente e o resto do grupo parou de nos observar.

* * *

Os professores reuníram todo mundo no pátio, porque não tínhamos um auditório. Todos os colegiais se sentaram no chão e esperaram por alguma instrução.

— Vamos começar o projeto semestral — disse Sérgio, o professor de Português, anunciou. Houve um suspiro coletivo logo depois. — Os três anos terão o mesmo tema: Seguimento Vital, onde usarão suas qualidades para pensar em que seguimento seguirão em relação às suas carreiras no futuro, que está cada vez mais próximo.

Rubbish (Lixo) — Isaac murmurou, se sentando ao meu lado. — Eles não podem me dar nota por escolher uma carreira.

— Ah, eles podem, e vão.

— Para reforçar o seguimento escolhido — continuou o professor. — Vocês devem começar ou participar de algum projeto, estágio, o que for, que lhes ajude a ganhar experiência no ramo.

— Ah, como se eu tivesse tempo para essa caralha — Isaac revirou os olhos.

Eu ri.

— Tão fofo falando palavrão na minha língua.

Ele me lançou seu olhar malicioso por costume, mas depois percebeu que o havia feito e desviou os olhos, ajeitando os óculos.

Isaac

Eu sei que sou bom em alguma coisa, só não descobri em que ainda.

E eu não podia ser cobrado por isso. Podia? Continuei encarando a tela do Word e o único período que eu escrevera até ali. A mulher, inspetora ou algo do gênero, reclamava que eu estava usando o computador da escola há tempo demais. Eu a ignorei.

E então liguei para Allison. A foto dela com os meus óculos apareceu de novo e eu não troquei o papel de parede, de novo.

Oi?

Ela sempre atendia o telefone com "Oi", nunca com "Alô". Surpreendi-me por ter notado.

I'm like a jack of all trades who's a master of none (Eu sou como um pau para toda obra que não é o mestre de nenhuma) — eu falei.

Hmmm... Ok.

— É de uma música do City And Colour.

Certo.

— Não é um bom ponto de vista para se colocar num trabalho sobre o futuro, é?

— Hmmm... Provavelmente não.

— De que importa, de qualquer modo? Vou dar o fora daqui em alguns meses. Talvez antes do prazo final.

O silêncio do outro lado da linha foi tão longo que até achei que a ligação havia caído.

— É — ela respondeu, por fim.

— O que você está fazendo?

Vendo estrelas — disse ela. — Mas, é claro, não tem estrelas.

Era algo que eu notara sobre o céu de São Paulo. As estrelas eram tão escassas que cada uma delas se tornava extremamente especial.

— Por isso tem estrelas coladas no seu teto?

Ela demorou novamente a responder.

É. Você passou a tarde toda tentando escrever o projeto?

— E, aparentemente, a noite toda também.

— Bem, isso é uma merda.

— Não diga.

— Estou fugindo do meu pai. Ele sabe sobre o projeto e está me pressionando. Ele acha que estou distraída com outras coisas.

Eu ri.

— Imagina se ele me conhecesse?

Isaac.

— Sim?

Quer conhecer o meu pai?

— Tipo, agora?

— Tipo, é. Ele vai ficar tão puto que vai esquecer do projeto.

— Você quer que eu conheça seu pai?

— Eu quero que ele pare de me pressionar, então estou te pedindo um favor — Pausa. — Tem comida chinesa.

Fechado.

— Qual camiseta está usando?

Olhei para baixo.

— "Eu sou o cara sobre quem seus pais te advertiram."

Ela riu.

Perfeito. Pela primeira vez, eu amo as suas camisetas machistas idiotas.

Eu ri.

— Isso é tudo o que ama sobre mim?

O silêncio me lembrou de que eu havia ido longe demais. A ligação caiu logo depois.

"Caiu".

Allison

— Ah, e pai — chamei enquanto colocava os pratos na mesa. — Chamei um amigo para jantar, ok?

Meu pai parou o que estava fazendo e olhou para mim, o que era raridade.

— Alguma razão especial?

— Não, eu só... percebi que você não conhece meus amigos.

— Ah, vamos fazer disto um hábito?

Dei de ombros.

— Não tenho tantos amigos assim.

— Sabe que deveria ter me avisado com antecedência.

— Bem, você não me avisou que jantaria em casa, senão eu poderia ter avisado meu amigo antes.

— Onde mais eu jantaria?

Mordi minha língua para não retrucar. Senti o gosto de sangue invadir minha boca e me xinguei mentalmente.

—... Mas então, conte-me sobre esse seu amigo.

— Isaac Geymer, ele é aluno de intercâmbio — falei. — Dos Estados Unidos.

Isso chamou a atenção dele.

— É mesmo? E quando ele vai chegar? Porque, você sabe, está ficando tarde para andar de ônibus por aí.

— Ah, ele vem de carro. O cara da casa onde ele e a irmã estão morando empresta a ele às vezes.

— Carro? — meu pai franziu o cenho e eu percebi que havia dito merda. Ou talvez não. — Ele tem carteira?

— Tem — menti mais ou menos, já que Isaac realmente tinha uma carteira... Ela só não era válida num raio de 7000 quilômetros. — Ele tem dezoito anos.

Ele claramente não ficou feliz com essa informação.

— Compreendo. E nesse meio tempo de arranjar jantares com amigos, tem trabalhado no seu projeto?

Quase como um anjo gringo indecente, Isaac tocou a campainha.

Fui atender, mas meu pai foi mais rápido, então apenas corri em seus encalços.

Good evening (Boa noite)ele cumprimentou, e eu quis me matar.

Houve um segundo de silêncio, que imaginei ser a surpresa de Isaac.

— Oh! Well, good evening, hm, sir — Quando cheguei à porta, os olhos acizentados cravaram-se em mim. — That's good, maybe it will make her talk to me in English (Isso é bom, talvez faça com que ela converse comigo em Inglês).

— Você não fala com ele em Inglês?! — Michael Peruzzo me encarou como se eu tivesse atirado na escola inteira com uma Winchester 22 (porque essa é a única arma que eu conheço, obrigada Faroeste Caboclo). — Allison, essa é uma oportunidade única que você...

— Minha casa. Meu país. Minha língua — murmurei, e então voltei-me para Isaac. — Boa noite, Geymer.

Ele tentou esconder um sorriso. Meu pai ainda não parecia ter percebido a camiseta, e depois que Isaac o chamou de sir, talvez até estivesse gostando do garoto. Tive vontade de contar a ele que Isaac tinha um piercing na língua. E depois contar a ele onde aquele piercing já havia estado.

Mas eu mal conseguia admitir aquilo para mim mesma, que dirá a meu pai. E eu não era a maior fã de Isaac em muitos casos, mas não queria que ele fosse enxotado de casa a murros. Na verdade, acho que meu pai não bateria nele. Talvez ligasse para algum advogado e o processasse por pedofilia, mesmo que ele só fosse um ano e meio mais velho que eu. E pior, Michael ganharia o processo.

— Michael Peruzzo — meu pai estendeu a mão direita, me ignorando.

— Isaac Geymer — Isaac a apertou, tentando dar um daqueles apertos firmes de filme.

* * *

— Então, Isaac, conte-me — disse meu pai em meio ao jantar. — Quais são seus planos para o futuro?

— Eu, hum, não tenho muita certeza — admitiu ele, desviando o olhar. — Mas não importa muito, certo? Quero dizer... Não é como se eu estivesse prestes a casar com a sua filha ou algo do tipo. Só estou aqui pela comida chinesa — ele percebeu o que havia dito. — Quero dizer... Hum, sir.

— Bem — o olhar do mais velho era frio. Eu conhecia aquele olhar muito bem. — É sempre bom ter planos. Allison, por exemplo, já tem um caminho claro no campo do Direito.

Isaac soltou um riso, que tentou disfarçar com uma crise de tosse.

— Desculpem, sabe como é... Ar seco...

— Allison já comentou que nossa família é inglesa?

— Creio que não — ele engoliu mais um pouco da comida. — Por isso você deu à sua filha um nome que as pessoas vão pronunciar errado a vida dela toda? Porque, acredite em mim, não é legal quando as pessoas pronunciam seu nome errado.

Isaac estava nervoso, o que o deixava incrivelmente... humano. Normalmente ele não deixava que essa vulnerabilidade aparecesse, e achei engraçado que meu pai o intimidasse. Isaac normalmente tinha controle absoluto sobre tudo, então era curioso vê-lo tropeçar nas próprias palavras.

— É uma homenagem à avó dela — respondeu meu pai calmamente. — Minha mãe.

— Ah, sim. E ela mora no Brasil?

— Ela faleceu um pouco antes de Allison nascer. Mas sim, morava. Casou-se com um brasileiro.

Oh. Sinto muito.

A conversa morreu por uns dois minutos, até que meu pai franziu o cenho para Isaac e disse:

— O que você está fazendo?

Isaac estava passando a língua pelos dentes com a boca fechada. Parecia que ele estava tentando tirar comida do dente, mas na verdade só estava brincando com o piercing.

— Eu... Hum, nada.

— Então, Isaac, o que você faz no tempo livre?

— Bem, eu passo boa parte do meu tempo livre estudando Português, para ser sincero. Eu gosto de... Hum, sei lá. Jogar truco.

— Truco — meu pai repetiu.

— É, tem um bar na Lapa que...

— Bar.

Isaac cruzou os talheres sobre o prato vazio. Fiquei surpresa com o senso de etiqueta.

— Eu deveria ir, prometi ao Seu Flávio que não chegaria tarde.

Meu pai se levantou e se aproximou do rapaz.

Nice meeting you, Isaac (Um prazer te conhecer, Isaac) — mas seu tom de voz denunciava que não era.

Isaac parecia estar tendo um ataque cardíaco interno.

You... You too, sir. I, hm...

E então ele não aguentou e passou a língua pelos lábios, como sempre que estava nervoso. Michael arregalou os olhos.

— O que...?

— Eu te acompanho até a porta, Geymer — segurei a mão de Isaac e o puxei até a porta. Fechei-a atrás de nós. — Valeu. Sério.

Mas ele não estava descontraído como sempre. Muito pelo contrário, estava sério. Eu não estava acostumada com a dureza no olhar dele, então recuei.

— Eu não sou tão ruim quanto você pensa.

O comentário dele me surpreendeu. Franzi o cenho.

— Quê?!

— Eu não sou... Quero dizer, eu não quero ser o cara que você não quer apresentar ao seu pai. Não quero que uma garota me veja como a porra de um Romeu usado para irritar a família dela.

— Mas nós não...

Ele suspirou e me encarou, o que foi suficiente para minha voz morrer.

— Eu sei. Mas não é esse o ponto. O ponto é que eu deixei você me usar para irritar seu pai, e eu não deveria ter feito isso. Porque, na moral, eu não sou um cara ruim. Não tenho ficha, sequer multa de trânsito, nunca traí, até porque nunca tive nada sério... Mas isso não importa. Então, talvez eu não saiba o que eu quero da vida ainda, mas pelo menos eu tenho coragem de admitir isso — ele ergueu uma sobrancelha. — Direito? Sério?

— É só para ele calar a boca, e depois...

— Não! Não é assim que a vida funciona! Você não pode concordar com tudo e depois virar as costas e fazer o que você quer! Se é o que você quer, tem que lutar por isso. Por acaso acha que meu pai me queria aqui? Liga todo dia para saber se eu morri — ele revirou os olhos. — Portugal ele até aceitava, mas Brasil... E o que eu fiz? Eu lutei por isso, damn it.

— E agora você tá aqui.

— E agora eu tô aqui.

Eu o fitei por um minuto, sem saber direito como reagir.

— Mas tem batalhas que a gente perde antes mesmo de elas começarem.

Ele tivera razão mais cedo, não era um cara ruim. Era muito mais inteligente do que deixava transparecer, e tinha um coração muito maior. Mas não pertencia à minha vida de forma alguma. Eu não suportaria conversar com Isaac pelo Skype a 7000km de distância. São Paulo era o nosso palco. A peça não podia continuar sem esse palco, assim como não continuaria sem o protagonista.

— São por essas que a gente tem que lutar mais ainda — um esboço de sorriso apareceu em seu rosto, e foi como se um peso enorme tivesse sido tirado de mim. Ele não estava bravo comigo.

A porta se escancarou.

— Allison? — meu pai ergueu uma sobrancelha.

Isaac não desviou o olhar. Acho que ele não suportaria encarar meu pai novamente.

— Boa noite, Isaac — falei, e ele pareceu surpreso por eu tê-lo chamado pelo primeiro nome tão levianamente.

— Boa noite, Allison — outro sorriso se esboçou.

E notei que a única coisa que ele dizia que realmente soava bem com seu sotaque era meu nome.


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